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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

cotidianas #258



Um cara fica com o celular sem bateria e não consegue saber que horas são. Não usa relógio e se guia pelo aparelho para saber as horas. Vai ao computador e a hora que aparece é 00:00. Procura no microondas mas ele está apagado, parece que faltou luz: tudo desligado. Sai para a rua e encontra um vizinho no corredor. O relógio dele parou, sumiram os ponteiros. Saem juntos do prédio, olham um cuco na janela de uma casa. O cuco está empoleirado para fora da casinha, parado de boca aberta, o pêndulo do relógio parado. Os dois ponteiros caídos com a força da gravidade. Na esquina o relógio digital, daqueles grandes na rua, com quatro oitos. O sol não se põe. O relógio ponto também parou de trabalhar então ninguém mais para de trabalhar, até porque o sol não se põe. Mas todos no escritório sabem que vão ter que trabalhar além da hora porque o trabalho é muito e é preciso mostrar serviço. Mesmo sem se saber a hora, sabem que ela é insuficiente para dar conta das metas. Na escola todos fazem hora pra aula acabar mas o tempo não se mexe e então se estende um tempo infinito pros alunos terminarem a prova de física. Quanto tempo um projétil disparado com força de 10 newtons num ângulo de 30 graus do solo demora para alcançar a distância de 300 metros? Resposta: o tempo todo. O projétil não tem pressa de cair, a guerra não vai acabar, o soldado não vai votar pra casa, a espera da sua jovem esposa será para sempre, mesmo tempo de quem espera a paz. O tempo voa como o projétil, mas agora parece uma gaivota que plaina, parada no tempo, parada no vento. As gaivotas não têm hora para voltar, nem voltam, os barcos sobre com os peixes não têm hora pra chegar, a fome segue esperando o peixe, a gaivota voa sobre o peixe, a criança espera o peixe. A onda perdeu o tempo de voltar, mas segue voltando eternamente, num tempo nãomedido, desmedido. O homem do celular chega em frente ao mar, joga o aparelho no mar, não tem mais hora, não tem mais voz, o seu tempo agora é o tempo do mar, da onda, da volta eterna. Ele escuta o som do mar, o tempo pára.



Pedro de Almeida Costa

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