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segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Fleetwood Mac - "Tusk" (1979)



"Para mim, sou uma espécie de culpado por trás desse álbum singular, que foi feito de forma a minar uma espécie de fórmula de fazer apenas uma continuidade de ‘Rumors’.
Nós realmente estávamos prontos para fazer isso, o que poderia ter sido o início de uma autoimagem em termos de viver de acordo com os rótulos que nos estavam sendo colocados como banda.
Você sabe, tem havido vários momentos durante a trajetória da Fleetwood Mac ao longo dos anos em que tivemos que minar quaisquer que fossem as máximas que nos imputassem de maneira a nos mantermos com o espírito de artistas iniciantes,
e o álbum Tusk foi um desses momentos."
Lindsey Buckingham



Essa história começa em 1974. O grupo inglês Fleetwood Mac tava numa pior. O baterista Mick Fleetwood – e a metade do nome da banda, pois a outra é de John McVie, o baixista – foi visitar um estúdio e descobriu um casal de cantores e compositores e os convidou pra integrar o grupo. Eles eram Stevie Nicks e Lindsey Buckingham. Sem querer, tropeçou numa mina de ouro. O primeiro disco com os caras, “Fleetwood Mac”, de 1975, vendeu muito: cinco milhões de cópias. Mas ninguém esperava que o trabalho seguinte, “Rumours” se transformasse num fenômeno: 40 milhões de cópias vendidas e o terceiro disco mais comprado da história da música.
 Superar esta marca era uma tarefa inglória. Depois de excursionar pelo mundo inteiro, chegou a hora de fazer um novo disco. A pressão era muito grande. E, como quem é pressionado acaba fazendo exatamente o contrário, o guitarrista e cabeça musical da banda Lindsey Buckingham resolveu adotar um approach diferente. Trancou-se em casa e gravou metade das músicas do disco sozinho, tocando todos os instrumentos, fazendo vocais no banheiro – porque tinha a melhor reverberação – e detonando com as expectativas de todo mundo. Pra completar, usou as músicas que suas companheiras de banda e compositoras, a cantora Stevie Nicks e a tecladista Christine McVie, tinham na manga e fez um álbum duplo daqueles que parece ser, na verdade, três discos distintos. Mas que, numa ouvida do começo ao fim, apresenta uma coerência maluca. Se eu fosse louco, o compararia ao “Álbum Branco” dos Beatles, pela variedade estilística. Mas eu não sou. E este é “Tusk”, o 15º disco favorito aqui da casa.
Pra começar na manha e não assustar ninguém, Buckingham colocou uma balada romântica de McVie como primeira canção, “Over and Over”, daquelas que a gente ouvia na rádio nos anos 80. Mesmo num clima meloso desses, se ouve o toque LB: os vocais inspirados nos Beach Boys, grandes ídolos do guitarrista, especialmente o líder Brian Wilson. O vocal de Christine é bem característico das canções que ela interpretou no grupo até sua saída, em 1998.
 Em “The Ledge”, começa a viagem sonora do guitarrista. E a mensagem é dirigida diretamente à sua namorada da época, Carol Ann Harris (que, anos depois, escreveu um livro sobre suas aventuras e desventuras ao lado de Buckingham): “Você pode me amar/ mas não pode ir embora/ Alguém tem de te dizer/ o que tudo isso significa”. Os vocais são fantasmagóricos e ele toca todos os instrumentos. Não que tenham muitos nesta faixa: o trio básico de guitarra, baixo e bateria.
 Após o primeiro susto, Lindsey Buckingham amacia de novo com outra composição de McVie, “Think About Me”, essa mais no clima “Rumours” do Fleetwood Mac. Christine faz esta canção pra Dennis Wilson, o baterista dos Beach Boys (sempre eles) que namorava na ocasião. “Tudo que precisou foi um olhar especial/ e eu senti que te conhecia/ não pretendia te amar/ não achava que fosse dar certo... não vou te segurar/ deve ser por isso que você está aqui/ mas se eu for aquela que você ama/ pense em mim”.
 “Save me a Place” é um pedido de ajuda de Lindsey. Os violões e mandolins dão a medida da canção, na qual o guitarrista diz: “Guarde um lugar pra mim/ Eu virei correndo/ se você me amar hoje”. A confusão é uma tônica da música. “Não sei porque devo ir embora/ não sei porque devo ficar/ talvez eu queira ficar sozinho/ eu acho que preciso ser conquistado”.
 “Sara” foi o grande sucesso do disco e a primeira composição de Stevie Nicks no álbum. Dá pra se dizer que é uma clássica canção estilo FM dos anos 70: limpa, clara, pop e direta ao ponto, apesar da letra estranha de Nicks, numa carta à sua amiga - quem mais? - Sara: “Se afogando no mar do amor/ Onde todo mundo gostaria de se afogar/ mas agora se foi/ não interessa mais/ quando você construir sua casa/ me chame... Sara, você é uma poeta no meu coração/ nunca mude, nunca pare”. Estas palavras estranhas são embaladas por uma batida irresistível do baterista Mick Fleetwood, com o baixo seguro de John McVie, os teclados discretos de Christine McVie e pelos violões de Buckingham.
 Por falar no guitarrista, ele volta a se vingar da namorada em “What Makes You Think You're the One”, num título autoexplicativo que abre o Lado 2. Nesta canção, se pode dizer que ele, como baterista, é um ótimo guitar hero e produtor. “O que faz você pensar que é a única?/ Quem pode rir sem chorar... cada pedaço/ está aí/ para ser visto/ cada pedaço/ meu/ e seu”. E a retaliação continua: “O que faz você pensar que eu sou o cara?/ que vai te amar pra sempre?/ tudo o que você fez está feito/ e não vai durar pra sempre”. Tava furioso o moço... No livro, ela conta que as brigas eram diárias. E as reconciliações também.
 “Storms” vem de piano elétrico e guitarra se entrelaçando para criar a cama na qual Stevie Nicks vai cantar uma história de amor não muito bem sucedida. Certamente a que viveu ao lado de Lindsey Buckingham. “E eu não tenho lidado contigo, eu sei/ Apesar do amor ter sempre estado aqui/ Então tento encontrar uma resposta lá/ para que eu possa realmente ganhar”. Ao lavar a própria roupa suja, Nicks consegue ser sincera: “Então eu tento te dizer adeus, meu amigo/ Gostaria de te deixar com algo carinhoso/ mas eu nunca fui um mar calmo e azul/ eu tenho sido sempre uma tempestade”. Admitindo sua personalidade, ela consegue ir em frente.
 “That's All for Everyone” é uma canção de Lindsey Buckingham que tem um quê de folk song com uma wall of sound de vocais, muitos provavelmente feitos no banheiro. Como na maioria das canções do guitarrista, a perplexidade é que domina: “É tudo pra todo mundo/ É tudo pra mim/ última chamada para todo mundo/ deve ser exatamente o que eu preciso”. Durante a gravação de “Tusk”, o guitarrista se envolveu pesado com a cocaína e não se tornou um recluso porque Carol Ann Harris vivia na mesma casa que ele. Ela conta no livro “Storms: my life with Lindsey Buckingham and Fleetwood Mac” que ele se trancava no estúdio caseiro o dia inteiro com uma montanha de pó e ficava gravando infinitas faixas, muitas delas não usadas no disco.
 A barra pesada de Buckingham continua em “Not That Funny”. “Não é tão engraçado/ quando você não sabe o que é/ Mas não consegue o suficiente disso... não me culpe/ por favor/ você está aqui porque eu quis assim”. A impressão é que o músico entrava em seu bunker particular e dizia em música tudo o que não conseguia falar abertamente e ao vivo com sua namorada. Uma briga musical. E quem levou a melhor fomos nós.
 O tão falado misticismo de Nicks aparece em “Sisters of the Moon”. “Silêncio intenso/ quando ela entra no quarto/ suas roupas pretas esvoaçando/ Irmã da Lua”. Outra faixa com bateria marcada de Mick e as guitarras de Lindsey aqui a serviço da canção. Poderia se dizer que esta canção é uma sub-”Rhiannon”, o grande sucesso das canções solo de Stevie. Possui, inclusive, a mesma pegada de guitarra e os backing vocals uivantes, como lobos em lua cheia.
 O Lado 3 do LP inicia com mais uma canção de Nicks. A faixa mais pop de todo o álbum. “Angel”, que é mais uma direcionada ao guitarrista. “Às vezes/ as coisas mais bonitas/ as coisas mais inocentes/ e muitos destes sonhos/ passam pela gente/ e continuam passando/ Você se sente bem/ Eu digo que é engraçado que tu entendas/ Eu sabia que sim/ Quando você era bom/ Você era muito, muito bom”. Lá pelas tantas, Nicks vai direto na couve: “Houve um fim/ mas não houve um encerramento”. O piano elétrico de McVie é que dá o tom.
“That's Enough for Me” é mais um trabalho solo do disco que Buckingham gravou com o Fleetwood Mac. “Toda vez que você me faz sorrir/ é do mesmo jeito que sempre foi/ E isso é o suficiente pra mim/ Toda a vez que eu não consigo dormir/ é a mesma dor que sempre foi/ E isso é o suficiente pra mim”. Para Lindsey Buckingham, amor rima com dor.
 Na sequência, vem a minha preferida de todo o disco, “Brown Eyes”, composição de Christine McVIe e cantada por ela. O baterista Mick Fleetwood faz miséria com uma batida que tem bumbo num tempo, baqueta na ferragem da caixa, prato de condução e chimbau, cada um fazendo uma coisa. E o Fender Rhodes de McVie fazendo as harmonias, juntamente com a guitarra. O baixo de John McVie está totalmente solto. Mas o que chama a atenção são os vocais que parecem vindos de outra galáxia. Lindsey, McVie e Nicks fazem o que uma amiga chamou, um tempo atrás, de “sha-la-lá etéreo”. E é exatamente isso. Esta faixa é a mostra do talento de Lindsey Buckingham como produtor. Com quase nada, ele criou um belo momento do disco. 
“Never Make Me Cry” traz Christine num clima “mulherzinha da antiga”. “Vá e faça o que quiser/ Sei que tu tens tuas vontades/ Você sabe que eu vou esperar, quanto tempo for necessário/ então vá e faça o que quiser/ você nunca vai me fazer chorar... Eu não posso aceitar tudo/ mas fico feliz de ter o seu amor/ Então não se preocupe, eu estarei bem/ e eu nunca vou te fazer chorar”. Misoginia feminina. As feministas devem ter ficado furiosas com Christine.
 Pra fechar este lado do LP, "I Know I'm Not Wrong", mais um rock de Buckingham dizendo que "os sonhos de uma vida inteira/ me mostram que eu estava errado/ Tudo está certo/ E agora se foi/ Não me culpe, por favor seja forte, eu que não estou errado". Um astro pop se queixando da vida que leva. Pobre menino rico.
 O lado 4 começa com "Honey Hi", outra composição de Chrsitine McVie que parece que vai se desmanchar, tamanha a suavidade e a dolência. Novamente o piano elétrico Fender Rhodes comanda as ações, com Fleetwood nas percussões e o violão de Lindsey transformam a canção em uma daquelas músicas que a gente canta num luau ou numa ida à praia no inverno. Esta é a verdadeira “música para acampamento”.
 "Beautiful Child" é outra balada de Nicks, onde ela consegue sua melhor performance vocal em todo o disco. A dificuldade no relacionamento contado na música fica evidente quando Nicks canta: "Eu não sou mais uma criança/ Eu sou alta o suficiente/ para atingir as estrelas/ sou velha o suficiente pra te amar/á distância/ Para confiar?.. sim/ Mas normalmente as mulheres são confiáveis". As pressões de ser uma pop star e viver na estrada detonam qualquer relacionamento. É isso que Nicks quer dizer na canção.
 "Walk a Thin LIne" é uma das "canções de banheiro" de Buckingham que mais funcionam como um artefato pop, se é que vocês me entendem. Uma introdução nos moldes da cartilha, um refrão pegajoso e, desta vez, ele resolve fazer uma música que poderia ser gravada por qualquer um. E foi, pelo baterista Mick Fleetwood em seu disco africano "The Visitor" com direito a guitarra slide de George Harrison. Aqui, o compositor empilha vocais a la Brian Wilson, conseguindo um efeito muito interessante.
 A faixa-título é das mais pretensiosas do disco inteiro, mas, ao mesmo tempo, é das mais bem-sucedidas. Uma batida tribal de Fleetwood começa os trabalhos, com os vocais novamente fantasmagóricos dos três cantores. Aos poucos, vão entrando os outros instrumentos. A letra não poderia ser mais enigmática. tanto que existe no site The Penguin uma página inteira de divagações e possíveis explicações para: "Por que você não pergunta se ele vai ficar?/ Por que você não pergunta se ele vai embora?/ Por que você não me diz o que está acontecendo?/ Por que você não me diz quem está no telefone?/ Porque você não pergunta pra ele o que está acontecendo?/ Por que você não pergunta pra ele quem é o próximo em seu trono?/ Não me diga que me ama/ Apenas diga que me quer". No meio de tudo isso, entra a US Trojan Marching Band, uma banda marcial que começa a tocar um tema sugerido pela guitarra. Uma faixa esquisita, porém muito boa. Um verdadeiro clássico pop.
Pra fechar, mais uma balada de Christine McVie, "Never Forget", que dá o tom final desta grande viagem sonora proposta pelo grupo. “Tusk” começa e termina com canções de Christine McVie para aliviar a pressão imposta por Buckingham. Ao invés de lançar três discos individuais, os compositores da banda, Lindsey Buckingham, Stevie Nicks e Christine McVie resolveram juntar esforços (mais ou menos, né?) para conseguir alguma tipo de coerência musical nesta tentativa de dar prosseguimento à carreira depois do sucesso estrondoso de "Rumours". E receberam a ajuda de John McVIe e de Mick Flçeetwood, uma das cozinhas mais criativas do rock. Musicalmente, estes esforços deram certo. Em termos de vendagens para um álbum duplo até que “Tusk” foi bem: 4 milhões de cópias. Mas o disco custou 1 milhão de dólares e foi considerado, na época, um fracasso de vendas. A recuperação aconteceria só em 1982, com o disco "Mirage", e depois de Stevie Nicks e Lindsey Buckingham lançarem seus primeiros discos solo. Mas isso é outra história.
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FAIXAS:
1. Over & Over (Christine McVie) - 4:34               
2. The Ledge (Lindsey Buckingham) - 2:07          
3. Think About Me (McVie) - 2:44           
4. Save Me a Place (Buckingham)- 2:42
5. Sara (Stevie Nicks) - 6:30        
6. What Makes You Think You're the One (Buckingham) - 3:30 
7. Storms (Nicks) - 5:31
8. That's All for Everyone (Buckingham) - 3:02  
9. Not That Funny (Buckingham) - 3:14
10. Sisters of the Moon (Nicks) - 4:44   
11. Angel (Nicks) - 4:54
12. That's Enough for Me (Buckingham) - 1:50  
13. Brown Eyes (McVie) - 4:27  
14. Never Make Me Cry (McVie) - 2:18
15. I Know I'm Not Wrong (Buckingham) - 3:01
16. Honey Hi (McVie) - 2:45       
17. Beautiful Child (Nicks) - 5:21              
18. Walk a Thin Line (Buckingham) - 3:46             
19. Tusk (Buckingham) - 3:37    
20. Never Forget (McVie) - 3:38

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