Uma das melhores combinações que existem atualmente no cinema norte-americano chama-se Scorsese/DiCaprio. Um, atrás das câmeras, e o outro, à frente. Martin Scorsese, o mestre que soube impor à indústria mais do que elementos narrativos, fílmicos e estilísticos da cena underground, mas, sim, o seu próprio olhar sensível e afiado sobre a sociedade, o qual acolhe o realístico e o fantástico. Leonardo DiCaprio, por sua vez, é o grande ator hollywoodiano da atualidade, capaz de, como os bons da arte de atuar, encarnar os papeis desde galã até os mais agudos sem parecer ele mesmo de uma atuação para a outra.
Pois “O Lobo de Wall Street” (2013), quinto trabalho em conjunto da
dupla, vai além da estreia da parceria no inconsistente “Gangues de Nova York”
(2002), em que é Daniel Day-Lewis quem cumpre o “fator Robert de Niro” e não DiCaprio;
de “O Aviador” (2004), épico mas de difícil deglutição, já com DiCaprio à
frente; e do brilhante e premiado “Os Infiltrados” (2006), em que o panteão de
astros (Nicholson, Damon, Wahlberg, Sheen) faz com que os holofotes se dividam.
Neste novo longa, porém, a química do trabalho entre os dois está amadurecida e
DiCaprio conduz o filme com total controle num papel de difícil equilíbrio
dramático, pois construído sobre o perfil psicológico preferido de Scorsese
muitas vezes assumido pelo talhado e exemplar de Niro: personalidade obsessiva,
ambiciosa, extravagante e depressiva mas com grande poder de atração.
O filme conta a história do “vida loka” Jordan Belfort (DiCaprio), um
jovem sem orientação dos pais que vai trabalhar como corretor em Wall Street,
onde conhece Mark Hanna (Matthew McConaughey, magnífico nos menos de 10 minutos
em que aparece), de quem recebe ensinamentos de como lidar com dinheiro, o que
acaba levando para toda a vida. A Segunda-Feira Negra, no entanto, faz com que
as bolsas caiam repentinamente e Belfort perca o emprego. Vai trabalhar, assim,
numa corretora de fundo de quintal que lida com papéis baratos. Lá tem a ideia
de montar uma empresa focada neste tipo de negócio, cujas vendas são de valores
mais baixos mas, em compensação, o retorno para o corretor é bem mais
vantajoso. Cria, então, ao lado de Donnie Azoff (companheiro de todas as horas
e carreiras de pó) e de meia dúzia de amigos na mesma vibe de enriquecer, a corretora Stratton Oakmont, uma máquina de produzir
dinheiro que faz com que todos passem a levar uma vida sem limites dedicada ao
prazer, ao sexo e às drogas.
Neste sentido, Belfort se parece com Henry Hill (Ray Liotta) de “Os Bons
Companheiros” ou Jimmy
Doyle (DeNiro) de “New York, New York”, fator este que pode ser a única
crítica possível ao filme. Ao rodar uma nova “cinebiografia sem cortes” depois
de uma fantasia infantil, "A Invenção de Hugo Cabret" (2011), e de um terror
psicológico, "Ilha do Medo" (2010) – seus dois trabalhos anteriores –, Scorsese
estaria repetindo o formato de “Os Bons...”, “Aviador” ou “Touro Indomável”.
Sim, de fato. Mas qual o problema? Além de divertir com suas tiradas e cenas de
humor grotesco (a cena em que DiCaprio cheira cocaína para anular o efeito de
outra droga e reassumir o controle do próprio corpo para salvar o amigo,
fazendo um paralelo com o desenho do Popeye comendo espinafre na televisão, é
digna dessa classificação) e da habitual montagem hábil da mestra Thelma Schoonmaker,
“O Lobo...” é exemplar em atuações, não só do protagonista (Jonah Hill, como
Donnie, merece inquestionavelmente um Oscar de Coadjuvante, o qual concorre), mas
em condução narrativa, ainda mais tratando-se de uma produção de 3 horas, que o
espectador não vê passar tamanha a capacidade de prender-lhe a atenção.
A belíssima Margot Robbie como Naomi, a esposa de Belfort |
É
satisfatório saber que “O Lobo...” já é a maior bilheteria de Martin Scorsese
em sua carreira, tanto pela torcida pelo filme e a ele, cineasta que sempre
apostou no questionamento da sociedade contemporânea e na ruptura com os
modelos pré-estabelecidos da linguagem cinematográfica (e sem deixar de
reverenciar quem gosta), quanto pelo o que isso representa para o cinema em
dias atuais: a proposição de uma visão mais integrada das coisas, sem excessos
tanto de ideologias yankees imundas
nem de rompimento total com a arte. Nem tanto para blockbuster nem para Dogma 95. Cinema, na sua essência, é saber
contar uma história em audiovisual de uma forma interessante e cativante. Pois
o novo Scorsese/DiCaprio cumpre isso muito bem. Se vai ganhar algum Oscar,
mesmo com o ator principal sendo sério candidato, não se sabe, até porque a
Academia já cometeu muitas barbaridades em nome de ideologias políticas
duvidosas, e uma implicância com alguma ferida que o filme porventura toque não
seria de se estranhar que não leve mesmo alguma estatueta. Mas a torcida é
válida, pois predicados não faltam ao longa.
trailler "O Lobo de Wall Street"
por Daniel Rodrigues
Nenhum comentário:
Postar um comentário