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sábado, 10 de agosto de 2024

cotidianas #838 - Ela joga bola

 







Ela é menor que os outros
Mas joga muita bola
É uma grandeza o que joga essa moleca

Ela é melhor que muito homem
Joga a bola nela
É uma lindeza como joga essa menina


*************************
Ela joga bola
Cly Reis

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

"Dia dos Namorados Macabro", de George Mihalka (1981) vs. "Dia dos Namorados Macabro", de Patrick Lussier (2009)


Essa coisa de dia dos namorados em junho é só aqui no Brasil, mesmo. Em grande parte dos outros países do mundo, a data dos apaixonados é comemorada em 14 de fevereiro, dia de São Valentin, padroeiro do amor. Como foi tendência no final dos anos 70 e início dos 80, os norte-americanos resolveram fazer filmes de terror para diversas datas comemorativas, "Halloween" (1978), "Réveillon Macabro" (1980), 'Aniversário Macabro" (1981), "Natal Sangrento" (1984), entre outros. O dia dos apaixonados não poderia ficar de fora e para 'celebrar' a data, em 1981, o slasher "Dia dos Namorados Macabro" foi lançado. Extremamente sangrento e com mortes cruéis e chocantes, o longa canadense sofreu com os departamentos de controle chegando ao público mais retalhado que as vítimas do próprio filme. Muito mais 'leve' e palatável na versão que foi aos cinemas, acabou, então, por não agradar os verdadeiros fãs do gênero e, desta forma, não gozando do mesmo respeito que alguns de seus similares, como um "Sexta-feira 13", por exemplo. Mas mesmo assim, "Dia dos Namorados Macabro" ou "My  Bloody Valentine" mantém um certo status de cult do gênero.

Levando em consideração todas as restrições sofridas pela produção em sua época, e diante de um cenário atual mais livre, com muito mais recursos tecnológicos e tantas produções que não aliviam na violência gráfica, era mais que justo que "My Bloody Valentine" ganhasse um remake com tudo o que tinha direito e que lhe fora negado lá atrás. O remake aconteceu e não decepcionou! Nos deu sangue, crueldade, grafismo, criatividade nas execuções. 

Parece que teremos então no confronto original versus remake uma vitória fácil da nova versão...

 Engano! 

Como aquele time que está  desfalcado, que parece que não terá seus melhores jogadores, mas, momentos antes do jogo, anuncia que terá todo mundo à disposição, o time de 1982, com sua versão uncut, com todas as mortes, sem filtro, sem tarjas, sem desfoque, liberada há pouco tempo atrás, foi pro jogo em igualdade de condições. E aí, ó... tem jogo.

No filme original, depois de uma acidente, quando trabalhadores foram esquecidos numa mina por irresponsabilidade de seus supervisores, mais interessados em ir ao baile do Dia dos Namorados do que em conferir se todos já haviam deixado o local, o único sobrevivente resgatado dos escombros, Harry Warden, fugido de um hospital, um a o depois na mesma data, comete uma série de assassinatos como vingança por o terem deixado para morrer na mina, e por, mesmo em fã e ao acontecido com ele e seus colegas, no ano anterior, ousarem voltar a realizar o baile. Harry é apanhado, preso, mas, aí, sim, com as as novas mortes, todo o trauma da primeira tragédia, a 'sombra' de Harry e tudo mais, o baile passa a não ser mais celebrado na cidadezinha. As coisas ficam assim por 20 anos quando, sentindo que as coisas foram superadas, o prefeito e os habitantes da pequena Hanniger decidem voltar a fazer a festa do dia dos namorados.

Só que às voltas com o surgimento de novos cadáveres e corações humanos em caixas de bombom, acompanhados de macabros bilhetinhos ameaçadores exigindo a não realização dos festejos, o que sugeriria que Harry poderia estar de volta, o prefeito cancela o baile. Sem, no entanto revelar os verdadeiros motivos da decisão, de modo a não causar pânico generalizado, a garotada não totalmente convencida das razões do cancelamento e com tudo pronto para a festa, decide seguir com o plano do baile assim mesmo, por conta própria. E onde seria bom, uma vez que o prefeito fechou o salão da cidade? Na mina, é claro! Ah! Era tudo que o assassino queria! Lá o matador faz a sua festa, enquanto, na área urbana da cidade, o xerife recebe novas pistas e esclarecimentos sobre o paradeiro de Harry em relação ao hospital  psiquiátrico onde se encontrava.

Embora basicamente na mesma tônica, a nova versão tem algumas diferenças: depois de sermos brevemente informados, ainda nos créditos iniciais, com manchetes de jornais, sobre os acontecimentos e desdobramentos sobre uma tragédia ocorrida numa mina na cidade de Harmony, na qual vários operários morreram numa explosão provocada por negligência, o único sobrevivente, Harry Warden, desperta do coma com uma fúria incontrolável e, ainda no hospital, nos oferece um banho de sangue brutal, tomando rumo em seguida à mina para se vingar dos que causaram a tragédia., pois a rapaziada da cidade está toda por lá curtindo e tomando umas cervejas.

Na mina, Harry encontra a rapaziada da cidade que está por lá curtindo e tomando umas cervejas e então continua sua jornada de selvageria vingativa. Trucida vários jovens com sua picareta, mas é contido por um dos rapazes e é baleado pela polícia que chegara ao local, fugindo seriamente ferido.

10 anos depois, a cidade tenta voltar ao normal. O xerife da época do massacre se aposentou, Axel, um dos jovens sobreviventes de Harry, virou xerife, o antigo dono da mineradora faleceu, seu herdeiro, Tom, voltou à cidade para se desfazer do negócio, e Sarah, sua ex-namorada, outra que escapou do maníaco, casou exatamente com o novo xerife. Mas o retorno de Tom coincide exatamente com novos assassinatos e deste modo, o herdeiro ausente da cidade por tanto tempo, passa a ser um dos principais suspeitos dos crimes. No entanto, os novos crimes têm a assinatura de Harry: caixas de bombom com um coração humano em seu interior, o que volta a levantar a dúvida se o psicopata teria realmente morrido no tiroteio na mina, dez anos antes.

Se por um lado, o remake tem a vantagem de nos apresentar mais suspeitos em potencial, principalmente, Tom, o filho pródigo da cidade, Axel, o xerife enciumado da esposa, a hipótese da possível sobrevivência de Harry, ou ainda, mais remotamente, de seu retorno sobrenatural, desperdiça toda uma boa trama com um desfecho um tanto... desapontador, cheio de clichês dispensáveis. Mas, mesmo assim, com alguns defeitos, conseguiu o mais importante que era encarar o original de igual para igual. Mas será que foi suficiente para desbancar um clássico?

Saberemos...

"Dia dos Namorados Macabro" (1981) - trailer


"Dia dos Namorados Macabro" (2009) - trailer


Os dois times começam o jogo a mil por hora: se no original temos a cena inicial pré-créditos, dentro da mina, com uma garota sendo pendurada numa picareta cravada na parede, na refilmagem, com alguns minutos a mais, temos o cenário de açougue do hospital na fuga de Harry, com tripas, mutilações e um banho de sangue. 1x1 rapidinho, em menos de cinco minutos.

O original tem o componente do baile que, na minha opinião colabora para o roteiro como um elemento simbólico marcante da recuperação emocional da cidade, item que o segundo filme praticamente ignora. Gol do filme de 1981! Em compensação a trama da nova versão é levemente mais complexa, tem mais subdesdobramentos, apresenta mais alternativas, sugere mais suspeitos e isso lhe dá uma certa vantagem sobre seu antecessor. Gol do time de 2009! 2x2, no placar.

Embora ambos tenham cenas importantes na mina, o primeiro explora melhor o ambiente: o subterrâneo, a escuridão, corredores estreitos, a sensação labiríntica, claustrofóbica, carrinhos de carga em trilhos como um trem fantasma... E tem as ferramentas (picareta, martelo, pá), assassino com máscara (de minerador), muitos jovens, nudez... Tudo muito slasher oitentista. Ah, isso é gol do time dos '80's. 3x2!

A garota pendurada no chuveiro, no vestiário da mina.
Uma das boas mortes do filme de 1981

O remake até é mais gráfico, tem uma parte técnica melhor, tem mais sangue jorrando, mas ambos os filmes têm mortes excelentes e o original, cujas cenas mais fortes só foram vistas na íntegra agora na versão integral, não fica devendo em nada ao novo no que diz respeito à maquiagem e efeitos visuais. O primeiro tem a morte da senhorinha organizadora do baile torrada na lavanderia, a do dono do bar com a picareta atravessada na cabeça arrancando um dos olhos, a do garoto com a cabeça mergulhada na panela fervente com salsichas, a do mineiro alvejado com a pistola de pregos na cabeça, e especialmente a da garota pendurada pela cabeça no chuveiro com água jorrando pela boca. Muita qualidade de execução, tranquilidade na cara do gol, frieza. 4x2 para MBV original. 

Uma pá pra alargar o sorriso da menina.
Provavelmente, a melhor morte do remake e uma das grandes
dos filmes slasher

A favor do time de 2009, além de refazer com competência, respeito e reverência (e mais sangue) algumas das mortes, como a da máquina de lavar e a da picareta no olho, nos brinda com a espetacular cena da pá na boca da garota, partindo a cabeça em duas e fazendo a parte superior deslizar pela superfície da ferramenta. Gol de quem conhece do ofício. Gol de matador! E o time de 2009 diminui: 4x3.

Um charme do filme de 1981, que até está presente na nova versão mas que não tem a mesma ênfase são os bilhetinhos do nosso assassino dentro das caixas de coração (com coração), característica típica da festa de São Valentin, explorado aqui como advertências do matador para que não se leve adiante a ideia do baile, em versinhos nada carinhosos. Gol do filme original e o nosso matador sai fazendo coraçãozinho com as mãos para torcida. 5x3

O time do século XXI tenta um recurso típico de sua época para empatar o jogo mas não surte o efeito esperado. Concebido para 3D nos cinemas, o novo MBV tem muita coisa "jogada" na tela como a picareta voando em direção ao espectador, a bala saindo do revólver, o olho saltando da cabeça, o que a meu ver ao invés de se caracterizar em algo positivo, conferiu uma certa artificialidade e uma forçação em algumas cenas que só são filmadas de determinada maneira, de determinada posição, para favorecer o efeito e, no fim das contas, não jogam muito a favor. 

E o placar fica assim. O time de 2009 faz bonito, enfrenta o original de cabeça erguida mas com o time de1981 completo, é difícil competir. Lamento,... aqui é mata-mata e só um pode sobreviver na competição.

No alto, os dois assassinos da mina, praticamente iguais,
à esquerda o original e à direita o da refilmagem.
Abaixo, seu tradicional 'presentinho' de Dia dos Namorados.
Vai um docinho aí?

"Dia dos Namorados Macabro 3D" bem que tentou, botou o coração na ponta da chuteira, mas não contava com a escalação do "Dia dos Namorados Macabro" '81, que jogando completo, conhece o mapa da mina.

E a torcida grita, "Uh, eô, o Harry é matador!"
(Mas será que é ele mesmo?)
 




por Cly Reis

sábado, 6 de janeiro de 2024

"Noite de Reis", de Trevor Nunn (1996) vs. "Ela é o Cara", de Andy Fickman (2006)

 



Num jogo cheio de táticas, estratégias, jogadores executando mais de uma função, falsos noves, falso ponta, e etcetera e tal, no fim das contas, ganha quem joga mais bola e aí, quem trata sobre futebol, leva vantagem.

Aqui não  tratamos exatamente de um remake mas de duas adaptações a partir da mesma peça. "Noite de Reis", originalmente "A décima segunda noite", é uma divertidíssima comédia de Shakespeare na qual uma garota, Viola, tem que se passar por homem, assumindo a identidade de seu irmão gêmeo Sebastian, causando uma série de confusões e contratempos, entre romances, paixões e amores não correspondidos. Embora o filme de 1996, "Noite de Reis", de Trevor Nunn, seja mais fiel à peça original de William Shakespeare, "Ela é o Cara", de 2006, mesmo se arriscando em adaptar um texto tão clássico e tradicional, ainda mais para um tema tão popular como futebol, é mais competente e executa melhor a proposta de jogo, ou seja: divertir.

O original inglês é chato, modorrento. Até mantém toda a situação do naufrágio que ocasiona a separação dos irmãos, mas essa fidelidade não  joga a seu favor. Faz uso do texto clássico, com falas empoladas e vocabulário rebuscado, mas a opção  não só não representa ganho nenhum, como mostra-se questionável, especialmente pelo fato da ação do filme não se passar no período do livro original e sim, quase um século depois. Embora inegavelmente genial e impecável, utilizada daquela forma, integralmente, a peça, literal como é apresentada, torna o todo cansativo e maçante. O diretor não consegue extrair de um texto naturalmente cativante e hilário, humor o suficiente para fazer o espectador rir, só o conseguindo em cenas 'pastelão' como em um duelo desastrado ou em perseguições esdrúxulas. Além do mais, desperdiça muito tempo em situações secundárias, especialmente na tramoia de Sir Toby, Sir Andrew e Maria, para iludir Malvólio, ponto que até tem sua relevância na trama, mas que se estende demasiadamente, chateando o espectador para, no fim, das contas, ter pouco efeito sobre o desfecho. Por conta da opção pelas falas textuais da peça, as visitas de Cesário (Viola vestida de rapaz) a Olívia, que seriam pontos-chave para o encantamento da bela pelo mensageiro, tornam-se torturantes e, ao contrário do objetivo da comédia, não têm graça nenhuma. William Shakespeare não tem culpa nenhuma nisso, e sim, a diferença de dinâmicas entre peça escrita e cinema, cuja noção e sensibilidade é obrigação de um diretor ao se propor a transpor uma história para a tela.


"Noite de Reis" (1996) - trailer


Para piorar, os personagens são mal-caracterizados: Feste, originalmente o bobo de Olívia, apesar de todo o esforço do ótimo Ben Kingsley, está mais para um conselheiro angustiado, um filósofo atormentado e confuso, do que para um bufão; Orsino é pouquíssimo carismático e em momento algum nos vemos torcendo para que ele atinja seus objetivos amorosos com Olívia ou, tampouco, pela aproximação com Viola, esta que, por sua vez, embora até bem interpretada pela boa Imogen Stubbs, vê seu personagem sacrificado pela direção de arte que lhe entregou um figurino inadequado, uma maquiagem muito sutil e um corte de cabelo com um corte muito delicado e feminino.

Do outro lado temos um time solto, um roteiro atualizado, atores carismáticos, caracterizações adequadas e risadas o tempo todo. Os realizadores arriscaram em omitir situações, personagens supérfluos, focando nas confusões geradas pela troca de identidades e acertaram em cheio.

Em "Ela é o Cara", diante da extinção do time feminino da escola, e com sua alta qualidade para a prática do esporte, a adolescente Viola aproveita-se de uma viagem do irmão gêmeo, Sebastian, para, com uma transformação e alguns "ajustes", assumir sua identidade e entrar para o time de futebol da escola dele. Lá, conhece Duke, um colega de time e se apaixona por ele, mas não podendo dar bandeira e estragar o disfarce, mesmo contra a vontade, o ajuda a se aproximar de Olívia, uma das garotas mais cobiçadas do colégio, que por sua vez, acaba atraída pelo Sebastian falso, que não imagina ser uma garota como ela.


"Ela é o Cara" (2006) - trailer


Amanda Bynes, como Viola, é espetacular! Engraçada, cativante, bonita, faz a gente rir com suas constantes transformações e torcer por sua relação com o colega de time, Channing Tatum, que por sua vez, é bonitão, engraçado e perfeitamente adequado para o papel, dentro da proposta. 

A cena do bar, quando Viola pede às melhores amigas para se passarem por suas namoradas para provar para os novos colegas de time, que é 'machão', que é pegador, que é O CARA, é engraçadíssima; a sequência da quermesse e sua frenética troca de identidades é hilária; e a da revelação da verdadeira identidade de Viola, dentro de campo, para provar que é verdadeiramente uma garota, é de chorar de rir.

Show de bola do time de 2006!

O primeiro gol é pela sacada de transformar uma peça clássica numa comédia romântica sobre futebol (1x0, no placar); o segundo é por fazer o expectador rir, rir de verdade (2x0); o terceiro é pela memorável cena em que o Sabastian abaixa as calças, Viola levanta a blusa e o pai diz, "É impressão minha ou esse jogo de futebol está tendo mais nudez do que o normal?". Golaço! Daqueles de sair do estádio e pagar o ingresso de novo. E o quarto fica por conta da promessa de craque, Amanda Bynes, que, como muitos meteu os pés pelas mãos e jogou a carreira fora, mas que aqui, destruiu com a defesa adversária e numa tabelinha espetacular com Chaning Tatum, guardou o seu com categoria. Depois tirou a camiseta na comemoração, levou amarelo, coisa e tal... mas o cartãozinho valeu a pena. Festa mais que merecida.

O time de 1996 ainda descontou com a craque de bola Helena Bohan Carter, de excelente atuação como Olivia mas que não consegue salvar o filme sozinha. Nem o brilhante Ben Kingsley, fora de posição conseguiu dar alguma contribuição e, desta forma, as coisas ficaram assim mesmo: 4x1 para o time de futebol.

Ao que parece, ela é mesmo o cara, hein!

Parece coisa daqueles técnicos malucos que escalam o lateral direito na ponta esquerda,
 o volante de goleiro, o goleiro de zagueiro...
Aqui, ninguém sabe quem é quem, de verdade.


No Dia de Reis, ela, "O Cara",
estragou a festa do dia comemorativo do adversário.







por Cly Reis


sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

cotidianas #817 - A Lei do Ex





Renata havia sido casada com Kike Diaz. Argentino, pinta de galã, tão famoso pelas façanhas fora de campo como pelos gols dentro dele. A vida de escândalos, traições e incertezas ao lado do Galante Platense, em Paris, quando Kike jogava no Pont Neuf, fez com que Renata Maia, ex-modelo badaladíssima em sua época de passarelas, o deixasse e retornasse com os filhos para o Brasil. Agora era esposa de Ricardo Afonso, jogador típico bom moço, daqueles que não dão problema para o clube e são o sonho de qualquer treinador pois, além de não render preocupação por seu comportamento extracampo, dentro dele fazia o modelo do jogador moderno, daqueles que executam diversas funções, o típico jogador múltiplo, uma espécie de coringa do time.

O casal Renata Maia e Ricardo Afonso era o dengo da mídia brasileira. O jogador exemplar, atleta modelo, educado, articulado, que já começava a suscitar clamores por uma convocação para a Seleção por parte da imprensa esportiva, e a ex-modelo internacional cuja vida pessoal outrora atribulada, parecia agora ter encontrado a paz junto ao homem certo. No entanto, não era segredo para ninguém que o grande amor da vida de Renata fora Kike Diaz. Enquanto estiveram juntos, eram a sensação da mídia esportiva e social, fosse pelos bons momentos, viagens, extravagâncias e até fotos intimas vazadas, mas também pelas brigas, pelas agressões de Kike, suas prisões, fianças, separações temporárias e perdões. Não fosse pela vida intranquila, incerta, insegura, Renata nunca teria deixado Kike. Ela o amava. Mas todo amor tem limite e a bela modelo preferiu a tranquilidade de uma vida normal em seu país a um amor bandido.
Ricardo fora sua tábua de salvação. Ao voltar ao Brasil, logo se conheceram numa festa da Confederação, se aproximaram e em pouco tempo estavam casados. Ela o amava mas era um amor diferente do que sentia por Kike. Era um carinho. Era grata pelo fato do marido lhe proporcionar uma vida normal. Sentia-se respeitada, valorizada única. Kike era diferente... Era algo quente, algo que lhe queimava por dentro. De certa forma, agradecia o fato dele estar do outro lado do oceano.
Mas a distância oceânica seria reduzida a alguns estados de distância. Kike fora contratado por um clube brasileiro e a imprensa, que não dorme no ponto, vendo que aquele assunto rendia, não demorou a botar uma lenha numa fogueira que nem existia, só para ver se pegava fogo. Pegou! Manchetes de sites ou de jornais faziam, supunham, sugeriam um novo contato entre os dois, redes sociais pipocavam se perguntando como Renata reagiria à proximidade com seu ex-affair, e até mesmo programas esportivos respeitáveis não deixavam de largar, nem que fosse, uma frasezinha maliciosa a respeito do assunto.
Aquilo tudo começava a incomodar Ricardo. Ele passara a agir de maneira diferente com Renata. Nunca desconfiara dela mas agora, com toda essa coisa, ficava com uma pulguinha atrás da orelha. Qualquer deslocamento mais longo que ela tivesse que fazer, Ricardo já  pensava que pudesse ter pegado um avião, ido até o outro, e voltado algumas horas depois. Percebeu que era bobagem quando, solicitada por Kike a permitir que visse os filhos, Renata pediu para que sua mãe, a avó dos meninos, viajasse com eles e os levasse até o pai.
Era sinal que ela não pretendia vê-lo, não queria vê-lo, não tinha a menor intenção de reencontrá-lo.
Mas Ricardo sabia que haveria um momento em que os dois, inevitavelmente, estariam muito perto, na mesma localidade, e seria quando o time de Kike fosse jogar em sua cidade. E aquele momento chegara. Seus clubes se encontrariam pelo campeonato nacional e Kike viria junto com seu time. Às vésperas do jogo a imprensa recomeçou a jogar o veneno. "Renata Maia reencontrará seu grande amor", "Te cuida, Ricardo".
A cabeça de Ricardo Afonso foi a mil. Tinha que dar um jeito de tirá-la da cidade por aqueles dias. E se ela tivesse vontade de vê-lo? Se ele insistisse para encontrá-la? Se marcassem um encontro enquanto estava no treino? A inquietação  aumentou quando, certo dia, ao entrar no quarto, Renata interrompera abruptamente uma conversa ao celular assim que percebera sua presença, guardando o aparelho apressadamente. Perguntada sobre a ligação, respondeu que era a Kamille e não, não desligara rápido, já estava mesmo acabando a ligação no momento em que o marido adentrara o dormitório. Ricardo não engoliu muito aquilo. Até por isso, tratou de tomar as devidas providências quanto ao dia do jogo. Renata não iria! Ela que normalmente ia vê-lo no estádio, desta vez ficaria em casa. O marido a convencera a muito custo. Ela não via motivo mas Ricardo alegava que seria melhor assim. Embora jogadores e familiares não frequentassem áreas comuns no estádio, podiam se esbarrar por algum corredor e era melhor evitar que isso acontecesse, sem falar que a imprensa poderia armar um 'encontro surpresa' à  beira do gramado ou depois do jogo só para garantir audiência. Um tanto contrariada, Renata enfim concordou. Ficaria em casa naquela tarde.
Ricardo foi mais tranquilo para a concentração.
Horas depois, no vestiário, pensava em Renata enquanto amarrava as chuteiras. No quanto era feliz com aquela mulher, na sorte que tivera em encontrá-la. Seu pensamento, no entanto, fora interrompido pelo Sávio, o lateral do time: "Viu que o Kike não vai jogar?". Os olhos de Ricardo quase saltaram da cara. "Eu soube agora há pouco por um cara da rádio, aqui na porta do vestiário. Diz que brigou com o treinador. Nem concentrou...". Ricardo queria sair dali e correr pra casa mas era tarde demais. Era hora de entrar em campo e, de mais a mais, o que alegaria para o treinador? O que diria para a torcida? Que estava com medo que o sua mulher estivesse na cama com o atacante do time rival? Que temia que ela fugisse com o ex?
Entrou em campo e jogou.
Jogou mal. Intranquilo, errou passes, foi pouco participativo e acabou substituído. Desceu para o vestiário, nem tomou banho e, aproveitou a oportunidade para para sair mais cedo do estádio. A atitude de Ricardo Afonso, tido como bom moço como atleta exemplar, agora levantava especulações sobre racha no grupo e insatisfação com o treinador.
Não interessava o que pensassem. Queria chegar o quanto antes em casa e certificar-se que a sua Renata estava lá.
Abriu a porta.
"Renata...". Nada na sala. "Renata...?". Nada no quarto. "Renata!!!". Nada em lugar nenhum. Ricardo Afonso arriou no sofá. Ficou ali sentado por um bom tempo com os olhos fixos no chão. Minutos depois a tela do celular acendeu. A mensagem no celular nem deu tempo de lhe dar algum alento. Era a mãe de Renata dizendo que as crianças estavam bem e que mandavam um beijo.
Apenas deixou o aparelho cair a seu lado.
O jogador ainda estava naquele estado de prostração quando ouviu barulho da fechadura. A porta abriu. Era Renata.
Ele não perguntou nada mas seu olhar angustiado ansiava por uma resposta.
"Não aguentei ficar em casa, Ric. Fui te ver jogar.", disse deixando a bolsa no aparador. "Você saiu cedo? Não esperou o time, as entrevistas... Eu fiquei lá te esperando que nem uma boba. Depois que eu os repórteres começaram a dizer que você  tinha saído chateado de campo, que foi embora do estádio...Que que aconteceu?"
Ele não respondeu. Simplesmente levantou-se do sofá, andou em direção a ela, a abraçou e começou a chorar.



Cly Reis

sábado, 4 de novembro de 2023

A Glória Eterna

 





Ilustrações de gols de clubes brasileiros que já tiveram a honra de serem campeões da Libertadores da América, ou seja, de alcançarem A Glória Eterna.

ATLÉTICO MG - Gol de Leo Silva na final contra o Olímpia em 2013
no Mineirão, em Belo Horizonte
Atlético MG 2 x Olímpia 0 (4x3)

CORINTHIANS - Gol de Emerson Sheik na final contra o Boca Juniors,
no Pacaembu em São Paulo, em 2012
Corinthians 2 x Boca Juniors 0

CRUZEIRO - Gol de Joãozinho no jogo-extra da final, contra o River Plate,
em Santiago, no Chile, em 1976
River Plate 2 x Cruzeiro 3

FLAMENGO -P Gol de Gabriel Barbosa, o Gabigol, na final única contra o River Plate, 
em Lina, no Peru, em 2019
Flamengo 2 x River Plate 1

GRÊMIO - Gol de César na final contra o Peñarol,
em Porto Alegre em 1983
Grêmio 2 x Peñarol 1

INTERNACIONAL - Gol de Rafael Sóbis, no primeiro jogo da final, contra o São Paulo,
no Morumbie, em São Paulo, em 2006
São Paulo 1 x Internacional 2

PALMEIRAS- Gol de Brenno Lopes, na final em jogo único contra o Santos,
no Maracanã, no Rio de Janeiro, em 2020
Palmeiras 1 x Santos 0

SANTOS - Gol de Neymar na final contra o Peñarol, em 2011,
no estádio do Pacaembú em São Paulo
Santos 2 x Peñarol 1

SÃO PAULO - Gol de Raí, na final contra o Newell's Old Boys,
em 1992, em São Paulo
São Paulo 1 x Newell's Old Boys 0 (3x2)

VASCO DA GAMA - Gol de Juninho Pernambucano, na semifinal contra o River Plate,
em Buenos Aires, na Argentina, em 1999
River Plate 1 x Vasco da Gama 1 (Vasco classificado para a final)




artes: Cly Reis
ilustrações digitais utilizando o
software GIMP

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

"Monstro", de Jennifer Kent (2005) vs. "O Babadook", de Jennifer Kent (2014)

 



Sabe aquela treinadora que fez um bom trabalho com um time limitado, mostrou serviço, competência mas não dava pra ganhar, aí teve reconhecimento e recebeu uma oportunidade num time maior? É mais ou menos o caso da diretora Jennifer Kent com o curta-metragem "Monstro", de (2005) e sua refilmagem, mais completa, o longa "O Babadook", de 2014.

O curta tem muitíssimos méritos e indubitavelmente se vê um bom trabalho ali, mas, claramente, foi o que deu pra fazer, até pela própria duração do projeto. Mas então, alguns anos depois, bancada por uma produtora maior, com mais orçamento, melhores condições técnicas, uma boa distribuição, Kent pôde aperfeiçoar sua ideia e entregou, nada menos que um dos grandes clássicos do terror dos últimos tempos.

A história é basicamente igual: uma mãe, cuidando sozinha de seu filho, duvida das histórias do garoto que alega que um homem assustador se abriga nos cantos ocultos da casa, no armário, debaixo da cama, na escadaria, pronto para pegá-lo. Só que aos poucos, com algumas evidências, sentindo a presença e com aparições do monstro também para a própria mãe, ela passa a acreditar e a lutar contra a criatura para livrar-se dela.

O primeiro filme é extremamente competente em nos apresentar esse cenário em dez minutos, partindo de um ponto de "normalidade" que ao mesmo tempo nos indica que alguma coisa não corre bem naquele lar, levanta a dúvida da existência do bicho, põe em cheque a sanidade mental do menino, cria a atmosfera de medo, e amplifica essa tensão até culminar num clímax de pavor. Tudo isso em uma edição ágil, precisa, e sob uma fotografia preto e branco sinistra e aterrorizante.


"Monster" (2005) - filme completo

Se no futebol, nem sempre posse de bola significa resultado, pois muitas vezes o time que fica menos tempo com ela é mais mortal, aqui faz toda a diferença: "O Babadook" é superior, em grande parte, por ter mais tempo de desenvolvimento. A diretora dispõe  mais tempo em detalhes, reforça situações com repetições, coloca mais elementos, e o espectador mergulha de maneira mais profunda na realidade daquele lar, do ambiente externo (vizinhança, trabalho, amigos, escola ..), na situação emocional da mãe, nos problemas de comportamento do garoto.

No curta, embora percebamos o desconforto da mãe, não conseguimos ter a dimensão da barra que ela vive cuidando sozinha do menino e como é difícil para ela lidar, não somente com as questões práticas do dia a dia (temos indicativos disso, como a cama molhada de urina, a casa bagunçada, louça por lavar...), como com os problemas relacionados aos pavores do filho.

Já na refilmagem, com mais tempo, com boa iluminação, com a maquiagem adequada, com uma atriz mais mais experiente, a mãe, Amélia, fica verdadeiramente exposta ao espectador. Uma personagem em frangalhos física e psicologicamente, uma viúva que, de uma hora para outra se vê diante do grande desafio de levar a vida sozinha, administrar a casa, cuidar do filho problemático, e ainda ter que aguentar as cobranças de se recuperar da perda do marido, voltar a ser alegre, estar apresentável...

Como se não bastasse tudo isso, o filho, Samuel, começa a ver coisas: um homem enorme, de preto, com dedos longos, usando uma espécie de cartola. O mesmo homem que está ilustrado num livro pop-up que, do nada, apareceu na casa deles. Amélia inicialmente acha que é bobagem, coisa de criança, primeiro não liga, depois ralha com o filho, logo, por conta de seu estado emocional, perde a paciência com o menino. Associa as inquietações do filho ao livro e tenta livrar-se dele mas o livro sempre reaparece. Pode jogar no lixo, rasgá-lo, queimá-lo, ele volta. Depois de também perceber a presença do monstro, sentir-se ameaçada por ele, embora tente lutar contra a criatura e tente expulsá-lo, começa cada vez mais a ser dominada por ele, ficar agressiva e dirigir essa agressividade para o filho.


"O Babadook" (2014) - trailer

"O Babadook" é mais do que um mero filme de terror. É um drama sobre maternidade com elementos de terror psicológico tão perturbadores que vão além do sobrenatural.

Todos os méritos para "Monstro" mas... não dá. Até guarda o seu por conta da excelente fotografia P&B, mas não resiste ao melhor futebol do adversário e deixa entrar. O primeiro, pelo melhor desenvolvimento da ideia original e complexidade do enredo;  e o segundo, pelo aperfeiçoamento do monstro, ainda mais sinistro e assustador, especialmente nas cenas em que se arrasta pelo teto, na que desce pela lareira e, na sequência final, quando se agiganta emergindo das sombras avançando contra os dois. A dupla de ataque guarda os seus: Essie Davis, como Amélia, tem excelente atuação e sua caracterização, desgrenhada, acabada, esgotada, é perfeita (3x1); e Samuel, o filho, vivido por Noah Wiseman, que consegue provocar no espectador um misto de piedade e irritação, garante com essa atuação brilhante mais um no placar. Virou goleada.

A técnica Jennifer Kent ainda faz uma substituição que lhe garante mais um gol: SAI o boneco, objeto perturbador do menino no primeiro filme, e ENTRA o livro, elemento que oferece mais possibilidades, mais alternativas visuais e dramáticas por conta dos desenhos pavorosos do monstro e dos textos ameaçadores da misteriosa publicação. Mais um para o Babadook!

O Monstro ainda desconta no finalzinho por conta de seu final mais interessante, mais plástico e sugestivo que o do longa, mas não é suficiente para uma reação.

Final: Monstro 2 x Babadook 5.

À esquerda, "Monstro", de 2005 e à direita, "O Babadook", de 2014


"Dook... Dook..."
Babadook bateu tanto, bateu tanto que Monstro
acabou deixando entrar na sua defesa.
"Let me in".







por Cly Reis





domingo, 8 de outubro de 2023

"Ode a Mauro Shampoo e outras histórias da várzea", de Luiz Antônio Simas - ed. Mórula (2017)

 




"Os textos deste livro (...) foram escritos
com a duvidosa categoria de um peladeiro
que mais tomou frangos do que fez golaços.
A irrelevância do futebol das várzeas,
a comovente ruindade dos perebas,
a epopeia silenciosa dos derrotados,
dos fracassados, dos frangueiros,
dos frequentadores das arquibancadas de madeira e cimento,
traçam certo painel afetuoso
sobre um Brasil que me interessa."

"A minha pátria é um gole de cerveja
para comemorar um gol sem importância,
coisa capaz de aconchegar um homem na sua aldeia
quando tudo mais lhe parece 
vertigem de um mundo desencantado."
Luiz Antônio Simas


Que coisa maravilhosa o livro de Luiz Antônio Simas! Um deleite para os apaixonados por futebol. Quem já jogou bola num terreno baldio, quem teve um timezinho de bairro, quem conhece uma daquelas figuras folclóricas dos campos, quem frequentou estádio antes dos padrões FIFA, vai se identificar e até se emocionar com as pequenas histórias de "Ode a Mauro Shampoo e outras histórias da várzea", relatadas por essa figura incrível que é Luiz Antônio Simas, um romântico desse esporte que, segundo ele, foi reinventado pelo brasileiro.

Luiz Antônio Simas, professor de história e pesquisador de culturas populares, nos apresenta diversas histórias que resgatam a raiz do futebol, a essência, o improviso, a espontaneidade, a molecagem, o prazer pelo jogo. Times de várzea, pequenos clubes profissionais, suas origens e fundações muitas vezes inusitadas, episódios pitorescos, suas lendárias formações, nomes e apelidos hilários de seus craques, seus goleiros frangueiros, zagueiros mal-encarados, hinos inspirados e cores de uniformes... tudo é objeto para as divertidas e muitíssimo bem escritas crônicas do autor.

A epopeica excursão do Santa Cruz de Recife ao Amazonas, nos anos 40, que teve de tudo, de caganeira a assassinato; a escalação clássica do Vila da Cava, de Nova Iguaçu; o juiz que declaradamente beneficiava seu clube do coração; a curiosa origem do nome do Treze de Campina Grande, da Paraíba; o zagueiro que não escovava os dentes pra espantar os atacantes; o centroavante conhecido como Abecedário exatamente por ser um completo analfabeto, são apenas alguns dos episódios narrados de forma descontraída pelo autor. Simas é um romântico, um nostálgico do futebol, inconformado com os novos tempos de clubes empresa, modernas arenas, namming-rights, gramas sintéticas, pedantismos futebolísticos e mimadinhos jogadores "táticos" com seus pomposos nomes, com sobrenomes, RG e o escambau.

Livro com o sabor de um bom papo sobre futebol, regado a cerveja na birosca da esquina.


Cly Reis 

domingo, 20 de agosto de 2023

"Assalto ao Banco da Espanha", de Jaume Balgueró (2021)

 


Final de Copa do Mundo!

Espanha na final.

O país inteiro parando para assistir a Fúria.

Casas, bares, praças... Pessoas se reunindo e se aglomerado em todos os lugares na expectativa do primeiro título mundial da seleção espanhola.

Podia muito bem estar falando do jogo de hoje, na Copa do Mundo feminina da Austrália e Nova Zelândia, mas, no caso, me refiro à final do Mundial masculino de 2010.

Em "Assalto ao Banco da Espanha", aproveitando-se dessa mobilização popular e das consequentes modificações de sistemas de trânsito e segurança, um grupo de caçadores de tesouros, pretende invadir o banco mais seguro e protegido do país e roubar um artefato antigo que contém inscrições que indicam coordenadas para um tesouro de valor inestimável.

O problema é que para chegar ao objeto eles precisam acessar um cofre que é  considerado, nada mais nada menos que "O milagre da engenharia". Para isso, então, vão atrás de uma mente capaz de desvendar o segredo dessa maravilha mecânica: um jovem, recém saído da faculdade, mas que, por sua reputação, feitos e façanhas, ainda no período acadêmico, é disputado por poderosas multinacionais para liderar seus projetos.

Petrolíferas, mineradoras, conglomerados econômicos...? Que nada! O jovem Tom Laybrick (Freddie Highmore), instigado pelo desafio e cansado de ser sempre o "bom rapaz", topa a proposta dos aventureiros. Agora, o primeiro desafio é  descobrir o mecanismo do tal cofre, depois disso, como superá-lo, e, depois disso, aí sim, a principal tarefa, tão difícil quanto e ainda mais perigosa, que é  entrar nele, pegar o item e sair do banco com o objeto.

O diretor Jaume Balgueró, do clássico do terror "REC", conduz bem a trama e  consegue manter o espectador sempre interessado, inicialmente na questão do recurso secreto do cofre, depois nos preparativos do grupo, os contratempos, as soluções emergenciais e, por fim, a missão, tudo tendo como pano de fundo a campanha do time espanhol na Copa do Mundo da África do Sul. Com toques de "Missão Impossível", muita semelhança com "Onze Homens e Um Segredo", alguma coisa de "Truque de Mestre" e "Armadilha", "Assalto ao Banco da Espanha" funciona bem e deixa a gente na expectativa até o ultimo instante, até o apito final.

Hoje, dia da final da Copa do Mundo feminina da FIFA, na Austrália e Nova Zelândia, quando, novamente, milhares de pessoas estarão reunidas na Praça de Cibeles, em Madri, é bom ficar de olho, pois algo pode estar acontecendo, do outro lado da praça, no interior do Banco da Espanha.

Todo o povo na rua, na expectativa de ver o triunfo da seleção espanhola,
e o grupo só na espreita, de olho nas das facilidades que a situação lhes proporciona



Cly Reis 

sábado, 19 de agosto de 2023

Gol de Marta - Brasil x Estados Unidos - semifinal da Copa do Mundo Feminina 2007

 




Gol de Marta - semifinal da Copa do Mundo Feminina de 2007, na China
Brasil 4 x Estados Unidos 0
REIS, Cly (ilustração digital - GIMP)






Gol de Marta
Brasil 4 x Estados Unidos 0
ilustração digital de Cly Reis

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

"Os Inocentes", de Jack Clayton (1961) vs. "Através da Sombra", de Walter Lima Jr. (2016)

 


Eu fico me perguntando, às vezes, quando vejo um remake de um clássico absoluto, de um filme legendário, cultuado, idolatrado, uma unanimidade, se o diretor da tentativa pensou mesmo que pudesse fazer algo, de alguma forma superior ao original. Se ele pensou que poderia fazer melhor. Ou, se não pensou, em nome de que se deu o trabalho de gastar tempo, dinheiro do estúdio, da produtora, distribuição, divulgação, para falhar miseravelmente, ser massacrado pela crítica e ter uma bilheteria decepcionante. Pelo que sei, o bom e competente Walter Lima Jr. não tinha, exatamente, tais pretensões ao fazer seu "Através da Sombra", em 2016. Sua ideia era filmar uma adaptação de um romance pelo qual sempre tivera admiração e vontade de levar às telas. O caso é que quando alguém pensa em adaptar para o cinema "A volta do parafuso", de Henry James, tem que ter em mente que alguém já o fez, e que essa adaptação anterior não é nada menos que "Os Inocentes", de 1961, não só um dos maiores filmes de terror de todos os tempos, como um dos melhores filmes da história do cinema! Aí as comparações passam a ser inevitáveis e, é lógico, elas tendem a não  favorecer o ousado "desafiante".

Na história, basicamente, em ambos os casos, uma moça é contratada por um milionário para cuidar de seus sobrinhos órfãos, dos quais ele tem a guarda mas nenhum interesse nem aptidão para criá-las. As crianças estão em sua mansão no interior para onde a contratada deverá rumar, tendo lá todo o suporte estrutural, logístico, financeiro, com a condição de não incomodar o contratante na capital, tendo total autonomia em ações e decisões.

Quando a preceptora chega, encontra a menina, mas o garoto de quem também deve cuidar, por sua vez, encontra-se no colégio interno. No entanto, uma carta da escola, nos dias seguintes, acusando uma série de inapropriações e "indecências" do menino, anunciam sua expulsão  da instituição e o retorno para casa. Num ambiente envolto por mistérios acerca de um casal de ex-funcionários da casa, amantes, que teriam falecido no local, enquanto, claramente, a menina guarda segredos, o garoto confirma um comportamento inadequado, muitas vezes incompatível com uma criança. O menino é ousado, é insinuante, galanteador, e a governanta chega, mesmo, a ficar estranhamente "atraída" pela criança. Baseada em informações dos caseiros, logo ela descobre que o comportamento do garoto é muito semelhante ao do antigo cavalariço falecido, um homem rude, rústico, mas extremamente sedutor que, por sinal era amante de sua antecessora. Já atormentada por pesadelos e visões, ela começa então a associar a atitude do garoto ao do homem descrito e os mistérios da garota com a ex-governanta morta e conclui que os espíritos dos dois estão presentes no local e têm grande influência no comportamento das crianças.

trailer de "Os Inocentes"  (1961)


trailer de "Através da Sombra" (2016)


A bola mal começa a rolar e "Os Inocentes" já movimentam o placar. A canção infantil entoada antes dos créditos e logo depois as mãos unidas rezando, suplicantes, sobre um fundo totalmente escuro, o som de pássaros ao fundo, um choro mudo e a angústia de uma mulher em pranto, tudo isso. enquanto os créditos iniciais vão aparecendo na tela, é um golaço do diretor Jack Clayton.

"Os Inocentes" (1961) - abertura e créditos iniciais

"Através das Sombras" se organiza, bota a bola no chão e reage. A contratação pelo tio, ainda na cidade, e o primeiro contato da nova empregada com a menina, funcionam melhor na versão brasileira. A ambientação, o diálogo com o tio e a postura da candidata à vaga na entrevista, a atuação de Mel Maia, ainda pequeninha, como a sobrinha Elisa, arredia e desconfiada ao conhecer a substituta da professora por quem tanto se afeiçoara, garantem um empate ainda cedo para a equipe brasileira. Mas se a pequena brasileira mostra seu talento e ajuda o time de Walter Lima Jr. a voltar para o jogo, a performance do jovem Miles, da versão inglesa, fazendo um verdadeiro "hominho", encarnando o gestual e a postura do falecido empregado, não deixa nada a desejar e logo põe os ingleses em vantagem novamente.

A partir daí, no geral, a qualidade prevalece, e a fotografia em preto e branco, o que seria uma limitação mas que se torna uma arma nas mãos do diretor de fotografia, e a luz, sempre perfeita, mínima, passando uma sensação angustiante e claustrofóbica, ampliam a vantagem dos comandados do técnico Jack Clayton.

Aí "Os Inocentes" tomam conta do jogo. Deborah Kerr, como a governanta Srta. Giddens, põe o jogo no bolso e faz todas as ligações perfeitas para as jogadas, deixando os mais jovens à vontade para mostrar o seu talento, como nas partes em que é "cortejada" pelo pequeno Miles; e fazendo todos os jogadores "aparecerem" pro jogo, até mesmo os falecidos, como a governanta Mary Jessel, na cena do corredor, na biblioteca, e na aterrorizante cena lago, e o sinistro Peter Quint, o possessor do garoto, imóvel no topo da mansão, ou a encarando com seu olhar demoníaco por trás das janelas da sala.

Quint, à esq., entrou na "janela" de transferências (do outro mundo para este) e
Srta. Jessel, à dir., até pediu substituição, alegando que estava "mortinha",
mas mesmo assim apareceu pro jogo.

Depois de cartear o jogo, deixar todo mundo na cara do gol, Deborah Kerr, a dona do time, não deixa por menos e faz o seu. Seu jeito, ora inseguro, ora decidido, seus olhões arregalados de medo, sua presença de cena, tudo é como um daqueles gols de driblar todo o time adversário inteiro. Gol de craque!

Virgínia Cavendish, como Laura, é boa atriz, é competente, na adaptação nacional, mas sequer amarra as chuteiras da governanta original, e o garoto, Antônio, na versão brasileira, não se destaca e, desta forma, não faz grande diferença.

"Através da Sombra" tem o mérito de transpor a ação para uma fazenda cafeeira, no interior, no início do século XX, e jogar um certo olhar sobre os resquícios da escravidão e a relação dos senhores do café com os empregados, o que lhe rende mais um golzinho. Mas a ousadia de "Os Inocentes", desafiando os padrões da época, expondo as situações do casal de amantes, quando vivos, pelos quartos da casa e, não satisfeito em insinuar uma atração entre um adulto e uma criança, mostrando, explicitamente, um beijo na boca entre eles, dá mais um gol para o filme de 1961. Pra fechar o caixão, toda a sequência final, quando a srta. Giddens confronta Miles, de modo a fazer com que o garoto admita a influência do obsessor e se livre dele, faz com que o time brasileiro busque mais uma bola no fundo da rede.

O filme original é que acaba, como iniciara, com as mãos unidas em oração, mas era a refilmagem que já estava rezando para que o jogo acabasse. Final de partida, 7x2 para Os Inocentes.

Quando a Deborah quer ela faz a diferença.
E não deu outra: ela tava muito a fim e desequilibrou para o time dos anos 60.
Já Virgínia Cavendish, por sua vez, começa a ser assombrada pelo fantasma do rebaixamento.


Fazer um remake de um filmezinho qualquer é uma coisa,
mas fazer um de algo como "Os Inocentes", é outra volta no parafuso.



Cly Reis