Como ocorre tradicionalmente, a Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs), da qual faço parte, elegeu os Melhores do Ano, destacados entre produções lançadas em mostras e festivais, no circuito comercial e também em plataformas de streaming. A votação é referente ao ano de 2023, quando a Associação atingiu um grande marco ao celebrar seu 15º aniversário consolidada como uma instituição cada vez mais atuante e importante no ambiente cinematográfico do Rio Grande do Sul e do país.
Dividida em dois turnos, a eleição traz os melhores longas-metragens estrangeiro, brasileiro e gaúcho, além do melhor curta gaúcho do ano. A maioria destes filmes, aliás, fomos reportando aqui no blog ao longo do ano na seção Claquete. Fora desta seleção, a premiação da Accirs entrega, desde sua primeira edição, o Prêmio Luís César Cozzatti, que reconhece filmes, projetos, instituições ou pessoas de destaque no cenário audiovisual gaúcho.
Confira os vencedores do Prêmio Accirs 2023:
Melhor curta-metragem gaúcho:
"Centenário de Minha Bisa", deCristyelen Ambrozio
Tocante documentário poético da realizadora indígena Cristyelen Ambrozio, confirmando a escolha da nossa associação que, em agosto, no Festival de Cinema de Gramado, concedemos-lhe o prêmio de Melhor Curta Gaúcho pelo Júri da Crítica. O filme tece diversas camadas simbólicas, desde a visão feminina, a dos povos originários, a necropolítica, a herança cultural. Uma joia de Cristyelen, de quem se espera que rendam novos frutos.
Melhor longa-metragem gaúcho:
"Casa Vazia", deGiovani Borba
O excelente filme de Giovani Borba, do qual tive a felicidade de participar de um debate em setembro, na Cinemateca Paulo Amorim, ao lado deste jovem realizador e da minha colega de Accirs e coordenadora da cinemateca Mônica Kanitz, era também meu preferido entre os longas gaúchos. Afinal, este thiller gaudério, misto de western e drama fantástico, pode ser visto com um marco do novo cinema no Rio Grande do Sul com obras como "Castanha" e "Mulher do Pai".
Melhor longa-metragem nacional:
"Retratos Fantasmas", de Kleber Mendonça Filho
Outro documentário entre nossos premiados, e outro documentário de um olhar muito pessoal. Mas aqui, no caso, do grande nome do cinema nacional dos últimos anos, o pernambucano Kléber Mendonça Filho. Para quem acompanha sua obra tão marcante, ver o caminho afetivo percorrido por ele para a composição de seus curtas e, principalmente, os longas urbanos "O Som ao Redor" e "Aquarius", é emocionante e revelador. Foi o filme (mal) indicado a representar o Brasil no Oscar mas, mais uma vez, não ficou entre os selecionados. Não tem mesmo o perfil, pois trata-se de uma obra muito poética para o gosto da Academia.
Melhor longa-metragem estrangeiro:
"Assassinos da Lua das Flores", de Martin Scorsese
Ah, o velho Scorsese, hein? Já discorri mais amplamente sobre este novo filme do mestre do cinema norte-americano e mundial, mas não custa repetir, que "Assassinos..." é um dos grandes filmes de sua extensa filmografia. A visão revisionista da história "yankee" é não só mais um capítulo em seu importante papel para a reconfiguração dos mitos imperialistas como pertinente para o momento de valorização dos povos originários. Mestre.
Poster do curta "Glênio", de Luiz Alberto Cassol e exibido em Gramado
Prêmio Luís César Cozzatti (destaque gaúcho):
Glênio Póvoas
Glênio Nicola Póvoas é pesquisador, professor, diretor e roteirista, Mestre em Ciências da Comunicação pela USP e Doutor em Comunicação Social pela PUC-RS. Com uma longeva carreira profissional dedicada ao cinema, em especial ao gaúcho, foi um dos principais responsáveis pelo lançamento do Portal do Cinema Gaúcho e assina a coordenação geral do projeto – um grandioso banco de dados sobre nosso cinema, apresentado em 2023. Tive o prazer de ser seu aluno na cadeira de Cinema na faculdade de Jornalismo.
Wes Craven (ao centro), com seus Sádicos. Sofreu, sofreu, mas manteve a invencibilidade.
Ôpa! Parece que o jogo está virando!
A máxima que o filme original é sempre melhor que a refilmagem parece que começa a ruir definitivamente!
Pelo segundo ano consecutivo o remakes superam os originais e desta vez com larga vantagem e com placares elásticos em alguns confrontos. Depois de serem surrados impiedosamente nas primeiras temporadas do Clássico e Clássico (e vice-versa), as refilmagens reagiram e mostraram que existem, sim, produções tão boas quanto, senão melhores que as consagradas feitas anteriormente.
Nesta temporada, no tradicional confronto "eu vs. eu mesmo", a versão mais nova e mais longa da assombração Babadook, da diretora Jennifer Kent levou a melhor sobre seu filme de origem, grandes nomes como Martin Scorsese e John Carpenter estrearam, e com vitória, no nosso certame, o craque do terror Wes Craven, garantiu sua invencibilidade com um empate sofrido contra o remake de seu "Quadrilha de Sádicos", e o mestre Hitchcock segue imbatível depois de colocar, em 2023, mas uma vitória na conta.
Vamos ver então, brevemente, como foram os confrontos do último ano, e como fica a tabela geral depois desses resultados.
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Os remakes já haviam vencido no ano passado, mas não por uma diferença tão grande.
Apesar das duas derrotas acachapantes que tiveram, para dois imbatíveis por sinal,
nota-se que as produções do século XXI dão nova energia para os desafiantes.
Será esse o caminho para a virada no placar geral?
Os filmes do novo século contra os medalhões? Pode ser, pode ser...
Originais já começam a ver os remakes pelo retrovisor. O que será que nos reserva essa disputa para o ano que chega? Veremos...
Assisto Martin Scorsese no cinema há mais de 30 anos. Desde o célebre “Os Bons Companheiros”, em 1990, até hoje, acompanho a filmografia do cineasta nova-iorquino a cada lançamento, tendo perdido assim, na tela grande, talvez apenas uns dois nesse período. Vi desde produções menos empolgantes, como “Vivendo no Limite” e “O Irlandês” até obras-primas como “Os Bons...”, “Cabo do Medo” e “O Lobo de Wall Street”. Agora, em 2023, posso afirmar que presenciei mais uma de suas grandes realizações: “Assassinos da Lua das Flores”. Estrelado pelos dois atores favoritos do diretor, Robert De Niro e Leonardo DiCaprio, reúne pela primeira vez, por incrível que pareça, ambos em um filme sob suas lentes, celebrando o encontro de duas gerações de atores/parceiros da longa carreira.
O filme se passa no ano de 1920, na região norte-americana de Oklahoma, rica em petróleo, onde misteriosos assassinatos acontecem na tribo indígena de Osage. A série de ocorridos violentos desencadeia uma grande investigação envolvendo o recém-criado FBI, que passa a investigar um esquema maquinado pelo ganancioso pecuarista William Hale (De Niro), que convence seu sobrinho Ernest Burkhart (Di Caprio) a se casar com Mollie Kile (Lily Gladstone) para tirar-lhe as preciosas terras.
Llly no papel da rica indígena Mollie: atuação que comanda o filme
O entrosamento do diretor de “Taxi Driver” com a dupla de atores é evidente, e isso é uma das forças do filme, tendo trabalhado com De Niro por 9 ocasiões e com DiCaprio, 6, totalizando 15, quase 60% de toda a filmografia do cineasta. “Assassinos...” é conduzido pelo talento da dupla, porém, assim como já ocorreu com Sharon Stone e Margot Robbie, outra atriz tem um papel primordial na trama, formando com eles um tripé narrativo, que dá especial ação à história: Lily Gladstone, no papel de Mollie. Ela divide as atenções da câmera, não raro atraindo-a para si e, mais que isso, ditando o aspecto emocional da história. Além de bonita, Lily é daquelas figuras, que, sob o olhar de Scorsese, tem o poder de dominar a cena quando filmada, principalmente pela força de sua expressividade e olhar, misto de encantamento, força e fragilidade. Quão simbólica é a sua personagem, uma vez que evoca a importância dos povos originários formadores das Américas tão dizimados pela cultura branca europeia.
Para além das boas atuações (que se estende a todo o elenco), “Assassinos...” é tecnicamente perfeito, como é característico do perfeccionista Scorsese. A Direção de Arte, a cargo de Jordan Crockett, em especial, juntamente com a fotografia, a maquiagem e os figurinos, são impecáveis, creio que dignas de indicação ao Oscar para 2024. A trilha sonora, do amigo e ídolo Robbie Robertson, ex-líder da The Band (a qual Scorsese filmara em 1978 no doc “The Great Waltz”) falecido em agosto, é econômica, mas totalmente assertiva, misturando os sons folk do interior norte-americano, desde o blues de raiz e os spirituals de trabalho a temas indígenas típicos. Na edição, mais uma vez a parceira Thelma Schoonmaker, fazendo chover e contribuindo para que um filme de extensas 3 horas e 26 minutos de rolo não perdesse o ritmo.
A multipremiada dupla De Niro/DiCaprio: ao todo, 15 filmes com Scorsese
Aliás, embora a montagem contribua para a coesão da obra, é indiscutível que o resultado final (seja acertado ou não) se deve em última análise ao diretor. E aí entra Scorsese e sua maestria. Com o aval da indústria cinematográfica para fazer produções no formato que quiser, seja longa, curta, documentário, série ou especial, ele não abre mão de estender-se para contar a história a que se propõe. E o faz isso sem provocar sequer uma “barriga” em todo o decorrer da fita! Atuações, música, arte, edição, foto, tudo contribuiu. Mas nada disso funcionaria não fosse a mão habilidosa do cara que já experimentou diversas formas de fazer filme, mas que busca, mesmo passados dos 80 anos de vida, surpreender o espectador. Contumaz crítico da “tecnologização” exacerbada de Hollywood e suas intermináveis e interdependentes franquias Marvel, Scorsese – embora não desconsidere o uso de efeitos especiais, a se ver por “A Invenção de Hugo Cabret”, de 2011 – vale-se da gramática do cinema para extrair nuances narrativas e técnicas que produzam impacto ao espectador. Isso, sim, é inovação. O uso de imagens de arquivo em P&B antigas com imagens de arquivo ”fake”, por exemplo, embora não novos, é um recurso que funciona muito bem em “Assassinos...”, cabendo-lhe perfeitamente à narrativa.
Foto dos verdadeiros Osage usadas de forma documental no filme
O roteiro, contudo, é responsável por tamanho sucesso. Escrito pelo próprio Scorsese em conjunto com o premiado Eric Roth (Oscar de Roteiro por “Forrest Gump”, em 1994), a história se baseia no best-seller homônimo do escritor David Grann, o roteiro prevê todos os diversos pontos de flexão e inflexão, estabelecendo o ritmo de uma história complexa e rica em detalhes e delineamentos. A própria escolha do tema, aliás, faz parte de um entendimento maior e, em certo aspecto, “alternativo” de Scorsese como cidadão norte-americano. Assim como outro talentoso cineasta contemporâneo seu, Clint Eastwood, Scorsese ama seu país, mas nem por isso (e até por isso) deixa de evidenciar as barbaridades que constituíram sua sociedade. A mesma abordagem crítica de obras como “Cabo do Medo” e “Taxi Driver” se refletem na sua visão revisionista em filmes históricos, casos de “Gangues de Nova York” e “A Época da Inocência”. É preciso trazer a luz a podridão do passado para que os novos tempos corrijam os rumos.
A este aspecto o roteiro também traz méritos no que se refere à construção psicológica das personagens. A obra original favorece, mas dar corpo a personagens tão complexos no audiovisual ganha uma dificuldade diferente, visto que diversas nuances que a escrita absorve, a tela exige que se escancare. A personalidade contraditória de Ernest, por exemplo, ora um marido dedicado, ora um ganancioso induzido pelo tio, é facilmente indutora a erros, por mais talento que Di Caprio tenha.
Misturando drama histórico com faroeste, policial e filme de tribunal, Scorsese consegue forjar um filme rico em referências e qualidades diversas, que o colocam entre os melhores de sua longa filmografia. Se serão justos com o velho Scorsese ao indicá-lo ao Oscar, bem como DiCaprio como ator, Lily para atriz e DeNiro em coadjuvante, ainda é cedo para prever. É comum a Academia fazer “vistas grossas” a grandes realizadores como ele, Steven Spielberg, Spike Lee ou Brian De Palma como que fazendo de conta que eles sejam “premiáveis” por si só - erro que a leva, não raro, a ter que dar apressadamente um prêmio logo após cometerem uma descarada injustiça. Nestes vários anos que acompanho Scorsese seja na tela grande ou na televisão, ele ganhou apenas uma vez o Oscar de Direção pelo não mais que competente “Os Infiltrados”, em 2006, por terem-no esnobado pela superprodução “Gangues...” quatro anos antes. Porém, até o começo de 2024, quando começam a pipocar as previsões dos favoritos à estatueta, ainda tem bastante coisa para rolar e a indústria do cinema é muito programada para este período. Mas que seria justo, seria.
"Conflitos Internos" é aquele time que ganha, com uma certa facilidade, a maioria dos jogos na sua liga continental. No quesito filme policial certamente ele se destaca em relação a seus concorrentes asiáticos. Uma ótima trama, surpresas, reviravoltas, tensão, a produção de Hong Kong entrega tudo isso e deixa o espectador na constante expectativa de como seu jogo de gato e rato vai terminar. Só que quando ele sai da seu cercadinho e pega um time de uma liga maior, mais tradicional, mais bem preparado, com maior investimento, um elenco milionário e um baita treinador, não dá nem pra saída. Embora não seja regra que com todas essas vantagens um filme norte-americano supere uma produção de mercados alternativos, "Os Infiltrados", no caso específico, atropela seu adversário. Ele é melhor em tudo! Tudo que ele se propõe a fazer melhor que o original que o inspirou, ele consegue. O enredo tem mais elementos, o roteiro é mais bem trabalhado, a trilha sonora é excelente, a parte técnica é superior (luz, som, maquiagem...), Martin Scorsese, um dos maiores diretores de todos os tempos, conduz o filme de forma precisa e seu time conta com, nada mais nada menos que, Leonardo DiCaprio, Matt Damon e Jack Nicholson, sem contar com ótimos coadjuvantes como Vera Farmiga, Martin Sheen e Mark Wahlberg.
Com algumas pequenas diferenças, basicamente a trama nos dois casos, nos apresenta um agente de polícia trabalhando infiltrado na máfia, e um "afilhado" de um mafioso, moldado dentro da polícia, formado na academia, a serviço do criminoso dentro da força policial. Ambos os lados, percebendo que informações vazam, tanto para a lei quanto para os criminosos, iniciam suas caças particulares ao respectivo informante, gerando situações de perseguição, suspense e constante expectativa.
A refilmagem norte-americana trabalha melhor o início de tudo, constrói melhor a formação inicial dos dois protagonistas, desde suas épocas de bairro, até o desempenho dentro da academia de cadetes. Os motivos que levam à preterição do jovem Billy Castigan para serviços convencionais dentro da polícia e a opção por colocá-lo disfarçado, bem como, do outro lado, a relação muito estreita do mafioso Costello com seu pupilo Colin Sullivan, e a ascensão do rapaz dentro da polícia, tudo é mais bem desenvolvido do que no original, honconguês, que, por sua vez, é bastante breve nesse ponto, dando apenas uma rasa e apressada noção dos fatos, já passando adiante para o momento em que os dois, Chan e Lau, trabalham para lados opostos.
Outra diferença, é que em "Os Infiltrados" a psicóloga da polícia, além de ser namorada de Colin, o filhote de mafioso infiltrado na polícia (Matt Damon), mantém uma relação íntima com o perturbado Billy (DiCaprio), o policial infiltrado na máfia. Já em "Conflitos Internos", ela sequer conhece Lau, o jovem mafioso que se passa por policial, e, embora próxima a Chan, o verdadeiro agente disfarçado, não tem qualquer relação amorosa com ele. A relação da psicóloga com os dois e como ela se desenvolve, a crise no namoro com um deles, e gradual conquista de carinho e confiança com o outro, é importante para o desfecho que Scorsese propõe e, por outro lado, a ausência de um laço emocional da dra. Lee com qualquer um dos dois, torna a resolução da primeira versão frágil e inconsistente.
A propósito, ainda que não queira dar spoiler, tenho que dizer que o final é diferente nos dois e mas no remake nos dá uma sensação um pouco mais confortante, o que não significa que seja melhor ou pior...
"Conflitos Internos" (2002) - trailer
"Os Infiltrados" (2006) - trailer
Mas então vamos ao que interessa.
Você quer bola rolando? Tá aí o que você queria:
O argumento original, cheio de revelações, reviravoltas, surpresas, é ótimo, envolvente, excitante, e isso tudo é um grande mérito do filme asiático, por outro lado, o remake aperfeiçoa essa premissa, lhe dota de mais detalhes e complementos e algumas modificações bastante válidas para o roteiro. Ou seja, "Conflitos..." sai na frente mas leva o empate logo em seguida.
Mas é basicamente o que o time honconguês consegue fazer pois a partir daí a equipe norte-americana deita e rola. Martin Scorsese é mestre e, apesar de "Os Infiltrados" nem ser seu melhor trabalho, conduz o time brilhantemente à vitória. Ele dita o ritmo, da agilidade ao filme e tem uma capacidade ímpar de combinar cenas intensas, fortes, violentas, a uma trilha sonora invariavelmente precisa e de muito bom gosto. 2x1 para os Infiltrados de Scorsese.
O ataque formado por Matt Damon e pelo badalado LeoDiCaprio é competente, joga bem, mas a dupla, no fim das contas, não desequilibra. Leozinho, que é queridinho da imprensa, pedido pela torcida na Seleção, cotado para a Bola de Ouro, na hora do vamos ver, não consegue ser, verdadeiramente decisivo, como se espera dele e faz um jogo apenas comum. Mark Wahlberg faz bem o papel de volantão, de cão-de-guarda da defesa, Vera Farmiga, surpreende vindo de trás, mas quem faz diferença mesmo no jogo são os veteranos: Martin Sheen, só na experiência, distribui o jogo ali na meuíca, e o cracaço de bola, Jack Nicholson, três vezes Melhor do Mundo da FIFA (ou seja, três Oscar na prateleira), chama o jogo para si, dá um show e guarda o seu. 3x1, Infiltrados.
A cena do chefe de polícia caindo do prédio é mais impactante no filme de 2006, bem como toda a construção da situação que leva a ela é mais inteligente e bem elaborada (4x1); em compensação, o desmascaramento do policial corrupto num terraço de Honk Kong, é boa nos dois, porém mais impressionante plasticamente no primeiro (4x2). Será que o time asiático volta pro jogo?
Não dá, não.
Toda a situação envolvendo o envelope, a grafia errada por fora, a entrega dele cinema para o informante, a perseguição entre os dois incógnitos pelas ruas, e a revelação de quem estava de posse da informação, tudo é muito mais bem feito no filme de Martin Scorsese. 5x2 no placar.
Como se já não bastasse o banho de bola, o fato de ter levado o Oscar de melhor filme, direção, edição e roteiro adaptado garante mais uma bola na rede para o time de Scorsese e define a vitória dos Infiltrados. 6x2, e ficou barato!
No final do jogo, os atletas trocam as camisetas e aí, sim, ninguém sabe mais quem é de quem, e quem estava de qual lado... Mas aí já não importa mais.
O policial de verdade desmascarando o falso policial nas duas versões (à esquerda, o original de 2002, e à direita, o remake de 2006)
Com um jogo de movimentação e infiltrações na defesa adversária,
o time do técnico Martin Scorsese,
atropela a equipe dos treinadores Lau e Mak,
boa mas cheia de problemas de grupo e conflitos internos.
Você realmente gosta de cinema? Então assista esse filme.
Apesar do ritmo lento em muitos momentos, "Os Fabelmans" consegue construir uma narrativa envolvente. Tenho que admitir que ele demora um pouco engrenar e fazer a história avançar, mas depois que você compra a vibe, só vai.
O filme de Steven Spielberg é baseado nas memórias da infância do próprio cineasta, mais especificamente em um garoto vivendo no Arizona. O jovem Sammy Fabelman se apaixona por filmes depois que seus pais o levam para ver "O Maior Espetáculo da Terra", do lendário diretor Cecil B. DeMille. Armado com uma câmera, Sammy começa a fazer seus próprios filmes em casa, para o deleite de sua mãe solidária.
O filme tem uma mensagem linda de amor ao cinema mas, além disso, quando a história da família começa, e as camadas dos personagens vão sendo tiradas, é que, sem dúvida, acontece o grande momento do filme. Gabriel LaBelle como Sammy Fabelman, o personagem que seria a representação de Steven Spielberg (uma vez que é praticamente uma cinebiografia), carrega boa parte do drama do filme e está muito bem no papel, conseguindo passar verdade tanto nas cenas de drama, quanto nas que demonstra sua paixão pelo cinema. Se você ama alguma coisa, seu trabalho, seu hobby, você entende todo o amor e encanto do garoto pelo cinema e isso fica claro ao longo de todo filme, sendo ainda mais evidente e salientado na cena final.
O longa se desenvolve muito bem, tudo se encaixa na história e ele reduz o ritmo apenas por pouco tempo no início sem, no entanto, deixar o espectador entediado. Temos ótimas atuações, principalmente dos pais de Mitzi Fabelman (Michelle Williams) e Burt Fabelman (Paul Dano), que entregam muito do emocional do filme, frio e quente.
"Os Fabelmans" é um filme que, sobretudo, mostra a paixão de alguém pelo cinema e como essa pessoa consegue perceber detalhes da vida que são pegos apenas pelas câmeras, para o bem o para o mal. Enquanto assistimos às dificuldades e a paixão de se fazer um filme, vemos também a paixão e a dificuldade de se viver a vida.
O jovem Sammy Fabelman, capturando o mundo em torno de si com sua câmera.
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Rodar demais sem muito a dizer
por Daniel Rodrigues
“Os Fablemans” não é o melhor Spielberg. Acima de vários filmes da longa e desigual carreira do cineasta norte-americano, mas também inferior a algumas de suas várias importantes contribuições para a história do cinema. Midas de Hollywood e criador de uma escola, Spielberg é o principal reinventor da arte cinematográfica dos últimos 50 anos e edificador de uma nova indústria de entretenimento, que vai muito além das telas. Somente isso, já garante seu trono no Olimpo. Mas ele não se contenta. Seu último filme, embora não supere nem de longe realizações anteriores como “A Lista de Schindler” (1993), “Tubarão” (1975) ou “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), tem a qualidade de voltar suas lentes justamente para o fazer cinematográfico, num tom bastante autobiográfico. E como tudo que se refere a Spielberg, tem seu lado bom e outro nem tanto.
Em “Os Fabelmans”, o pequeno Sammy Fabelman (Gabriel LaBelle) cresce no Arizona do pós-Guerra e se apaixona por filmes depois que seus pais o levam para ver "O Maior Espetáculo da Terra", de Cecil B. de Mille (1952). Armado com uma câmera, Sammy começa a fazer seus próprios filmes em casa, para o deleite de sua solidária mãe (vivida por Michelle Williams, ótima no papel da srª Fableman). Porém, quando o jovem descobre um segredo de família devastador, ele encontra no poder dos filmes a chave para desvendar verdades sobre sua realidade e sobre si próprio.
O fato de Spielberg ter construído uma trajetória um tanto irregular é até um mérito. Mesmo com domínio total das ações da indústria, preferiu não seguir sempre pelo caminho confiável. Ao contrário: se expôs e se arriscou. Isso se deu em vários momentos de sua história, seja como diretor ou produtor. Após o estrondoso sucesso dos dois primeiros “Indiana Jones” (1981-1984), aposta no drama étnico-racial “A Cor Púrpura” (1985); depois do estelar “Guerra dos Mundos” (2005), investe no mesmo ano no denso trhiller político “Munique”; ou ainda ao sair da bilheteria de “Minority Report – A Nova Lei” (2002), não hesita em, logo depois, fazer seu filme mais scorseseano, “Prenda-me se For Capaz” (2002). Isso para ficar em três exemplos destes altos e baixos propositais, que denotam o quanto Spielberg sempre relativizou a condição de mito.
Isso já o habilita a contar uma história como a de “Os Fablemans” com autoridade e consciência limpa. O encontro inicial dele com o cinema ao qual o filme retrata, por mais que tenha havido desdobramentos talvez impensáveis a um jovem amante da arte nas décadas seguintes, tornando-o um ícone, guarda coerência com tudo que ele desenvolveria, dos projetos mais populares aos mais ambiciosos, das megaproduções às de menor orçamento. O resultado disso é uma inconstância qualitativa justificável e até corajosa. Como Woody Allen e Scorsese, Spielberg já filmou tanto e há tantos anos, tocou dezenas e dezenas de projetos, que é impossível acertar sempre, ainda mais numa arte de complexas equações para que a obra final reste em alto nível.
Afora isso, no entanto, “Os Fablemans” deixa uma certa sensação de que o movimento de se autorepresentar seja o velho artifício de não ter muito mais a se dizer. Federico Fellini, talvez mais fluido para com suas inquietações e frustrações, soube explorar o vazio criativo para cunhar “8 ½” (1963), o qual recheou-o também de vazios existenciais. O mesmo fez Agnès Varda em “As Praias de Agnès” (2008) e “Varda por Agnès” (2019), em que olhar feminino prescruta o lugar no mundo. Ou seja: soluções bastante europeias de se achar caminhos poéticos dificilmente sondados. Diante da dureza da grande indústria e talvez da natureza judia bastante destacada no filme, nem mesmo o coração aventureiro de Spielberg é capaz de se desvencilhar.
Um tanto longo – aliás, como a maioria dos filmes atuais, espécie de epidemia fílmica gerada pela concorrência com as séries de streaming – “Os Fablemans” tem lances muito bonitos, ainda mais para admiradores do fazer cinematográfico. Cenas como a do início, em que o personagem vai pela primeira vez a uma sala de cinema, ou quando instintivamente começa a brincar de criar sets de filmagens com suas irmãos e amigos, dão a ideia do porquê da paixão lúdica do cineasta por sua profissão. A mais bonita delas, sem querer dar spoiler, é quando se encontra com seu grande ídolo detrás das câmeras, cena que, inclusive, “resolve” o filme de uma maneira um tanto chapliniana. Nem esta cena, porém, é devidamente construída em toda a narrativa que a antecede. Em certa medida, o fato cai meio de paraquedas mesmo tendo havido chance anterior de se criar tal conexão. É como se o cineasta tivesse perdido a oportunidade de preparar melhor o espectador para a catarse. Isso deixa uma sensação de que se rodou tudo aquilo para não se explorar de fato o que precisava. Como diz o ditado: falar demais por não ter nada (ou pouco) a dizer. Porém, acima de tudo, Spielberg é sincero consigo mesmo, o que o faz acertar mesmo quando erra.
O pequeno Sammy, no centro, descobrindo a magia do cinema.
Pode parecer piegas, mas gosto de assistir filmes sobre a Paixão de Cristo na época da Páscoa. Confesso que sou daqueles espectadores que as emissoras, sem constrangimento de serem repetitivas e óbvias, conseguem atingir. Em país católico como o Brasil, no que entra a Semana Santa, começam a pipocar produções de diferentes épocas sobre a Via-Crucis.
Por mais óbvio que seja, contudo, muitos desses filmes são bastante interessantes, visto que motivam os realizadores, essencialmente cristãos em sua maioria, a produzirem algo que lhes faz muito sentido, que lhes é caro em termos de crença e visão de mundo. Por isso, invariavelmente saem realizações caprichadas, maiúsculas, quando não, superproduções que se destacam, inclusive, na filmografia de alguns grandes cineastas. Casos de John Huston, David Lean e Franco Zefirelli, para ficar em três.
Então, sem medo de soar enfadonho, vão aqui sete títulos sobre a saga bíblica que, mesmo não sendo-se católico, é, sem dúvida, uma grande história. Digna de filme (s).
“Paixão de Cristo”, de Mel Gibson (EUA, 2004)
Mesmo com pé atrás com relação a Mel Gibson em produções nas quais atua, tenho que admitir que os filmes dirigidos pelo ator australiano merecem respeito. Este, em especial, além de trazer uma abordagem realística das últimas horas de Cristo, com cenas de alta violência e crueldade – o que deve ter sido bem verdade – tem o rigor de ser inteiramente falado em aramaico e latim, línguas usadas na época de Jesus Cristo. Sem “estrelas”, é uma realização, por mais criticada que tenha sido à época de seu lançamento, bastante sóbria e circunspecta.
Ultraviolência na Via-Crucis: controverso filme de Gobson
“A Última Tentação de Cristo”, de Martin Scorsese (EUA/Canadá, 1988)
O filme que provocou o "cancelamento" de Scorsese, por parte do Vaticano, que fez uma séria marcação ao cineasta após realizar esta ousada adaptação da obra de Níkos Kazantzákis. Blasfema, diria a Igreja. Mas o filme é uma preciosidade. Além da história, que traz uma visão alternativa do que poderia ter sido a vida – e a morte – de Cristo, tem no papel do Messias o ótimo Willem Dafoe, mais Harvey Keitel, Harry Dean Stanton e David Bowie. A trilha, vencedora do Grammy de Melhor Álbum New Age e uma das mais emblemáticas do cinema, é de Peter Gabriel. Polêmico, este as TVs não passam muito, não...
cena de Cristo sendo tentado por Satã em “A Última Tentação de Cristo”
“A Idade da Terra”, de Glauber Rocha (Brasil, 1980)
Outro título não muito lembrado para a Páscoa, até por conta de sua visão extremamente pessoal, alegórica e crítica da vida de Jesus, da Igreja e das estruturas de poder. Aliás, não uma vida, mas quatro! Geraldo Del Rey, Tarcísio Meira, Jece Valadão e Antônio Pitanga vivem, cada um, a personificação de um Cristo em diferentes realidades sociais: um negro, um militar, um índio e um guerrilheiro. No Brasil, Cristo não precisa de Via-Crucís: ele é crucificado simbolicamente um pouco todo dia. Último filme do gênio do Cinema Novo, que, assim como quase ocorreu com Scorsese, foi seu calvário. Desiludido com a péssima recepção da obra, o cineasta morreria meses depois de seu lançamento.
As quatro personificações de Cristo na visão de Glauber
“A Maior História de Todos os Tempos”, de George Stevens, David Lean e Jean Negulesco (EUA, 1965)
O cara jogou xadrez com o Diabo e encarnou Jesus. Só mesmo um grande ator como Max Von Sydow para se prestar a esses dois extremos com tamanha entrega e competência. Traz ainda no elenco o “épico” Charlton Heston, além de Martin Landau e Telly Savalas. Épico com letra maiúscula codirigido por três feras da Hollywood clássica, George Stevens, David Lean e Jean Negulesco. Bem tradicional em abordagem, o que contrabalanceia as nossas sugestões anteriores.
Von Sydow: haja versatilidade para quem já deu um "plá" com o Tinhoso...
“A Vida de Brian”, de Terry Jones (Inglaterra, 1979)
Se é pra blasfemar, então vamos com tudo: “A Vida de Brian”, o hilariante longa da turma da Monthy Pyton, que desfaz a sempre penosa e triste história da Via Sacra de Jesus. Aliás, o filme não é exatamente sobre a vida do filho de Deus, e sim de um pobre coitado, sonso e azarado que é confundido com o Messias. O azar é tanto que o cara, mesmo tentando escapar de todas as maneiras, acaba por ser crucificado junto com o Salvador, numa das cenas mais “épicas” do cinema de comédia, quando cantam “Olhe Sempre o Lado Bom da Vida” ao final. Dando aqui uma letra, a cena, com sua ironia, traz uma mensagem positiva que muito falta ao catolicismo quando se refere ao tema.
a hilária cena da crucificação de "A Vida de Brian"
“O Evangelho Segundo São Mateus”, de Pier Paolo Pasolini (Itália, 1964)
Quando fizemos um adendo na abertura em que dissemos que nem todos os realizadores eram necessariamente católicos, a referência era tanto a Glauber Rocha quanto, especialmente, a Pasolini. Anarquista e gay, o genial diretor italiano realizou por vontade própria a vida do Salvador através do poético texto eclesial. Talvez, o distanciamento crítico de seu posicionamento político e a sua sensibilidade de poeta – e, claro, seu talento único como cineasta – tenham lhe habilitado a realizar aquele que é o mais fiel filme sobre Jesus e seus ensinamentos – indicado, inclusive, pela Biblioteca do Vaticano, que teve que se render à obra de um filho não-abençoado.
filme completo "O Evangelho Segundo São Mateus”
“Rei dos Reis”, de Nicholas Ray (EUA, 1961)
Quem não se lembra de filmes como este ou “A Bíblia” na Sessão da Tarde da Sexta-Feira Santa? Mais um típico épico bíblico norte-americano dos anos 60, assim como "A Maior História..." a superprodução de Nicholas Ray tem narração de Orson Welles e trilha de Miklós Rózsa e roteiro de Ray Bradbury. Remake do filme mudo de Cecil B. de Mille, de 1927, em suas mais de três horas de duração, traça a vida de Jesus Cristo, do nascimento até a ressurreição, baseando-se nos quatro evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João), além dos escritos do historiador romano Tácito.
Sermão da Montanha encenado grandiosamente por Ray
Dias antes do dia 17, sem saber estar premeditando, rodei no meu programa "Then He Kissed Me", com a The Crystals, autoria de Phil Spector. A música havia estado na minha cabeça durante a semana anterior, e ao reescutar o programa mais uma vez me embasbacava: que coisa magnífica! Em composição, arranjo, timbre, sonoridade. E outra clássica, "Be my Baby", dele com as Ronettes, que Scorsese usou mais de uma vez em seus filmes, como na cena de abertura de "Caminhos Perigosos"?! Música pop na mais precisa - e bem acabada - acepção. O monofásico "wall of sound", que Beach Boys, Beatles, Love, The Zombies, Bruce Springsteen e produtores como Brian Eno Tony Visconti, e Stephen Street souberam se valer tão bem, é revolucionário ainda hoje, era digital, por sua concepção integral de uma obra musical mesmo mais de 60 anos depois de ser inventado. No estúdio mas, principalmente, na mente genial e louca de Phil Spector.
Spector produzindo Lennon nos anos 70
Se para Spector a genialidade andava junto com a loucura, uma alimentando-se da outra, não raro a segunda vencia a queda de braço. Andar armado no estúdio, a ponto de manter em cárcere privado dentro do estúdio os rapazes dos Ramones ou apontar um revólver para a cabeça de outro produzido, Leonard Cohen (e ao mesmo tempo lhe fazer declarações de amor), era prenúncio de que algo pior uma hora podia acontecer. Como de fato, aconteceu. O assassinato a tiros de sua esposa Lana Clarkson, em 2003, colocou o excêntrico e talentoso, mas também perigoso e intratável Spector, atrás das grades para sempre. De artista a criminoso. Condenação a 19 anos de prisão, que dificilmente seriam completos por alguém já aos 62 anos quando da sentença, como de fato aconteceu no último dia 17 de janeiro, com Phil já a seus 81 de vida.A obra de Phil Spector é daquelas coisas inesgastáveis assim como as polêmicas em torno de sua conduta não raro paranoica e violenta. desde suas autorias junto aos conjuntos que ajudou a montar e empresariar - e a explorá-los também, no pior sentido do termo - até as produções de discos dos Beatles, de Lennon, dos Ramones, de Harrison. Já o resenhei aqui para o blog com seu essencial "Phil Spector Christmas Album", e certamente falar dele e de sua obra merece muito mais. Inesgastável.
Como disse meu amigo e jornalista Paulo Moreira, com Phil Spector morre uma era do rock 'n' roll. Como algo que se rompe. Como uma grande parede sonora, que rui para sempre na música pop.
PHIL SPECTOR
(1939-2021)
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Cena de abertura de "Caminhos Perigosos", de Martin Scorsese, com "Be my Baby", daThe Ronettes, autoria de Phil Spector
Assim que acabei de percorrer as mais de três horas de "O Irlandês", tão logo a porta do quarto fica entreaberta e iniciam-se os créditos, veio a minha cabeça, quase que imediatamente, a dúvida se aquele não seria o melhor filme de Martin Scorsese. Como sabia que iria escrever sobre o filme aqui para o blog, Não que eu precisasse de confirmação mas, por curiosidade, fui dar uma conferida em outras impressões na Internet, em outros blogs, sites e páginas especializadas, para ver se meu entusiasmo fazia sentido ou se eu estava sozinho nessa. Ainda que tenha encontrado os que achassem cansativo, longo, lento, os que não tenham sido fisgados pelo filme, os que comparassem depreciativamente com outros filmes do diretor, uma boa parte das críticas que li, exaltava o novo filme de Martin Scorsese, e não foram poucas as vezes que encontrei a expressão obra-prima.
O verdadeiro Frank Sheeran, o Irlandês,
interpretado no filme,
com a habitual competência por De Niro.
De fato, diante da ambição e do porte do atual projeto, e com uma filmografia riquíssima como a de Scorsese, não há como deixar de traçar comparativos com trabalhos anteriores como "Os Bons Companheiros" e "Cassino", especialmente, pelos contextos e temáticas mas também pelo nível de qualidade que estas outras obras atingiram. Mas "O Irlandês" não decepciona diante dos trabalhos consagrados do diretor. Pelo contrário, parece tirar o melhor de cada um deles para criar uma nova peça cinematográfica clássica. Tem os traços característicos do cinema do diretor como a narrativa em primeira pessoa, os flashbacks, os travelings, a crueza das cenas de violência, mas guarda um caráter único e novo em relação a seus demais filmes de máfia. Embora tenha uma trilha, como de costume, muito bem escolhida, ela não é tão incisiva quanto em outros momentos pontuando de maneira mais sutil as cenas. "O Irlandês" é muito "Os Bons Companheiros", é muito "Cassino", mas não tem aquela condução, muitas vezes, meio videoclípica do diretor, com o rock'n roll comendo solto emoldurando uma cena movimentada de edição rápida e frenética. Nesse sentido, o novo filme assemelha-se um pouco com "Touro Indomável", um filme mais denso, mais arrastado em seu enredo que, por sinal, também tinha no personagem principal um homem com dificuldades nas relações familiares. "O Irlandês" é sobre família, ou melhor sobre famílias. Um homem, Frank Sheeran, um veterano de guerra conhecido como Irlandês, que conquista a confiança de um gangster, Russel Bufalino, e passa a servir a núcleos da máfia e é indicado por estes mesmos para "trabalhar" com o líder trabalhista, Jimmy Hoffa, tem, por outro lado, enorme dificuldade em conduzir sua vida como marido e pai, especialmente com a filha Peggy (Anna Paquin), que desde cedo entende as atividades do pai e, naturalmente, as desaprova. E é isso, e todos os desdobramentos dessa atuação nesses dois pólos que ele mesmo, Frank Sheeeran, nos conta, já velho, remoendo resignado arrependimentos e remorsos, num lar de repouso. A propósito de idade, o tão falado rejuvenescimento digital, especialmente de Robert De Niro, para as cenas de passado de Sheeran, na minha opinião ficou meio artificial demais parecendo, muitas vezes, uma colagem sobre o filme, mas diante de tudo o que a obra como um todo nos oferece, este é um detalhe quase desprezível. A trinca estrelar, Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, corresponde à expectativa que se alimenta quando se vê nos créditos três nomes de peso como estes. De Niro fazendo um protagonista sorumbático, muitas vezes dividido, às vezes inseguro, mas sobretudo, extremamente convincente; Pesci sóbrio, comedido, mas irrepreensivelmente preciso; e Pacino, um pouco mais vigoroso na atuação que os outros dois, pela característica do personagem, não é menos impressionante e espetacular. Se é uma obra-prima ou o melhor filme de Martin Scorsese eu não sei, o que me parece certo é que temos mais um grande trabalho na filmografia deste grande diretor que pode ser colocado, sem constrangimento algum, ao lado dos outros dele que já figuram eternos na galeria das glórias do cinema. Bom, talvez um pouco acima deles...