arte: Cly Reis |
Ela estava com frio. Escondia-se dentro de um grosso casaco
e uma longa manta vermelha. Mas não era a única coisa que sentia. O medo também
a congelava. Paralisava-a. Aguardava o último horário do D43 no Campus do Vale
da UFRGS, na divisa entre Porto Alegre e Viamão. Ficara bebendo junto com
colegas num boteco na parte onde já é o bairro Jardim Aparecida. Eles moravam
em JKs por ali, mesmo. Nenhum se dispôs a acompanhá-la. O medo a apunhalou com
mais força quando ele apareceu. Um rapaz. Jovem. Pele escura. Lábios grossos.
Usava um moletom com capuz, uma calça de abrigo larga com três listras e
calçava tênis da principal concorrente da marca do abrigo. Havia ido visitar
parentes. Precisava chegar até o Pinheiro. Ele também estava com medo. Pelos
tênis caros. Pelo celular que havia comprado há pouco. Pela ideia de assustar a
jovem que o observava visivelmente aterrorizada. Esperaram. Enquanto isso o
silêncio tratava de ensurdecê-los.
Eduardo Dorneles
***
Eduardo Dorneles é jornalista em formação e escritor.
Considera-se um cético romântico: não crê em utopias que tenham o braço humano
como elemento transformador, mas acredita no poder redentor que essa coisa
inexplicável que é amar pode causar. Gosta de escrever sobre a comédia trágica
que é nosso dia a dia e de rir da rotina. Amante de literatura e cinema, tem
como ícones Nelson Rodrigues e Stanley Kubrick.
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