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domingo, 1 de abril de 2018

cotidianas #560 - O Filho de Deus



- Então você afirma que é o Salvador, o Messias, o filho do Senhor? - confirmou o apresentador olhado para a câmera que sabia que estaria esperando por aquela sua tradicional expressão debochada que fazia sempre que queria jogar o entrevistado aos leões, ou seja, à sua platéia, que por sinal, receptiva, invariavelmente, não conseguia conter o riso nessas horas, causando um alarido pelo auditório.
- Exatamente. - confirmou o convidado, com a maior tranquilidade e serenidade.
- E por que retornar exatamente agora, já que existe a promessa de "sua volta" há tanto tempo, há uns 2018 anos mais ou menos? - arrancando novas gargalhadas de parte do público com sua última observação.
- Na verdade já estive aqui por diversas vezes. Já fui poeta, pensador, cientista, cineasta, inventor,
médico, rei, escravo, mendigo, muitas coisas... Estive encarnado como pessoas espalhavam a paz e o amor só que vocês nem perceberam, ignoraram, mataram, torturaram, ridicularizaram. Desta vez, no entanto, Meu Pai considerou que fosse necessário que eu me revelasse pois o Homem parece estar voltando a um nível preocupantemente primitivo, ponto a que Ele duvidava que, a essas alturas, pudessem voltar.
- Então "seu Pai" o autorizou a voltar e se revelar? - quis frisar bem o apresentador.
- Exato.
- Mas numa banda de rock? Com letras que falam de crimes, homossexualismo...?- ressaltou deixando evidente seu ceticismo.
- A música é a forma de expressão mais universal, a de maior alcance e, se você puder observar, no último século, nenhum tipo de manifestação cultural foi tão influente e tão abrangente quanto o rock'n roll. Sabia que ia suscitar insatisfações e incredulidades mas tinha a certeza que, por um veículo assim, poderia chegar ao maior número possível de pessoas. Não importa se é rock, bolero, valsa, a minha música diz a mesma coisa que eu já dizia há mais de dois mil anos atrás. Amor, apenas amor. - e continuou - Sei que terei um destino parecido com o da outra vez, apenas não será numa cruz desta vez. Mas que diferença faz? A humanidade não estava preparada antes e continua não estando agora para a minha presença e para o que tenho a trazer. Mas Meu Pai e eu entendemos que valeria pena tentar de novo e Eu concordei em me sacrificar novamente.
Virando-se lentamente para a câmera 2 e encarando-a de forma dramática, o âncora usou então de toda sua experiência para fazer seu encerramento:
- Herói ou vilão, homem ou santo, anjo ou demônio, verdade ou farsa, salvador ou herege? Julgue você mesmo. Por hoje ficamos por aqui. Voltamos na próxima quarta-feira. Boa noite a todos.
A costumeira salva de palmas do final do programa estimulada pelo letreiro APLAUSOS voltado para a plateia, desta vez se confundia com vaias e manifestações verbais hostis por parte do público como "Herege", "Demônio", "Pilantra", "Safado", alguns objetos arremessados e uma iminente ameaça de invasão, o que fez com que se apressassem os cumprimentos finais assim como a saída do convidado do palco, obrigando-o praticamente a fugir por um dos corredores secundários que dava para os fundos da emissora.
Mesmo lá, no pátio posterior, uma pequena multidão se aglomerava esperando por sua saída entre o portão e o carro que o esperava a não mais que trinta metros. Alguns o aplaudiam, outros o insultavam, outros o idolatravam, outros jogavam coisas. Alguns só queriam um autógrafo, outros um abraço, outros um milagre, e outros no entanto cuspiam, ameaçavam e tentavam agressões. Um cordão de seguranças impedia a aproximação do público mas não foi suficientemente eficiente para evitar que um jovem furasse o bloqueio e se aproximasse do homem que protegiam. No breve instante que o rapaz teve de proximidade com aquele homem, o abraçou fortemente e com lágrimas nos olhos, disse:
- Eu tenho que fazer isso.
- Eu sei. Eu te perdoo. Eu te perdoo.




Cly Reis

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