Em 1988, eu ainda era guitarrista do DeFalla, estávamos fazendo a turnê de lançamento do nosso 2° disco (It's Fuckin' Borin' to Death/BMG-Ariola/1988). A banda vinha de uma maratona de quase 2 anos tocando, gravando e viajando sem parar, desde a formação clássica em 86 (Biba Meira/bateria, Castor Daudt/guitarra, Flu/baixo e EduK/voz). Tínhamos boa reputação entre críticos, músicos e jornalistas especializados. Daí, quando bandas estrangeiras famosas vinham tocar no Brasil, se viável, a assessoria de imprensa do selo arrumava uns encontros. A banda australiana The Church, por exemplo, mandou ingressos e liberou backstage pra gente nós shows deles no Projeto SP, inclusive eles foram nos assistir no Aeroanta! No show do New Order em 88, no Ibirapuera, em SP, não pudemos ir, pois tínhamos show na mesma noite. Mas os caras do New Order, depois do show deles, foram nos assistir na famosa casa de shows, o Dama Xoc! Depois do show eu fiquei sozinho no camarim, descansando. Era raro ter um minuto de sossego, na época. De repente entra um cara meio estranho, no camarim, e eu, a contragosto, me vejo obrigado a dizer: - "Oba amigo, desculpe, aqui é só pra banda, equipe e convidados, por favor saia!". Rapidamente entrou um comitê de segurança explicando que os caras do New Order queriam oferecer cocaína pra gente cheirar com eles, (se fosse possível), no camarim! Foi então que reconheci! O cara era o Peter Hook, baixista!! Super gente fina, sou fã dele! Tudo esclarecido, ficamos até altas horas em altos papos... nenhum retardado lembrou de tirar fotos... (Ah...os caras tinham comprado 1 kg de cocaína e estavam deslumbrados! Eu lembro de avisá-los pra pegarem leve, que o negócio não era brincadeira! O baterista parecia um zumbi, um cadáver ambulante: pálido, magro, cansado). Enfim, foi uma noite inesquecível, muitas risadas, altos papos sobre música, arte, quadrinhos, cinema... só inutilidades que a gente gosta, né? E até hoje, eu sou o cara que expulsou o Peter Hook do camarim... hahahahaha! (Ah, nunca faço isso, foi azar do Hook...).
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Castor Daudt é guitarrista, baterista, compositor e cantor do grupo DeFalla.
Não venho falando que o bairro Bom Fim e sua história andam recorrentes pra mim? Pois pouco tempo depois de ter assistido a "Filme Sobre um Bom Fim" e visitado a Lancheria do Parque nas vésperas da despedida do garçom Ildo, ambos assuntos que me motivaram a escrever aqui para o blog, outro acontecimento envolvendo o bairro me impele a falar a respeito do Bonfa de novo. É o documentário “Rock Grande do Sul: 30 Anos”, para o qual tivemos a honra de sermos convidados para a pré-estreia por um de seus diretores, meu amigo e jornalista Lucio Brancato, o que aconteceu no simpático Panama Estudio Pub, na Cidade Baixa, numa (mais uma!) noite chuvoso de setembro na capital.
Dentre os que assistiram, estavam o codiretor e também jornalista Fabrício Almeida, os colegas de Grupo RBS Alexandre Lucchese e Porã Bernardes, que ajudaram na pesquisa e entrevistas, e um dos protagonistas do filme, o DJ e produtor musical Claudinho Pereira, responsável pelos contatos que fizeram com que Rock Grande do Sul acontecesse 30 anos atrás. O disco impulsionou as bandas gaúchas dos anos 80, as quais já mobilizavam multidões por aqui, mas ainda não tinham projeção nacional. A trajetória começa em setembro de 1985 com um show no Gigantinho, o “Rock Unificado”, que reuniu pela primeira vez somente bandas locais e um público de mais de 10 mil pessoas. Disso, culmina com a escolha de cinco desses conjuntos para participarem de uma coletânea, engendrada por Claudinho junto a Tadeu Valério, executivo da RCA Victor, que veio a seu convite como olheiro assistir ao espetáculo. Convencido por Claudinho, se valesse a pena, Valério os lançaria um disco. Valeu. Assim, gravariam pela primeira vez em um LP nacional TNT, Garotos da Rua, Engenheiros do Hawaii, Os Replicantes e DeFalla (este último, que não participou do tal show no Gigantinho, mas era visivelmente um destaque na cena pela sonoridade, visual e postura).
Antes da avant-première
Vendo o filme, impossível não compará-lo a “Filme sobre Um Bom Fim”, tendo em vista a quase simultaneidade em que foram lançados. A temática, que faz ambos passarem necessariamente pelo bairro e pela cena cultural da época, os une numa leva de realizações que se completa com outro documentário desde ano, “Sobre Amanhã”, de Diego de Godoy e Rodrigo Pesavento, a respeito da banda DeFalla, lançado também faz pouco, em agosto, no Festival de Gramado. Vários entrevistados são, obviamente, os mesmos, visto que nomes como Biba Meira, Carlos Gerbase, Carlos Eduardo Miranda, Claudinho e Edu K, por exemplo, são essenciais para a história dessa efervescência cultural vivida por Porto Alegre num passado recente.
Conversei sobre isso com Lucio, que me revelou ter sido, de fato, apenas um feliz acaso. As semelhanças existem, tanto que tiveram que evitar de usar imagens e vídeos repetidos em uma obra e outra. Mas a ideia de “Rock...” surgira entre seus idealizadores há pouco tempo, quando Porã se dera conta do aniversário do disco, sendo que o projeto de “Filme...”, consideravelmente maior, já vinha sendo tenteado há uma década. E é aí que as coisas começam a se diferenciar. Por tratar de um tema menos complexo, o lançamento do disco e suas consequências (“Filme...” remonta parte da história e vivências do Bom Fim e arredores em mais de duas décadas), “Rock...” exige um menor número de entrevistados (menos de 20 ao todo) e recortes temporal e narrativo idem.
Começando a projeção.
Talvez por esses fatores, “Rock...” tenha ficado tão agradável e lúdico. Não que “Filme...” também não o seja; mas a complexidade que seu tema central levanta, bem como os vários desvelamentos que não se pode deixar de fazer (política, cultura, boemia, história, antropologia, comunicação, literatura, cinema, arquitetura histórica, urbanismo, etc.), lhe dão necessariamente um caráter mais denso – desafio este que o diretor Boca Migotto cumpre muito bem, diga-se. No caso de “Rock...”, essa exigência é menor, pois os caminhos para dissecar o assunto tornam-se naturalmente menos intrincados, ajudando, inclusive a detectar com mais facilidade os pontos a serem destacados no decorrer da narrativa. Dá até para fazer “firulas”. É o que acontece, por exemplo, na hora em que King Jim, d’Os Garotos da Rua, levemente “desmemoriado”, recorda que até havia plateia no Gigantinho na fatídica noite de 11 de setembro de 1985, depoimento imediatamente reconsiderado por Charles Master, do TNT, a quem era óbvio que havia um grande público. Momento engraçado e bem construído pela montagem.
O tempo recorde em que foi produzido – desde a concepção do roteiro, entrevistas, decupagem e montagem levou-se apenas sete semanas (algo como menos de dois meses), conforme Lucio, impressionado com o próprio feito, me relatou – não prejudicou o resultado final. Muito pela experiência dos realizadores, talhados nas várias mídias do jornalismo (tevê, jornal, rádio, etc.), “Rock...” ganhou agilidade e fluência, contando desde o surgimento das bandas e o furor da cena gaúcha dos anos 80, passando pelo “Rock Unificado”, os bastidores da assinatura do contrato com a RCA e o sentimento dos protagonistas quanto àquela conquista. Além disso, remonta o que aconteceu dois anos depois da coletânea como resultado: a gravação do disco de cada uma das cinco bandas que integraram a “Rock Grande do Sul”, dentre estes os clássicos “Papaparty”, da DeFalla, "O Futuro É Vortex" (1987), d’Os Replicantes, e o LP homônimo da TNT.
Bem interessante esse momento do filme, em que contam sobre a aventura de ir para o Rio de Janeiro para gravarem os discos, o que rende histórias engraçadas e com sabor nostálgico. Charles fala da reação “jeca” dos rapazes da TNT ao se depararem com o rico aparato do estúdio e, logo em seguida, voltarem ao hotel onde estavam hospedados e esconderem os seus instrumentos de vergonha que ficaram. Ou das sacanagens que Os Garotos da Rua, suburbanos também no jeito de ser, faziam no quarto do hotel dos membros do Engenheiros do Hawaii, que, universitários intelectualizados, respondiam às brincadeiras testando-lhes o conhecimento, tal como relataram Jim e Humberto Gessinger. Eu, que sou especialmente fã de Replicantes, adorei saber das condições que a banda de Gerbase impôs à gravadora. Punks cientes – e orgulhosos – de sua inaptidão técnica como músicos, embora extremamente criativos e donos de uma música inteligente e pungente, tinham critérios desde a escolha do repertório até o método de gravação, em que a banda tocava junta (sem overdub) e escolhiam, ao final, o take “menos pior”, como relatara engenheiro de som que os apadrinhara, o Barriga.
Master, Gessinger e Gerbase,
três das figuras centrais do filme.
Detalhes cuidadosos estabelecem o ritmo da montagem, da fotografia e locações, mantendo tempos regulares e bem conduzidos das falas – um exemplo simples mas que denota essa delicadeza é o lettering que credita cada entrevistado, o qual aparece apenas depois da primeira ideia dita por estes. Ao final, fica um sabor de “quero mais”, e não pela sensação de ter sido pouco, pois, mesmo sendo um curta, o filme supera esse fator uma vez que conta muito bem a história. Fica, sim, o sentimento de “que pena, passou tão rápido!”
O filme desfecha com uma rodada de percepções de vários dos entrevistados sobre o que a coletânea “Rock Grande do Sul” representava para eles hoje. Com o a capa do vinil na mão, num exercício psicológico tátil, cada um dá seu depoimento que vai do orgulho ao carinho. Olhando-os nessa sequência, hoje todos mais velhos de quando realizaram a obra, fica a sensação de que parece ter passado pouco tempo de lá para cá, o que é imediatamente contrariado pelo fator cronológico, o qual relembra serem caprichosas três décadas. Não é pouco, de fato. A sensibilidade dos diretores e o carinho com que trataram do tema é provada no desfecho: percebendo essa atmosfera nostálgica que permeia a psique coletiva, o que se escuta no final não é "Segurança", "Entra Nessa" ou “Surfista Calhorda”, faixas do disco que automaticamente são ligadas a este – e com as quais seria óbvio demais encerrar. Ouve-se, sim, apenas o chiado da agulha no sulco do vinil, metáfora de uma obra que não inicia, pois seus ecos, na verdade, ainda não terminaram.
Afora isso, foi saboroso assistir a esse tributo a um dos discos que foi um dos principais responsáveis por fazer a mim e a meu irmão a gostarmos de rock e pelo qual guardo um sentimento especial até hoje. Pelo visto, não só eu.
Ando escrevendo bastante sobre Porto Alegre e sobre o Bom Fim
especialmente nos últimos tempos. Talvez não seja acaso, pois a considerar os
sentimentos que venho nutrindo pela cidade, mais para mal do que para bem, ter
assistido ao documentário “Filme sobre
um Bom Fim” deve significar alguma coisa. Tanto para bem quanto para mal.
Para bem, porque é um barato conhecer mais da história, identificar-se e ouvir
os depoimentos de quem presenciou e viveu os períodos heroicos do famoso “Bonfa”.
Para mal é que, infelizmente, minhas queixas e decepções se confirmam nas de
outras pessoas – e não qualquer uma, mas as que ajudaram a escrever a biografia
cultural recente da cidade.
Mas comecemos pela parte boa. Dirigido por Boca Migotto, com fotografia
competente de Bruno Polidoro, “Filme...” resgata de forma bastante eficiente a
história do Bom Fim, bairro boêmio (muito mais no passado do que hoje) que, no
final dos anos 60 até o início dos anos 90 – ou seja, percorreu basicamente
toda a época do Regime Militar no Brasil – foi ponto de confluência das mais
ricas manifestações artísticas de Porto Alegre. Numa narrativa tradicional,
cronológica e construída com base em depoimentos de figuras-chave entremeados
de imagens de arquivo e locações coerentes, o filme cumpre muito bem o objetivo
ao qual se presta: evidenciar a importância do bairro enquanto arcabouço de
toda uma cena que, por diversos motivos (nem sempre lógicos), se criou em torno
deste.
Bares lotados na movimentada Osvaldo Aranha dos anos 80.
Começa de forma bem poética e veneradora ao fazer um paralelo entre o documentário
e o longa “Deu pra ti, Anos 70” (de Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil, de
1981) repetindo um plano-sequência em que uma câmera (digital, no atual; Super
8, no antigo), como um ponto-de-vista de um passageiro da janela de um ônibus que
sai do viaduto da Conceição, saindo do Centro da cidade, em direção à
consagrada Osvaldo Aranha, avenida principal do Bom Fim, percorrendo-a de ponta
a ponta. É a partir dessa cena que Migotto constrói toda a genealogia cultural
e sociopolítica que se manifestou ali, desde a época da “Esquina Maldita”, nos
anos 60, até o seu declínio, nos anos 90, quando a pressão imobiliária e a ação
política esvaziaram física e emocionalmente a movimentação em prol da “família
e dos bons costumes”. Aspectos como a delimitação geográfica do bairro, suas
origens e fisionomia arquitetônica dão suporte para, partindo de depoimentos
bastante ricos e bem estruturados, contar como o cinema, o teatro, a música, o
rádio, a boemia e, principalmente, a ação de vários personagens ajudou a criar
uma cena de absoluta democracia e diversidade que chegou ao ápice nos anos 80,
quando a Osvaldo fechava para receber até 5 mil pessoas aos finais de semana.
Todas bebendo, curtindo, andando, trocando (coisas lícitas ou não) e tendo como
ponto principal os bares, tanto os de antigamente (Copa 70, Lola, Escaler,
João) quanto os de ainda hoje (Ocidente, Lancheria do Parque, Mariu’s).
Dessa trajetória, muito legal ver como se deu o surgimento da galera do
cinema (Carlos Gerbase, Giba, Jorge Furtado, Werner Schünemann, Marcos Breda),
embrião da Casa de Cinema de Porto Alegre e do atual cinema gaúcho. As cenas
dos primeiros filmes, “Deu pra ti...”, “Inverno” e meu amado “Verdes Anos”, bem
como o ambiente em que foram filmados, são resgatados de maneira bonita,
mostrando a paixão com a qual se dedicavam a rodá-los, bem como as referências
estéticas novas que trouxeram. Igualmente, passa pelas sessões de cinema nos
saudosos Baltimore e Bristol; pelas funções do teatro: montagem de “Deu pra ti,
Anos 70” (diferente do filme mas quase simultânea a este) e a formação dos
grupos Terreira da Tribo, Vende-se Sonhos e GTI; da rádio: a já saudosa Mary
Mezzari e Mauro Borba falando da Ipanema FM; e da tevê, em que programas revolucionários
como Quizumba e Pra Começo de Conversa, da TVE dirigida por Cândido Norberto,
deram espaço para os roqueiros malucos, bem como para os primeiros trabalhos
jornalísticos e audiovisuais de gente renovadora como Furtado e Eduardo Bueno (Peninha).
Edu K, figura essencial na movimentação cultural da cidade.
Mas é especialmente legal ver que tudo se construiu a partir da
juventude, motivo pelo qual todos os momentos são muito ligados ao rock, seja o
pop de Nei Lisboa, o rockabilly d’Os Cascavelletes,
o hardcore d’Os Replicantes ou o
pós-punk do De Falla. Nisso, interessante notar a devida reverência à figura de
Edu K como pioneiro e agitador cultural e a liderança de Gerbase não só no
cinema, mas na cena rock. Engraçado e saboroso ouvi-lo dizer que, à época da
formação da banda, notara o desconforto do colega de cinema Giba Assis Brasil,
que não apreciava a barulheira e inaptidão técnica dos Replicantes, inclusive a
de Gerbase com as baquetas. Ele explica: “O
negócio é que eu não queria tocar bateria: eu queria era bater naquilo”.
E a parte ruim? Nada que se refira à qualidade do filme, mas justamente
quanto à conclusão que o próprio levanta: a de que Porto Alegre estagnou
culturalmente. Isso fica claro no final, seja em forma de provocação, como
fizera Peninha desafiando que o provassem que o momento áureo do Bom Fim
significara de fato um “movimento cultural”, seja em depoimentos mais
moderados, nos quais se ouve e/ou se subentende expressões como “estagnação”,
“desdém” e “descontinuidade”. O próprio filme é um exemplo: mesmo sendo um
sucesso garantido de público (a sala estava lotada, o que se repete desde sua
estreia), levou sofridos 10 anos para ser aprovado na lei de incentivo do
município, e isso por causa de muita insistência.
Peninha, ferino e hilário.
Tristes constatações que, mais tristemente ainda, coferem com as
minhas. E não somente as dos últimos tempos, mas a da real validade de produtos
artísticos porto-alegrenses endeusados aqui mas que, num contexto geral (e no
comparativo com as coisas boas daqui mesmo), são bastante fracas. Carlos
Eduardo Miranda ainda tentar argumentar que bandas como De Falla e Graforréia
Xilarmônica influenciaram o rock brasileiro dos anos 90, porém (e aí se entende
o fundamento da provocação lançada por Peninha), está longe de poder ser
considerado um movimento cultural de sotaque gaúcho. Cabe ao próprio Gordo
Miranda finalizar num depoimento romântico de que, um dia, quiçá, se repita um
momento tão efervescente e interessante na cidade.
Sabemos que não se repetirá.
A Casa de Cinema ganhou relevância nacional e mudou para melhor o
cinema e a televisão brasileira a partir dos anos 90; porém, não formou escola.
Do rock gaúcho, por motivos diferentes, grandes bandas surgiram, mas nenhuma
engatou uma carreira contínua e de real expressão nacional – fora os Engenheiros do Hawaii, que rumaram para longe demais da capital – ou, muito
menos, internacional. Do teatro, a monopolização dos mesmos nomes para, pateticamente,
não apresentarem nada de novo desde aquela época. Só posso concluir que tudo
isso é junção de fatores psicossociais, como falta de antevisão e renovação, pouco-caso
para com o seu semelhante, um sentimento de superioridade intelectual
injustificável e a crise econômica que se arrasta há anos no Estado. Mas tudo,
na verdade, não seria importante se não faltasse de fato um quesito: qualidade.
Ter, tem; mas só em algumas frentes e que não são suficientes para formar algo
que se possa intitular propriamente como porto-alegrense.
No entanto, até as constatações negativas de “Filme...” são méritos do
filme, que não temeu em mostrá-las ou escondê-las num endeusamento pró causa
abordada, como acontece em alguns filmes do gênero (o às vezes parcial “Lóki”,
a respeito do mutante Arnaldo Baptista, ou "O Sal da Terra", que parece não abordar o que realmente deve). O formato clássico de documentário, aliás, é o
mais recomendável quando o próprio tema fala por si como neste caso. Inventar
narrativas “poéticas” ou “modernas” nem sempre é um bom caminho, pois se pode
cair no erro de diluir o principal, que é a história que se está querendo
contar. Menos é mais em documentário. Afora isso, as reveladoras falas de gente
como Juremir Machado da Silva, Polaca, Fiapo Barth, Cikuta, Biba Meira, Luciana
Tomasi e os já citados Nei, Gerbase, Werner, Peninha, Mary, entre outros, são
de grande identificação a quem sempre esteve ligado à cena alternativa de Porto
Alegre de uma forma ou de outra como eu.
Impossível não mencionar que, ainda por cima, assisti à sessão
acompanhado de Leocádia, que nasceu no Bom Fim e morou lá alguns anos da
infância, e na presença da radialista Kátia Suman, com quem já tive momentos
marcantes na minha trajetória como jornalista e ser cultural da cidade, desde quando
a ouvia na Ipanema até momentos presenciais, como no Clube do Ouvinte que
apresentei na rádio, em 1994, ou o Sarau Elétrico, que participei como autor em
2012, em pleno Ocidente. Simbólico, no mínimo.