Em clima de Réveillon, um confronto que tem tudo a ver com a entrada de um novo ano. Um transatlântico de luxo é atingido por uma onda gigante, causada por um tremor de terra submarino, exatamente na hora da virada. Tirando algumas poucas modificações, essa é a história básica tanto de "O Destino do Poseidon", de 1972, de Ronald Neame, quanto de seu remake, "Poseidon", de 2006, de Wolfgang Petersen. Mas é exatamente nas mudanças de escalação que o esquema tático do técnico, digo, diretor, Wolfgang Petersen começa a naufragar. O grupo de sobreviventes do original, liderado por um padre cético porém destemido e, mal ou bem, por um ex-policial turrão que só faz embaçar as situações, é muito mais interessante que o do novo, com um playboyzinho falido e um figurão ex-prefeito de Nova Iorque encabeçando a turma de fuga. Enquanto o antigo tem dois atores consagrados à frente do elenco, os oscarizados Gene Hackman e Ernest Bornigne, e ainda a indicada a coadjuvante por este filme, Shelley Winters, a nova versão aposta no clichê de um bonitão atlético, Josh Lucas, e um canastrão figurinha carimbada de filmes de ação, Kurt Russel, para garantir bilheteria. Isso sem falar nas pequenas mudanças em momentos-chave como na cena da fuga do salão principal e na da saída pelo casco do navio que, na minha opinião perdem em relação às soluções do original.
"O Destino do Poseidon" (1972) - trailer
"Poseidon" (2006) - trailer
No remake, as cenas de ação são forçadas e de um heroísmo exagerado, ao passo que no antigo as situações de perigo eram naturalmente tensas e suficientemente verossímeis dentro do aceitável. Nem a parte técnica que poderia ser um trunfo para a versão mais atual pelos recursos tecnológicos recentes faz alguma diferença. A cena da onda, por exemplo, que poderia ser um momento marcante, com todos os efeitos visuais disponíveis hoje em dia, é mais impressionante no antigo, por incrível que pareça, do que na nova versão em que ela é chocha e artificial. Soluções simples mas extremamente eficientes do original mostram-se mais eficientes que toda uma parafernália técnica e deixam o espectador tenso e envolvido como câmera inclinada e sempre instável, que passa a sensação incômoda de estarmos dentro do navio, e o mobiliário, de ponta cabeça, no navio emborcado, uma opção cênica sutil mas de efeito perturbador e angustiante.
Sabe aquele tipo de jogo que a torcida já chega no estádio sentindo que tá com cara de tragédia? Pois é, essa é a sensação que "Poseidon" tem ao perceber que está prestes a encarar um dos clássicos do cinema-catástrofe e não está nem um pouco preparado para isso. E não dá outra! "O Destino do Poseidon", de 1972, arrasa "Poseidon", 2006 como um tsunami.
O elenco, a composição dos personagens, o roteiro, as cenas de tensão, tudo isso dá um banho nas situações equivalentes da refilmagem. A cena da escalada pela árvore de Natal invertida é clássica, a do fosso é eletrizante, a da velhota ex-nadadora, Shelley Winters, mergulhando, ciente que sua missão é sem volta é de roer as unhas, e o epílogo, na sala de máquinas é de não desgrudar da tela.
Em suma, a defesa de "Poseidon" faz água por todos os lados e o filme de 2006 leva uma verdadeira lavada. Até consegue marcar um graças à boa atuação de Richard Dreyfuss como um arquiteto desiludido com o namorado, mas não escapa de buscar a bola quatro vezes lá no fundo.
A cena da onda gigante no filme de 1972, à esquerda, e no de 2006, à direita. |
As pretensões do remake de igualar o clássico dos anos 70 vão,
literalmente, por água abaixo e, depois desse resultado,
o time de Wolfgang Peterson afunda numa enorme crise.
Cly Reis