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quinta-feira, 11 de abril de 2024

"Hamlet", de Zeca Brito (2023)



Ser ou Não Ser Político? Eis a Questão


"A loucura às vezes atinge quando o julgamento e a sanidade não dão frutos."
Da Peça "Hamlet", ato 2

Levar Shakespeare para a tela sempre foi uma tarefa complexa. A tentação de se valer do texto clássico pela sua inequívoca qualidade, no entanto, nem sempre é garantia de um bom resultado. Justamente pela alta qualidade literária, a adaptação pode facilmente resvalar. Se há acertos esplêndidos, como “Othelo” de Orson Welles, há também pasteurizações enfadonhas, tipo “Romeu + Julieta” de Baz Luhrmann. Fato é que o cinema ainda explora formas de elaborar a dramaturgia do autor inglês. Entende-se, contudo, tamanha tentação. O teatro shakespeariano sintetiza tão bem a alma humana, que é capaz de refletir situações aparentemente distantes de si, rompendo épocas e renovando linguagens ao longo do tempo. O provocativo “Hamlet”, do cineasta gaúcho Zeca Brito, prova isto. Quando se poderia imaginar, afinal, que uma peça de 425 anos suportaria com a devida potência a ação do movimento Ocupa Escola do Brasil do século 21?

Ganhador de diversos prêmios em festivais, como Gramado e o FIDBA, em Buenos Aires, “Hamlet” é livremente inspirado na peça trágica. Encarnado por Fredericco Restori, o jovem protagonista se encontra em pleno ano de 2016 vivenciado a ocupação do movimento estudantil no Instituto de Educação General Flores da Cunha, em Porto Alegre. Em meio ao traumático processo de impeachment de Dilma Rousseff, é o registro de um período de convulsão social, quando estudantes secundaristas amotinam-se e interrompem as aulas para protestar contra o desgastado sistema vigente. 

Restori no papel de "Hamlet" entre os alunos em protesto

Com a equipe de filmagem inserida no colégio, Brito capta ao mesmo tempo a realidade daqueles jovens e a participação ativa do ator, que divide-se entre a ficção e a vida real. O cineasta retoma o teor político de realizações anteriores, como “A Vida Extra-ordinária de Tarso de Castro” (2016) e “Legalidade” (2019), porém usando a tragédia renascentista como impulso a uma obra pulsante e singular.

A força do filme está no proveito de um dos recursos elementares do texto original: a duplicidade. A dureza da fotografia em p&b expõe constantemente a dicotomia “realidade versus ficção”. O “ser ou não ser” hamletiano se transfigura em embates simbólicos entre bem e mal, loucura e lucidez, democracia e totalitarismo, violência e doçura, espírito e matéria. Ao unir documentário e drama, “Hamlet” joga seu personagem principal num palco vivo, que o faz questionar a vida como um teatro de incertezas e angústias. A exposição na tela daquele Brasil rachado redimensiona, assim, o significado da palavra “cenário”. Não é mais apenas uma explicação para “conjuntura política”, mas para a cena, o plano de ação, aquilo que a câmera enquadra. 

É emblemática a cena em que Hamlet é abordado por uma equipe de televisão, que transmitia ao vivo o ato no colégio. A repórter (de abordagem parcial e sem saber que se tratava de um ator), questiona Hamlet sobre a ocupação. Porém, incomodada com uma pessoa que a filma just in time (o próprio Zeca Brito), grosseiramente a condena. A multiplicidade de camadas e espelhamentos que a sequência consegue revelar – o olhar do cineasta, do tevente, do espectador do filme, da repórter, do apresentador, do cinegrafista – atingem um nível de metalinguagem e de complexidade discursiva admiráveis.

Diálogo entre pai e filho: espelho
A atuação de Restori, igualmente, é alimentada por esta riqueza de intenções. A tênue fronteira entre sanidade e insanidade que conduz Hamlet durante toda a peça expõe-se no personagem do filme através do conflito existencial entre outros dois extremos: o rompimento com a infância e a assunção da vida adulta. Mais do que isso: a tomada de consciência do seu “ser político”. Os diálogos dele com o pai, o também ator Marcelo Restori, como que pondo-se diante de um fantasma no espelho, retrazem o elemento da figura paterna do livro, mas não pelo trauma da morte física como no caso do príncipe dinamarquês, mas a morte da inocência em detrimento da razão. 

Ao reelaborar elementos distintivos do clássico, o filme renova o olhar sobre o ser humano em suas relações sociopolíticas na atualidade. O jovem Hamlet, amálgama de incertezas e desafios, veste, agora, seu manto preto pelas ruas de Porto Alegre como um estudante em busca de respostas àquilo que lhe faça sentido. O filme, assim, faz suscitar profundos questionamentos a respeito da sociedade brasileira dos últimos anos, uma sociedade contraditória e marcada pela pior das dicotomias a qual pode condenar-se: a polarização política. No espelho, não é mais o fantasma do pai que Hamlet vê: é o seu país.

texto originalmente publicado no caderno Doc do jornal Zero Hora em 8 de março de 2024

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trailer de "Hamlet", de Zeca Brito



Daniel Rodrigues


sábado, 6 de janeiro de 2024

"Noite de Reis", de Trevor Nunn (1996) vs. "Ela é o Cara", de Andy Fickman (2006)

 



Num jogo cheio de táticas, estratégias, jogadores executando mais de uma função, falsos noves, falso ponta, e etcetera e tal, no fim das contas, ganha quem joga mais bola e aí, quem trata sobre futebol, leva vantagem.

Aqui não  tratamos exatamente de um remake mas de duas adaptações a partir da mesma peça. "Noite de Reis", originalmente "A décima segunda noite", é uma divertidíssima comédia de Shakespeare na qual uma garota, Viola, tem que se passar por homem, assumindo a identidade de seu irmão gêmeo Sebastian, causando uma série de confusões e contratempos, entre romances, paixões e amores não correspondidos. Embora o filme de 1996, "Noite de Reis", de Trevor Nunn, seja mais fiel à peça original de William Shakespeare, "Ela é o Cara", de 2006, mesmo se arriscando em adaptar um texto tão clássico e tradicional, ainda mais para um tema tão popular como futebol, é mais competente e executa melhor a proposta de jogo, ou seja: divertir.

O original inglês é chato, modorrento. Até mantém toda a situação do naufrágio que ocasiona a separação dos irmãos, mas essa fidelidade não  joga a seu favor. Faz uso do texto clássico, com falas empoladas e vocabulário rebuscado, mas a opção  não só não representa ganho nenhum, como mostra-se questionável, especialmente pelo fato da ação do filme não se passar no período do livro original e sim, quase um século depois. Embora inegavelmente genial e impecável, utilizada daquela forma, integralmente, a peça, literal como é apresentada, torna o todo cansativo e maçante. O diretor não consegue extrair de um texto naturalmente cativante e hilário, humor o suficiente para fazer o espectador rir, só o conseguindo em cenas 'pastelão' como em um duelo desastrado ou em perseguições esdrúxulas. Além do mais, desperdiça muito tempo em situações secundárias, especialmente na tramoia de Sir Toby, Sir Andrew e Maria, para iludir Malvólio, ponto que até tem sua relevância na trama, mas que se estende demasiadamente, chateando o espectador para, no fim, das contas, ter pouco efeito sobre o desfecho. Por conta da opção pelas falas textuais da peça, as visitas de Cesário (Viola vestida de rapaz) a Olívia, que seriam pontos-chave para o encantamento da bela pelo mensageiro, tornam-se torturantes e, ao contrário do objetivo da comédia, não têm graça nenhuma. William Shakespeare não tem culpa nenhuma nisso, e sim, a diferença de dinâmicas entre peça escrita e cinema, cuja noção e sensibilidade é obrigação de um diretor ao se propor a transpor uma história para a tela.


"Noite de Reis" (1996) - trailer


Para piorar, os personagens são mal-caracterizados: Feste, originalmente o bobo de Olívia, apesar de todo o esforço do ótimo Ben Kingsley, está mais para um conselheiro angustiado, um filósofo atormentado e confuso, do que para um bufão; Orsino é pouquíssimo carismático e em momento algum nos vemos torcendo para que ele atinja seus objetivos amorosos com Olívia ou, tampouco, pela aproximação com Viola, esta que, por sua vez, embora até bem interpretada pela boa Imogen Stubbs, vê seu personagem sacrificado pela direção de arte que lhe entregou um figurino inadequado, uma maquiagem muito sutil e um corte de cabelo com um corte muito delicado e feminino.

Do outro lado temos um time solto, um roteiro atualizado, atores carismáticos, caracterizações adequadas e risadas o tempo todo. Os realizadores arriscaram em omitir situações, personagens supérfluos, focando nas confusões geradas pela troca de identidades e acertaram em cheio.

Em "Ela é o Cara", diante da extinção do time feminino da escola, e com sua alta qualidade para a prática do esporte, a adolescente Viola aproveita-se de uma viagem do irmão gêmeo, Sebastian, para, com uma transformação e alguns "ajustes", assumir sua identidade e entrar para o time de futebol da escola dele. Lá, conhece Duke, um colega de time e se apaixona por ele, mas não podendo dar bandeira e estragar o disfarce, mesmo contra a vontade, o ajuda a se aproximar de Olívia, uma das garotas mais cobiçadas do colégio, que por sua vez, acaba atraída pelo Sebastian falso, que não imagina ser uma garota como ela.


"Ela é o Cara" (2006) - trailer


Amanda Bynes, como Viola, é espetacular! Engraçada, cativante, bonita, faz a gente rir com suas constantes transformações e torcer por sua relação com o colega de time, Channing Tatum, que por sua vez, é bonitão, engraçado e perfeitamente adequado para o papel, dentro da proposta. 

A cena do bar, quando Viola pede às melhores amigas para se passarem por suas namoradas para provar para os novos colegas de time, que é 'machão', que é pegador, que é O CARA, é engraçadíssima; a sequência da quermesse e sua frenética troca de identidades é hilária; e a da revelação da verdadeira identidade de Viola, dentro de campo, para provar que é verdadeiramente uma garota, é de chorar de rir.

Show de bola do time de 2006!

O primeiro gol é pela sacada de transformar uma peça clássica numa comédia romântica sobre futebol (1x0, no placar); o segundo é por fazer o expectador rir, rir de verdade (2x0); o terceiro é pela memorável cena em que o Sabastian abaixa as calças, Viola levanta a blusa e o pai diz, "É impressão minha ou esse jogo de futebol está tendo mais nudez do que o normal?". Golaço! Daqueles de sair do estádio e pagar o ingresso de novo. E o quarto fica por conta da promessa de craque, Amanda Bynes, que, como muitos meteu os pés pelas mãos e jogou a carreira fora, mas que aqui, destruiu com a defesa adversária e numa tabelinha espetacular com Chaning Tatum, guardou o seu com categoria. Depois tirou a camiseta na comemoração, levou amarelo, coisa e tal... mas o cartãozinho valeu a pena. Festa mais que merecida.

O time de 1996 ainda descontou com a craque de bola Helena Bohan Carter, de excelente atuação como Olivia mas que não consegue salvar o filme sozinha. Nem o brilhante Ben Kingsley, fora de posição conseguiu dar alguma contribuição e, desta forma, as coisas ficaram assim mesmo: 4x1 para o time de futebol.

Ao que parece, ela é mesmo o cara, hein!

Parece coisa daqueles técnicos malucos que escalam o lateral direito na ponta esquerda,
 o volante de goleiro, o goleiro de zagueiro...
Aqui, ninguém sabe quem é quem, de verdade.


No Dia de Reis, ela, "O Cara",
estragou a festa do dia comemorativo do adversário.







por Cly Reis


quinta-feira, 21 de setembro de 2023

"A Décima Segunda Noite", de Luís Fernando Versíssimo - ed. Objetiva - Coleção Devorando Shakespeare (2006)

 



Olha..., uma das raras vezes que não gosto de alguma coisa do Luís Fernando Veríssimo

"A Décima Segunda Noite", sua "versão" para a peça de Shakespeare, conhecida por aqui como "Noite de Reis", é uma bagunça. Um caos mais estapafúrdio do que seria permissível mesmo para o gênio criativo de Luís Fernando Veríssimo que, costumeiramente mistura elementos muitas vezes aparentemente incompatíveis, criando universos literários peculiares e interessantíssimos.

Não é o caso aqui.

"A Décima Segunda Noite" é uma verdadeira salada: um grupo de travestis brasileiros, ex-integrantes de um fracassado grupo de dança, trabalha no salão de beleza de um italiano que é apaixonado por uma ricaça francesa, cujo um irmão falecido era contrabandista de santos barrocos vindos do Brasil, e cujo "bobo-da-corte" (?!?!), que animava as festinhas dos travestis brasileiros tocando violão, fora diplomata no Itamaraty... E tudo isso narrado por uma papagaio cinza, pintado de verde e amarelo só pra dar um toque de brasilidade ao salão de beleza.

Não, ó: aí o Veríssimo passou dos limites na "liberdade criativa".

A situação da separação dos irmãos, Viola e Sebastian, no original, Violeta e Sebastião, nesta adaptação, até é bem criativa e interessante. Se lá eles se perdem num naufrágio, aqui eles são separados no aeroporto em Paris, por questões diplomáticas e suspeitas em relação ao envolvimento de Sebastian com o contrabando de joias. Ok... Tá bom, mas praticamente ficamos nisso. O papagaio contando a história dá um toque original, até tem seu valor, tem seus momentos divertidos, mas é muito pouco.

No mais, um infeliz "samba do branquelo doido" que faz a gente querer chegar logo ao final, muito mais para se livrar daquele martírio do que para saber o final que, no fim das contas, para quem conhece a peça, já está cansado de saber. Mas não se engane, por mais que saibamos o final, neste caso, Luís Fernando Veríssimo consegue colocar elementos que não acrescentam em nada, não têm graça nenhuma e só pioram o final.

Por mais fã de Shakespeare que seja, e apaixonado por Paris, acho que, desta vez, Veríssimo errou na mão. Adaptação completamente dispensável (E é com peso no coração que digo isso).




Cly Reis


quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

"Ela é o Cara", de Andy Fickman (2006)


Podem dizer o que quiserem, mas, para mim, uma das melhores adaptações de Shakespeare para o cinema é "Ela é o Cara". "Ah, é filmezinho teen...", "ah, é comédia romântica...", "ah, não é totalmente fiel à história...", "...sacrifica o texto original.". Ora, por isso mesmo! "Ela é o cara" adapta uma das comédias mais divertidas do gênio inglês sem soar excessivamente reverente nem pedante. Não incorre no mesmo erro, por exemplo do "Hamlet", de 2000, com Etahn Hawke, que mesmo se passando em um cenário contemporâneo, faz uso do texto original, ou do "Romeu+Julieta" (1996), de Baz Luhrmann, que num ambiente quase cyber-punk , em meio a muita bala e ao som de muito rock, fica cheio de "vós sois...", "se quiserdes...", e coisa e tal. A maior demonstração de respeito à obra do diretor Andy Fickman é fazer rir, e tenho certeza que por utilizar tão bem seu argumento original, Shakespeare ficaria orgulhoso.

Se na peça que inspira o filme, "Noite de Reis" a protagonista Viola é uma jovem que, supondo a morte do irmão num naufrágio, no reino onde vai parar, assume a identidade de seu gêmeo e passa a trabalhar como mensageiro para o Duque Orsino, por quem se apaixona, não podendo, no entanto, revelar quem verdadeiramente é, até porque sua tarefa, como serviçal, é, justamente, ajudar o nobre a conquistar a bela Olivia; na adaptação a garota, de mesmo nome, interpretada pelo ícone dos filmes adolescentes, Amanda Bynes, é uma adolescente apaixonada por futebol e boa de bola, que sabendo da dissolução do núcleo de futebol feminino de sua escola, aproveita uma viagem do irmão Sebastian ao exterior, para, disfarçada de rapaz, assumir sua identidade e ingressar no time de futebol masculino na outra escola. A semelhança com o irmão e o futebol, tudo bem, mas como lidar com a anatomia feminina, hábitos masculinos, paqueras e coisas do tipo? Sem falar nos percalços, contratempos, encontros e desencontros com a namorada do irmão, que não sabe que ele está em Londres, com a colega Olivia que acaba se apaixonando por ele (ela), um colega intrometido que começa a desconfiar da coisa toda; e a situação com o colega de time, Duke, por quem acaba se apaixonando.

A cena da quermesse em que Viola se compromete em comparecer, com as duas identidades, e tem que se desdobrar para ser Viola e Sebastian, alternadamente, conforme a situação, é hilária! A do bar, quando tem que provar para os novos amigos que é um cara, e convoca as amigas para simular serem suas 'namoradas', fazendo os colegas de time pensar que é um gostosão, é outra de gargalhar. Mas nada se compara à cena do jogo final: primeiro o irmão, Sebastian, de volta da viagem e sem saber de nada, tendo Viola sido desmascarada pelo colega enxerido, é acusado de ser garota e abaixa o short para provar que não. Depois ela, tendo Sebastian confirmado que é homem, e ela ainda sob disfarce, tendo que provar o contrário para Duke, levantando a camiseta durante o jogo, para choque da torcida, numa das cenas mais cult das comédias teen.

Digam o que quiserem: "Ah, é filme de Sessão da Tarde...", "ah, é comédia teen...", "ah, é muito clichê...", "...Shakespeare deve estar se virando no túmulo". Que seja! Eu morro de rir!

"Acredita agora?".
Viola provando quem é em um dos momentos mais engraçados do filme.


Cly Reis


quinta-feira, 3 de novembro de 2022

"Trono Manchado de Sangue", de Akira Kurosawa (1957) vs. "Macbeth", de Roman Polanski (1971)


Tá, agora acabou a palhaçada!

Se era jogo grande que vocês queriam, é jogo grande que vocês ganharam. O maior diretor japonês de todos os tempos, Akira Kurosawa, contra o melhor diretor polonês (nascido na França) Roman Polanski, adaptando uma das mais famosas peças do maior escritor inglês e um dos maiores da literatura mundial, William Shakespeare.

Japão e Polônia pode não ser grande clássico dentro dos gramados, mas no set de filmagem é duelo de gigantes. Aliás, nesse caso, é Japão versus Inglaterra, uma vez que a adaptação de Roman Polanski para "Macbeth", é uma produção britânica.

Na tragédia "Macbeth", o nobre que dá nome à peça, acompanhado por seu amigo Banquo, ao retornar com improvável êxito de uma batalha dificílima, tem previsto por três bruxas, ocultas na floresta a caminho do castelo, que, primeiramente, será promovido em suas funções militares e posteriormente, virá a tornar-se rei. No entanto, as mesmas feiticeiras preveem que o parceiro, Banquo, embora não venha a reinar, terá um soberano na sua linhagem. A predição desencadeia, além de uma enorme confusão mental em Macbeth, uma série de acontecimentos perversos como o assassinato do rei Duncan a fim de cumprir a profecia o quanto antes, e a morte do próprio amigo e de seu filho, de modo a evitar que a segunda parte da previsão se concretizasse, atos incitados por sua ambiciosa esposa, Lady Macbeth. Parte do plano dá errado uma vez que o filho de Banquo sobrevive ao ataque, fazendo com que Macbeth fique um tanto acuado e temeroso quanto à longevidade de seu reinado. Enquanto isso, no exílio, Malcolm, o filho do rei assassinado e que pretende retornar para retomar a coroa, sua por direito, planeja um ataque ao castelo e ganha cada vez mais força conquistando até mesmo os próprios súditos de Macbeth que começam a vê-lo enfraquecido e desequilibrado.

No entanto, Macbeth não teme ser derrotado pois, em nova consulta às feiticeiras, estas lhe revelam que ele só perderia seu trono caso a floresta andasse em direção ao castelo e que só seria subjugado por um homem que não tivesse vindo ao mundo por uma mulher. Nenhuma chance, não? Bom... não exatamente...


"Trono Manchado de Sangue" (1957) - trailer



"Macbeth" (1971) - trailer


O franco-polonês Roman Polanski, faz um filme pesado, duro, sujo, violento. Os personagens são frios, brutos, podres, a fotografia, se por um lado têm as belas paisagens escocesas em ângulos abertos, traz cenários realistas, enlameados, com porcos transitando, higienes duvidosas e vestes reais imundas. Mais fiel ao livro que Kurosawa, Polanski se utiliza de alguns pontos, de alguns detalhes, de certos elementos e cria praticamente um filme de terror: o covil das bruxas, a beberagem que oferecem para Macbeth e sua consequente alucinação, a aparição de Banquo no jantar, a brutalidade das mortes, o vermelho intenso do sangue, a aparência dos cadáveres, e a decapitação do tirano no final, tudo é próximo ao aterrorizante. Espetacular! Uma adaptação à altura da obra do grande dramaturgo inglês.

Bom, alguém diria, "Não tem como ganhar de um filme desse!".

Tem?

Tem!

O grande problema é que o Macbeth de Polanski pegou pela frente a adaptação de outro gênio.

O filme de Akira Kurosawa é uma obra de arte.

Eu disse OBRA DE ARTE!

"Trono Manchado de Sangue" é como um drible do Garrincha, o gol antológico do Maradona em 86, a magia da Laranja Mecânica, como a Seleção de 70...

O japonês dá o meio termo exato entre a agressividade que o tema exige e a leveza, com sua poesia estética.

Mesmo sem o privilégio do uso da cor, a fotografia de Kurosawa é fascinante e misteriosa; a transposição da história para o Império Japonês é conduzida com brilhantismo sem perda nenhuma à trama; os trajes militares, os castelos, as batalhas, as cerimônias, tudo funciona perfeitamente dentro da cultura e das tradições orientais. O fato de não vermos a morte do rei a torna, talvez, mais chocante tal o estado que Washizu, o Macbeth de Kurosawa, sai do quarto onde o soberano dormia; a interpretação do lendário Toshiro Mifune, no papel do protagonista é impecável; sua Lady Macbeth, Asaji, é impressionante com sua expressão impassível mesmo prestes à pior crueldade; a bruxa na floresta é um encanto visual ímpar; e a morte de Washizo é, à sua maneira, tão impressionante quanto à de Macbeth no filme inglês.

A versão japonesa tem algumas diferenças em relação aos originais de Shakespeare. Kurosawa, por exemplo, só se vale de uma feiticeira e não três como no livro, à qual ele prefere chamar de 'espírito' e não bruxa; faz também com que o filho de Banquo, no caso Miki, já seja um adolescente e não uma criança e, exilado, se junte ao filho do rei assassinado, em uma localidade vizinha, para tramar a reconquista do Castelo. Além disso, prefere omitir a questão do homem não nascido de mulher para a vulnerabilidade de Washizo (Macbeth) e, ao contrário de Polanski, não antecipa a intenção dos soldados marcharem camuflados com galhos, causando uma sensação de surpresa e fantasia no espectador ao ver se realizar a profecia da floresta andando em direção ao castelo.

A cena inicial da floresta, em Kurosawa é mágica com Washizu e Miki correndo labirinticamente em círculos pela Floresta da Teia de Aranha (1x0); o 'espírito', a entidade de Kurosawa é bela, poética; as bruxas de Polanski são assustadoras e repugnantes... Ninguém leva vantagem. A Lady Macbeth japonesa, Asaji, é assustadora com seu rosto de porcelana, impassível mesmo enquanto incita, ao manipulável marido, as mais frívolas ações. A da versão inglesa é boa, 'intriguenta', como não poderia deixar de ser, mas nem se compara à japonesa. 2x0, Kurosawa.

O Macbeth de Kurosawa também leva alguma vantagem. John Finch, no filme inglês está ótimo também, mas o perfil do personagem nipônico é mais interessante. Washizu é mais inseguro, hesitante, muito mais dependente dos conselhos e estímulos de sua esposa do que o da segunda versão, mais tiranicamente determinado. Sem falar que é interpretado, por ninguém menos que Toshiro Mifune. Só isso... Gol de "Trono Manchado de Sangue": 3x1!

A direção de arte do filme de 1957 funciona muito bem num Japão feudal mesmo pra uma história idealizada, originalmente para o ocidente, no entanto, o realismo imposto por Polanski, nos cenários enlameados, nos palácios toscos e nada glamurosos, ou nos figurinos finos, mas comprometidos pela lama, por lutas ou por sangue, dá um gol para o filme de 1971. "Macbeth" '71, diminui: 3x1, no placar.

Talvez seja spoiler para alguns mas nosso personagem principal que dá nome ao drama, morre no final (Ohhhh!!!) Só que de maneiras "levemente" diferentes de uma versão cinematográfica para a outra (e aí vai spoiler, mesmo): Se na versão japonesa, o tirano usurpador morre alvejado por flechas, com uma delas atravessando, por fim, fatalmente, seu pescoço; na inglesa, depois de descobrir a existência de alguém com a improvável qualificação de não  ter nascido de mulher, fica totalmente à  mercê do vingativo McDuff que o atravessa com a espada, decepa sua cabeça e a expõe no alto de uma lança no ponto mais alto do castelo recém retomado. A cena das flechas é linda, espetacular, mas a cabeça sendo levada ao alto da torre, por entre os soldados, como se estivesse ainda vendo toda a fanfarra à sua volta, e a exibição dela como troféu de guerra, é algo difícil de bater. Macbeth volta a se aproximar no placar: 3x2!

Ainda nesse ínterim, como já havia mencionado acima, Kurosawa prefere ignorar para sua adaptação, a particularidade que derrotaria o rei traidor, ao passo que Polanski faz disso ponto crucial em sua derrocada. Seria o empate do franco-polonês se Kurosawa não tivesse feito dessa supressão um contra-ataque, pois a sequência da floresta caminhando em direção ao castelo, compensa a ausência desse item, sendo o momento decisivo do filme do japonês. Lindo, hipnótico, surreal, o avanço ameaçador da floresta, em "Trono Manchado de Sangue" é uma das cenas mais incríveis do cinema. Os galhos semiocultos entre a névoa dão, inicialmente, uma sensação mágica quase convencendo o espectador que, por algum motivo, sobrenatural, uma alucinação do nobre ameaçado, uma reinterpretação do diretor, ela pudesse realmente estar avançando em direção ao cruel tirano. Golaaaaçoooo!!!

"Trono Manchado de Sangue" ganha no detalhe, na qualidade técnica, mas a sensação que fica é que o placar poderia ser um pouco mais tranquilo se Kurosawa tivesse o "reforço" do uso da cor. Veja-se o que ele fez em "Ran", adaptação de "King Lear", outra de Shakespeare, por exemplo... Dá pra dizer que ganhou desfalcado. 


Jogo de estratégia, dois times que atacam o tempo todo e querem a vitória custe o que custar.
O time de Polanski com um jogo mais bruto, mais violento, e o de Kurosawa com um futebol mais técnico e vistoso.
Os japoneses levam essa, mas quem ganha nessa batalha somos nós.


No alto, Washizu (à esq.) e Macbeth (dir.), com seus convivas, cada um em seu respectivo palácio;
na segunda linha as esposas, Asaji e Lady Macbeth, envenenando as mesntes de seus maridos;
na sequência, a entidade de Kurosawa, que faz as revelações a Washizu, na floresta, e, à direita, 
o covil de bruxas idealizado por Roman Polanski; e
por fim, Taketori Washizu crivado, com uma flecha atravessada no pescoço,
 e a cabeça de Macbeth, separada do corpo, nas escadas do próprio castelo.








Cly Reis



quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

"A Tempestade", de William Shakespeare (1612-13) - Coleção Universidade de Bolso - ed. Ediouro

 




Edição que eu tinha
em casa e que li
pela primeira vez.
"... Assim, por pura gentileza,
sabendo o quanto amava meus livros,
trouxe-me de minha própria biblioteca,
volumes que eu prezava mais
do que meu próprio ducado."
Próspero



Eu comecei com Shakespeare, literalmente, pelo final. Quando começamos a nos interessar, meu irmão e eu, pelo escritor inglês, por causa das versões cinematográficas e referências em músicas, ganhamos um livro que era um estudo da obra do autor, peça por peça, analisando detalhes, frases, passagens e pormenores de cada uma de suas famosas histórias. Acabei ficando, de certa forma, "experiente" em Shakespeare antes mesmo de ler um de seus livros. Mas logo em seguida meu irmão ganhou uma pequena coleção com duas peças em cada número e finalmente tive contato direto com a obra à qual eu já havia dissecado e pela qual só ficara mais curioso. O interessante é que, em relação à sua bibliografia, por acaso, acabei também começando pelo final. A primeira obra de Shakespeare que li foi "A Tempestade", creditada por muitos estudiosos e especialistas como a última escrita pelo Bardo, embora haja controvérsias em relação ao assunto. Mas, o fato é que a peça, de todo modo foi escrita, sim, nos últimos anos de trabalho de Shakespeare e, de fato revela um escritor já experiente, com amplo domínio de sua própria obra, de sua própria escrita, livre e totalmente à vontade com os temas que desejava abordar e como fazê-lo, desenvolvendo um de seus melhores trabalhos, utilizando-se de diversos elementos de seu próprio repertório com maestria e desenvoltura. "A Tempestade" tem a intriga, a traição, o romance, a comédia, a magia, tudo distribuído de forma muita propriedade. O elemento fantástico, metafísico se faz presente de modo significativo e é explorado magnificamente através de um  recurso que faz do texto algo ainda mais especial: livros. Shakespeare eleva os livros a uma condição de poder supremo. Próspero, o duque traído, deposto e exilado numa ilha com a filha Miranda, de poder apenas de seus estimados livros, utiliza-se deles e de suas propriedades mágicas para transformar tudo a seu redor. É um personagem fascinante que cativa e conquista o leitor com sua sabedoria, sua bondade e seu amor pela filha, pela qual zela com o cuidado de uma flor rara. Ele reconhece o amor do outro náufrago, o jovem Ferdinando, pela filha, mas só aceitará entregá-la ao pretendente, a propósito, filho de um dos conspiradores, mediante a prova de intenções puras por parte do rapaz. E Próspero, por suas artes mágicas, manipula os elementos, manipula o tempo, manipula a ilha e, em meio a tudo isso, cria situações e faz com que Ferdinando justifique sua confiança e o amor da filha, neste que é um dos mais belos casos de amor das peças shakesperianas.
A bem da verdade, tudo em "A Tempestade" é  "dos mais": Próspero é dos melhores protagonistas; Miranda é das damas mais adoráveis; a ambientação é das mais originais; o enredo é dos mais envolventes... Se este foi o primeiro, depois já li muitos outros Shakespeare e, embora tenha enorme admiração por outras obras desse mestre da literatura, me renda inevitavelmente, como qualquer outro, à grandeza de seus clássicos como "Macbeth", "Hamlet" e "Otelo", "A Tempestade", por ter sido o primeiro e por toda sua magia, tem lugar cativo no meu coração como um de meus preferidos.  



Cly Reis

quarta-feira, 12 de junho de 2019

cotidianas #635 - Declaração de amor de Ferdinando a Miranda



Ilustração de Gianni di Lucca para a adaptação de
"A Tempestade", de Shakespeare, para quadrinhos.
"Sim, remate de toda perfeição,
digna de quanto no mundo há de mais raro.
A numerosas damas já dirigi olhares ternos,
tendo-me por vezes ficado presos
os atentos ouvidos à harmonia de seu doce falar.
Dotes variados me fizeram gostar de outras mulheres,
sem, contudo, empenhar nisso a alma toda,
pois sempre algum defeito se opunha
às suas qualidades mais sublimes,
para o valor manchar-lhes.
Mas vós, ah, tão perfeita e incomparável,
fostes feita de tudo de que de mais custoso
pode haver na criação."

************

declaração de Ferdinando para Miranda
na peça "A Tempestade"
de William Shakespeare

domingo, 18 de março de 2018

"Pantera Negra", de Ryan Coogler (2018)



Não faz muito tempo, a atriz e diretora Jodie Foster declarou que os filmes de super-heróis estariam acabando com o cinema, declaração com a qual, mesmo sendo um colecionador de quadrinhos e apreciador de filmes do tipo, não posso deixar de concordar em parte uma vez que os filmes do gênero, feitos nos últimos tempos em espantosa agilidade e quantidade na maioria das vezes, com exceção da parte técnica, são obras bastante pobres, rasas, de personagens superficiais e andamentos previsíveis, completamente dispensáveis do ponto de vista artístico ou reflexivo. O público, cada vez menos exigente no que diz respeito a conteúdo, roteiro, diálogos, atuações, se satisfaz com meia dúzia de efeitos especiais em 3D e fisgado pela sanha consumista induzida pela indústria do cinema, mal sai de uma sala de projeção onde curtiu a aventura de um herói e já espera pela sequência que, por sinal já tem até data marcada para estrear.
No entanto, mais ou menos na mesma época da entrevista de Jodie Foster, um filme desta linha veio a contrariar a declaração da atriz. "Pantera Negra", filme sensação mundial que tem batido sucessivos recordes de bilheteria é um filme de super-herói necessário e o fato de ser de super-herói, neste caso, é um aspecto importante. Um herói negro destemido, carismático, líder em uma nação negra orgulhosa, autossuficiente, desenvolvida tecnologicamente mas que não deixa de lado suas mais remotas tradições, e onde as mulheres atuam em todas as áreas com a naturalidade que qualquer sociedade deveria zelar, faz com que, como poucas vezes na história da sétima arte, segmentos menos favorecidos na sociedade, em especial é claro, negros e mulheres, vejam-se representados no cinema de uma forma digna e honrosa e identifiquem-se com o que estão vendo na tela.
Mulheres guerreiras, políticas, espiãs, cientistas,
além da questão racial, o filme toca também
na questão do feminismo.
Vi, li, ouvi algumas críticas e contestações, até de negros mesmo, sobre o fato de que teria sido necessário um filme deste porte para despertar o orgulho que o negro sempre deveria carregar consigo. Na verdade, realmente, não deveria precisar de "tão pouco", mas visto que o negro é constantemente relegado, caricaturado, estereotipado todos os dias em todos os segmentos, o fato de nos se ver numa situação de protagonismo e com a respeitabilidade que sempre ambicionou faz, sim, com que a identificação seja inevitável e que seja acesa aquela chama de orgulho que sempre esteve ali presente mas que parecia adormecida.
"Pantera Negra" é muito mais um filme válido e importante do que propriamente um grande filme. Embora tenha uma trama meio shakesperiana no que diz respeito à sucessão real e seus envolvimentos tais como traições, fratricídio, exílio, vingança, o filme do diretor Ryan Coogler traz muitos daqueles defeitos que enumerei anteriormente, como tratamento superficial de personagens (como no caso do bom vilão Killmonger), roteiro deficiente, soluções apressadas e dramatizações excessivas, todos problemas comuns a filmes de heróis que exigem uma certa agilidade e absorção rápida do público, mas no seu caso todos estes defeitos, além de não o tornarem menor do que qualquer outro do gênero, são secundários em relação a todo o simbolismo que ele carrega em si. "Pantera Negra" é um clássico imediato e tem desde já seu lugar garantido na história do cinema como o filme que fez o negro ver a si mesmo como alguém capaz e poderoso; lembrar que seus antepassados tinham tradições belas e ricas; enxergar seu continente de origem, historicamente saqueado e frequentemente desvalorizado, como uma terra de belezas, riquezas e histórias; e sobretudo, a partir destes elementos, propôr uma reflexão e um revalorização do próprio negro em relação a suas origens, seu passado e seu futuro. A fictícia Wakanda, do Rei T'Challa, de contrastes entre disputas tribais e roupas típicas com sua riqueza mineral e tecnologia, de certa forma nos fez imaginar como, talvez, teria sido a África se não tivesse sido saqueada, se seu povo não tivesse sido escravizado e enfraquecido, e se tivéssemos tido a oportunidade de construir uma sociedade dentro do nosso continente de origem. "Pantera Negra" é um grande convite à reflexão histórica e social e, se na sua maioria os filmes de personagens de HQ são descartáveis, neste caso específico, nunca um filme de super-herói foi tão relevante.


trailer "Pantera Negra"



Cly Reis

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

cotidianas #312 - Ciúmes



"Acautelai-vos, senhor, do ciúme.
É um monstro de olhos verdes
que zomba do alimento de que vive."
"Otelo", William Shakespeare



- Carlos Eduardo, aquela piranha tá te olhando.
- Ãhnn? Quem? - perguntou saindo do seu estado de distração.
- Aquelazinha ali – apontou a mulher sem nenhuma preocupação em ser discreta.
- Qual?
- Não te faz de bobo, Carlos Eduardo! A loira. A loira, não tá vendo? - disse já nervosa.
- Qual?  - procurou esticando o pescoço mas ainda não identificando.
- A de vestidinho curto, de olho verde - indicou cada vez mais irritada
- Ah, não tinha notado.
- Ah, sei. “Não tinha notado” - fez imitando jocosamente o marido – Ela tá te olhado há horas, Carlos Eduardo – insistiu.
- Tá e aí, que que eu posso fazer? perguntou tranquila e desinteressadamente, em tom de retórica.
- Pode dizer pra tua “amiguinha” que a tua mulher está contigo e que ela não gosta que as tuas vagabundas fiquem te encarando...
- Amiguinha? - impressionou-se o maridão – Eu nem conheço essa fulana!
- Arram... Não conhece. Sei – ironizou.
- Eu tenho culpa que a mulher tá me olhando?
- Ah, então agora tu admite que ela tava te olhando?
- Tu que disse que ela tava me olhando. Eu sei lá... Meu Deus!!! – disse o marido, agora perdendo um pouco da calma.
- Mas bem que tu tá gostando, né? Vai lá, vai. Vai lá cumprimentar a tua vagabunda.
- Ai meu Deus... - soltou ele respirando fundo.
- Ah, agora é “meu Deus, meu Deus” - repetiu ela numa semi-histeria contida.
- Para, Mari, para, por favor.
- Parar por que? Acertei? É uma das tuas vadias, Carlos Eduardo Souza Alencar? É? - insistiu ela, mas repentinamente mudando de tom continuou – Tu não gosta mais de mim, Caduzinho? Que que eu fiz? Que que tem de errado comigo? Eu tô velha? Eu tô feia? Eu tô muito gorda? Eu tô gorda, né? É isso?
- Não é nada, Mari. Não tem nada. Eu nem conheço aquela mulher – disse tentando recuperar a paciência.
- Então por que tu quer me abandonar? Por que tu quer me trocar por ela? Eu tô gorda, não tô? É isso? - insistia em tom suplicante.
- Tu tá ótima, Mari, não tem nada de errado contigo e eu não quero te trocar por ninguém – explicou exercitando toda a paciência que lhe restava.
- Jura?
- Juro, Mari.
- Promete que não vai me deixar, promete – insistiu a esposa agora toda melosinha.
- Só se tu me prometer uma coisa:
- O que, amor?
- Que tu vais parar com esse teu ciúme louco?
- Ah, é isso? Alterando-se novamente e voltando à discussão - Tu quer que eu te deixe soltinho pra tu ficar paquerando com essas vagabunda, né, Carlos Eduardo? É isso?
- Ai, meu Deus...


Cly Reis


terça-feira, 10 de janeiro de 2012

cotidianas #128 - MacGol


   " É assim mesmo. Mas por que Macbeth treme do que vê?
Manas, ele desvaria; infundamos-lhe alegria,
revelando de nossa arte a mais sedutora parte.
No ar porei muitos encantos. Enchendo-o de sons e cantos,
enquanto vós a rodada deixareis bem acabada,
para que este rei potente conosco fique contente."
Bruxa -
ato IV, cena I de Macbeth,
de W. Shakespeare



Desembarcaram no aeroporto ainda eufóricos pela grande vitória fora de casa.
    Havia sido um chocolate!
    Tinham passado por cima do adversário e ele, Maicon, um reserva havia sido o grande destaque com três gols. Estava ansioso para dividir com a mulher a alegria do feito. Ela que sempre lhe dizia que ele merecia mais, que já devia ser titular àquelas alturas, certamente estava satisfeita com o que ele fizera. Com certeza vira o jogo na TV.
    Agora a caminho do táxi, ele e o colega, amigo e vizinho Waldemar, zagueiro veterano e experiente, conversavam animadamente sobre o campeonato, quando uma velhinha pedinte, provavelmente cega a julgar-se pela branquidão das íris, sentada no meio fio da área de desembarque , os interrompeu:
   - Ehe, Maicon, novo dono da camisa 9 e logo logo o grande craque do Metrópolis, hehehe! – riu-se sozinha.
   - Como é que é? - se deteve, interrompendo o passo.
   - E tu – disse agora se apontando para o Waldemar, sem levantar a cabeça – Filho de Soberano é Príncipe. Hihihi! O guri vai ser grande. O maior! Hehehe...
    Referia-se ao Waldemar daquela maneira porque assim era conhecido o zagueiro do Metrópolis: O Soberano da Grande Área e pelo visto aquela adivinha via um futuro promissor para seu filho que ainda jogava nos juvenis.
Não tiveram tempo de pedir maiores explicações. Um táxi encostou e o motorista já se encarregava de guardar-lhes as bagagens no porta-malas.
    Embarcaram mas permaneceram por um momento um tanto atônitos pelas previsões da anciã. Seus estados de transe só foram quebrados pela entrevista que por caso, ouviam exatamente naquele momento no rádio do táxi, na qual o técnico de seu time, recém desembarcado no aeroporto, anunciava aos repórteres que Maicon seria o novo dono da camisa 9 já a partir do próximo jogo.
    Se entreolharam estupefatos!
    Mas se a velha dissera a verdade então em breve não só seria titular como também seria o grande craque do time. E o Waldemar? O filho seria então o grande ídolo do clube? Seria uma maravilha uma vez que nunca passara de um zagueiro limitado, imponente mas limitado, e de qualquer foram, já estava mesmo em fim de carreira. Que orgulho sentia pelo filho embora não houvesse do que se orgulhar efetivamente ainda. Tudo que havia era apenas uma predição de uma velha cega na calçada do aeroporto.
    Assim que chegaram ao condomínio onde eram vizinhos, cada um foi para sua casa e Maicon, mais que depressa foi levar à mulher a boa notícia. Era o que ela esperava. Sabia que o marido merecia. Sabia que merecia muito mais. Craque do time? Isso traria um salário maior, convocação para a Seleção, contratos publicitários, propostas do exterior... Mas como seria possível? O craque do time indubitavelmente era o Duca. O Duca era titular da Seleção Brasileira e pretendido por inúmeros clubes europeus. Só se... E se tirassem o Duca do caminho. Quem sabe ele não poderia ‘aceitar’ uma destas propostas do exterior. Tinha o mesmo empresário do Maicon, era só uma questão de convencê-lo a vender o craque imediatamente. Mas como faria? Bom, tinha seus meios e o Maicon não precisava saber como ela tinha conseguido...
    E foi o que aconteceu. Deram-se mais uns 3 jogos, o Duca parecia desinteressado, coma cabeça em outro lugar até que foi anunciada sua para um time da Espanha. Foi uma grande frustração para a torcida. Quem poderia substituir o craque agora. Por mais que o Maicon continuasse fazendo seus gols e tivesse sido naturalmente elevado à condição de grande ídolo, nem de perto exibia a mesma qualidade técnica do meia-armador vendido para o estrangeiro. A grande vantagem do clube era que na categoria de base um jovem talento vinha-se destacando era o Wellington, filho do veterano zagueiro Waldemar. Em sub-15, 16,19, 20, simplesmente arrasava. Estava muito à frente do pessoal da sua categoria e logo teria que ser integrado ao profissional. Já chamava-no o Pequeno Príncipe, em alusão ao título de nobreza atribuído ao pai. O Maicon não tinha nem se dado conta disso, mas sua ambiciosa esposa, sim. Se a velha estivesse certa, e já havia acertado antes, aquele menino seria o maior ídolo do clube e por certo faria com que a torcida relegasse seu marido a uma condição inferior e passasse exclusivamente a adorar aquele fedelho. A idolatria era o de menos, o problema era que aquilo certamente acarretaria contratos inferiores, perda de patrocínios, de prestígio no próprio clube. Conhecia alguns garotos da base, podia convencer algum zagueirinho daqueles a dar um fim à carreira do prodígio. Uma entrada criminosa no joelho? Um carrinho por trás... Adorava aquele termo, ‘por trás’. Sim, qualquer um daqueles garotos pernas-de-pau ficaria feliz em fazer-lhe aquele favorzinho em troca de alguns momentos... mais íntimos, digamos assim.
    A notícia da lesão do Wellington caiu como uma bomba no clube. E num rachão! Ainda se fosse em jogo valendo. O Rodrigão, zagueiro de 18 anos que dera-lhe a entrada imprudente fora até a público desculpar-se, ‘coisas do acaso’, ‘futebol é jogo de choque’, ‘lamentava por ter feito aquilo com um colega’, até chorara na TV. A grande promessa do clube, no entanto, estava de molho por pelo menos 3 meses. Muito menos tempo do que, quem vira o garoto se retorcendo de dor no campo suplementar, podia imaginar. Sem o Duca, vendido, e sem a perspectiva do Pequeno Príncipe, o Metrópolis teria que continuar dependendo dos gols do Maicon. Mas graças a Deus ele estava em grande fase e os gols não cessavam. A bola às vezes mordia-lhe, era sofrível, ele a tratava mal, mas no fim das contas, na hora de empurrar pras redes, sempre era ele quem estava lá.
    O velho Waldemar que conhecedor como era do ofício de zagueiro, tinha certeza que aquilo tinha sido de propósito. Muito já fizera pra tirar adversários de campo. Tinha uma leve desconfiança mas não queria dar crédito a ela.
   O campeonato seguiu, não foram campeões, tinham arrancado muito atrás mas graças aos gols do centroavante conquistaram a chance de disputar a Libertadores. No ano que viria, sim. Maicon, o MacGol, como chamava a torcida, teria que ser decisivo para conquistarem a América. O Waldemar apesar da desconfiança, optou por calar-se, até porque no clube, àquelas alturas, o Maicon era como um deus e, desgostoso com aquilo tudo como estava, preferiu retirar-se dos gramados no final da temporada a ficar travando uma batalha interna. A recuperação do filho, no entanto, surpreendia o departamento médico e o garoto logo voltaria a trabalhar com bola, contudo, seria melhor emprestá-lo para outro clube pelo menos por um semestre para ver como retornaria de todo aquele tempo parado e para que fosse ganhando ritmo de jogo. Foi emprestado ao Guarí time pequeno mas que excepcionalmente conseguira aquela vaga inédita para o torneio continental. Dependendo da recuperação, poderia te vir a enfrentar o próprio clube em outra fase da competição.
    A torcida por sua vez já esperava ansiosa pela volta do craquezinho depois do empréstimo e, mesmo à distância, no modesto Guarí, o garoto recebia o carinho do torcedor que já o considerava o novo Duca. Maicon começou a ficar preocupado com aquela idolatria. O garoto nem sequer jogava no seu time e era amado daquela maneira. Podia vir a ser adversário até na competição mas parecia que a torcida ignorava isso ou.. talvez nem se importassem. Imagina quando voltasse ao clube. Como garantiria sua condição maioral no clube? E os contratos, e o prestígio, e os patrocinadores? Tolas preocupações uma vez que numa atividade como o futebol há espaço para mais de um ídolo na mesma casa, mas provavelmente por conta de sua ignorância, de sua origem humilde, sua formação, temia que o que por ele fora conquistado, lhe fosse tirado da mesma forma.Por isso tinha que se certificar de que uma possível volta do guri não o relegaria a um segundo plano, terceiro talvez, a um ocaso prematuro... Mas o que poderia garantir-lhe? A velha! Sim a velha do aeroporto. Deveria estar lá ainda, maltrapilha mendigando perto da fila do táxi. Iria vê-la. Nem trocou de roupa. Saiu como estava mesmo. Pegou o carro e rumou para o aeroporto. Chegando lá não se enganara, encontrara a velha exatamente onde imaginava: na fila do táxi, com os olhos esbranquiçados fixos no chão, o que não a impediu de reconhecê-lo antes que se aproximasse ou ao menos abrisse a boca.
   - Ah, lá vem o Dono da Camisa 9. O capitão do time. O Grande ídolo do Metrópolis! Salve o MacGol!!! Hehehehe!
   - Velha, tu disse as coisas certas: que eu ia ser titular, ídolo da torcida e tudo mais. Mas tu também falou que o filho do Waldemar ia ser O Maior. Ele tá fora. Tá em outro time e mesmo assim parece que gostam mais dele do que...
   - Te acalma, te acalma. Tu é o grande MacGol, o maior jogador do clube, o mais alto salário e blábláblá... Só vai deixar de ser no dia que concreto virar ouro.
   - Então, não tem chance! – suspirou aliviado – Ninguém pode me derrubar...
    Mas a velha interrompeu:
   - Até pode, mas só se for homem nascido de bicho.Tu já viu? Tu conhece algum?
  - Nã... Não... Acho que não. – disse hesitando um pouco.
  - Agora vai, vai... E põe um dinheirinho aí – disse estendendo uma lata de goiabada com uma meia dúzia de moedas. – Vai, MacGol. Senhor da Pequena Área, hehehehe!
    Ele depositou uma nota generosa e foi-se embora ainda remoendo o assunto. “Homem nascido de bicho”. Aquilo era impossível. E ‘o dia que concreto virar ouro’. Isso é um absurdo. Concreto jamais poderia virar ouro. Podia ficar tranqüilo. E foi para casa ainda com uma ponta de preocupação na cabeça, mas que foi desaparecendo e transformando-se em confiança durante o caminho pra casa.
    Dentro de campo tudo continuava correndo bem. Avançavam às 4as. De final da Libertadores e ele MacGol continuava sendo decisivo. Mas fora de campo as coisas começavam a ficar um tanto conturbadas. O zagueiro do juvenil que tirara Wellington dos gramados, meio bêbado demais numa festa, dera com a língua nos dentes, com detalhes inclusive do modo como fora convencido. A conversa vazou para a imprensa e logo foi para os jornais em forma de boato. É lógico que o garoto, o Rodrigão desmentiu publicamente, mas aí a aura de desconfiança com o MacGol já era perceptível. A torcida se dividia em opiniões: Uns achavam impossível alguém mandar fazer uma coisa daquelas com um colega de profissão, ainda mais um menino, outros, que aliás eram a maioria, estavam solidários com o Pequeno Príncipe e consideravam a atitude do goleador imperdoável.
    Para piorar o guri estava fazendo chover no modestíssimo Guarí! Praticamente sozinho levara a fraca equipe às semifinais de uma Libertadores da América e enfrentaria exatamente o clube do coração, o clube no qual fora criado e ao qual ainda pertencia por contrato.
   O dilema do torcedor ficara maior ainda: era a chance de chegar finalmente a uma final de Copa Libertadores, mas ao mesmo tempo a jóia do clube estaria do outro lado fazendo as habituais mágicas que costumava aprontar. O certo seria prestigiar o garoto, aplaudi-lo, mas não abandonar o próprio clube de maneira alguma. Sorte que tinham o MacGol, que vinha guardando todas desde o início do campeonato.
Mas na semana do jogo a balança pendeu definitivamente para o lado do jovem craque quando o ex-empresário, aquele que vendera o craque Duca para a Europa, insatisfeito por ter sido destituído do cargo pela ambiciosa esposa do artilheiro, também tratou de dar detalhes sobre os motivos que levaram o ex-camisa 10 a sair do clube. A situação ficou péssima para a esposa dentro de casa e para os dois dentro do clube. Sirleni era olhada com desprezo pelas outras, era alvo da ira de dirigentes e de piadinhas dos jogadores de todas as categorias. Em casa, Maicon humilhado pedia-lhe explicações de como pudera fazer uma coisa daquelas com ele, ao que ela respondeu que não havia feito COM ele e sim POR ele. Não adiantaram as explicações e as justificativas. Furioso a mandou embora, botou pra fora, bateu a porta jogou as coisas pela janela e gritando dali a mandou dormir debaixo da ponte. Um prato cheio para a s fofocas dos vizinho e para imprensa que confirmava então, até mesmo o caso do Rodrigão. Agora era notícia. Que péssimo clima para uma semana de decisão.
    Mas salvo todos os problemas, o nariz torcido da diretoria, do técnico, dos colegas, sabia que na podiam prescindir dele. Ele era o MacGol, o que caísse na área para ele era rede. E mais do que nunca estava cheio de confiança. Sabia que aquilo tudo iria passar. Não deixaria de ser o ídolo maior do clube, com certeza escreveria o nome na história, um dia teria estátua, seria nome do estádio, provavelmente viria até mesmo a ser presidente. Jamais concreto viraria ouro.
    Mas a determinação da torcida em torcer para o time sem deixar de demonstrar solidariedade ao garoto prata-da-casa tinha que ser simbolizada de alguma maneira e para isso as organizadas combinaram de usar coroas de papelão revestidas com papel dourado no dia do jogo. Todos deveriam pô-las nas suas cabeças quando as equipes entrassem em campo. E foi o que aconteceu. As equipes entraram juntas e o que se viu foi aquele estádio praticamente todo dourado. Era como se o concreto da arquibancada tivesse virado ouro.
Maicon não acreditava no que via. De repente toda sua confiança começava a se esvair. Mas não seria substituído, ninguém seria como ele no clube, afinal nenhum homem nascera de um animal.
    Enquanto sua cabeça girava em inúmeras inquietações o placar eletrônico dava as escalações dos times. O goleiro, o lateral-direito... Naquele dia o lateral do Guarí estava suspenso e jogaria um outro, por acaso de mesmo nome do seu rival. Se não bastasse um Wellington o atormentando, ainda teria que agüentar outro em campo. Mas meteria dois ou três gols e logo a torcida esqueceria o pirralho. E seguia o placar: o volante, o meia-direita, o meia-esquerda, ele: Wellington Lobo. Anunciaram-lhe o sobrenome para diferenciar do outro. E era um Lobo, um bicho, um animal. Nascera de um... bicho. Suas pernas bambearam, mas já era o momento de dar início ao jogo. O árbitro já apitara e ele continuava ali atônito olhando para o placar sem acreditar.
   - Maicon, rola a bola. O homem já apitou. – chamou-lhe o colega tirando-lhe parcialmente do transe.
    Tocou levemente na bola, o suficiente para fazê-la sair do lugar. E o jogo começara.
    A atuação do MacGol foi ridícula. Provavelmente nunca nenhum jogador de futebol fizera uma partida tão sofrível. Não acertou nenhum passe. Rigorosamente nenhum. Parecia totalmente desconcentrado. Teve a chance de ouro quando o Paulinho driblou o goleiro perto da linha de fundo e não tendo mais ângulo para chutar rolou para ele, sozinho, quase sobre a linha e ele, inexplicavelmente, meio que tropeçando, se enrolando com as pernas, chutando o chão e arrancando um naco de grama bateu fraquinho pelo lado do gol. Foi retirado imediatamente pelo técnico debaixo da maior vaia já direcionada a um só jogador num estádio de futebol.
    Do outro lado, Wellington, o Pequeno Príncipe, mostrava porque era a maior jóia do futebol brasileiro. Fazia miséria! Era impossível marcá-lo. Era chapéu, janelinha, toque de letra, empilhava uns três ou quatro na marcação fácil e chegava na cara do gol quase sempre em condição de concluir e em atos heróicos derradeiros, um zagueiro se jogava contra a bola, o goleiro fazia um milagre ou ela saía por capricho.
    A torcida conformada que aquele jogo já estava perdido mesmo, passou a apenas assistir às obras de arte do garoto, que acabou o jogo classificado e simplesmente ovacionado pela torcida que era adversária, mas que no fim das contas era a sua torcida.
    Quanto ao Maicon, depois de todas as acusações da semana, do escândalo com a esposa, do prejuízo que causara ao próprio clube tirando o garoto do time naquela temporada, somado à atuação bisonha, queriam literalmente a sua cabeça. Se tivesse feito aquele gol naquele momento do jogo talvez tivessem alguma chance mas depois, foi um passeio do adversário. Show do guri!
    Substituído que foi, aproveitou para sair de fininho antes do fim do jogo. Não apareceu mais no clube. Não foi mais visto por um bom tempo até que se soube que atuava em um time da quarta divisão do estado. A esposa soube-se que passara a dormir debaixo do viaduto, virara mendiga, enlouquecera e não falava coisa com coisa. Foi encontrada morta alguns meses depois.
    No Metrópolis, o Pequeno Príncipe é hoje o maestro do time, o grande Camisa 10, o centro técnico, a referência. O orgulho do seu Waldemar Lobo. É titular da Seleção fazendo dupla com o Duca no meio-campo. Reina absoluto!


Cly Reis

quarta-feira, 1 de junho de 2011

The Zombies - "Odessey and Oracle" (1968)


"Não tenhas medo; esta ilha é sempre cheia de sons, ruídos e agradáveis árias, que só deleitam, sem causar-nos dano. Muitas vezes estrondam-me aos ouvidos mil instrumentos de possante bulha; outras vezes são vozes"
trecho de "ATempestade" de Shakespeare,
na contracapa do disco


Banda de dois discos apenas. Em parte por conta de questões internas e muito por motivados por questões de gravadora, o The Zombies acabou lançando seu segundo e derradeiro álbum, o brilhante “Odessey and Oracle” , já sabendo que seria o último, mas foi o que bastou para garantirem seu lugar de destaque na história do rock e especificamente na formação do pop-rock britânico.
O disco com seus toques psicodélicos e climas barrocos, por vezes pode soar meio datado com a marca dos anos 60 por conta de seus excessivos côros de fundo, mas por outro lado, se bem analisados,estes mesmos arranjos vocais mostram-se de impressionante qualidade e sensibilidade, e a sonoridade da banda revela, por sua vez, um sutil refinamento e avanço da musicalidade daquela época em direção a um modelo pop mais contemporâneo.
O grande sucesso da banda, “Time of the Season”, provavelmente a melhor canção pop de todos os tempos, é um claro exemplo disso, com uma composição moderna, que atinge tal grau de sofisticação, que poderia tranquilamente passar por uma gravação atual de qualquer banda do momento, tal sua contemporaneidade.
Destaques também para “Care of Cell 44” que abre brilhantemente o disco, para a doce balada “Rose for Emily”, para a sombria “Beachwod Park”, para a psicodelia 'medieval' de “Butcher's Tale” e para outra daquelas atemporais, a ótima "I Want Her, She Wants Me".
Observar para o curioso nome do álbum originado, na verdade, por um erro de grafia do designer gráfico da época que escreveu odessey e não odyssey. Erro que, ironicamente, acabou consagrado em um dos grandes discos da história.
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 FAIXAS:
  1. "Care of Cell 44" (3:53)
  2. "A Rose for Emily" (2:17)
  3. "Maybe After He's Gone" (2:31)
  4. "Beechwood Park" (2:41)
  5. "Brief Candles" (3:38)
  6. "Hung Up on a Dream" (2:58)
  7. "Changes" (3:16)
  8. "I Want Her, She Wants Me" (2:50)
  9. "This Will be Our Year" (2:07)
  10. "Butcher's Tale (Western Front 1914)" (2:45)
  11. "Friends of Mine" (2:15)
  12. "Time of the Season" (3:31)
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Ouça:
The Zombies Odessey and Oracle



Cly Reis