"Você não sente, não vê mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer"
da letra de "Velha Roupa Colorida"
Acho que ninguém em perfeito juízo discorda de que Elis Regina foi uma das melhores, senão a maior cantora brasileira de todos os tempos. Logicamente, em pleno gozo de minha sanidade, me junto a esse coro quase unânime entre os apreciadores de música neste país. Embora admire seu repertório, é uma artista da qual não domino informações sobre sua obra. Talvez pelo fato de que alguns de seus clássicos apareçam em maus de um formato, em mais de um álbum, com parceiros diferentes, etc. Tem "Águas de Março", com Tom, sem Tom, ao vivo, no estúdio, alegre, emburrada..; tem "Tiro ao Álvaro", com Adoniram, sem Adoniram, no disco solo, dando risada no do programa de TV; tem "Bêbado e a Equilibrista", bêbada, sóbria, equilibrada, caindo... e nisso, ainda que idolatrando a cada uma dessas versões, cada interpretação, eu sempre tão interessado em datas, set-lists, álbuns, etc., nunca me esforcei em saber onde se localizavam essas músicas na discografia de Elis Regina.
Só que de uns tempos pra cá, vinha observando a constante referência a um álbum específico e ele, então, passou a me chamar atenção. "Falso Brilhante" era destacado em sites como um dos melhores discos de Elis, aparecia em listas de melhores discos brasileiros, era mencionado como influência por algum músico da minha preferência, era amplamente reverenciado aqui e acolá, e aí que fui atrás de mais informações sobre o tal disco.
Era o disco de "Fascinação", um dos maiores clássicos do repertório da cantora, numa interpretação inesquecível de uma delicadeza precisa e emocionante. Mas também era o disco de "Como Nossos Pais", o rock de Belchior que tentava dar uma sacudida numa juventude estagnada, e que Elis interpretava com uma força e uma intensidade absurdas. Inigualáveis! Sim era Elis cantando rock! E não era o único: "Velha Roupa Colorida", também de Belchior, e também sobre atitude, era outra canção carregada de rock'roll e que, igualmente Elis depositava garra, potência, vibração, chegando a rasgar a voz, dando tudo de si, num dos melhores momentos do álbum. Mas há outros pontos altos: "Gracias a la Vida", de Violeta Parra parece carregar a força da resistência da mulher latina contra os regimes autoritários que prevaleciam aqui e no Chile, terra da autora. Bem como "Los Hermanos", do argentino Atahualpa Yupanqui, uma espécie de convocação à união em nome da mais bela "irmã", a liberdade.
E tem ainda três de João Bosco com Aldir Blanc, "Um por todos", "Jardins de Infância" e "O Cavaleiro e os Moinhos", sempre com a sonoridade rica e aquele tom ácido característico da dupla; e pra fechar ainda, uma versão de arrepiar de "Tatuagem" de Chico Buarque, numa releitura ímpar, na interpretação de Elis.
Alguns afirmam que "Falso Brilhante" seria o disco em Elis que cantava rock, e se formos parar para analisar, não está muito longe da verdade: as duas de Belchior, logo de saída; "Quero", muito Beatles; a releituras de Bosco e Blanc, pungentes e carregadas nas guitarras; e mesmo as duas versões dos hermanos, andinos e platenses, que exploram, combinam e incorporam as alternativas e possibilidades de outros ritmos e nacionalidades, como tão bem costuma fazer o rock'n roll.
Se "Falso Brilhante" é o disco rock de Elis, acho que, possivelmente, deva ser por isso que gosto tanto dele. O brilho verdadeiro de uma estrela. Um diamante cuidadosamente lapidado. Uma verdadeira joia musical.
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FAIXAS:
1. Como Nossos Pais (Belchior) 2. Velha Roupa Colorida (Belchior) 3. Los Hermanos (Atahualpa Yupanqui) 4. Um Por Todos (João Bosco/Aldir Blanc) 5. Fascinação (Fermo Dante Marchetti, Maurice de Féraudy. Versão: Armando Louzada) 6. Jardins De Infância (João Bosco/Aldir Blanc) 7. Quero (Thomas Roth) 8. Gracias A La Vida (Violeta Parra) 9. O Cavaleiro E Os Moinhos (João Bosco/Aldir Blanc) 10. Tatuagem (Chico Buarque)
Um clube na esquina das ruas Paraisópolis e Divinópolis, em Beagá
“Memória de tanta espera
Teu corpo crescendo, salta do chão
E eu já vejo meu corpo descer
Um dia te encontro no meio
Da sala ou da rua
Não sei o que vou te contar”.
"Ao que vai nascer" – Milton Nascimento e Fernando Brant
Muitas histórias cercam a criação do LP "Clube da Esquina", e cada uma delas nos mostra esse universo que jovens músicos e compositores deixaram como parte do seu legado artístico a todos nós.
Vou contar brevemente as histórias que me ligam a esse grupo e às canções.
Na minha lembrança musical, comecei a escutar Minas através de Milton Nascimento e Fernando Brant muito pequena. Meus pais tinham uma maior predileção por Chico e Caetano, mas Milton era alguém que eles admiravam através das canções interpretadas por Elis Regina, que é guardada por Milton e Fernando, integrantes desse grupo de uma forma muito afetiva. Daí, através de intérpretes como Joana, conheci "Nos Bailes da Vida", e essa canção entrou para a minha vida. Sempre que transformava a sala do nosso apartamento em palco, "Nos Bailes da Vida", de Fernando Brant e Milton Nascimento, me levava às lágrimas. Emocionava profundamente uma criança de 7 anos.
Museu Clube da Esquinsa, entre a Paraisópolis e Divinópolis, em Santa Tereza (BH)
Elis cantava em seu repertório muitas canções de Milton e seus parceiros de Clube e eu, muito atenta às criações musicais, sempre olhava quem eram o compositor e o letrista. Fui identificando o jeito de cada um deles, ora diverso, ora profundamente lírico, e daí Ronaldo Bastos e "Trem Azul" entraram para a minha vida. "Cais" era uma das canções prediletas, que constava no disco de 78 de Elis, ao qual eu que sempre confundi letras, troquei palavras, mas sabia tudo de cor. "Cais" era outra canção que fazia a minha plateia imaginária delirar, no volume 10, do aparelho três em um da CCE que tivemos.
Com o tempo fui escolhendo escutas de outros mineiros. Vieram os irmãos Borges, descobri Flávio Venturini e o maestro Wagner Tiso e meu pai comprou o disco “O Som Brasileiro de Sarah Vaughan”, com a participação de Milton, abrindo o LP cantando com a Diva Sarah "Travessia" ("Bridges"). Este disco furou de tanto escutarmos lá em casa. Com o tempo e a chegada do Daniel em minha vida, conheci, vendo-os tocar ao vivo, Toninho Horta e Robertinho Silva, que estavam em torno desse clube.
Capa do livro "Coração Americano"
"Minha parceria com Bituca nasceu de uma amizade que começou na Galeria do Maleta, em Belo Horizonte, num bar chamado Oxalá. Ficamos muitos amigos, mas depois Milton foi para São Paulo. Eu sempre ia visitá-lo e nunca tinha pensado em fazer letra para música, embora curtisse muito as coisas que o Bituca fazia com o Márcio Borges. Numa dessa visitas a São Paulo, ele me mostrou uma música e disse que eu tinha que escrever a letra. Não queria, mas acabei levando uma fita para Belo Horizonte e escrevi a letra de 'Travessia', sem nenhuma pretensão”, contou Fernando Brant, parceiro de Milton, ao Jornal de Música em 1976. Esse trecho foi compilado do livro maravilhoso que comprei em Ouro Preto, publicado pela PRAX editora, “Coração Americano: 35 anos do álbum duplo Clube da Esquina”, em 2008.
Daí, sem imaginar que algo dessa grandeza fosse acontecer, a vida me apresenta uma chance de conhecer o Fernando Brant. Isso aconteceu em 2004, quando eu estava produzindo uma edição do Rumos Itaú Cultural em Porto Alegre. Fernando não participou desse evento, mas o seu amigo, o pesquisador Luiz Carlos Prestes Filho, sim. Por razões óbvias – já que fui batizada com o nome da sua avó, mãe de Prestes, Leocádia – ficamos amigos, trabalhamos juntos em algumas ações culturais aqui na cidade e, anos mais tarde, em 2008, o próprio Luiz Carlos me comentou que Fernando estaria aqui para lançar uma unidade da União Brasileira de Compositores (UBC) na capital. Meu nome havia sido cogitado para gerenciar o escritório, ele queria me conhecer e eu fiquei chocada e feliz com a possibilidade.
Nos conhecemos numa atividade de lançamento da UCB muito bonita e nossa amizade já antiga, pois eu o escutava desde pequena, se estreitou. Fernando me trouxe Minas, me nutriu de mais canções, de novos intérpretes, ampliou minha visão do Clube da Esquina. Participou do projeto Coleção Mario Quintana em 2011 produzido por mim e minha irmã, na Aprata sobre a obra do poeta Mario Quintana, a quem visitou numa das vindas a Porto Alegre. Através do Fernando, conheci pessoalmente Ronaldo Bastos e Edmundo Souto, além de ter a oportunidade de assistir, em 2011, a um show que reabriu o Cine Palladium (SESC-MG) com Milton Nascimento ao vivo e convidados, em Belo Horizonte. Durante quase duas horas e meia de show, pude chorar enlouquecidamente, de mãos dadas com Fernando, igualmente emocionado, ouvindo a magnitude de Milton, apresentando seu repertório. Dentre as canções, muitas delas compostas por Fernando e Bituca (como ele chamava Milton), muitas interpretadas por Elis - eu ali sentada, ia sendo lembrada por Fernando, canção a canção, me dizendo as histórias que estavam guardadas em seu coração.
Foi um dos momentos mais belos que tive nessa vida. Um momento de total reconexão com as minhas raízes, de compreensão sobre a minha vida, sobre a nossa música e o que ela de fato representa na trajetória de cada ser humano brasileiro.
Fiz de Minas minha casa. É um estado ao qual sempre quero retornar. Gosto do clima, das pessoas, das sonoridades, dos prédios, das histórias e do sotaque que dá uma falsa impressão de timidez, mas é puro charme e singeleza.
Fernando Brant e Milton Nascimento à época do Clube da Esquina
Esse clube aconteceu numa esquina, entre as ruas Paraisópolis e Divinópolis, em Beagá, aonde está mantida a atmosfera de empatia e encontro, parecendo que a qualquer momento eles irão se reencontrar, pegar o violão, tomar um chopp e fazer novas e velhas canções, entre risadas e comentários profundos sobre a nossa realidade brasileira. Este espaço físico e emocional do Clube da Esquina emana essa importância viva de cada músico em nossas vidas, da sua Arte e da sua gentileza em mostrar para todos nós suas inquietações. Eles tocam os nossos corações através dos corações que eles gentilmente compartilham, abrem e escancaram com a gente. Deixam a gente com mais coragem para se expor e mostrar que nem tudo é planejado, simplesmente, acontece. Trazem à tona essa força da canção brasileira, tão diversa e tão entrosada, que não se pode dizer qual gênero estamos escutando, porque em cada faixa muitas vozes se misturam, muitas energias impulsionam num só coro ânimo para viver.
Vi isso num coral de primeira infância num evento de educação que participei e compreendi o quanto Minas é agraciado com tanta música. Eles estão marcados na história de todas as gerações, para que cada indivíduo possa refazer sua vida, restabelecer seu equilíbrio e seguir em frente, pois “nada será como antes, amanhã”.
A trilha do Clube da Esquina, seus compositores e intérpretes, estão gravados na trilha sonora da minha vida. Fernando foi um amigo que guardo no lado esquerdo do peito, com sua risada aberta e tempinho para um chopp, bate-papo e troca de e-mails rápidos, porque o melhor da vida é estar com os amigos presencialmente, sempre que possível.
A todos vocês a minha profunda gratidão.
”...mas agora eu quero tomar suas mãos
Vou buscá-la onde for
Venha até a esquina
Você não conhece o futuro
Que tenho nas mãos...”
"Clube da Esquina nº 1" - Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges
porL E O C Á D I A C O S T A
***************** Documentário: "História do Clube da Esquina - A MPB de Minas Gerais"
Meu pai e eu éramos muito ligados. Nem todos os
filhos sentem-se assim ligados aos seus pais. Muitos de nós passamos parte da
vida lamentando o berço familiar, a descendência e tudo o que existe dentro de
uma família.
Comigo não foi assim.
Cresci até os 4 anos com um pai muito feliz,
animado e parceiro de aventuras. Cresci no Centro da cidade de Porto Alegre
após nascer no Bom Fim. Nas imediações do Centro eu e ele íamos ao parquinho
que ficava no Largo da Epatur. Eu viajava nos discos voadores, andava de
charrete e montava nos cavalinhos do carrossel. Ele ficava me cuidando e
fotografando ao mesmo tempo.
Meu pai curtia revelar as imagens e organizar nos
álbuns, que naquele tempo eram feitas em câmera com negativo quadrado e a
imagem final dependia das condições técnicas do fotógrafo – ele tinha talento! Todas
as fotos aprovadas iam para um álbum-pasta que por anos nos acompanhou. Dono de
um gênio forte, por vezes temperamental, sempre se percebia amor nele e alegria
nestes momentos.
Assim cresci: parte saindo rumo aos parques, praças
e ruas do bairro e por outras tive meus momentos de estar em casa. Lá brincava
comigo de gravar a voz. Eu adorava. Vez em quando cantava ou contava do meu dia
na escola.
Faz um tempo que recebi uma “cutucada”, como se diz
no dialeto estranho das redes sociais, dos editores do ClyBlog para escrever
sobre uma das maiores cantoras brasileiras, Elis Regina. O que isso tem a ver comigo e com a minha relação paterna? Tudo! Mas confesso que o convite me
deixou atordoada, sem saber por onde começar. Elis está em muitos momentos da
minha vida representando transformação.
Eu e Marcelo na abertura da exposição
A Aventura de Criar - Galeiria Duque, maio 2015
Comecei escutando Elis Regina em casa. Meu pai foi
seu fã até o dia em que recebeu, junto com milhões de brasileiros, a notícia da
sua morte. No auge da carreira artística, quando Elis já havia se consagrado
num grande nome da música, uma estrela de maior grandeza. Meu pai não a perdoou
por sair de cena tão cedo. Neste período, em plena década de 80, escutávamos
sem parar os LPs da Elis em nossa vitrola CCE, que era muito bem equipada com duas
caixas de som grandes para uma família de classe média.
Depois de tantas audições no lar, eu já sabia as
letras, os tempos e as paradas que a cantora fazia. Então, apresentava a
dublagem nas reuniões de final de ano e nos aniversários à família. E me achava
a segunda melhor cantora daquele momento por conta dessa total sintonia que
tínhamos. Eu tinha de 7 para 8 anos de idade.
Nunca me rendi somente à voz, mas a toda atmosfera
como intérprete que Elis criava para cada canção. A emoção, a quebra das
palavras, o respirar das frases, a cadência de cada arranjo tornava cada faixa
do LP única. Realmente algumas canções são “inescutáveis” se a intérprete não
for Elis Regina.
O LP que mais tocou em mim é este, de 1980, que tem
as faixas inesquecíveis: “Rebento” de Gilberto Gil; “Nova Estação“ de Luiz
Guedes e Thomas Roth; “O Medo de Amar é o medo de ser livre” de Beto Guedes e Fernando Brant; “Aprendendo a jogar” e “Só Deus é quem sabe”, ambas de
Guilherme Arantes; além da arrebatadora “Trem Azul”, de Lô Borges e Ronaldo
Bastos, hino em minha vida. Quem escutava Elis recebia a melhor produção
musical do momento.
Acervo de Elis da CCMQ
Jornal Zero Hora - 22/09/2005
Fui compreender seu universo e sua enorme
contribuição a jovens compositores anos mais tarde, quando, adolescente, lendo
matérias, vendo artigos e escutando amigos me dei conta do movimento, da
visibilidade e da força que ela deu a uma galera referência até hoje na música
brasileira.
O tempo passou e meu pai acabou perdoando a morte
de Elis Regina, voltou a escutar sua voz e vez em quando ele comentava: “Mas ela canta como ninguém mais poderia
interpretar essa canção!”,e
então se recolhia ao silêncio respeitoso de escutá-la.
Em 2005, tive a alegria de ser convidada por Sergio
Napp, então Diretor da Casa de Cultura Mário Quintana, a criar o Acervo Elis Regina da CCMQ. Nesta época,
mergulhei em todas as informações que recolhemos de acervos doados e de livros
editados sobre ela. Lembro-me do impacto que tive com a análise do mapa astral
de Elis, por um dos maiores astrólogos do país, Antônio Carlos “Bola” Harres,
que anos mais tarde foi meu cunhado e que apresenta a configuração astral de
Elis de uma forma que compreendemos os conflitos, o fluxo das emoções e as
nuances talentosas da cantora.
Elis era uma mulher com força impulsiva e, ao mesmo
tempo, com alta sensibilidade. Opostos atuando sempre ao mesmo tempo. Essa análise
me ajudou a compor com os arquitetos Carlos e Lizete Jardim as cores, a
atmosfera e a forma de apresentar os conteúdos do Acervo. Nesta época também
conheci mais profundamente o repertório de Elis e a sua estreita relação com
compositores que embalaram minha mesma infância, tais como: Milton Nascimento/Fernando
Brant, Gil, Beto Guedes, Guilherme Arantes, Ronaldo Bastos, Lô Borges, João Bosco/Aldir Blanc, Ivan Lins, entre outros.
Durante todo o tempo de pesquisa sobre o Acervo meu
pai me incentivou com orgulho de ver aquela escuta de anos atrás se transformar
em um espaço físico homenageando a intérprete e a cantora, que mesmo sendo um
dos maiores nomes da música brasileira, se achava brega perto de outras
cantoras da sua época, a exemplo de Rita Lee.
Meses após termos aberto o Acervo Eis Regina, fui
apresentada por Luiz Carlos Prestes Filho em Porto Alegre a Fernando Brant, compositor
e letrista da mais alta qualidade musical e humana. Ele ficou muito feliz com o
Acervo, que conheceu numa vista a CCMQ quando estava na fase de implementação da
sede da União Brasileira de Compositores na capital gaúcha. Ficamos amigos.
Eu e Fernando Brant na inauguração do UBC
em Porto Alegre em 2006
Em 2011, numa visita a Belo Horizonte, cidade onde
Fernando morava, fomos ao show de Milton Nascimento que abria o novo espaço da
cidade. Fazia poucos meses que Fernando havia participado do projeto Coleção
Mario Quintana para a Infância, volumes IV e V, realizado por minha empresa
Aprata. Todo faceiro com a chegada da Coleção (que levei pessoalmente a ele em
agradecimento por tanta generosidade), ele me recebeu com esse convite
irrecusável: “Vamos assistir o Bituca,
Leo? Ele fará um show no teatro recém-inaugurado aqui após reforma pelo SESC e
vai homenagear a Elis. Você tem que estar lá porque vais representar Porto
Alegre nesse momento. Vamos?” Como é que eu diria não?
Fomos então direto para o teatro e lá chorei por 90
minutos do show, segurando a mão do Fernando, que emocionado com a audição de
suas composições, enchia os olhos de água e dava longos suspiros sorrindo. Um
dos maiores presentes que recebi da vida: reunir neste dia os compositores e a
carga musical que tenho em minha bagagem relacionada a Elis.
Depois desse dia, só falei com ele por telefone e
e-mail. Foi a nossa despedida amiga em grande estilo envolvidos pela atmosfera
musical que ele construiu de tanta beleza e com a homenagem à mulher que,
segundo ele, foi a maior incentivadora da carreira de todo aquele Clube da
Esquina e os outros tantos desgarrados que até então buscavam uma oportunidade
para persistir na música.
Quando voltei a Porto Alegre, contei a meus pais e
os dois se emocionaram muito com essa vivência em Beagá. Tentei escrever sobre
todos estes momentos, mas não conseguia elencar os fatos, porque a emoção me
invadia e desorganizava a escrita. Comecei a escrever o texto com meu pai e
Fernando ainda vivos. Porém foi somente com a partida de ambos, Fernando em
junho de 2015, e meu pai, em junho de 2016, que me senti serena para contar
essa história de total sintonia entre nós.
Obrigado meu pai por não proibir a escuta, mesmo
doendo demais a ausência de Elis.
Obrigado Fernando por essa amizade inesquecível.
Obrigado Elis por esse sentimento de comunhão, por trazer
até todos nós em forma de Arte - essa vibração prateada, brilhante e sonora,
que foi sua passagem por esse planeta e que tanto nos liga amorosamente.
Saudade de tudo que vivemos e hoje é memória viva
em mim!
Gratidão, Amor e Luz para vocês.
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Elis Regina - "Aprendendo a Jogar" - programa Fantástico (1980)
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FAIXAS:
1. "Sai Dessa" (Ana Terra/Nathan Marques)
2. "Rebento" (Gilberto Gil)
3. "Nova Estação" (Thomas Roth/Luiz
Guedes)
4. "O Medo de Amar É o Medo de Ser Livre"
(Beto Guedes/Fernando Brant)
5. "Aprendendo a Jogar" (Guilherme
Arantes)
6. "Só Deus É quem Sabe" (Guilherme
Arantes)
7. "O Trem Azul" (Lô Borges/Ronaldo
Bastos)
8. "Vento de Maio" (Telo Borges/Márcio
Borges)
9. "Calcanhar de Aquiles" (Jean Garfunkel
/Paulo Garfunkel)
faixas bônus
do relançamento em CD
1. "Tiro ao Álvaro" (Adoniran Barbosa /
Osvaldo Molles) – Com
Adoniran Barbosa
2. "Se Eu Quiser Falar com Deus"
(Gilberto Gil)
3. "O que Foi Feito Devera (de Vera)"
(Milton Nascimento/Fernando Brant/Márcio Borges) – Com Milton Nascimento
4. "Outro Cais" (Marilton Borges/Duca
Leal) – Com Os Borges
Numa das conversas que tivemos sobre as nossas infâncias, confessei ao Clayton e ao Daniel, com muita emoção que “A Arca de Noé” é a trilha sonora que eu mais gostava e lembrava a minha primeira infância. Nada em termos fonográficos, nenhum outro disco podia se comparar a “Arca de Noé” e olha que o páreo tinha as obras “Os Saltimbancos”, “Sítio do Pica-pau Amarelo”, "Plunct-Plact-Zum!", “Pirlimpimpim” e o “Grande Circo Místico” só para começar a listinha básica de musicais das crianças que cresceram entre 1973 a 1983.
Na época da Arca, eu, uma guria entre 7 e 8 anos de idade, me divertia com a minha irmã repetindo muitas vezes as canções que minha mãe ajudava a gente a lembrar, porque não tínhamos os LPs. “A Arca de Noé” ficou na minha memória musical depois que assisti ao programa de televisão de mesmo nome exibido no início da década de 80, na Rede Globo. Os registros sonoros se fixaram tão fortemente nas minhas retinas, ouvidos e coração, que por muitos anos, lembrava dos detalhes visuais de cada apresentação. Lembrava dos gestos e dos figurinos/cenografias dos convidados que fazem parte do elenco musical dos volumes 1 e 2.
Eu e minha irmã na época em
que conhecemos "A Arca de Noé"
Muitos anos se passaram e já adulta me deparei com os dois volumes da Arca em CD e relembrei, faixa a faixa, cada poema. As músicas estavam tão vivas em mim que cheguei a apresentar “Corujinha”, da “Arca de Noé 1”, numa audição em 2008 promovida por todos os estudantes da Profª de música Maria Beatriz Noll. Aliás, foi ela também quem me mostrou a versão italiana de “A Casa”, no LP “L´Arca – Canzoni per bambini” a partir da produção de Sergio Endrigo que reuniu vários intérpretes italianos em versões das canções do volume 1 feitas por Vinícius de Moraes.
Cada vez que escuto a “Arca de Nóe” de Vinicius de Moraes, acompanho em poesia as vozes e a respiração de Milton Nascimento, Moraes Moreira, Alceu Valença, MPB 4, Elis Regina, Frenéticas, Fabio Jr., Boca Livre, Ney Matogrosso,Marinae Walter Franco só para citar os intérpretes do volume 1. O mais interessante é que parte deles já fazia parte do repertório diário que eu colocava na vitrola, após chegar da escola diariamente para fazer meus shows dublados com o som no volume máximo.
A “Arca de Noé” é o último trabalho poético-musical de Vinicius de Moraes lançado nos anos de 1980 e 1981 – este último, póstumo. Em entrevista ao jornalista Tárik de Souza, o produtor Fernando Faro reafirma que Vinicius trabalhou até pouco antes de morrer. “Na madrugada em que se foi, vertia do italiano para o português os poemas da Arca. E cobrava de mim: ‘Faro, me dá logo esse treco!’. Ele respirava esse disco, atento a todos os detalhes”, conta o produtor dos shows e dos álbuns da dupla Toquinho-Vinicius.
No volume 2, alguns intérpretes se repetem, mas as participações de Fagner, Jane Duboc, Elba Ramalho, Grande Otelo, Clara Nunes, Céu da Boca e Paulinho da Viola são muito especiais, diversificando os temas e os gêneros musicais.
A poesia de Vinicius é tão imensamente bela e se ampliou tanto na voz desses intérpretes que está na memória de crianças, jovens e adultos por sua qualidade, irreverência e pureza. A poesia d’“A Arca de Noé” é capaz de coisas que você nem imagina, como, por exemplo, reencontrar a sua criança toda a vez que a escuta. Experimente.
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FAIXAS - "Arca de Nóe 1": 1 - A Arca de Noé-Abertura - Chico Buarque e Milton Nascimento 2 - O Pato - MBP 4 3 - A Corujinha - Elis Regina 4 - A Foca - Alceu Valença 5 - As Abelhas - Moraes Moreira 6 - A Pulga - Bebel 7 - Aula de Piano - Frenéticas 8 - A Porta - Fábio Jr. 9 - A Casa - Boca Livre 10 - São Francisco - Ney Matogrosso 11 - O Gato - Marina 12 - O Relógio - Walter Franco 13 - Menininha - Toquinho 14 - Final - Instrumental
FAIXAS - “Arca de Noé 2”: 1 - Abertura - A Arca de Noé - Dionísio Azevedo 2 - O Leão - Fagner 3 - O Pinguim - Toquinho 4 - O Pintinho - Frenéticas 5 - A Cachorrinha - Tom Jobim 6 - O Girassol - Jane Duboc 7 - O Ar (O vento) - Boca Livre e Vinicius de Moraes 8 - O Peru - Elba Ramalho 9 - O Porquinho - Grande Otelo 10 - A Galinha d'angola - Ney Matogrosso 11 - A Formiga - Clara Nunes 12 - Os Bichinhos e o Homem - Céu da Boca 13 - O Filho Que Eu Quero Ter - Paulinho da Viola