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quinta-feira, 27 de abril de 2023

Elis Regina - "Falso Brilhante" (1976)

 




Ábuns Fundamentais ClyBlog - Elis Regina - Falso Brilhante
"Você não sente, não vê mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer"
da letra de "Velha Roupa Colorida"



Acho que ninguém em perfeito juízo discorda de que Elis Regina foi uma das melhores, senão a maior cantora brasileira de todos os tempos. Logicamente, em pleno gozo de minha sanidade, me junto a esse coro quase unânime entre os apreciadores de música neste país. Embora admire seu repertório, é uma artista da qual não domino informações sobre sua obra. Talvez pelo fato de que alguns de seus clássicos  apareçam em maus de um formato, em mais de um álbum, com parceiros diferentes, etc. Tem "Águas de Março", com Tom, sem Tom, ao vivo, no estúdio, alegre, emburrada..; tem "Tiro ao Álvaro", com Adoniram, sem Adoniram, no disco solo, dando risada no do programa de TV; tem "Bêbado e a Equilibrista", bêbada, sóbria, equilibrada, caindo... e nisso, ainda que idolatrando a cada uma dessas versões, cada interpretação, eu sempre tão interessado em datas, set-lists, álbuns,  etc., nunca me esforcei em saber onde se localizavam essas músicas na discografia de Elis Regina.

Só que de uns tempos pra cá, vinha observando a constante referência a um álbum específico e ele, então,  passou a me chamar atenção. "Falso Brilhante" era destacado em sites como um dos melhores discos de Elis, aparecia em listas de melhores discos brasileiros, era mencionado como influência por algum músico da minha preferência, era amplamente reverenciado aqui e acolá, e aí que fui atrás de mais informações sobre o tal disco.

Era o disco de "Fascinação", um dos maiores clássicos do repertório da cantora, numa interpretação inesquecível de uma delicadeza precisa e emocionante. Mas também era o disco de "Como Nossos Pais", o rock de Belchior que tentava dar uma sacudida numa juventude estagnada, e que Elis interpretava com uma força e uma intensidade absurdas. Inigualáveis! Sim era Elis cantando rock! E não era o único: "Velha Roupa Colorida", também  de Belchior, e também sobre atitude, era outra canção carregada de rock'roll e que, igualmente Elis depositava garra, potência, vibração, chegando a rasgar a voz, dando tudo de si, num dos melhores momentos do álbum. Mas há  outros pontos altos: "Gracias a la Vida", de Violeta Parra parece carregar a força da resistência da mulher latina contra os regimes autoritários que prevaleciam aqui e no Chile, terra da autora. Bem como "Los Hermanos", do argentino Atahualpa Yupanqui, uma espécie de convocação à união em nome da mais bela "irmã", a liberdade.

E tem ainda três de João Bosco com Aldir Blanc, "Um por todos", "Jardins de Infância" e "O Cavaleiro e os Moinhos", sempre com a sonoridade rica e aquele tom ácido característico da dupla; e pra fechar ainda, uma versão de arrepiar de "Tatuagem" de Chico Buarque, numa releitura ímpar, na interpretação de Elis.

Alguns afirmam que "Falso Brilhante" seria o disco em Elis que cantava rock, e se formos parar para analisar, não está muito longe da verdade: as duas de Belchior, logo de saída; "Quero", muito Beatles; a releituras de Bosco e Blanc, pungentes e carregadas nas guitarras; e mesmo as duas versões dos hermanos, andinos e platenses, que exploram, combinam e incorporam as alternativas e possibilidades de outros ritmos e nacionalidades, como tão bem costuma fazer o rock'n roll.

Se "Falso Brilhante" é o disco rock de Elis, acho que, possivelmente, deva ser por isso que gosto tanto dele. O brilho verdadeiro de uma estrela. Um diamante cuidadosamente lapidado. Uma verdadeira joia musical.

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FAIXAS:

1. Como Nossos Pais (Belchior)
2. Velha Roupa Colorida (Belchior)
3. Los Hermanos (Atahualpa Yupanqui)
4. Um Por Todos (João Bosco/Aldir Blanc)
5. Fascinação (Fermo Dante Marchetti, Maurice de Féraudy. Versão: Armando Louzada)
6. Jardins De Infância (João Bosco/Aldir Blanc)
7. Quero (Thomas Roth)
8. Gracias A La Vida (Violeta Parra)
9. O Cavaleiro E Os Moinhos (João Bosco/Aldir Blanc)
10. Tatuagem (Chico Buarque)

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Ouça:

Eis Regina - Falso Brilhante (1976)


por Cly Reis

terça-feira, 15 de julho de 2014

Belchior - "Alucinação" (1976)




"Meu nome é
Antonio Carlos Gomes
 Belchior Fontenelle Fernandes,
portanto, um dos grandes nomes
da música popular brasileira”.
Belchior,
em entrevista em 1982
para o jornal O Pasquim


Em 1976, Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, ou simplesmente Belchior, era apenas mais um cantor e compositor cearense que tentava a vida no Rio de Janeiro. Dois anos antes, tinha lançado seu primeiro disco, “A Palo Seco”, pela Gravadora Continental, que tinha seu primeiro sucesso de crítica “Hora do Almoço”. Mas a repercussão ficou somente aí. O público não comprou. Mesmo assim, ele conseguiu um contrato com a Polygram, a gravadora mais importante do Brasil na época. Com produção de Mazzola, ele entrou nos estúdios e fez o quinto disco da minha lista de favoritos e o primeiro de MPB desta lista pessoal e intransferível: “Alucinação”.

Como todo mundo naquele tempo, ouvi o disco pela primeira vez no rádio. Continental 1120, por supuesto. A canção era a faixa que abre o disco, “Apenas um Rapaz Latino-Americano”. Com aquela maneira de se expressar, somente Raul Seixas em seu “Ouro de Tolo” tinha feito coisa parecida. Um jeito Dylan de cantar e recitar a letra ao mesmo tempo, incomum na época. Muito antes do rap. A harmônica ajuda na comparação com Robert Zimmerman. Nela, Belchior faz sua profissão de fé na condição de compositor naqueles tempos bicudos de ditadura militar: “Não me peça que eu lhe faça/ Uma canção como se deve/ Correta, branca, suave/ Muito limpa, muito leve/ Sons, palavras são navalhas/ E eu não posso cantar como convém/ Sem querer ferir ninguém”. Mais adiante, ele avisa que o ouvinte não deve se preocupar com os horrores que diz, pois “a vida é muito pior”. Na perspectiva de hoje, é incrível que a censura – tão raivosa em inúmeros momentos com outros compositores, por exemplo, Chico Buarque e Milton Nascimento – tenha sido condescendente com as letras de Belchior.

Na sequência, ele faz versões menos roqueiras de duas músicas que haviam sido gravadas por Elis Regina em seu álbum ”Falso Brilhante”: “Velha Roupa Colorida” e o hit do disco, “Como Nossos Pais”. Em “Velha Roupa...”, ele se preocupa com os saudosismos: “No presente, a mente, o corpo é diferente/ E o passado é uma roupa que não nos serve mais”. Também fala que uma nova mudança vai acontecer. Só que isto levou quase nove anos para começar. Já em “Como Nossos Pais”, ele garante que “viver é melhor que sonhar” e que, apesar de lutar para buscarmos a vida e não o sonho, a conclusão é aterradora: “Ainda somos os mesmos e vivemos/ Como nossos Pais”. O disco é todo embalado por baladas mid-tempo – como dizem os americanos –, bem ao estilo, bem... dylanesco.

“Sujeito de Sorte” já é diferente. Depois de um começo que flerta com o rock um pouco mais pesado, ela vira uma canção onde o piano elétrico de José Roberto Bertrami (do grupo Azimuth) faz a base melódica para a bateria de Ariovaldo. E a letra diz: “Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro/ ano passado eu morri mas este ano eu não morro”, numa referência direta a “Its All Right, Ma' (I'm Only Bleeding)”  de Dylan. Ele novamente. “Como o Diabo Gosta” tem um tom solene com o órgão fazendo a base para violões e violas e Belchior cantando: “E a única forma que pode ter norma/ é nenhuma regra ter/ é nunca fazer nada que o mestre mandar/ sempre desobedecer/ nunca reverenciar”. Uma moda de viola “muderna”.

O lado 2 começa com as canção mais importante de todo este grande disco, a faixa-título que, direto já diz: “Eu não estou interessado em nenhuma teoria/ Em nenhuma fantasia, nem no algo mais... a minha alucinação é suportar o dia a dia/ E meu delírio/ é a experiência com coisas reais”. E depois de toda uma descrição da vida difícil e insossa das grandes cidades, Belchior afirma que “amar e mudar as coisas/ me interessa mais”. Essa é outra canção em que a bateria de Ariovaldo faz a diferença, tocando o “feijão com arroz” necessário para passar a mensagem do compositor. Neste sentido, é exemplar a produção de Mazzola. A banda se destaca por carregar de forma convincente as letras e os vocais do bardo cearense.

A referência de Dylan misturado com Luiz Gonzaga está em “Nâo Leve Flores”, com violões e piano country ao lado de uma sanfona, sublinhando a marca cowboy ou... bem, vocês já sabem. O pessimismo de Belchior fica evidenciado neste trecho: “Tudo poderia ter mudado, sim/ pelo trabalho que fizemos - tu e eu/ mas o dinheiro é cruel/ e um vento forte levou os amigos/ para longe das conversas, dos cafés e dos abrigos/ e nossa esperança de jovens não aconteceu, não, não”.

Como muita gente não havia ouvido seu primeiro disco, Belchior resolveu regravar “A Palo Seco” (que havia sido interpretada pelo seu amigo e conterrâneo Raimundo Fagner no disco de 1975, “Ave Noturna”). E ele reforça a canção escrita em 1973 dizendo: “E quero que este canto torto/ feito faca, corte a carne de vocês”. Prestem atenção no que faz o piano de José Roberto Bertrami durante toda a canção. Lembrou-me o que Nicky Hopkins fazia nos discos dos Rolling Stones da década de 70.

“Fotografia 3X4” é, talvez, a canção mais desesperada e autobiográfica de todo o disco. “Eu me lembro muito bem do dia em que eu cheguei/ Jovem que desce do norte pra cidade grande/ Os pés cansados e feridos de andar légua tirana”. E, a partir daí, segue a saga difícil de um imigrante. E sobra até para o Caetano de “Alegria, Alegria”: “Veloso o sol não é tão bonito pra quem vem/ do norte e vai viver na rua”. Já sabedor que este disco iria mudar sua realidade, ele hesita em dizer: “A minha história é... talvez/ É talvez igual à sua/ jovem que desceu do Norte/ e no Sul viveu na rua”. Como é importante para ele reforçar esta noção de que o imigrante, especialmente o nordestino, sofria muito com este êxodo. Tudo ponteado pela guitarra de Antenor (onde andará?).

Pra fechar, numa levada country novamente, um recadinho rápido e básico de “Antes do Fim”: “Quero desejar, antes do fim/ pra mim e os meus amigos/ muito amor e tudo mais... não tome cuidado/ não tome cuidado comigo/ que eu não sou perigoso/ viver é que é o grande perigo”.
Este disco significou muito pra mim. Acredito que foi a partir dele é que comecei, aos 16 anos – atrasado, eu sei, mas antes tarde do que nunca –, a me dar conta do que estávamos vivendo aqueles anos terríveis que se convencionaram chamar de “de chumbo”. Mas acho que, aos 15 para 16 anos, eu tinha um álibi. Vivíamos numa ditadura militar onde nada era contado como devia, tudo era escondido. Foi o começo do auge da TV Globo ditando as regras da comunicação brasileira. Estudava numa escola pública maravilhosa onde, porém, estudávamos “OSPB” (pra quem não sabe Organização Social e Política Brasileira) e “Educação Moral e Cívica”. Duas clássicas matérias onde éramos ensinados a adorar a Transamazônica e as “realizações” do governo militar. Com toda esta lavagem cerebral, foi muito importante surgir um disco como o de Belchior pra dar uma desmistificada no que aprendíamos até mesmo nas escolas. E é um disco que ouço não só com o viés nostálgico, mas como um disco de música de qualidade. Quem não conhece, ouça.
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FAIXAS:
1. "Apenas um rapaz latino-americano" - 4:17
2. "Velha roupa colorida" - 4:49
3. "Como nossos pais" - 4:41
4. "Sujeito de sorte" - 3:56
5. "Como o diabo gosta" - 2:33
6. "Alucinação" - 4:52
7. "Não leve flores" - 4:11
8. "A palo seco" - 2:56
9. "Fotografia 3x4" - 5:27
10. "Antes do fim" - 0:59


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OUÇA:
Belchior Alucinação