Atari Teenage Riot - "Blood in My Eyes"
Mas do que estamos falando afinal? Bem, tanto na versão original quanto no remake de "Matador de Aluguel", um cara durão é procurado para pôr ordem numa casa noturna, no primeiro filme, num bar interiorano, no segundo, na praia, na Flórida. O cara topa a parada, vai lá, dá jeito, arruma a casa, afasta as frutas podres, põe pra correr os maus elementos, mas vê o estabelecimento, a garota com quem se envolve e outras pessoas por quem zela, constantemente ameaçados por um ricaço do local. Com contextos diferentes, mas em ambos os casos, é muito interessante para o magnata do pedaço que o bar deixe de existir naquele lugar... Nosso herói vai evitando conflitos, vai protelando, mas quando mexem com os que ele realmente preza, ele vai pro pau.
"Matador de Aluguel" (19890 - trailer
"Matador de Aluguel" (2024) - trailer
A diferença entre os dois filmes é que o remake cai na pancadaria muito antes, muito facilmente e se vale muito disso para se manter interessante. Tenho que admitir que as cenas de luta, em pequenos planos sequência, com câmera on-board, são impressionantes e intensas, especialmente quando entra em cena o ex-lutador de MMA Conor McGreggor que, nesse sentido, até dá alguma contribuição, mas, no mais, a nova versão não tem nenhuma vantagem sobre o original.
O bar de praia é uma mudança estúpida pra agradar público jovem, a 'namoradinha' é totalmente superficial e tem toda uma rede de relações complexa e mal amarrada com os bandidos e com a polícia, o vilãozinho, que na verdade é apenas filho do verdadeiro manda-chuva, é um personagem caricato e insignificante, seus capangas são ridículos e risíveis, sem falar no matador (esse sim um matador) convocado para dar fim no nosso herói, o inqualificável Conor McGregor, que chega a ser engraçado de tão ruim.
O original não é nenhuma obra-prima. Não! Muito pelo contrário. É daqueles filmes de ação bem banais dos anos 80. Mas pelo menos nos apresenta um protagonista mais cativante, personagens mais naturais, uma contextualização mais coerente e uma trama um pouco mais consistente. De quebra, ainda, já que o negócio era um bar musical e tinha que preencher o roteiro vazio com alguma coisa pra aumentar a duração, pelo menos no primeiro essas "encheções de linguiça" eram com o sensacional Jeff Healey e sua banda desfilando vários clássicos do blues. Já na nova versão, embora o repertório até não seja desprezível, as atrações da taberna praieira são os ilustres... ninguém.
Vitória fácil do primeiro Matador.
1x0 pelo protagonista e toda a composição do personagem; 2x0 pela ambientação interiorana da casa noturna e todo seu contexto de funcionários, frequentadores, práticas, música, etc.; e já que falamos de som, 3x0 por conta da participação da Jeff Healey Band. E ficamos por aí. O argumento fraco, o roteiro sem rumo, os vilões desinteressantes mal construídos, o desfecho forçado, nada disso representa uma margem maior para o original. Por outro lado, o remake não consegue se valer dessas deficiências para equilibrar o jogo, uma vez que tem os mesmos problemas e só consegue fazer um golzinho de honra, mesmo, por conta das empolgantes sequências de luta.
O mercenários esperavam por dificuldades, polícia, perseguições, etc., mas não contavam que a sequestrada fosse uma desagradável surpresa. |
Djavan e sua enorme presença de palco foto: Karine Reis |
Ao longo de aproximadamente uma hora e meia, Djavan desfilou sucessos de sua carreira como "Se", "Oceano", "Amor Puro", "Samurai", "Flor de Lis", "Eu Te Devoro", entre outras, até encerrar festivamente com as animadas "Sina" e "Lilás" que empolgaram o grande público à beira do mar de Copacabana.
Visivelmente emocionado, o artista manifestou sua satisfação e seu desejo de que aquele show, um dos momentos mais felizes do ano para ele, como afirmou, estivesse sendo tão bom e importante para nós espectadores também.
Sim, Djavan. Pode ficar tranquilo. Pode ter certeza que foi.
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Fiquei um pouco longe mas aqui vão alguns registros visuais dos evento. |
Com hits e muita simpatia, Djavan hipnotizou a público na areia de Copacabana |
Cly Reis
Qualquer semelhança não terá sido mera coincidência. Fenômenos climáticos extremos se multiplicam pelo mundo. Só que aqui o cinema explora em clima de filme de terror. (E não é terror, mesmo?) |
A própria investigação da CMPI em si, em pleno 2023, denota o quanto a questão fundiária no Brasil permanece mal resolvida. Está relacionada diretamente a chagas da sociedade provocadas pela histórica mentalidade escravista e potencializada pelas relações de poder capitalistas. Pois que a exploração de mão de obra, o monopólio da elite, as péssimas condições de trabalho e a alienação ao acesso à saúde e à educação, tudo isso está hibridizado num fundamental filme cujo título traz o cerne dessa questão: "Propriedade". A obra, do jovem cineasta pernambucano Daniel Bandeira, é, ao mesmo tempo, de uma enorme riqueza narrativa quanto, principalmente, de um realismo crível e tragicamente plausível. Em forma thriller à brasileira, o filme expõe situações prementes da sociedade brasileira atual, desde a escravidão moderna, a especulação imobiliária e o velho coronelismo, incrustado como uma doença secular na sociedade nordestina.
Na trama, a reclusa estilista Tereza (Malu Galli), esposa de um rico empresário e proprietário de terras (Tavinho Teixeira, como Roberto), deixa a cidade para refugiar-se com o marido em uma fazenda da família na tentativa de se recuperar. Mas, quando os explorados trabalhadores do local sabem da intenção do patrão de vender as terras e dispensá-los sem nenhum direito e indenização, um levante acontece. Para se proteger da violenta revolta dos trabalhadores, Tereza se enclausura em seu carro blindado. Mesmo separados por uma camada impenetrável de vidro, o conflito é inevitável e escalável, pois balizado por um elemento muito menos material e, sim, simbólico: a luta de classes.
Malu Galli como Tereza em cena tensa de "Propriedade": terror à brasileira |
Segundo longa de Bandeira, "Propriedade" – provavelmente o melhor filme nacional de 2023 – tem o poder de consolidar uma época. Assim como outras escolas ou movimentos cinematográficos ao longo da história, o filme junta-se a obras irmãs, formando um panorama ideológico e produtivo robusto representativo do seu tempo/espaço. A exemplo do neorrealismo italiano, do novo cinema iraniano ou do Dogma 95 dinamarquês, cujos filmes dialogam entre si dentro de seus próprios círculos, "Propriedade" responde a temas muito caros a outros filmes da cinematografia contemporânea de Pernambuco, que se consolida como um dos mais frutíferos polos de produção de cinema no Brasil neste século. É fácil notar semelhanças com elementos da crítica social recorrentemente trazida pelos autores desta cena. "Piedade", de Cláudio Assis (especulação imobiliária), "Carro Rei", de Renata Pinheiro (repressão do Estado) e "Fim de Festa", de Hilton Lacerda (violência urbana), são alguns deles.
Porém, "Propriedade" traz ainda mais para próximo de si os filmes de Kleber Mendonça Filho, com quem Bandeira trabalhara desde 2002 no curta "A Menina do Algodão", o qual roteirizou e atuou. A referência temática e fotográfica a "Bacurau" (2019), de Mendonça Filho e Juliano Dornelles, é notória, assim como soluções narrativas de desfecho, que interligam ainda mais ambos. Igualmente, "Aquarius" (2016), outro de Mendonça Filho, que também avança sobre a questão do oportunismo do setor imobiliário e da luta pela preservação cultural diante da modernização desenfreada do liberalismo. Contudo, "Propriedade" principalmente retraz a discussão basal de "O Som ao Redor" (2012), primeiro longa de Mendonça Filho, uma contundente crítica ao antagonismo entre público e privado, entre pobreza e riqueza, entre velho e novo, entre impotência e poder, entre humanidade e barbárie.
"Propriedade" e "Bacurau": semelhança temática, cenográfica e fotográfica entre os filmes de Bandeira e Mendonça Filho |
O que "Propriedade" expõe é o choque entre elite e proletariado, uma vez que o sistema vigorante favorece as desigualdades. Não apenas isso: baseia-se nelas. O capital supõe mediar um equilíbrio, mas só faz provocar revolta nos que o geram, mas não o detém, e medo nos que o detém, mas não o geram. A tensão é permanente e dos dois lados. Veja-se a frase que liga o automóvel de Roberto por meio de IA: o verso inicial da música "Dê um Rolê". Cantado por Gal Costa no clássico disco "Fa-Tal", de 1971, marco da resistência aos anos de chumbo no Brasil, o verso diz: “Não se assuste, pessoa”. Mostra da obviedade sem criatividade da elite, que se apropria do discurso dissonante da esquerda para vestir seus modos ideológicos distorcidos, a música é usada por ele como se esta condissesse com seu comportamento imperialista, distorcendo a essência da obra e, por consequência, transformando-a num mero produto de consumo.
Mas os vieses, claro, não são absorvidos por quem raciocina apenas a favor do (seu) capital. O fato de este pequeno enunciado servir como chave para acionar o veículo também funciona, noutro patamar, como uma chave muito mais simbólica, pois capaz de ativar de forma verbal o medo e a neura de uma fatia da sociedade hedonista, que se vitimiza, mas não questiona o quanto seu comportamento sustenta desigualdades que remontam à escravatura. Como Caetano Veloso escreveu certa vez para a voz da mesma Gal Costa: “Neguinho quer justiça e harmonia para se possível todo mundo, mas a neurose de neguinho vem e estraga tudo”.
Trabalhadores rurais e os limites das relações de poder |
Renovando a discussão sobre a reforma agrária, tão presente no cinema brasileiro dos anos 1960 e 1970 em filmes como "Deus e o Diabo na Terra do Sol", "Vidas Secas", "Maioria Absoluta" e "O País de São Saruê", Propriedade traz para o contexto do Brasil atual em que o liberalismo exerce forte influência no mercado e na sociedade. Não é de se estranhar que um filme tão agudo e necessário seja do mesmo ano em que se revelou, no Rio Grande do Sul, na rica e conceituada região da Serra, casos análogos à escravidão com trabalhadores rurais, mesmo quase 135 anos após a Abolição. E não para com conterrâneos gaúchos, mas justamente com imigrantes nordestinos sujeitos a condições desumanas longe de sua terra.
Em "Propriedade", o que se sugere é um momento de fratura. Rompidas as grades da “senzala” e da “casa grande”, ora representadas pela porteira da fazenda do interior e pelas torres residenciais da cidade, o que resta é a colisão entre estes dois opostos sociais, até que um enterre o outro. Nem vidros blindados ou camuflados são capazes de conter. A CPMI “da Terra”, por óbvio, inconclusiva, haja vista que originalmente mal sustentada, denota o quanto os ensinamentos de Marx prevalecem e que não cabe (como nunca coube ou deveria ter cabido) mais espaço para a iniquidade em tempos atuais. A feroz e coerente reação dos personagens revoltosos de "Propriedade", bem como a consequente escalada de violência da trama, serve como um aviso de que a questão da terra deve ser encarada de frente e sem filtros. Um “basta” para um problema basal da sociedade brasileira de difícil resolução, mas de necessária atenção. E a quem quiser prosseguir mantendo a desigualdade e o desrespeito aos direitos humanos, um alerta: assustem-se, pessoas. Não acreditem em Gal quando ela diz que a vida, assim, é boa.
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Daniel Rodrigues
Artigo originalmente publicado no Blog Roger Lerina/ Matina Jornalismo
Em ambos os filmes, membros de uma estação norte-americana de pesquisa, no pólo (um no norte, o outro no sul), acabam levando para dentro de suas instalações uma espécie alienígena encontrada no acampamento norueguês que, agora, dentro de suas instalações, passa a pôr em risco a vida dos integrantes da missão. Apesar da sinopse básica ser, praticamente a mesma, há uma série de diferenças que fazem do remake muito melhor. No primeiro filme, de 1951, os pesquisadores recebem um chamado para verificar algo na estação norueguesa, a alguns quilômetros de onde estão. Lá, encontram algo no gelo, uma espécie de nave, recolhem do local um bloco com um espécime, levam para sua área, onde, então, dentro de suas dependências, uma criatura se revela do volume descongelado. Só que a coisa desperta do congelamento com uma fúria assassina que deve ser contida e anulada pelos exploradores a qualquer custo, de modo a salvar suas próprias vidas.
No outro, o de 1982, após um insólito incidente envolvendo um helicóptero norueguês que perseguia um cão, na neve, nas imediações da estação de pesquisa dos Estados Unidos, os exploradores americanos resolvem verificar o que estaria se passando no acampamento dos noruegueses para que o piloto tivesse agido com tamanha insanidade. Lá, em meio a um cenário de devastação, abandono e morte, encontram um bloco de gelo recortado do chão, mas vazio, cadáveres de exploradores noruegueses, e um que, especialmente, chama atenção pela deformidade do corpo, mal se identificando ser algo humano ou não.
Levam o corpo retorcido para seus laboratórios e enquanto estão ocupados tentando descobrir o que fez com que a delegação nórdica fosse dizimada, a coisa já está entre eles. Estava no cachorro. Descobrem, então que o alienígena é uma espécie de mutante, um transmorfo que elimina sua vítima e copia sua forma, podendo ser qualquer um lá dentro. A tarefa dos exploradores, pesquisadores, cientistas da estação, então, é mais complexa e difícil que a do outro filme: não somente têm que salvar suas vidas, como também impedir que aquela forma de vida saia dali, daquela instalação isolada, no meio de nada, e tome o resto do planeta.
"O Monstro do Ártico" (1951) vs. "Enigma de Outro Mundo" (1982)
O original é legal. A cena do bloco de gelo derretendo gera uma expectativa sinistra de que "vai dar ruim" assim que aquela coisa saia dali; a briga da criatura com os cães, na neve, é impressionante, e o pedaço de braço encontrado, ali, entre os animais é algo bastante forte para um filme daquela época; e a arapuca final para atrair a criatura e tocar fogo no invasor é cheia de expectativa e tensão.
Tá bem, ok... mas o remake, cara!!! O remake é um absurdo!
A maior complexidade da trama; o ambiente hostil e desconfiado entre os expedicionários; o medo constante; a direção de arte impecável; a iluminação, a fotografia branca, desoladora da neve; o ambiente claustrofóbico; a maquiagem assustadora, distorcida, disforme; a imprevisível e ameaçadora mutabilidade do ser do espaço; a impotência dos homens diante das possibilidades do alienígena; sem falar nas cenas clássicas!
Tem a do huski dos noruegueses se transformando dentro do canil, a da cabeça de um dos exploradores mortos se soltando do corpo, criando antenas, se ramificando e se transformando numa espécie de aranha, a do desfibrilador rasgando o peito do cadáver que "morde" os braços do médico, e, especialmente a do teste do sangue, uma das mais tensas da história do cinema, na qual todos os integrantes da missão, já sob suspeita geral, são amarrados e têm uma amostra de sangue recolhida e exposta, ao calor de um lança-chamas pelo piloto McReady, que é quem toma a frente da caça ao estranho, supondo ele que, diante da ameaça, as defesas da criatura venham a reagir e se revelar. O espectador não tem como tirar os olhos da tela nessa sequência! "Será que é esse?", "Será que é o próximo?", "Ah, agora sim é esse...". A gente fica na expectativa, devora as unhas e praticamente arranca os braços da cadeira do cinema ou da poltrona de casa. Ah, porra!!! Um dos maiores filmes de todos os tempos! Tem como ganhar? Não, né? Não!
Vitória tranquila. Um passeio.
Um pelo roteiro mais elaborado, outro pelo invasor metamórfico, outro pela tensão, outro pela maquiagem e as mutações arrepiantes do alienígena, outro por ter algumas das sequências mais marcantes, impressionantes, aterrorizantes do cinema em todos os tempos, e ainda um do matador Kurt Russel, jogador de confiança do técnico, que já jogara com ele em outro timaço ("Fuga de Nova York") e voltaria a atuar em "Fuga de Los Angeles", e que não quer nem saber: quando chega perto do gol, queima dali mesmo e guarda o seu.
O original até faz o seu pela ousadia e pelo pioneirismo na ficção científica, mas é só.
O placar fica assim mesmo: 6x1 para a refilmagem
Coisa de outro mundo.
Diferença determinante: no original a criatura é um humanóide, até assustador, ameaçador e tal, mas no remake, o mais aterrorizante é que ele pode ser qualquer coisa. E cada coisa...!!! |
Cly Reis