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quarta-feira, 29 de março de 2017

"T2: Trainspotting", de Danny Boyle (2017)



T2: Trainspotting e o Eterno Retorno
por Eduardo Dorneles

"Você está aqui por nostalgia", diz Sick Boy (Jonny Lee Miller) a Renton (Ewan McGregor) em certa altura de “T2: Trainspotting”. A fala condiz com os temas que o filme aborda e a metalinguagem que se estabelece. Afinal, todos no cinema - inclusive eu - aguardavam ansiosamente essa continuação que levou vinte anos para ser lançada.

“Trainspotting” chegou aos cinemas em 1996 trazendo um retrato da juventude viciada em Edimburgo, capital da Escócia. A história dos já citados Renton e Sick Boy, aliada a de Spud (Ewen Bremner) e Begbie (Robert Carlyle), transcendeu esse escopo e se tornou um dos manifestos cinematográficos dos anos 1990 - ao lado de "Clube da Luta".

As problematizações a respeito da forma como jovens adultos precisam lidar com os processos de amadurecimento era o cerne de sustentação de toda a trama do primeiro filme. Por isso a subversão do lema "Choose life" - ou "escolha a vida" -, uma campanha contra as drogas muito popular nos fim dos anos 1980 e início dos anos 90, em uma sequência marcada pela escolha em não escolher. Méritos do diretor Danny Boyle e do roteirista John Hodge, que conseguiram adaptar magistralmente o texto de Irvine Welsh.

“T2”, que recém chegou aos cinemas brasileiros, deixa de lado o conceito do "escolha não escolher", um típico dilema juvenil, para abraçar uma questão mais madura. Talvez não no sentido intelectual, mas sim no aspecto cronológico, mesmo. Afinal, atormenta gente mais experiente: o que eu fiz da minha vida?, é só isso?
Sick Boy, Renton e Spud mais de 20 anos depois

A história dos quatros personagens inicia a partir deste ponto: quarentões frustrados precisam encarar o fato que a vida não se tornou aquilo que eles esperavam. O encontro do grupo é uma tentativa de buscar sentido em uma existência vazia. Tudo se repetiu. As experiências se esvaíram - inclusive as lisérgicas. Restou a memória de quando tudo era novo, as possibilidades eram muitas e as oportunidades inesgotáveis.

A busca desenfreada por algo que possa trazer esperança é o que faz a história andar. É um contínuo Eterno Retorno, a la Nietzsche, onde tudo parece se repetir em círculos constantes e intermináveis. Boyle sabe disso e brinca com os elementos narrativos que estão a sua disposição, é claro. O humor cínico e ácido está lá. Porém, tudo é a nostalgia que move. Tanto dos personagens quanto do espectador que também está afetivamente ligado àquela história desde o filme original.

Talvez este seja o grande trunfo de “T2”. Apesar da excelência cinematográfica que a obra apresenta, apenas o tempo poderá demonstrar se ela se tornará tão grande quanto seu antecessor. Entretanto, é inegável apontar o exercício de metalinguagem existente.

Os personagens envelheceram. O expectador também. Os personagens buscam no passado e nas certezas da memória algum sentido na fluidez do presente e nas incertezas do futuro. O expectador também.
McGregor como Renton enfrentando as consequências
do eterno retorno

Afinal, você também não ri e se emociona das aventuras vividas no passado enquanto bebe e come ao lado de amigos ao invés de estar desfrutando e criando novas lembranças com eles?  Você também não sente suas certezas se abalarem com o tempo que passa e a consciência de sua pequenez diante da realidade que se impõe? Seus olhos não se enchem de lágrimas quando você percebe que não é a pessoa que aquele adolescente sonhou se tornar? Você não fica triste quando todas suas experiências parecem apenas simulacros vazios de grandes momentos que ficaram no passado?

O passado é um porto seguro, uma boia de salvação, um farol de emergência diante do drama de suportar o misterioso destino que nos aguarda. Olhar para os "anos dourados" da existência é mais fácil e mais prazeroso do que encarar o Eterno Retorno que nos atormentará até o fim.

Renton, Sick Boy, Spud e Begbie, à sua maneira, sabem disso. De uma forma ou de outra, enquanto abraçam este fato, convidam o expectador a fazer o mesmo: aceitar a nostalgia como alívio ao niilismo perturbador.

Escolha.

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trailer de “T2: Trainspotting”


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