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sábado, 1 de fevereiro de 2025

Trio - "Trio" (1982)

 

por Lucio Agacê

"'Da Da Da' é uma ladainha sem sentido para guitarra, bateria, bateria eletrônica e canto coloquial, que se destaca como talvez o maior hino da era pós-industrial, com um dos riffs de guitarra mais edificantes de todos os tempos, e alguns dos vocais mais subumanos de todos os tempos, e alguns dos backing vocals mais suaves de todos os tempos, e algumas das linhas mais imortais de todos os tempos". 
Piero Scaruffi, crítico musical

Então, nesse ÁLBUNS FUNDAMENTAIS resolvi contar como foi o reencontro totalmente acidental ou um belo presente do destino. Sexta-feira à noite (acho que ainda era setembro ou outubro, não lembro agora), resolvi fazer a limpa na coleção e catei alguns trinta, quarenta LPs, uns singles de rap, uns pop rock, muitos trilha sonora de novelas e embarquei rumo a Novo Hamburgo na loja do meu amigo Al Shceknel, a Superbacana Records.

A intenção era trocar algumas tranqueiras, inclusive levei uma guitarra no estojo pro brick. Chegando lá, como sempre muito bem recebido, aquele café passado na hora, boas conversas mexemos nuns sintetizadores malucos, violões e, então, partiu pro brick! 

O Al deu uma verificada na oferenda enquanto eu me grudei nas prateleiras e separei coisas do tipo um compacto do Roberto Carlos de 1977, se não me engano, e alguns que agora não vou lembrar, mas deu brick. Mas o que mais me chamou atenção foi o álbum de uma banda alemã de 1979, a Trio

Uma banda que passei a minha adolescência debochando do clássico "Da da da"… porém, nunca conseguiria imaginar que seria o disco mais impressionante que ouviria no final de 2024!

Depois de chegar em casa, foi a rotina clássica: álbuns do garimpo no sofá pra aquele registro, marcar a loja, requentar a comida no micro-ondas enquanto botei na vitrola o disco….

Senhoras e senhores: foi um tiro que me fez deixar a comida esfriar novamente. Simplesmente extraordinário!!!!

Com é que eu tive a inocência de debochar de tamanha obra de arte minimalista com canções simplesmente geniais basicamente guitarra, bateria e voz - segundo informação do Pereba, a banda não tem baixo. Não fiz essa pesquisa, mas super recomendo "Trio", o álbum que leva o nome da banda lançado no Brasil em 1982.

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FAIXAS:
1. "Achtung Achtung" - 0:30
2. "Ja Ja Ja" - 2:57
3. "Kummer" - 2:38
4. "Broken hearts for you and me" - 3:33
5. "Nasty" - 2:38
6. "Energie" - 3:30
7. "Los Paul" - 2:32
8. "Sabine Sabine Sabine" - 3:46
9. "Da da da ich lieb dich nicht du liebst mich nicht aha aha aha"  - 3:23
10. "Sunday you need love Monday be alone" - 3:48
11. "Nur ein Traum" - 3:04
12. "Ja Ja wo gehts lank Peter Pank schönen Dank" - 2:50
13. "Ya Ya" (Lee Dorsey, Clarence Lewis, Morgan Robinson) - 2:15
14. "Danger is" - 2:14
15. "TRIO" (Harry Belafonte, Irving Burgie, William Attaway) - 0:31
Todas as composições de autoria de Stephan Remmler e Kralle Krawinkel, exceto indicadas


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OUÇA O DISCO:

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

"Ainda Estou Aqui", de Walter Salles (2024)

INDICADO A
MELHOR FILME
MELHOR FILME INTERNACIONAL
MELHOR ATRIZ

Democracia em ação

por Daniel Rodrigues

Poderia elencar uma série de qualidades e aspectos para falar de “Ainda Estou Aqui”, esse fenômeno de bilheteria e sucesso de crítica que vem arrebatando plateias ao redor do mundo. O filme acaba de ser indicado ao Oscar de Melhor Filme e de Melhor Filme Internacional, além da indicação de Fernanda Torres a melhor Atriz, ela que, no último dia 5 de janeiro, já havia vencido um prémio inédito e importantíssimo para o cinema nacional, o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Drama. Poderia falar sobre os outros importantes prêmio, como o de Melhor Roteiro no Festival de Veneza, e aclamações, como em Toronto. Poderia falar do alvoroço em torno do filme de Walter Salles e sua possível vitória no Oscar de Filme Internacional e, quem sabe, em mais de uma categoria. Porém, o que mais me salta aos olhos e ao coração quando “Ainda...” vêm à retina da memória é a palavra “integridade”. Em mais de um sentido: na sua feitura, nas atuações, no respeito aos personagens e à história recente do Brasil.

A começar pela direção de Waltinho. Pode soar negativo, mas não se enganem: “Ainda...” não me fez chorar como a muitos espectadores. Não retiro a razão e muito menos o direito das pessoas se emocionarem. Longe disso. Afinal, a história da família Paiva durante o período da ditadura militar no Brasil, quando a matriarca Eunice, após seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva, ser levado pelos militares e desaparecer, precisa se reinventar e traçar um novo futuro para si e seus filhos enquanto busca pela verdade é, sim, tocante em diversos aspectos. Porém, por se tratar da reprodução de um período doído e repleto de fatores interligados (políticos, civis, humanos, judiciais, etc.) capazes de despertar diversos sentimentos. No meu caso, o que mais faz emergir é a indignação e o assombro com o horror da ditadura – o que não me leva a lágrimas, mas muito mais ao espanto e à fúria. Em comparação àquele que considero a obra-prima do cineasta, “Central do Brasil” (1998), daqueles filmes de se debulhar chorando, “Ainda...” não passa nem perto de provocar tamanha comoção, não deste jeito sentimental.

Porém, como fiz questão de advertir, isso não é um demérito de “Ainda...”, e, sim, resultado de uma de suas principais qualidades: a integridade de como conta-se a história. Cuidadoso com a reprodução da verdade em seus mínimos detalhes, Salles valeu-se de um roteiro (Murilo Hauser e Heitor Lorega) que respeita as páginas do livro que motivou o filme, escrito por um deu seus ativos personagens, o escritor Marcelo Rubens Paiva, um dos cinco filhos de Rubens e Eunice e que aparece no filme em vários momentos, da infância à fase adulta. Disso, Salles captou o que melhor serviria para o audiovisual, parte onde, aí sim, é o olhar de cineasta que age. No entanto, desse híbrido “realidade/memória” + “tradução”, resta um filme rigoroso, ciente de sua responsabilidade em cada enquadramento, cada cenário, cada movimento, cada temperatura da foto. Basta ver a comparação de tomadas do filme com fotos da família da época, que estão circulando pelas redes sociais.

Fernanda Torres: vencedora do Globo
de Ouro e indicada ao Oscar
 
A emotividade recai com mais propriedade na atuação dos atores, principalmente, claro, na de Fernandinha. A atriz está dona da cena. Extremamente absorvida pela personagem, ela usa de toda sua experiência de uma carreira de mais de 55 anos para expressar em cada olhar, cada pronúncia, cada gesto a dignidade, a integridade de Eunice. O pavor, a incerteza, a amorosidade, a coragem, tudo envolve o corpo da atriz. Ela faz com que se torne verossímil (pois a intenção foi a de ser o mais fiel  possível aos fatos) a personalidade ao mesmo tempo frágil e valente de Eunice, que reage e age diante de tamanha brutalidade, mesmo com o mundo em suas costas e a repressão sobre sua cabeça. É tão real a personificação dada por Fernanda, que a mim passa mais um sentimento de assombro do que qualquer outro sentimento. É como se se estivesse vendo aqueles momentos de pavor diante dos olhos e, nesta hora, é muito mais pasmo do que choro que me acomete.

Comparativamente a outros filmes sobre a ditadura no Brasil, “Ainda...” também é diferente, visto que emprega uma austeridade narrativa mais profunda, o que lhe volta como potência para a tela. “O que É Isso, Companheiro?”, de 1997 (um dos três concorrentes do Brasil ao Oscar de Melhor Filme Internacional nos últimos 30 anos, juntamente com “O Quatrilho”, de 1995, e o já citado “Central...”), “Batismo de Sangue”, de 2006, e “Zuzu Angel”, também de 2006, para citar três filmes de ficção brasileiros que abordam histórias reais dos anos de chumbo, são todos mais escancaradamente violentos, principalmente “Batismo...”, que contém fortes cenas de tortura nos porões militares. No caso de “Ainda...” essa violência é muito mais interna da ação, uma vez que os fatos se dão a partir do ponto de vista e Eunice – que, embora presa e torturada psicologicamente, não assistiu às cenas de horror as quais escutava pelos corredores do DOI. A barbárie está lá e o espectador nem precisa vê-la para arrepiar-se junto com a protagonista.

É apavorante, contudo, pensar noutra coisa: não apenas o sucesso, mas a existência deste filme em uma época de obscurantismo como o que vivemos anos atrás no Brasil. Fosse no contexto político anterior, certamente se travaria uma batalha entre os realizadores e o então governo, como ocorrera com “Marighella”, quase impedido de ser lançado. Ver “Ainda...” podendo provocar discussões e a corrida de gerações mais novas e pouco informadas em busca da própria história em sociedade é de uma riqueza incalculável. É a própria democracia em ação. Como em alguns poucos momentos da nossa recente história como nação democrática, é possível perceber o brasileiro dando, mesmo que indiretamente, valor àquilo que lhe é mais caro: a liberdade. Isso sim é realmente tocante e íntegro graças a "Ainda Estou Aqui".

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trailer oficial de  "Ainda Estou Aqui"


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O Brasil Ainda Está Aqui

por Rodrigo Dutra

Uma obra to-tal-men-te aclamada. "Ainda Estou Aqui" estreou em novembro de 2024 e já alcançou mais de 3 milhões de espectadores brasileiros. Está trilhando uma jornada de sucesso em festivais conceituados pelo mundo, desde sua apresentação em Veneza. O ápice deste caminho foi a entrega emocionante e inédita do Globo de Ouro para Fernanda Torres, como melhor atriz dramática, 25 anos depois da “Fernandona” ser indicada por "Central do Brasil", também com direção de Walter Salles. Mas enquanto redijo essas palavras, os indicados ao badalado Oscar 2025 ainda estão por vir. Quem sabe até o final do texto teremos mais novidades sobre, como disse Cláudia Laitano, “...o filme nacional mais importante deste século.”?

Cresci em um ambiente militarista, com família orgulhosa pelos “heróis generais, duques e marechais” do passado, dos presidentes não eleitos pelo povo e, lógico, dos seus próprios integrantes nas Forças Armadas. Eu até quase segui este caminho. Mas o período da ditadura sempre foi negado (e é negado por um mar de pseudopatriotas). Essa mancha sombria na história não é explorada explicitamente no filme de Salles, adaptado do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva, político cassado pela ditadura e que foi morto pelos militares. Nota-se a opção de não chocar o público com sangue e cenas de tortura, mas sim com gritos de desespero de pessoas sendo torturadas no Dops, ouvidos por Eunice Paiva, a viúva admirável, obstinada e resiliente, além de toda a atmosfera nebulosa de capangas, fardas e armas. 

A Eunice de Fernanda Torres é uma versão assombrosa, hipnótica, determinada, com uma força inexplicável que só as mulheres extraordinárias possuem (como Eunice e Fernanda). O começo solar da família Paiva começa a desmoronar a partir da cena marcante da foto na praia, onde todos estão felizes na pose, e o olhar aguçado de Eunice mirando um tanque do exército ao longe. Essa cena mostra que o “monocordismo” de Fernanda só existe na cabeça de gente ignorante, que nunca teve o prazer de assistir a "Eu Sei que Vou Te Amar" (ela ganhou como melhor atriz em Cannes em 1986), ou "Terra Estrangeira", ou a libertina baiana de "A Casa dos Budas Ditosos", ou Vani, ou Fátima e tantos outros trabalhos percorrendo dramas e comédias deste patrimônio cultural brasileiro, filha de dois gigantes da nossa cultura. 

Além da exuberância da interpretação de Fernanda Torres, quero destacar outros aspectos do filme que explicam o seu sucesso mundial. O cuidado com a restituição da época. Salles convidou colecionadores de carros antigos e fechou a avenida para que eles circulassem, não precisando resgatar imagens reais antigas para utilizar. As crianças e jovens que interpretam os filhos da família Paiva são espetaculares, desde os pequenos, incluindo os cãezinhos, até Valentina Herszage e Bárbara Luz, nova geração de atrizes de gabarito. A trilha sonora é de uma beleza absurda, reinflando o hino contra a ditadura "É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo", de Roberto e Erasmo, além de Tim Maia, Tom Zé e até, vejam só vocês, de Juca Chaves, que morreu tristemente defendendo uma nova intervenção militar. E, por fim, os poucos minutos de silêncio de Fernanda Montenegro na parte final do filme, desestabilizando o público com sua interpretação não-verbal histórica e arrepiante.

Deve ser extremamente difícil, para os defensores da ditadura, testemunhar a expansão da família Paiva, a relevância de Rubens Paiva na história política, o ativismo pelos direitos humanos de Eunice, o sucesso literário e intelectual de Marcelo. A luta contra o fascismo e a extrema direita está mais viva do que nunca e nesse momento temos que comemorar essas 3 indicações ao Oscar, incluindo a de Melhor Filme, fato inédito na história cinematográfica nacional. A vida presta, como diz Fernanda. Acima de tudo, o cinema brasileiro presta....e muito!

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trailer internacional de "Ainda Estou Aqui"



sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Weezer - "Weezer" ou "The Blue Album" (1994)


por Roberto Sulzbach Cortes

“Se você quiser destruir meu suéter, 
segure esse fio enquanto vou embora.”
da letra de "Undone (The Sweater Song)"


Olá, Clybloggers! Antes do ano acabar, venho aqui para falar de um clássico que está completando três décadas em 2024! Sabe aqueles álbuns que, quando você coloca na vitrola (ou onde quer que você escute música), transportam você para aquele tenebroso local de insegurança e incerteza na vida chamado adolescência? Pois é: apesar de eu ter nascido mais de seis anos depois dessa obra ser lançada, o disco de estreia do Weezer, que completa 30 anos e que também se chama "Weezer", mas é comumente conhecido como "The Blue Album" (devido à cor predominante em sua capa), é um dos que mais me vêm à mente.

O ano é 1986 e Rivers Cuomo conhece o baterista Patrick Wilson, e logo, se muda para a casa dele e de seu amigo baixista, Matt Sharp. Cuomo era um rapaz tímido, que não falava direito com meninas, era fissurado em heavy metal e Role-Playing Game (RPG). Ou seja, um “nerd clássico” a la "Vingança dos Nerds". Aliás, uma curiosidade: o nome Rivers vem do inglês e se traduz como “rios”. Segundo sua mãe, é porque ele nasceu em Manhattan, entre o Rio Hudson e o Rio East. Contudo, seu pai, Frank Cuomo (também músico, tocou bateria no "Odyssey of Iska", do jazzista Wayne Shorter), dizia que era por conta de três jogadores da Copa do Mundo de 1970: os italianos Riva e Rivera, e o brasileiro Rivelino. Ao residir com os futuros colegas de banda, o metaleiro foi se afastando do gênero e se aproximou do grunge, que estava borbulhando na costa oeste, por meio de bandas como Soundgarden, Mudhoney, Pearl Jam e, claro, Nirvana, além de umas pitadas de artistas precursores, como Pixies e Sonic Youth.

Em 1992, os três roommates se juntaram ao guitarrista Jason Cropper (que, durante as gravações do primeiro álbum, foi trocado por Brian Bell por divergências pessoais) e formaram a Weezer. Àquela altura, já tocavam canções que viriam a integrar o "Blue Album", como "Sweater Song" e "Say It Ain’t So", mas ainda não tinham a aderência que viriam a conquistar. Até que Rivers gravou uma K7 que chamou a atenção da Geffen Records. Das oito músicas contidas na fita, cinco apareceram no eventual disco de estreia.

Em agosto de 1993, o quarteto entrou no Electric Ladyland, em Nova Iorque, junto do produtor Rick Ocasek, vocalista do The Cars. Praticaram muito as harmonias, que fariam parte integral da sonoridade do álbum, e definiram que as guitarras precisavam soar tão altas quanto as de "Creep", do Radiohead, lançada um ano antes. O resultado foi um hit atrás do outro, daqueles discos que podem tocar inteiros no rádio sem causar tédio em nenhum ouvinte.

A abertura é com o dedilhado de violão de "My Name is Jonas" e, na prática, explica que a tônica é o power pop direto, sem firulas. Além disso, pouco mais de 10 anos depois, ela fez parte da infância e adolescência de uma nova geração, por meio do jogo de videogame Guitar Hero III. Machismo nunca foi tão pegajoso quanto em "No One Else", em que o locutor terminou com sua namorada porque ela ria das piadas de outros homens e ele desejava alguém que não risse para ninguém além dele, e que ficasse em casa enquanto ele estivesse fora.

"The World Has Turned and Left Me Here" é o completo oposto da faixa anterior. O refrão fala que “o mundo girou e me deixou aqui, onde eu estava antes de você aparecer” e que “no seu lugar, um espaço em branco preencheu o vazio atrás do meu rosto”. Além disso, destaco a abertura da bateria de Patrick Wilson: sempre me pega. "Buddy Holly" é o "hit dos hits". Referenciando o ícone do rock dos anos 50, é um hino atemporal, cultuado por jovens e adultos ao redor do globo e que ganhou o célebre videoclipe de Spike Jonze, sucesso na MTV à época. Seu riff é meme no TikTok, e é impossível achar algo que esteja errado na música. Steve Baltin, da Cash Box, disse que você deve amar uma música que faz referência a Mary Tyler Moore. Eu não poderia concordar mais.

"The Sweater Song" começa a explorar as ansiedades e inseguranças que nosso narrador apresentou em "No One Else". A canção inicia com diálogos de dois amigos em primeiro plano (interpretados por Sharp e Karl Koch, amigo de longa data do grupo e considerado “o quinto Weezer”), enquanto sons de festa são perceptíveis ao fundo. Cuomo começa a cantar versos curtos sobre o suéter que está se despedaçando com as interações que ele tem com as pessoas - uma metáfora para sua própria saúde mental frente à fobia social que sofria. "Surf Wax America" acelera a batida novamente e aborda o distanciamento que amizades e relações sofrem com o desgaste do tempo.

Talvez a música mais interessante do projeto seja "Say It Ain’t So". A canção surgiu de um momento em que Cuomo chegou em casa, encontrou uma garrafa de cerveja no congelador e entrou em pânico. O trauma da separação dos pais, causada pelo alcoolismo de Frank, seu pai, fez com que ele temesse pela relação de sua mãe com o padrasto, a quem tinha grande apreço. Em um trecho, a letra se traduz: “Como pai, padrasto, o filho esta se afogando da avalanche”. "Say It Ain’t So" surge dessa angústia, desse pedido para que a história não se repetisse.

Em "In the Garage", Cuomo fala sobre como “dentro da garagem”, ele se sente seguro, junto de seu jogo de tabuleiro RPG Dungeons and Dragons, da Kitty Pryde, do Noturno (ambos, dos X-Men) e de sua guitarra, e como “ninguém se importa com o seu jeito”. Lembrando algo que disse no começo do texto: Cuomo é um nerd, esquisitão e que não se encaixa direito na sociedade em que vive. Em "Holiday", o objetivo é fugir para um lugar distante, em uma batida harmônica, parecendo uma versão eletrificada dos Beach Boys.

Assim como "My Name Is Jonas" tem um "cheiro de abertura”, "Only In Dreams" foi fabricada para finalizar a obra. A linha de contrabaixo de Matt Sharp é afiadíssima (com o perdão do trocadilho em inglês: sharp é “afiado”) e é protagonista na melodia durante seus 7 minutos e 59 segundos de duração. A tônica do álbum é encerrada com a história de um jovem que gosta de uma menina, mas não tem a coragem de ir atrás dela; portanto, é apenas nos seus sonhos que ele fica com ela. A narrativa é, proporcionalmente, pequena perto da duração dos seus quase oito minutos, mas os arranjos nos contam até mais da história do que a própria letra. Da metade para o final, um épico musical é formado e se torna a despedida perfeita para um álbum que gira em torno da esquisitice que é ser adolescente, a busca por aceitação e a procura do amor perfeito que os hormônios mais ladinos provocam nos jovens de geração em geração.

As gravações foram finalizadas em setembro de 1993, com o lançamento previsto para maio de 1994. Kurt Cobain faleceu tragicamente em abril de 1994 e, com ele, toda a onda grunge perdeu um de seus principais expoentes. Contudo, a música “alternativa” estava espalhada por todo o mainstream, e a porta estava aberta para quem quisesse a atenção das massas, algo que, talvez, possibilitou que o "Blue Album" (lançado menos de um mês depois) se tornasse o sucesso que se tornou. Além de, claro, clipes produzidos pelo Spike Jonze são sempre bem-vindos.

Clássico clipe de "Buddy Holly", da Weezer, 
com direção de Spike Jonze


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FAIXAS:
1. "My Name Is Jonas" (Jason Cropper, Patrick Wilson, Rivers Cuomo) - 3:23
2. "No One Else" - 3:14
3. "The World Has Turned And Left Me Here" (Wilson, Cuomo) - 4:26
4. "Buddy Holly" - 2:40
5. "Undone - The Sweater Song" - 4:55
6. "Surf Wax America" (Wilson, Cuomo) - 3:04
7. "Say It Ain't So" - 4:18
8. "In The Garage" - 3:56
9. "Holiday" - 3:26
10 "Only In Dreams" - 8:03
Todas as composições de autoria de Rivers Cuomo, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:


sexta-feira, 20 de setembro de 2024

"Verissimo", de Angelo Defanti (2023)


por Leocádia Costa

“Tudo em Verissimo – a emoção, o lirismo, o drama e até a erudição de quem leu, viveu, ouviu e assistiu do bom e do melhor – é contido e temperado pela autoironia e por um humor generoso e irresistível”. 
Zuenir Ventura – "Conversa sobre o tempo"

“A vida privada do brasileiro, contudo, é o seu forte – ou as comédias da vida privada, para dizer melhor. Os rituais do namoro e do casamento, o sexo, as infidelidades, o choque de gerações, tudo isso é um prato cheio para o escritor. Quanto ao humor de Verissimo, ele é de um tipo muito especial. Por mais incisivas que sejam, suas piadas nunca destilam raiva. Ele não procura o fígado do leitor nem professa um humor amargo, desiludido com a humanidade. Verissimo afirma que, à medida que envelhece, talvez esteja caminhando para um ceticismo terminal, daqueles que não dão desconto. Mas ainda não chegou lá.”
Revista Veja, em reportagem de capa sobre Luis Fernando Verissimo

“Superlativo já no nome, Verissimo possui dois instrumentos de audição, dois de visão, um, bifurcado, de olfato, um gustativo (exemplarmente cultivado) mas, homem cheio de dedos, é bom mesmo no tato. Humorismo nunca ninguém lhe ensinou. Ele se riu por si mesmo.” 
Millôr Fernandes - "Millôr Definitivo - A Bíblia do Caos"


Assistir ao filme do multiartista Luis Fernando Verissimo é vivenciar a passagem do tempo e a chegada da maturidade de um homem perto de completar os seus 80 anos de vida. 

O filme começa de uma forma muito bonita, revelando o dia a dia, a rotina desse escritor, a sua escuta permanente de todos os sons ao redor, a sua relação íntima com a família (com a esposa Lúcia, com os filhos Pedro, Mariana e Fernanda, com os netos Lucinda e Davi), a sua predileção apaixonada pelo time do coração, Internacional. Aliás, essa é uma das paixões, além da literatura, que temos em comum, pois também me tornei igualmente torcedora, de forma irreversível, após sucessivas experiências traumáticas: vestir uma camiseta pinicante do Grêmio quando criança, uma apreensiva ida ao estádio clássico da Medianeira e passar 90 minutos na iminência de receber um saco de urina na cabeça, e por fim, namorar um gremista... disso tudo  se salva somente a entrada do almoço do restaurante Mosqueteiro, que era “mara” e onde fui com meus pais algumas vezes ainda na primeira infância. 

Voltando ao filme: o documentário mostra uma série de relações que foram se estabelecendo no decorrer do tempo entre a sua produção literária, a sua produção jornalística e a sua forma de estar no mundo. É um filme que encanta a gente! Deixa-nos ver de forma tão íntima a rotina dele e nos permite encontrar um escritor com o corpo idoso, mas com uma mente superligada em tudo que está acontecendo. Verissimo tem uma incrível curiosidade, um senso de humor permanente, né? E de uma forma muito imediata, embarcarmos naquilo que a gente poderia dizer que é o imaginário dele, sabe? 

Momento de intimidade com os netos
No filme me chamou atenção a relação dele com a neta Lucinda, a mais velha entre os netos e muito parecida com ele. Os dois se entendem no olhar, se entendem nas pausas e se entendem nessa “maluquice do bem” que é vivenciar mundos paralelos diversos, enquanto inventam personagens, estórias e situações, só para se divertir, só por ser prazeroso, só por haver essa troca entre os dois. Avô e neta, escrevendo os dias – é tocante. 

O filme me fez lembrar também da primeira vez que eu entrei na casa dos Verissimo. Porque essa casa tem uma identidade muito forte: é uma casa que estrutura parte da história de uma família, desde a existência dos pais do cronista, o renomado Érico Verissimo e a Dona Mafalda. Interessante perceber que pai e filho souberam costurar o tempo em suas existências. Foi ali que o valioso núcleo familiar vivenciou e construiu suas vidas em Porto Alegre. Ver Luis Fernando ali, nesse ambiente tão fértil, e ao mesmo tempo, tão sólido, onde tudo continua existindo é, sim, parte dessa história. 

Lembrei-me da primeira e única vez que eu entrei, lá em 1997, quando eu fui entrevistá-lo para o meu Trabalho de Conclusão de Curso da PUCRS, em Comunicação Social – Publicidade intitulado: “Comédias da Vida Privada – uma produção ficcional na televisão brasileira”. Quem conseguiu o contato foi a minha queridona Gagá (Maria da Graça Dhuá Celente), que era amiga da família, coordenava o Departamento de Publicidade da FAMECOS/PUCRS, onde eu, estudante quase me formando, era sua monitora e na mesma instituição que eu havia sido sua aluna. Ela, com toda a gentileza, colocou-me em contato com a agente literária e com a esposa do Verissimo. Eles se conheciam acredito que dos tempos da publicidade em que Verissimo foi redator no Rio de Janeiro, mesma cidade em que conheceu sua esposa, Lúcia. Uma ponte muito amorosa se ergueu naquele momento, reverberando posteriormente na minha entrada em outros mundos literários. Gagá me ingressou na Publicidade e, de certa forma, me fixou na Literatura.

Em 09 de junho de 1997, foi apresentado o TCC para uma banca potente, com a cineasta Flávia Seligman, a Gagá e o professor Bob Ramos, além da minha orientadora, Ana Carolina Escosteguy. Falar nessa produção do “Comédias da Vida Privada”, que era muito contemporânea, ainda fresca e presente na televisão e que me deixava totalmente arrebatada, foi algo ousado, mas somente hoje, depois de 27 anos, é que percebo isso. Naquela ocasião, tinha o dever de concluir, em meio a tantos compromissos, uma faculdade. Percebi, muito jovem, esse trâmite entre a Literatura e o Audiovisual, e as entrevistas que se sucederam com Jorge Furtado e Carlos Gerbase me deram essa certeza de que estava com uma percepção fina da realidade.

Como leitora do Verissimo, eu vi verter das páginas que ele tinha escrito, diálogos para televisão com atores e atrizes de uma geração supertalentosa e muito bem dirigidos. Ao entrar naquela casa fui bem recebida pela Dona Lúcia e por ele, que chegou silenciosamente e timidamente sentou-se numa cadeira thonart em frente à minha. Ficamos os dois em cadeiras por alguns minutos ali. Um pouco tímida, fui fazendo perguntas para ele e ele me respondendo, algumas de forma mais breve e outras com o maior profundidade, com a maior atenção.

 O som da rua e o som do relógio estavam presentes naquele meu encontro com Verissimo, como se um estivesse conectado ao mundo externo e o outro marcasse o tempo interno. E no filme esse quase personagem constante se mostra pelo som, o que me trouxe a mesma sensação de quando entrei na casa.

O reservado Verissimo em seus momentos de retiro

Eu estava na frente de uma pessoa que eu admirava muito e simpática a mim, mas totalmente reservada. Ele escutava muito, e isso para mim, que sou super tagarela, foi me dando um senso maior de responsabilidade do que dizer sem ser óbvia ou burra. Mas o fato é que a entrevista foi muito boa, me rendeu algumas informações direto do autor daquela produção toda, que eu rapidamente adicionei no meu trabalho. Um tempo depois enviei uma cópia do TCC para ele ter/ler e fiquei muito surpresa quando soube que ele havia adicionado ao site que ele mantinha com indicações de obras, entre outros itens e indicações de trabalhos sobre a sua produção. Então, acabei concluindo que ele leu e gostou! 

No filme aparece uma cena poética desse respeito que ele tem com as pessoas que se dirigem a ele, como leitoras ou como referência, na espera de uma leitura daquilo que escrevem. O retorno que ele proporciona para quem abre esse diálogo sincero com ele é muito bonito! Um misto de gentileza com escuta, algo cada vez mais raro na sociedade em que se vive. Enquanto eu assistia ao filme tudo isso emergiu, revelando, inclusive, algumas pessoas importantes da minha biografia, além do próprio Verissimo e da Gagá. Relembrei que havia conhecido a Lúcia Riff (agente literária dele e de boa parte dos escritores brasileiros) não num trabalho da Casa de Cultura Mario Quintana, através do Sergio Napp e, sim, nesse momento aí, do TCC, sendo que a Lúcia até hoje é uma pessoa importantíssima em minha vida. Ela foi quem sempre me apoiou e me deu aval para que eu pudesse desenvolver vários trabalhos com a obra do Mario Quintana e foi muito bonito rever a nossa história a partir deste filme. Além dela, outras personagens importantes aqui da nossa cidade aparecem e se relacionam com a momentos da vida de Verissimo e da minha: o inventivo Cláudio Levitan, o poeta Mario Pirata e a pesquisadora Maria da Glória Bordini, pessoas que fazem parte da história de Porto Alegre. 

Foi muito emocionante para mim assistir Verissimo completar 80 anos através deste filme, pela TV após ter sido impedida de ver no cinema, em maio deste ano, em função das enchentes que atingiram não somente a programação da estreia mas a sala de cinema onde aconteceria a exibição. Verissimo sempre esteve muito presente na minha casa, era lido por meus pais, muito antes de eu ser sua leitora. Nestes mais de 40 anos que eu convivo com seus pensamentos e senso de humor muito lúcidos e geniais, volto a dizer que os artistas não deveriam se afastar dos seus ofícios. Sendo eternos mesmo quando se tornam um dia invisíveis à nossa percepção, a obra, o olhar e o recorte do tempo permanecerão imortais para quem os leu profundamente. O tempo é uma realidade com a qual precisamos saber lidar. Afinal, somos nós quem passamos por ele e, Verissimo faz isso de maneira suave, constante e inspiradora. 

Obrigada, Verissimo, por tanto! E agradeço também por esse encontro às sensíveis e generosas mulheres Gagá e as “Lúcias” Verissimo e Riff.

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tralier oficial de "Verissimo"


"Verissimo"
Direção: Angelo Defanti
Gênero: Documentário
Duração: 90 min.
Ano: 2023
País: Brasil
Onde encontrar: NET/Claro - Now


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sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Código Penal - Abertura Show Ratos de Porão - Bar Opinião - Porto Alegre/RS (31/08/2024)


31 de agosto de 2024 seria um dia qualquer na vida de seis indivíduos. A não ser que, como num passado não tão distante, tenham recebido um convite que faria essa data ter outro significado.

 Não sei dizer se se trata de sonhos, objetivos ou simplesmente resultados, porque, afinal, existe uma trabalho realizado que, durante todos esses anos, possa estar sendo notado agora.

 Falo do convite feito lá em março pela Ablaze Produtora, que chamou nós da Código Penal para fazer a abertura do show dos Ratos de Porão!!

 RATOS DE PORÃO, cara!!!

 Naquele momento, tive um breve momento de tipo: “porra, está acontecendo...”, e de lá até o fatídico dia 31 foram meses de preparo, ensaios, planos. Por que, afinal, era a Ratos de Porão mano, e a Código Penal, carai!!

Lucio e o mitológico Jão, da formação
original da Ratos de Porão
com João Gordo
Nunca deixamos de acreditar no trabalho da banda, mas também nunca tivemos a pretensão de querer ser mais que ninguém. Só que chegou o dia! Frio na barriga, ansiedade, passagem de som, equipamento, equipe técnica, logística, tudo funcionando em sincronia para a noite…. 

Porém, durante a semana tivemos um probleminha: nosso baixista foi operado. E agora? Na sexta-feira que antecedia o show, dois dias antes, ele se negou a não fazer o show e, no dia, foi mesmo morrendo de dor. Numa adrenalina insana, subiu ao palco do Bar Opinião e deu o seu melhor.

 Começamos com “Terra de Ninguém’, que fez com que o público que estava chegando fosse encostando na grade, pois, afinal, quem é Código Penal?! A sequência foi de mais petardos e, junto disso, a interação com a galera e aquela sensação de ansiedade do início foi também se dissipando, transformando-se no maior espetáculo realizado por nós naqueles 40 minutos em que, acredito, 80% do público que assistiria a Ratos de Porão logo depois sem dúvida prestou atenção no que nós tínhamos pra mostrar e dizer.

 Enfim, Código Penal vive firme e forte! E que venham novos desafios, pois estamos prontos!!

Confira um pouco de como foi o show!

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Show da Código Penal no Bar Opinião na íntegra



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texto: Lucio Agace
fotos e vídeo: Jéssica Khune e arquivo pessoal

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Super Tramp Experience - Auditório Araújo Vianna - Porto Alegre/RS (22/08/24)


por Chico Izidro

Os fãs gaúchos do Supertramp nunca tiveram a oportunidade de ver a grande banda liderada por Rick Davies e Roger Hodgson ao vivo (Hodgson até se apresentou em carreira solo em Porto Alegre) ao vivo. Então quando surge a oportunidade de assistir a um grupo especializado em reproduzir o som do grupo inglês, que encantou o mundo nos anos 1970 e 1980, os aficionados correm direto para o espetáculo. E não se arrependem.

Foi o que aconteceu nesta quinta-feira, 22 de agosto, quando o público teve a oportunidade de ver, mais uma vez no Auditório Araújo Vianna, o show do Super Tramp Experience (que já havia se  apresentado no ano passado na Capital gaúcha), conjunto francês liderado pelo vocalista e tecladista Antoine Oheix. 

A banda tributo se dedica a recriar fielmente os sons e as performances ao vivo do Supertramp. E isso é o que agrada aos fãs, que sonharam em ver o grupo original, e nunca tiveram a chance. Aí os franceses se preocupam com isso, e reproduzem à perfeição os vários clássicos da banda. 

Além do criador Antoine Oheix, a Super Tramp Experience conta com Alice Vallee (guitarra, teclados, backing vocals),  Lucas Fleurance (baixo, backing vocals), David Martin (saxofone, teclado, backing vocals) e Stéphane Glory(bateria). 

A Super Tramp Experience empolgando a plateia 
com o hit “It’s Raining Again”

E em quase duas horas de apresentação, com uma grande interação de Antoine com a galera, foram desfilados hits do porte de “Crime of The Century”, “Breakfast in America”, “The Logical Song”, “Dreamer”, “Fool’s Overture”, “Bloody Well Right”, “Give a Little Bit”, "Don't Leave Me Now" e “School”, entre outros.  

E fechando o show, aquela música que certamente apresentou o Supertramp para a grande parte do público presente no Araújo Vianna: “It’s Raining Again”, talvez o maior hit, presente no disco “...Famous Last Words...”, de 1982. Com direito a muitos fãs abrindo seus guarda-chuvas dentro do auditório. Foi uma viagem à adolescência de muita gente presente no show. E fica aquela máxima: “se não tem o original, se contente com a cópia. Cópia bem feita”.


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texto: Chico Izidro
fotos: Luciana Espíndola

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Caetano Veloso & Chico Buarque - "Caetano e Chico Juntos e ao Vivo” (1972)



por Márcio Pinheiro

"Eu gosto muito de você, Caetano, porque você me desconcerta."
Chico Buarque

No final de 1972, Chico Buarque estava na Bahia, ao lado de Caetano Veloso - que completou 82 anos no último dia 6 - para a realização de um show que dava fim a qualquer boato que colocasse os dois artistas em campos opostos. Registrado pela gravadora Philips, o show se transformaria em disco que seria lançado ainda antes do Natal.

O momento histórico reunindo os dois músicos – numa triste coincidência, na mesma noite em que o poeta e jornalista Torquato Neto se suicidara no Rio de Janeiro – mostra em pouco mais de meia hora de gravação como a afinidade entre eles era imensa.

Com um repertório reunindo composições de Chico (“Bom Conselho”, “Quando o Carnaval Chegar” e “Partido Alto”) e de Caetano (“Tropicália” e “Esse Cara”), com os dois ora se alternando, ora dividindo os vocais, o disco já nascia como relato  histórico caráter antológico. A aparente separação em algumas canções era soterrada na abertura do lado B, com Caetano convidando Chico em “Eu quero dar o fora/E quero que você venha comigo”, em “Você não Entende Nada”, e Chico aceitando o convite e respondendo com “Todo dia eu só penso em poder parar/Meio-dia eu só penso em dizer não/Depois penso na vida pra levar/E me calo com a boca de feijão”, em “Cotidiano”.

Como foi bem observado pelo crítico Julio Hungria em texto no JB, a gravadora apenas se descuidou ao não dar ao evento a condição de caráter histórico, omitindo do registro diálogos, frases de bastidores, confidências que retratassem a importância do encontro. “É um disco predestinado”, definia Hungria, sem esquecer que a censura se fazia presente, como em "Bárbara", de Chico e Ruy Guerra, em que a letra fala de uma “paixão vadia, maravilhosa e transbordante como uma hemorragia” e onde os cortes da Censura podem ser adivinhados apesar da habilidade dos técnicos de gravação. Ou ainda em “Ana de Amsterdã”, dos mesmos autores, em que, num dos versos, a palavra “sacana” da versão original virou “bacana”

Trecho do livro "O Que Não Tem Censura Nem Nunca Terá", de Márcio Pinheiro

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FAIXAS:
1. "Bom Conselho" (Chico Buarque) - Intérpretes: Chico Buarque - 02:00
2. "Partido Alto" (Chico Buarque) - Intérpretes: Caetano Veloso - 05:32
3. "Tropicália" (Caetano Veloso) - Intérpretes: Caetano Veloso - 03:31
4. "Morena dos Olhos D'Água" (Chico Buarque) - Intérpretes: Caetano Veloso - 02:32
5. "A Rita" (Chico Buarque)/ "Esse Cara" (Caetano Veloso) - Intérprete: Caetano Veloso - 03:35
6. "Atrás da Porta" (Chico Buarque/Francis Hime) - Intérpretes: Chico Buarque - 02:44
7. "Você Não Entende Nada" (Caetano Veloso)/ "Cotidiano" (Chico Buarque) - Intérpretes: Chico Buarque/Caetano Veloso - 07:01
8. "Bárbara" (Chico Buarque/Ruy Guerra) - Intérpretes: Caetano Veloso/Chico Buarque - 03:50
9. "Ana de Amsterdam" (Chico Buarque/Ruy Guerra) - Intérpretes: Chico Buarque - 01:45
10. "Janelas Abertas Nº 2" (Caetano Veloso) - Intérpretes: Chico Buarque - 01:56
11. "Os Argonautas" (Caetano Veloso) - Intérpretes: Caetano Veloso - 03:23

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OUÇA O DISCO:

sábado, 22 de junho de 2024

Chico 80 Anos - As 80 músicas preferidas dos fãs

 Montar uma lista com músicas preferidas de Chico Buarque é, antes de mais nada, desafiador, mas também garantia de uma seleção do mais alto nível da música brasileira. Dada a magnitude e qualidade de sua obra – além de extensa, sempre muito significativa – não haveria como ser diferente. Para celebrar o aniversário de 80 anos deste mestre da nossa cultura completos esta semana, juntamos, então, uma lista de 80 músicas preferidas por alguns de seus inumeráveis fãs.

Disso, porém, uma coisa foi quase unânime: a reclamação dos votantes de que é difícil compor uma lista dessa natureza. Todos os que se dispuseram a realizar essa tarefa quase trocaram o prazer em compô-la por dúvidas atrozes ou, pior, a angústia por não poder escolher mais títulos além de apenas 10. Compreensível. Quando fizemos, em 2022, uma listagem semelhante a esta para o aniversário de outro mestre da música brasileira, Gilberto Gil, o sentimento foi o mesmo. Isso sem falar, após a divulgação, da transformação desse desconforto em arrependimento por não se ter lembrado de incluir esta ou aquela canção...

O fato é que amamos a obra de Chico, e nisso me incluo tanto quanto todos os nossos outros 6 fãs, que toparam comigo e Cly, a ingrata missão de listar apenas 10 músicas da vasta e qualificadíssimo cancioneiro buarqueano. Pois, realmente, 10 é muito pouco para dar a dimensão do quanto o admiramos e da importância de sua obra. Sabemos. Mas, de modo a contemplarmos pelo menos 8 destes ardorosos fãs, a matemática nos obriga a separar apenas uma mísera dezena para podermos completar 80 escolhas celebradoras de suas 80 primaveras. 

Para tanto, reunimos um time especial de “buarqueiros” de diferentes áreas. Jornalistas, escritores, publicitários, ilustradores, produtoras culturais. Há, mas são poucos os que não gostam de Chico – e quando gostam, é assim, de “Todo o Sentimento”. A ponto de fazer canção em sua homenagem, como um dos nossos convidados, o músico radicado em Londres Thomas Pappon - da Fellini, Tres Hombres, Voluntários da Pátria, Smack, The Gilgertos e outros vários projetos – coautor da bela “Chico Buarque Song”, da Fellini. Ou mais do que isso: alguém que dedica-lhe uma obra, caso do jornalista e escritor Márcio Pinheiro, esporádico colaborador do blog, que acaba de lançar o livro "O que Não tem Censura nem Nunca Terá: Chico Buarque e a Repressão Artística na Ditadura Militar".

Afora os impasses, o legal é que existe um Chico para cada um. “Paratodos”, mais certo dizer. Há músicas desde sua fase inicial, nos anos 60, dos tempos da “capa do meme”, até a mais recente produção, deste “Velho Francisco” agora oitentão. 80 músicas é pouco, sim. Melhor seriam mais “Umas e outras”, mais um “Frevo Diabo”, mais um “Tango do covil”, um “Partido alto”, uma “Opereta de casamento”. E “Que tal um samba?”, um pra Vinicius, um de Orly, um de adeus?... “Qualquer canção”, desnaturada, inédita, de Pedroca. Não? Então, como diz ele mesmo, “palmas para o artista confundir”. Que prazer é essa confusão de não saber o que mais nos toca da maravilhosa obra de Chico Buarque.


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Kaká Reis

produtora cultural
(Rio de Janeiro/RJ)

"HELP! Chegou o momento mais temido da minha vida: escolher 10 musicas do Chico! Eu sei que vou me arrepender muito de alguma coisa, mas segue..."

1. "Tatuagem" ("Chicocanta" ou "Calabar", com Ruy Guerra, 1972)
2. "Bom Conselho" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972)
3. "Pedro Pedreiro" ("Chico Buarque de Hollanda", 1966)
4. "Eu Te Amo" ("Vida" , com Tom Jobim, 1980)
5. "Biscate" ("Paratodos", 1993)
6. "As Caravanas" ("Caravanas", 2017)
7. "Bye Bye Brasil" ("Vida", com Roberto Menescau, 1980)
8. "Mil Perdões" ("Chico Buarque", 1984)
9. "Ode aos Ratos" ("Carioca", com Edu Lobo, 2006)
10. "Todo o Sentimento" ("Francisco", com Cristóvão Bastos, 1987)




Jana Lauxen

escritora e editora
(Carazinho/RS)

"Chico Buarque é patrimônio cultural brasileiro, lenda viva, meme, galã e puro suco da arte made in Brasil. Não bastasse, canta, compõe, escreve, interpreta, defende a democracia e já enfrentou, na trincheira, dois governos fascistas. Ele me representa de tantas maneiras, que um parágrafo é insuficiente para explicar. Obrigada, Chico!"

1. "Apesar de Você" ("Chico Buarque" ou "Disco da Samambaia", 1978)
2. "O Meu Guri" ("Almanaque", 1982)
3. "Geni e o Zeppelin"  (Trilha sonora da peça "Ópera do Malandro", 1977)
4. "Roda Viva" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 3", 1968)
5. "Jorge Maravilha" (aka Julinho da Adelaide, 1974)
6. "Cotidiano"  ("Construção", 1971)
7. "Cálice" ("Chico Buarque" ou "Disco da Samambaia", com Gilberto Gil, 1978, por Milton Nascimento e Chico Buarque)
8. "Construção" ("Construção", 1971)
9. "Hino da Repressão" (Trilha Sonora do filme "Ópera do Malandro", 1985)
10. "Meninos, Eu Vi" (Trilha Sonora do filme "Para Viver um Grande Amor", com Tom Jobim, 1983)




Leocádia Costa

publicitária, produtora cultural e locutora
(Porto Alegre/RS)

1. "Biscate" 
2. "Paratodos" ("Paratodos", 1993)
3. "Tua Cantiga" ("Caravanas", com Cristóvão Bastos, 2017)
4. "Imagina" ("Carioca", com Tom Jobim, 2006)
5. "Baioque" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972, por Maria Bethânia)
6. "Minha Canção" ("Os Saltimbancos", com Sérgio Bardotti e Enriquez, 1977)
7. "Beatriz" ("O Grande Circo Místico", com Edu Lobo, 1983)
8. "Roda Viva" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 3", 1968)
9. "Samba e Amor"("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", 1970)
10. "Cotidiano" ("Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo", 1972, com Caetano Veloso)




Clayton Reis

arquiteto, cartunista e blogueiro
(Rio de Janeiro/RJ)

"Que tarefa ingrata escolher só dez. Meu Deus! Vai indo 1, 2, 3 e vai se aproximando de 10 e a gente fica pensando, 'mas essa vai ficar de fora', 'e aquela...', 'e aquela outra...'. É uma obra incrível, muita coisa maravilhosa, letras incríveis, fases distintas, temas, motivações. Não tem nem o que falar. Só aplaudir um cara assim, agradecer por existir há 8 décadas e nos dar coisas como essas."

1. "Construção"  
2. "Rosa dos Ventos" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", 1970)
3. "O que Será? ((À flor da pele)"  ("Meus Caros Amigos", 1976)
4. "Vai Passar" ("Chico Buarque", com Francis Hime, 1984)
5. "Cotidiano" 
6. "Apesar de Você"
7. "Agora Falando Sério" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", 1970)
8. "Geni e o Zeppelin"  
9. "Samba do Grande Amor" ("Chico Buarque", 1984)
10. "Jorge Maravilha" 




Daniel Rodrigues

jornalista, escritor, radialista e blogueiro
(Porto Alegre/RS)

"'A gente se torna repetitivo falar que 10 músicas não são suficientes para dar conta da grandiosidade de Chico Buarque. Fazer o quê? Muito queria ter incluído aqui 'Mil Perdões', 'Samba e Amor', 'Leo', 'Pedro Pedreiro', 'Assentamento', 'Ciranda da Bailarina', 'Alumbramento', 'Rosa dos Ventos', 'Sinhá'... mas não cabem. Fico com o sintético depoimento do amigo Tom Jobim, que dizia, atribuindo sua genialidade aos deuses da religiosidade afro-brasileira, que Chico era 'um cavalo'".

1. "Construção"
2. "Vida" ("Vida", 1980)
3. "A Bela e a Fera" ("O Grande Circo Místico", com Edu Lobo, 1983, por Tim Maia)
4. "Futuros Amantes" ("Paratodos", 1993)
5. "Vai Passar"
6. "O Meu Guri" 
7. "Tua Cantiga"
8. "Beatriz"
9. "Amando sobre os Jornais" ("Mel", 1979, por Maria Bethânia)
10. "Estação Derradeira" ("Francisco", 1987)




Lívia Araújo

jornalista e ilustradora
(Porto Alegre/RS)

"Amo Chico e seu repertório pela sua amplidão de temas e estilos: tanto interpretando a realidade brasileira e seus personagens, quanto falando sobre os meandros íntimos de homens e mulheres nos mais variados contextos. A música do Chico, que dá o balanço perfeito entre melancolia e alegria, exaltação e introspecção, é a expressão perfeita de alguém que entende como o brasileiro, em suas próprias palavras na ocasião da entrega tardia do Prêmio Camões, traz nas veias "o sangue do açoitado e do açoitador. Bônus track. 'Samba de Orly'".

1. "Tanto Amar" ("Almanaque", 1982)
2. "Vai Passar"
3. "Feijoada Completa" ("Chico Buarque" ou "Disco da Samambaia", 1978)
4. "Joana Francesa" (Trilha sonora do filme "Joana Francesa", 1973)
5. "Geni e o Zeppelin"  
6. "João e Maria" ("Os Meus Amigos São Um Barato", com Sivuca, 1977, por Nara Leão)
7. "Roda Viva"
8. "Caçada" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972)
9. "Acorda, Amor" (aka Julinho da Adelaide, "Sinal Fechado", 1974)
10. "Terezinha" (Trilha sonora da peça "Ópera do Malandro", 1977, por Gal Costa)




Thomas Pappon

músico
(Londres/Inglaterra)

1. "Samba e Amor"
2. "Cotidiano"
3. "Partido Alto" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972, por MPB-4)
4. "Ana de Amsterdã" ("Chicocanta" ou "Calabar", com Ruy Guerra, 1972)
5. "Construção"  
6. "Gente Humilde" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", com Garoto e Vinícius de Moraes, 1970)
7. "Pois É" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", com Tom Jobim, 1970)
8. "Deus lhe Pague" ("Construção", 1971)
9. "Olha Maria" ("Construção", com Tom Jobim, 1971)
10. "Joana Francesa" 




Márcio Pinheiro

jornalista e escritor
(Porto Alegre/RS)

"Aí vai uma lista idiossincrática: 10 músicas de Chico Buarque em parcerias. A melhor do Chico em parceria com:"

1. Caetano Veloso: "Vai Levando" ("Chico Buarque & Maria Bethânia ao vivo", 1975)
2. Edu Lobo: "História de Lily Braun" ("O Grande Circo Místico", 1983, por Gal Costa)
3. Francis Hime: "A Noiva da Cidade" ("Meus Caros Amigos", 1974)
4. Gilberto Gil: "Cálice"
5. João Donato: "Cadê Você?"  ("Francisco", 1987)
6. Miltinho: "Angélica"  ("Almanaque", 1982)
7. Ruy Guerra: "Tatuagem"
8. Sivuca: "João e Maria"
9. Tom Jobim: "Retrato em Branco e Preto" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 3", 1968)
10. Toquinho: "Samba de Orly" ("Construção", 1971) e Vinicius de Moraes: "Valsinha" ("Construção", 1971)




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As mais votadas

"Construção", "Cotidiano" - 4 votos

"Roda Viva", "Geni e o Zeppelin", "Vai Passar" - 3 votos

"Biscate", "Beatriz", "Apesar de Você", "Cálice", "Tatuagem", "O Meu Guri", "Jorge Maravilha", "Tua Cantiga", "Samba e Amor", Joana Francesa", "João e Maria" - 2 votos

"Vai Levando", "História de Lily Braun", "A Noiva da Cidade", "Cadê Você?", "Angélica", "Retrato em Branco e Preto", "Samba de Orly", "Valsinha", "Partido Alto", "Ana de Amsterdã", "Gente Humilde", "Pois É", "Deus lhe Pague", "Olha Maria", "Tanto Amar", "Feijoada Completa", "Caçada", "Acorda, Amor", "Terezinha", "Vida", "A Bela e a Fera", "Futuros Amantes", "Amando sobre os Jornais", "Estação Derradeira", "Rosa dos Ventos", "O que Será? ((À flor da pele)", "Agora Falando Sério", "Samba do Grande Amor", "Paratodos", "Imagina", "Baioque", "Minha Canção", "Hino da Repressão", "Meninos, Eu Vi", "Bom Conselho", "Pedro Pedreiro", "Eu Te Amo", "As Caravanas", "Bye Bye Brasil", "Mil Perdões", "Ode aos Ratos" e "Todo o Sentimento" - 1 voto


Daniel Rodrigues