Curta no Facebook

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL 12 ANOS DO CLYBLOG - Elias Dya Kymuezu - "Elias" (1969)


"Mamã kudilė ngö"


"Na vida do rei da música angolana encontrei o percurso de todos nós, angolanos. Elias fala por todos os Elias, todos os mais velhos de Angola".
Marta Santos

“O lamento transmitido na canção do povo de Luanda, que enfrentava o colono, e que o Elias espalhou por Angola inteira através da sua voz, constituiu uma forma de clamar o socorro para a liberdade do seu povo do jugo colonial”.
Marta Santos

A voz que acalma, o pranto das mamãs angolanas que viram seus filhos partirem e nunca mais voltarem.“Mamã kudilė ngö é-me muene ngui monå” (“Mamã não chores mais, eu também sou teu filho!”)  Um Semba na voz do cantor Elias Dya Kymuezu, o rei da música angolana. 63 anos de carreira, sempre a cantar em kimbundo, compondo e escrevendo as suas próprias músicas. Nunca cantou ou usou uma composição de outros.

O homem que recebeu na era colonial, pela mão do Luís Montez, o título de “rei da música angolana” quando o negro não era considerado gente, era menos que uma coisa. Ficou em terceiro lugar num festival de ex-colônias, em Santarém, Portugal. Foi chamado de fadista africano, porque diziam que: "Quando ele canta, minha alma encanta!" Santarém chorou e aplaudiu, mesmo não entendendo a letra e o dialecto. Sentiu o sentimento que a música carregava.

Em 1983, foi ao Brasil a convite do seu amigo Martinho da Vila para gravar com ele e Chico Buarque no grande projeto "Canto Livre de Angola".

Elias, hoje com 82 anos: voz e o
percurso do povo angolano


Certa vez, o cantor Percy Sledge veio até cá dar um concerto, na casa 70, e Elias faria o show de abertura. Mas Percy chegou cedo e o dono do espaço encontrou-o impávido a um canto espreitando Elias a cantar. Lembrou-lhe que o seu show do começaria às 21h, ele não entendia o porquê de tão grande estrela estar aí a espreitar o Elias. Percy respondeu que estava aí para ver um grande monstro da música angolana. E não se cansava de aplaudir de pé, apesar de algumas pessoas lembrarem-lhe que estavam aí para vê-lo a ele. Percy fez um grande show e disse a alto e bom som: "Esse homem motivou-me mais, porque acabei de ver uma coisa que qualquer grande músico espera ver no mundo”.

Elias Dya Kimuezu é bangāo, cheio de classe. Faz lembrar os clássicos  americanos. Podemos facilmente perceber a humildade dele e a sua sensibilidade. A sua música, ou melhor, a essência das suas músicas, as suas canções são de lamento de quem lamenta a morte de alguém. Naquela altura, quando ainda eram colonizados, não se lamentava, só isso se lamentava, o sofrimento do povo, e até hoje o cantor não sai da sua canção, do seu ritmo. Porque a sua canção é invocação. Invoca a mãe, a dor invoca toda uma sociedade.

Elias Dya Kimuezu traz-nós a lembrança dos ancestrais, o mesmo lamento, a mesma dor.
Ele faz a transição do tradicional ao moderno.

Um breve retrato do homem, o músico, rei da música angolana que retrata, nas suas músicas factos quotidianos, da vida nos bairros suburbanos de Luanda.

Aprendi com meu pai a respeitá-lo e a apreciá-lo.

A mensagem de conforto do filho para a mãe angustiada que vê, o filho partir a fim de se juntar aos combatentes da libertação, ou deportado (“transportado”, no dizer do povo) para o trabalho forçado nas roças  de São Tomé e Príncipe.

Essa mensagem de esperança, na qual o filho acredita na canção, “Mamã kudilė ngö”, do disco "Elias". É uma canção que acalma e limpa a lágrima da mamã negra que vê o filho partir para não mais voltar. Elias lembra as mamãs negras de Angola que “não chores mais, tu também sou teu filho...”

50 anos se passaram e eu tive o prazer de escrever o livro-biografia de Elias Dya Kymuezu: "A Voz e o Percurso de um Povo".

E continuo a emocionar-me com as canções do rei da música angolana.

*************************

(NOTA DO EDITOR) Não há registro oficial quanto ao ano de lançamento do disco "Elias". Conforme a autora, também biógrafa do músico, a produção não ultrapassa o ano de 1970. Somando-se à informação de que o encontro de Elias Dya Kymuezo com o produtor angolano Valentim De Carvalho, produtor deste disco, ocorreu em 1969, creditou-se o lançamento  para este ano.



Vídeo de "Zé Salambinga" para a TV francesa, 1989



por  M A R T A    S A N T O S


*************************

FAIXAS:
01. Watiaña - Instrumental
02. Uá Ué Muxima - Ai Meu Coração
03 Monami, Uá Muxima - Meu Filho Do Coração
04. Samba
05. Ressurreição
06. Ku Iéku - Não Vás
07. Entrudo
08. Nhajinga - Waya - Instrumental
09. Zom - Zom
10. Muénho Uá Mutu - Vida Humana
11. Zé Salambinga
12. Mama Kudile Ngó - Minha Mãe Não Chores
Todas as faixas de autoria de Elias Dya Kymuezu

*************************




Marta da Silva Santos nasceu em Luanda, Angola, em julho de 1963. Com 15 anos foi para Portugal, onde decidiu viver e estudar Direito. Escritora infantil, valoriza em sua obra a oralidade e a ancestralidade do povo africano. É a primeira angolana pertencente à Academia de Letras e Artes Luso-Suíça e Membro da Associação Portuguesa de Poetas. Além da biografia "Elias Dya Kimuezo: a voz e o percurso de um povo" (2012), é autora também dos livros "Gita e Outros Contos" (2006), "Contos de Cá, Pedaços de Mim" (2013), "A Fada Clodi" (2015) e  "Tão Perto e Tão Longe: satisfação residencial e participação cívica nos bairros municipais de Lisboa" (2015).

Nenhum comentário:

Postar um comentário