PARA LEMBRAR CHARLES MINGUS: 99 ANOS
Quatro capas de diferentes versões: a original, da Columbia, com a fantástica arte de Neil Fujita, e as posteriores pelos selos Pan Am, Green Corner e Jazz Images |
"É incrível que Mingus consiga extrair da contemporaneidade a potência e a graça curativa da música. Peças como ‘Fables of Faubus’ e ‘Goodbye Pork Pie Hat’ e outras são milagres de uma espécie. Estão ali, disponíveis. Poesia e música são para aqueles que têm conexões diretas entre ouvidos, olhos, cabeça, coração, e intestinos".
Diane Dorr-Dorinek, do texto original da contracapa do disco
"Mingus Ah Um" era também o resumo de todas as heranças que compunham a complexa personalidade de seu autor, um negro americano nascido quase na fronteira do México e que tinha entre seus antepassados alemães, suecos, ingleses, nativos americanos e negros que haviam sido trazidos da África como escravos. Musicalmente, a maior influência de Mingus vinha de Duke Ellington e seu gosto pelas orquestras. Daí sua escrita musical avançada, que incorporava elementos da música religiosa e dos compositores eruditos. Tudo isso seria ainda mais liquidificado a partir do contato de Mingus com Charlie Parker. Os dois se aproximariam no começo dos anos 50 e o saxofonista seria decisivo na carreira do contrabaixista. Mingus e Parker continuariam próximos até a morte do segundo, em 1955. Foi pela gravadora fundada por Mingus (e pelo baterista Max Roach), a Debut, que seria registrado o antológico concerto de 15 de maio de 1953, em que Mingus se juntou a Dizzy Gillespie, Parker, Bud Powell e Roach para um concerto no Massey Hall em Toronto. Este foi o último registro Gillespie e Parker tocando juntos.
Mingus gostava de trabalhar com formações médias, maiores que os tradicionais quintetos e menores do que as orquestras. Quase sempre eram grupos que reuniam entre sete e dez músicos. Conhecidos como jazz workshops, os grupos tinham como característica a alta rotatividade entre seus integrantes. Mingus mesclava veteranos e jovens com a intenção de formar instrumentistas que se moldassem ao seu estilo e que acompanhassem a sua vertiginosa capacidade de produção musical – num período de dez anos, Mingus gravou 30 discos para várias gravadoras, aí incluídas a Debut, Atlantic, Candid, Columbia e Impulse.
Assim, Mingus chegaria a 1959 como uma força ascendente no jazz – o que não era pouco num ano que teve ainda Miles Davis com "Kind of Blue", Dave Brubeck com "Time Out" e John Coltrane com "Giant Steps". Em "Ah Um", Mingus mirava o futuro fazendo referência aos antepassados. "Goodbye Pork Pie Hat" era uma elegia a Lester Young, que havia morrido dois meses antes. "Open Letter to Duke" é uma explícita homenagem a Duke Ellington, e estrutura-se em três das peças compostas por Mingus anteriormente ("Nouroog", "Duke’s Choice" e "Slippers"). "Jelly Roll", outra clara referência, homenageia o pianista Jelly Roll Morton e traz uma citação de "Sonnymoon for Two", de Sonny Rollins, durante o solo de piano de Horace Parlan. E "Bird Calls", que poderia ser uma homenagem a Parker, na verdade – segundo Mingus – faz referência aos pássaros. No repertório, destaque ainda para "Self-Portrait in Three Colors", originalmente escrito para "Shadows", o primeiro filme de John Cassavetes como diretor, e a engajada "Fables of Faubus", um ataque à postura de Orval Faubus, governador segregacionista do Arkansas que em 1957 havia se colocado contra a integração racial das escolas de Little Rock, desafiando as decisões da Suprema Corte e forçando o presidente Eisenhower a enviar Guarda Nacional para cumprir a decisão.
Com Mingus, a música também era uma forma de fazer política.
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FAIXAS:
1. Better Git It In Your Soul - 7:23
2. Goodbye Pork Pie Hat - 4:46
3. Boogie Stop Shuffle - 3:41
4. Self-Portrait In Three Colors - 3:10
5. Open Letter To Duke - 4:56
6. Bird Calls - 3:12
7. Fables Of Faubus - 8:13
8. Pussy Cat Dues - 6:27
9. Jelly Roll - 4:01
Todas as composições de autoria de Charles Mingus
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OUÇA O DISCO:
por Márcio Pinheiro
Texto extraído originalmente do site AmaJazz
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