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quinta-feira, 10 de novembro de 2022

"A Cantada Infalível," seguido de "A Mulher do Centroavante", de David Coimbra, ed. L&PM Pocket (2009)

 




"(...) surgiu um pênalti.
O Eduzão se apresentou para a cobrança.
Ninguém queria que ele batesse, mas ele estava decidido.
Talvez quisesse impressionar a moça... à beira do campo.
Além disso, quem teria coragem de dizer não ao Eduzão?
Ele apanhou a bola e colocou-a na cal. (...)"
trecho do conto "A Mulher do Centroavante I"


David Coimbra, escritor e jornalista falecido recentemente, vítima de um câncer, foi um dos responsáveis por me fazer gostar de escrever contos sobre futebol. Sempre lia suas crônicas na seção de esportes do jornal Zero Hora, em Porto Alegre, e adorava aquelas histórias que misturavam futebol a situações cotidianas de toda ordem como casos amorosos, dificuldades financeiras, questões sociais, antropológicas, filosóficas, etc. Seu livro "A Cantada Infalível", de 2009, que na verdade, ainda inclui contos de outro, "A Mulher do Centroavante", traz exatamente esse universo que me seduziu e inspirou: memórias descontraídas do futebol de bairro da adolescência; garotas inspiradoras para meias habilidosos; seca de gols de atacantes motivadas por corações partidos; goleiros em defesas impossíveis por conta de uma presença  na arquibancada; atacantes velozes; zagueiros truculentos; perebas indesejáveis, bastidores dos grandes clubes, enfim... aquele mundo que frequentei, que fez parte de mim, que vivi e que David descrevia com habilidade ímpar, e um vocabulário que, além de muito rico, era preciso para cada situação que narrava.

Até discordava de opiniões e posições de David no campo político e em seus extremismos inconsequentes no tocante a futebol. Escalações estapafúrdias, esquemas táticos bizarros, providências administrativas inexequíveis, e coisas do tipo, fora o fato de ter confirmado ser ele gremista, depois de seu falecimento. Mas não posso negar que era apaixonado por sua visão romântica do futebol e pela maneira como criava essa conexão dele com as questões emocionais de um homem. Havia, é verdade, acusações de machismo sobre esses textos, por conta dessas referências às mulheres nessas crônicas futebolísticas, que as estariam tratando de forma sexista, inferiorizante ou negativa. Mas vejo a presença feminina nos contos muito mais como uma auto-exposição do que como um exibicionismo. Do homem imaturo tendo que se provar ao bater um pênalti para impressionar a garota; do cara inseguro que acha que a namorada pode gostar mais do craque do time rival porque o outro joga mais do que ele; do que fica meses sem fazer um gol porque está com a cabeça no relacionamento desmoronando; ou, até mesmo, do que tem que bolar uma fórmula tão eficaz para conquistar aquilo que considera tão caro, difícil e inalcançável: uma cantada que fosse infalível.

Embora seja o ponto de vista do homem, não acho que machismo seja uma acusação justa. Mas, enfim... Não posso condicionar o modo dos outros pensarem, nem pretendo isso e, talvez existam razões e particularidades às quais, na condição de homem, desconheça.

Fato é que, para mim, as crônicas de David Coimbra eram esperadas, todos os dias na edição tradicional, mas especialmente no domingo, no Caderno de Esportes, quando normalmente vinham os contos, causos e crônicas ficcionadas que, modestamente, muito me inspiraram e as quais, muitas fazem parte dessa antologia "A Cantada Infalível", que recomendo a todo fã de futebol, especialmente aquele que viveu a infância/adolescência de campinhos de terra, rivalidades de bairro, episódios inusitados, e que já tentou impressionar, de alguma forma, a gatinha da rua.


Cly Reis 

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