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sexta-feira, 27 de maio de 2016

cotidianas #435




O sol brilhava. Quero-queros planavam e desfilavam pelo verde gramado. Era uma bela tarde de inverno. Distante, um grupo de pessoas, visivelmente contristadas, se reuniam em torno de algo. Era um caixão. Alguém havia morrido. Um breve olhar na expressão dos que ali estavam era o suficiente para compreender quem um dia foi aquele corpo. Havia gente que há pouco entrara na meia-idade, uns jovens com seus vinte e poucos anos e algumas crianças. A matriarca da família descansava sobre os olhos dos familiares. O significado das expressões era diverso. Porém, todos guardavam a mesma semelhança: a indiferença. Por ela ser uma avó distante? Por ser uma mãe que mais feriu do que amou? Ninguém pareceu profundamente abalado por perdê-la. Exceto uma. A especial. A com deficiência mental. A doentinha. A louquinha. A que não era bonita. Aquela que os primos ridicularizavam e não tinham paciência. Ela era a única que chorava. A única que pranteava como aquelas velhas senhoras de um tempo que não existe mais. Não era falso. Ela sentia a partida da avó. Cada vida era especial, para a mulher com quase quarenta anos que tinha a mente de uma menina de dez. Cada um era digno de todo seu amor.



sexta-feira, 20 de maio de 2016

cotidianas #434



arte: Cly Reis
Ela estava com frio. Escondia-se dentro de um grosso casaco e uma longa manta vermelha. Mas não era a única coisa que sentia. O medo também a congelava. Paralisava-a. Aguardava o último horário do D43 no Campus do Vale da UFRGS, na divisa entre Porto Alegre e Viamão. Ficara bebendo junto com colegas num boteco na parte onde já é o bairro Jardim Aparecida. Eles moravam em JKs por ali, mesmo. Nenhum se dispôs a acompanhá-la. O medo a apunhalou com mais força quando ele apareceu. Um rapaz. Jovem. Pele escura. Lábios grossos. Usava um moletom com capuz, uma calça de abrigo larga com três listras e calçava tênis da principal concorrente da marca do abrigo. Havia ido visitar parentes. Precisava chegar até o Pinheiro. Ele também estava com medo. Pelos tênis caros. Pelo celular que havia comprado há pouco. Pela ideia de assustar a jovem que o observava visivelmente aterrorizada. Esperaram. Enquanto isso o silêncio tratava de ensurdecê-los.



Eduardo Dorneles

***



Eduardo Dorneles é jornalista em formação e escritor. Considera-se um cético romântico: não crê em utopias que tenham o braço humano como elemento transformador, mas acredita no poder redentor que essa coisa inexplicável que é amar pode causar. Gosta de escrever sobre a comédia trágica que é nosso dia a dia e de rir da rotina. Amante de literatura e cinema, tem como ícones Nelson Rodrigues e Stanley Kubrick.