Curta no Facebook

Mostrando postagens com marcador Marcelo Gomes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Marcelo Gomes. Mostrar todas as postagens

domingo, 23 de maio de 2010

"Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo", de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes (2009)



Não havia me empolgado muito com a estréia de "Viajo porque preciso, volto porque te amo", mesmo apreciando o cinema do pernambucano Karim Aïnouz (diretor de "O Céu de Suely) e tendo boas referências do co-diretor Marcelo Gomes (de "Cinema, Aspirinas e Urubus"). Parecia-me em principio, apenas mais um filme com a temática do sertão, com foco no popular, nos dramas sociais da região, etc. No entanto, uma observação em uma crítica de jornal, aliada a uma sinopse bem objetiva e convincente, me estimularam a ir assistir ao filme. O texto em questão referia-se ao filme como "uma pequena obra-prima" que teria seu lugar assegurado na filmografia nacional e descrevia-o como um filme quase sem palavras, visto com os olhos do narrador, sendo que este, em momento algum aparecia. Pela descrição, pareceu-me, no mínimo, valer uma conferida.
O que se vê no início de "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo" é uma sucessão de filmagens amadorísticas, imagens toscas, às vezes só fotos na tela, enquadramentos parados longos, tudo isso acompanhando a narração do protagonista, um geólogo que percorre o interior do Sertão Nordestino a fim de avaliar uma área para implantação de um canal na região. Só que por trás deste aparente mal-acabamento, de um descuido estético e técnico, se esconde, ou melhor, se MOSRTRA, uma obra rigorosamente pensada e cuidada em todos os detalhes. A película, a fotografia, a montagem, a trilha "incidental", a duração de uma cena, a extensão de uma frase; tudo tem um intuito, uma utilidade, um objetivo por vezes cada elemento deste complementando o outro, ora na mesma cena, ora ao longo do filme.
Num formato meio documentário, meio amador, meio câmera-na-mão, o narrador vai alternando relatos técnicos sobre sua pesquisa com revelações íntimas sobre uma mulher, que chama de Galega, e constantes declarações de amor e saudades. Mas aos poucos vai se revelando uma relação não muito feliz com  esta pessoa e problemas no casamento ficam evidentes. Aí pensamentos vão se confundindo, intenções vão se transformando, objetivos mudando e os relatos e ficam cada vez mais reveladores em um espírito atormentado, inquieto, para o qual a viagem teoricamente profissional, acaba-se justificando em parte como uma tentativa de fuga do problema e uma de fuga de si mesmo. O problema é que logo no início desta tentativa, nosso narrador descobre que fugir não adianta.
As imagens dialogam fantasticamente com o texto, quase sempre pessimista, desiludido e triste na voz do geólogo-narrador. Ao mesmo tempo que reforçam este seu estado de espírito de tédio, melancolia e confusão, o desmentem várias vezes quando ele nos diz uma coisa e as imagens apresentam detalhes que o desautorizam e mostram mais do que ele gostaria de contar. Isso semfalar nas músicas, quase sempre escutadas no rádio do carro do pesquisador mas que valem por muitos diálogos.
"Viajo..." não é um filme para grande público ou para mero entretenimento. Deve-se estar disposto a descobríu-lo, decifrá-lo. É uma obra a ser apreciada , descortinada, montada e remontada pelo espectador. Diria que não chega a ser uma obra-prima como afirmou o crítico que me convenceu a ir ao cinema, mas concordo com ele que pela sua linguagem e proposta quase singulares na filmografia nacional, tem lá sim seu lugar assegurado de destaque.


Confira aí o trailer do filme:



Cly Reis