Em deriva pela própria cidade num curto período de férias, Leocádia e eu nos deparamos com um espaço cultural que, por incrível que pareça, nunca havíamos visitado: a Galeria Ecarta, na Cidade Baixa. Com tempo, entramos, e qual nossa surpresa? Uma bela exposição da desenhista, pintora e gravadora austro-brasileira Maria Tomaselli. Pessoa a quem Leocádia conhece e tem apreço, Tomaselli – que, inclusive, é autora de uma das obras que embeleza uma das paredes de nossa casa com uma pequena gravura em metal – está na Ecarta com a mostra “O Meu Frágil Mundo Passageiro”.
A satisfação de conhecer o simpático local se completou com a de ver esta belíssima exposição de Tomaselli, que se encerrou no último dia 10 de julho. Dona de uma expressividade forte, vê-se na sua obra visíveis traços de seus mestres: Iberê Camargo, Xico Stockinger e Vasco Prado, porém, como todo bom artista, utilizados a favor de seu próprio estilo. Há uma morbidez fantasmagórica constante, mas não necessariamente horripilante. A profusão de cores vibrantes, por exemplo, não deixa recair às sombras do inconsciente. A presença do mórbido e do fantasmático funciona quase como um elogio à natureza humana: inerente mas passível de ser transformada no belo. Uma poesia que se insinua entre o amargo e o sublime para expressar o frágil mundo material de Tomaselli, o qual é, sim, passageiro como o nome diz.
A variedade de técnicas e de plataformas surpreende e instiga, visto que vão desde pintura, a esculturas e trabalhos em lonas desenvolvidos ao longo de uma trajetória de mais de 50 anos de atividade da artista no Brasil. De figuras enormes, quase de tamanho humano, a miniaturas cuidadosamente pintadas, passando por óleo, desenho, técnica mista, serigrafia, gesso e trapos, a arte de Tomaselli expressa a “singularidade simbólica da vida”, como define o curador Nicolas Beidacki,com potência e desacomodação. Um bálsamo para uma tarde perdida por Porto Alegre.
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Exposição começa densa: técnica mista, serigrafia, pano, óleo e spray
O inspirado livro de artista "Tô na Lona", feito em... lona
Gravura em metal da série de 1998 que nos acostumamos a ter em casa
A riqueza de detalhes e simbologias das esculturas da artista
Composição de dois pequenos quadros com objeto e madeira policromada junto ao avantajado díptico, pintura e óleo sobre tela (2003/12)
Detalhe de uma das instigantes telas de Tomaselli
Outro detalhe: dentro do altar de madeira, um pequeno e oprimido quadro de um rosto estilizado
A religião como tela, literalmente, divisor
A escultura em bronze "Jardim Papal", de 1995: forte influência de Vasco e Stockinger
Ares de Iberê na certeza da morte de "Ucrânia 3". Claro, deste ano
Os impactantes "Monstros": escultura, gesso, ferro, trapos e jornais (2014)
Detalhe de um dos monstros, que o fazem ainda mais humano
Solidão e súplica a um mundo que não lhe pertence na pintura e acrílica sobre tela "Setembro 2003"
Impressionante tríptico seja pela temática infernal, seja pela forma de técnica mista sobre papel
Suspensos, os "Cutucos", objetos em alumínio e spray (2004)
Se a humanidade oprime, as cores reativam a esperança
"Vira Anjo Caído", pintura a óleo sobre tela
Composição que explora vertentes da artista
Novamente o deslocamento e a solidão em "Tavares X" (2006)
Uso das cores como resgate da beleza perdida
O encaixotado "Casal" no óleo sobre lona de 2015
Deformação inquietante da escultura de Tomaselli
Díptico com a difícil técnica mista sobre papel
Forte referencia a Iberê na intensidade do traço e da pincelada
"Veste IX". técnica mista e pintura, das mais antigas da mostra: 1979
Pintura a óleo sobre sobre lona da série "Setembro"
A riqueza da plasticidade de Tomaselli
Das mais lindas da exposição, a "Figura Azul", de 1991, acrílica sobre tela
Qualquer pessoa que já tenha tido a felicidade de ir ao Atelier de Massas, no Centro de Porto Alegre, sabe que não se vai lá somente pelas deliciosas comidas que a casa oferece – o que já seria, importante ressaltar, motivo suficiente. Além do jazz rolando em volume adequadíssimo nos alto-falantes (nem alto demais que não se consiga conversar, nem baixo em demasia que não seja possível identificar a música e criar uma atmosfera agradável), as paredes do restaurante são verdadeiramente hipnotizantes. Isso porque Gelson Radaelli, dono do negócio, é, igualmente, um dos mais criativos e expressivos artistas visuais do Rio Grande do Sul, e as paredes do Atelier de Massas são tão abarrotadas de quadros dele quanto de garrafas de vinhos, confundindo o restaurante – propositalmente – com seu atelier de arte.
Faço o paralelo com o vinho, pois, como acontece com a bebida de Baco, a obra de Radaelli também parece melhorar com o tempo. Se não tanto, ao menos se refina – o que a muitos pode ser entendido, sim, como avanço conceitual e técnico. “Neon”, em exposição no MARGS – Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, simboliza essa hipótese: é a celebração de 30 anos de um trabalho forjado essencialmente na pintura e no desenho sintetizado em elementos pictóricos mínimos, mas que denotam a multiplicidade plástica e, consequentemente, a depuração de uma obra artística. São 22 quadros inéditos, maiormente óleo sobre tela, em que a constituição básica são pinceladas largas em preto, branco e cinza (por vezes, algum azul) sobre um fundo rosa.
Assim, as fantasmáticas e desconcertantes figuras humanas vistas em grande parte da obra de Radaelli, que chegam até a assustar com sua expressividade desacomodante, estão presentes na novíssima série produzida para a exposição. Entretanto, homogeneizadas, hibridizadas, como que assimiladas naturalmente. Os corpos humanos ou pedaços de dão lugar a borrões e espessos feixes de tinta. Se o figurativo dá lugar ao pleno abstratismo, a sensação de movimento – não raro, vertiginosa –, a persistência do traço, a sobreposição de camadas e a inquietante fúria do gesto mantêm-se intactas, reelaboradas, renovadas.
A maturidade atingida por Radaelli nesta nova série também pode ser percebida na síntese cromática obtida com a combinação mínima de cores. O fundo rosado funciona como um cenário de múltiplas possibilidades de interação com aquilo que suporta. Assim, o preto, o branco e o cinza, intercalam-se, somam-se, desafiam-se. Nunca suplantando sua base, mas experimentando gestos de todas as ordens: jorros, acasos, redemoinhos, urgências. E ainda deixando escapar sempre, mesmo que discretamente, algum azul. Um azul de existência, de resistência. De luz.
“Neon” faz-se, por estes aspectos e outros vários que possam ser depreendidos, uma mostra desafiadora em sua aparente redução. Radaelli sempre delegou, diferentemente de Iberê Camargo – de quem se notam semelhanças por vezes –, ao apreciador a responsabilidade de lidar com o incômodo, com o embaraço das contorcidas e doloridas figuras humanas que compunha. Nesta série, entretanto e para além disso, a assimilação conceitual pela via da abstração não tira de quem vê tal carga. Põe, sim, a perguntarem-se: onde fomos parar?
Vídeo: Exposição "Neon"
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serviço
Exposição “Neon"
local: Galerias Ângelo Guido, Pedro Weingartner e João
Fahrion do MARGS (Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli)
endereço: Praça da Alfândega, s./n., no centro de Porto
Alegre/RS
O Belas Artes é, sem dúvida, o museu que mais gosto no Rio. Sua arquitetura, contribuindo com o belíssimo conjunto de edificações históricas da Cinelândia; seus majestosos corredores com reproduções de esculturas clássicas; seu acervo próprio que privilegia a arte brasileira em toda sua história; todo seu charme, enfim.
Voltei ao Museu de Belas Artes dia desses, depois de um bom tempo. Queria ter voltado antes mas, sinceramente, evitei fazer o programa, enquanto durassem as obras de reformulação do Centro e de implantação do Veículo Leve Sobre Trilhos, o VLT, que causou um grande transtorno na região, limitando, até mesmo, em determinado momento, o acesso aos prédios dali.
Mais uma vez pude maravilhar-me com obras históricas e reafirmar a qualidade e representatividade da arte brasileira ao longo de sua história. Lamentavelmente, a seção de arte moderna encontrava-se fechada, o que é sempre um grande acréscimo em se tratando de uma visita como essa, mas os outros setores do Museu são motivo o suficiente para a excursão e merecem por si só a apreciação dos magníficos trabalhos lá expostos.
Fique com algumas imagens do Museu Nacional de Belas Artes.
A imponente escultura ao centro da Galeria de Moldagens do MnBA.
Réplicas em gesso de esculturas gregas e romanas do período clássico
Escultura logo na entrada, ao pé da escadaria principal
O descobrimanto do Brasil retratado em belíssima pintura
Nos corredores instalações contemporâneas
de artistas brasileiros e estrangeiros no
Festival de Esculturas
O impressionante olho espelhado de Anish Kapoor
Natureza morta de Guignard
na exposição temporária O Espaço da Arte
Cândido Portinari também é destaque nesta exposição
que destaca a arte moderna brasileira
A Grande Cidade Iluminada, de Antônio Bandeira
Os Jogos e os Enigmas, de Maria Leontina, de 1954
A obra do gaúcho Iberê Camargo também aparece na mostra
A impressionate Torre de Franz Weissmann, que "muda"
de forma conforma vamos percorrendo em torno dela.
No espaço Reinvenção do Rio de Janeiro,
pintura panorâmica da cidade no século XVIII
Barco no Lago, de Félix François George Ziem, de 1911
As expressivas pinceladas de Ventania, de Alfred Sisley
E no mesmo espaço, a belíssima arquitetura do prédio do
Museu Nacional de Belas Artes é contemplada
O globo de metal no segundo corredor de esculturas
Belíssima escultura de um bandeirante na
Galeria de Arte Brasileira do séc. XIX
A lindíssima Alegoria às Artes
O clássico quadro da primeira missa no Brasil
O imponente e impressionante retrato da Batalha dos Guararapes,
de Victor Meirelles, do séc. XIX
E o gigantesco, a maior pintura exposta no MnBA,
A Batalha do Avaí´, de Pedro Américo
O espaço interno do Belas Artes e suas obras.
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Museu Nacional de Belas Artes endereço:Avenida Rio Branco, 199 - Centro (Cinelândia) Rio de Janeiro
horário:terça a sexta, das 10h às 18h, sábados, domingos e feriados, de 13h às 18h
ingressos:R$8,00 (público em geral) e R$4,00 (meia entrada pra estudantes, menores de 21 anos e pessoas entre 60 e 65 anos); crianças até 10 anos e maiores de 65 anos, não pagam