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segunda-feira, 2 de março de 2015

20 filmes para entender o cinema brasileiro dos anos 80




Enfim, chegamos à terceira e última listagem de filmes brasileiros essenciais para se entender o nosso cinema no final do século XX, terminando com a safra dos 80. Mais do que para com os anos 60 e 70, a década de 80 foi a que mais tive dificuldade de escolher entre tantos títulos que considero fundamentais. Talvez pelo fato de, dos anos 60, embrionários e revolucionários, haver mais clareza quanto ao que hoje é tido como essencial, bem como pela até injusta comparação com os sofridos e minguados anos 70. O fato é que a produção dos 80 vem justificar, justamente, o decréscimo quali e quantitativo da sua década anterior. Tanto é verdade que, com os reflexos visíveis da Abertura Política e já se enxergando a tão sonhada democracia não apenas como uma miragem, os cineastas brasileiros – mesmo com a menos rígida mas ainda existente censura – passam a ter uma até então inédita estrutura através de verba do próprio Governo via Embrafilme.
Foi aí, então, que os cineastas daqui mostraram o quanto são, de fato, brasileiros. Se já haviam conseguido, nos 60 e 70, realizações memoráveis sem uma Atlântida ou Vera Cruz por trás, quando tiveram um tantinho mais fizeram “chover pra cima”. Desfalcados a maior parte da década da tempestuosidade de ideias de Glauber Rocha, falecido em 81, além de Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade, também vitimados cedo, outros cabeças do cinema nacional avançaram em temática, nível técnico, concepção e apelo com o público. Ironicamente, entretanto, se os 80 justificaram a baixa dos 70, também herdaram o inevitável: justo na década que talvez melhor se tenha produzido para as massas até então, recaiu-lhes a pecha de cinema malfeito e sem qualidade, motivado, principalmente, pela herança das famigeradas pornochanchadas, naturalmente desvalorizadas com o declínio do discurso do Governo Militar – estigma do qual o cinema nacional tenta se livrar até hoje.
Para além das comparações, a diversidade do cinema nacional dos 80 é grande. As abordagens vão desde cinebiografias (pouco vistas até então), felizes adaptações do teatro para as telas (finalmente!), avanço do documentário, início da descentralização da produção eixo Rio-São Paulo e, principalmente, uma maior liberdade de expressão. Sem o fantasma constante das torturas e perseguições, as histórias tocavam agora direto nas feridas da ditadura. “Nos nervos, nos fios”. Ainda deu tempo, inclusive, de tanto Glauber quanto Leon produzirem as talvez obras-primas de ambos. Diretores surgiam; uns, despontavam; outros, afirmavam-se. Nesse contexto, sobraram títulos que, por restringirmos a 20, não puderam entrar na lista, mas que merecem menção: “Barrela”, “Cidade Oculta”, “A Dama do Cine Shangai”, “Quilombo”, “Um Trem Pras Estrelas”, “Gabriela”, “Índia, a Filha do Sol”, “O Romance da Empregada”, “Inocência”, sem falar nas produções televisivas de Walter Avancini. Mas, com esses 20 não tem erro: só filmaços.



1 - “A Idade da Terra”, Glauber Rocha (80) – Poesia total. O último e criticado filme de Glauber, fábula sobre as possíveis vidas e mortes de Cristo num Brasil moderno, pode ser visto até como uma metáfora visionária da morte do cineasta, que, entristecido com o Brasil e com a recepção a seu filme, sucumbiu um ano depois de lançá-lo. Esqueça os detratores: “A Idade...” é grande, potente, cáustico, catártico, altamente filosófico. Um dia será devidamente reconhecido.





2 - “Os 7 Gatinhos”, Neville D’Almeida (80) – Neville é daqueles cineastas da “elite intelectual carioca” que só fala besteira e produz coisas intragáveis e ininteligíveis, mas esse é um acerto inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos “caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste longa referencial.




3 - “O Beijo no Asfalto”, Bruno Barreto (80) – Outra feliz adaptação de peça, outra feliz adaptação de Nelson Rodrigues. Essa, no entanto, deixando de lado a linguagem metafórica e fantástica de “Os 7 Gatinhos”, investe numa história contada com rigor e direção segura, apoiada pelas ótimas atuações de todos: Ney, Tarcisão, Daniel, Torloni, Lídia. Daqueles filmes que, se está passando na TV, não se fixe por 15 segundos, pois senão acabarás terminando de assisti-lo inevitavelmente.



4 - “Pixote, A Lei do Mais Fraco”, Hector Babenco (80) – Babenco chega à maturidade de seu cinema e faz o até hoje melhor trabalho de sua longa e regular filmografia. Com ar de documentário, toma forma de um drama realista e trágico, trazendo à tona mais uma mazela da sociedade brasileira: a desassitência político-social às crianças e a violência urbana. O pequeno Fernando, que, ao interpretar Pixote, faz bem dizer ele mesmo, nos emociona e nos entristece. Marília está num dos papeis mais espetaculares da história. Indicado ao Globo de Ouro e vencedor do New York Film Critics Circle Awards (além de Locarno e San Sebastian), é considerado dos filmes essenciais dos anos 80 no mundo.





5 - “Eles não Usam Black Tie”, Leon Hirszman (81) – Como um “Batalha de Argel” e “Alemanha Ano Zero”, é uma ficção que se mistura com a realidade, e neste caso, por vários fatores. Adaptação para o cinema da peça dos anos 50 de Gianfrancesco Guarnieri sobre uma greve e a repressão política decorrente, transpõe para a realidade da época do filme, de Abertura Política e ânsia pela democracia, retratando as greves no ABC Paulista. E ainda: tem o próprio Guarnieri como ator, que, segundo relatos, codirigiu o filme. Filme lindo, que remete a Eisenstein e Petri. Música original da peça de 58 de autoria de Adoniran Barbosa. Prêmio do Júri em Veneza.



6 -Sargento Getúlio”, Hermano Penna (81) – Pouco lembrado, mas talvez o melhor filme nacional da década. Adaptação do romance de João Ubaldo, dá ares de tragédia shakesperiana à história em plenos sertão e Ditadura Militar. Crítico, poético e altamente literário, sem deixar o aspecto fílmico de lado, haja vista a fotografia, cenografia e a arte primorosos. E o que dizer de Lima Duarte, Melhor Ator em Gramado, Havana e APCA? Ponha sua atuação entre as 20 maiores do cinema mundial sem pestanejar. Ainda levou Melhor Filme e Crítica em Gramado.






7 - “O Homem que Virou Suco”, João Batista de Andrade (81) – A forte atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e “Morte e Vida Severina”, leva o filme conta a história do poeta popular, o nordestino Deraldo, quer tenta viver em São Paulo de sua arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor Filme em Moscou e Nevers.




8 - “Bar Esperança, O Último que Fecha”, Hugo Carvana (82) – Poético e divertido, “Bar...” é o típico filme do novo Brasil que se construía com a Abertura, o que significava transformações irrefreáveis, como o avanço da modernidade e a morte da antiga boemia poética. Junto com a companhia Asdrúbal Trouxe o Trambone, lançou toda a geração de atores que viriam a desembocar na TV Pirata e afins e no cinema que se constituiu no Brasil na pós-retomada. Cenas memoráveis, atuações impecáveis, diálogos idem. Música-tema de Caetano com Gal Costa. Vários prêmios em Gramado. Uma joia.





9 - “Pra Frente, Brasil”, Roberto Faria (82) – Tijolaço na cara da ditadura, que, embora mais branda, ainda se mantinha no governo Figueiredo. Corajoso e sem dó, evidencia a desumanidade do regime militar ao contar a história de um homem confundido com um “subversivo” e que é dura e aleatoriamente torturado, fazendo um paralelo com o clima festivo da Copa de 70. Primeiramente proibido pela censura, depois de liberado arrebatou Gramado (Filme e Edição) e levou prêmio em Berlim, entre outras premiações e indicações.





10 - “Nunca Fomos Tão Felizes”, Murilo Salles (84) – O letreiro inicial diz tudo, quando o título do filme se constrói de forma a se entender “Tão Felizes Nunca Fomos”. Estocada forte na Ditadura, rodado no último ano do Governo Militar, conta a história de um filho de um misterioso militante político que é retirado de um colégio interno para viver temporariamente num moderno e entediante apartamento. Alto nível técnico. Arrebatou Brasília e prêmio da Crítica em Gramado.






11 - “Verdes Anos”, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil (84) – O cinema gaúcho, encabeçado pela galera da Casa de Cinema, começava nos 80 a mostrar suas qualidades: roteiros tratados literariamente, ares de cult movie europeu, técnicos competentes e sotaque diferente do “carioquês” ou “paulistês” que todos eram acostumados a ouvir no cinema nacional. Um sopro de criatividade que revolucionaria o audiovisual brasileiro a partir dos anos 90. Tema musical clássico de Nei Lisboa.






12 - ”Cabra Marcado para Morrer”, Eduardo Coutinho (84) – Mestre do documentário mundial, Coutinho não se entregava mesmo quando parecia impossível. “Cabra...”, um dos maiores filmes do gênero, é um documentário do documentário. Interrompido em 1964 pelo governo militar, narra a vida do líder camponês João Pedro Teixeira e teve suas filmagens retomadas 17 anos depois, introduzindo na narrativa os porquês da lacuna. Premiado na Alemanha, França, Cuba, Portugal e Brasil, onde conquistou Gramado e FestRio.




13 - “Memórias do Cárcere”, Nelson Pereira dos Santos (84) – Prova de que Nelson Pereira não tinha “perdido a mão” depois de erros e acertos nos anos 70, se debruça novamente sobre Graciliano Ramos, mas desta vez não como fizera com seu grande romance, “Vidas Secas”, mas sobre o próprio escritor quando de sua prisão pelo Governo Vargas. Um épico que ganhou prêmio da crítica em Cannes.





14 - “A Hora da Estrela”, Suzana Amaral (85) – Exemplo de como se fazer um filme pequeno, com baixo orçamento, mas de muito, muito esmero de roteiro (baseado no forte texto de Clarice Lispector) e cenografia. Cartaxo interpreta a inocente Macabéa, noutra atuação espetacular dos anos 80 no cinema mundial, que a fez ganhar Urso de Prata em Berlim, onde a diretora também ganhou prêmio da crítica. O filme ainda levou tudo no Festival de Brasília.






15 - “O Beijo da Mulher Aranha”, Hector Babenco (85) – Uma história improvável em uma produção brasileiro-americana ainda mais improvável de dar certo. Mas Babenco, talentoso e sensível, amarra tudo com maestria. De roteiro primoroso, é mais uma pungente crítica ao Governo Militar e que tem nas atuações dos estrangeiros John Hurt e Raul Julia e na dos brasileiros, Lewgoy, Sônia Braga e Milton Gonçalves sua base. Cannes e Oscar de Ator para Hurt, mas concorreu também a Filme, Direção e Roteiro na Academia e a Palma de Ouro.





16 - “O Homem da Capa Preta”, Sérgio Rezende (86) – Na sua longa filmografia, Rezende se especializou em rodar temas ligados à história do Brasil. Porém o seu maior acerto é justamente o primeiro com esta temática. Sobre o controverso político de Duque de Caxias, Tenório Cavalcanti (Wilker, incrível), é um exemplo a se seguir de cinebiografias, as quais hoje tanto se fazem mas que resvalam na superficialidade. Grande vencedor de Gramado.






17 - “O Grande Mentecapto”, Oswaldo Caldeira (86) – Das melhores comédias do cinema nacional, filme mineiro que, na linha de “Verdes Anos”, direcionou a produção a outros Estados que não Rio e SP, e que sedimentou a geração TV Pirata (Diogo Vilella, LF Guimarães, Regina Casé) numa história de Fernando Sabino ao mesmo tempo deliciosa, cômica, poética e aventuresca. Um dos finais de filme mais bonitos do cinema brasileiro. Trilha do Wagner Tiso marcante. Melhor Filme pelo júri em Gramado e concorreu em Cuba, Canadá e EUA.




18 - “Ópera do Malandro”, Ruy Guerra (86) – Ruy é o cara que sempre produziu com alto padrão de qualidade desde que surgiu, nos anos 60. Em “Ópera...”, coprodução da Embrafilme com a França, ele eleva ainda mais o nível. Numa adaptação da peça de Chico Buarque (por sua vez, baseada em Brecht e Gay), ele se vale do apoio do amigo e parceiro não só para os maravilhosos temas musicais como até para os diálogos. Tiro certeiro. Musical que não te cansa, pois integra tanto a cenografia às canções que todos os atores se saem bem cantando.






19 - “Ele, O Boto”, Walter Lima Jr, (87) – Lenda popular e realidade se misturam nessa fábula contada com muita poesia sobre a beleza do imaginário e da sexualidade feminino, tema que Lima Jr. recuperaria 10 anos depois em “A Ostra e o Vento”. Dos primeiros filmes brasileiros que me arrebataram. Nunca me esqueci da lindeza da fotografia das cenas noturnas, com a claridade (muito bem fotografada) da lua na praia. Outra ótima trilha de Tiso.






20 - “Faca de Dois Gumes”, Murilo Salles (89) – Terminando a década, Murilo acerta a mão em cheio de novo, desta vez adaptando Best-seller de Sabino. O resultado é um drama policial potente e não menos crítico no que se refere ao sistema. Atuações memoráveis de José Lewgoy, Pedro Vasconcelos e Paulo José, principalmente. Direção, Fotografia e prêmios técnicos em Gramado, além de Filme em Natal e Rio.




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Embora goste menos desses títulos ou até não goste de alguns, acho justo, por uma questão jornalística e histórica, ao menos citá-los, pois cada um tem seu grau de importância dentro do período dos anos 60, 70 e 80 que abordamos:
60: “Macunaíma” (Joaquim Pedro, 69); “Cara a Cara” (Bressane, 67); “A Falecida” (Leon, 65); “Porto das Caixas” (Saraceni, 62); “Bahia de Todos os Santos” (Triguerinho, 60); “A Grande Feira” (Pires, 61); “A Grande Cidade” (Cacá, 66)
70: “A Lira do Delírio” (Walter Lima. 78); “O Amuleto de Ogum” (Nelson Pereira, 74); “A Dama da Lotação” (Neville, 78); “Toda Nudez Será Castigada” (Jabor, 73); “Doramundo” (Tizuka, 78); “A Rainha Diaba” (Fontoura, 74)


80: “Eu te Amo” (Jabor, 80); “Eu Sei que Vou te Amar” (Jabor, 86); “Festa” (Giorgetti, 89); “A Marvada Carne” (Klotzel, 85); “Amor Estranho Amor” (Khouri, 82); “Das Tripas Coração” (Ana Carolina, 82); “Superoutro” (Navarro, 89); “Bonitinha, mas Ordinária” (Chediak, 81)




segunda-feira, 15 de abril de 2013

The Smiths Party - Bar Saloon - Rio de Janeiro (13/04/2013)



Tive o prazer de ir, no último sábado, na The Smiths Party, no Bar Saloon, em Botafogo. O lugar, muito acanhado, muito estreito não era o mais adequado, na minha opinião, para um evento tão interessante, com boa divulgação e que teve muito boa procura. Todas as (poucas) mesas estavam ocupadas desde muito cedo, o balcão não tardou a estreitar a circulação no corredor e tenho impressão que, não fosse a chuva que chegou a ser forte em determinados momentos naquele dia todo até quase na hora do show, a procura teria sido até maior e teria gente pendurada no lustre.
Mas enquanto espetáculo, as dimensões do lugar não foram empecilho para que quem estava lá dentro tivesse curtido muito. Primeiro, a apresentação da parte dos Smiths Cover que não tocou The Smiths  apresentando sucessos dos anos 80, bandas que influenciaram e foram influenciadas por Smiths, com grande competência, de um modo geral. Depois, o time completo, com meu amigo, Roberto Freitas à frente, com sua habitual performance  impecável contando com a retaguarda segura e precisa de seus novos parceiros, nesta que foi a primeira apresentação do The Smiths Cover Brasil com nova formação.
Muito bom show, mais uma vez. Já é redundância elogiar. Destaques para mim, para “Suedehead”, “Still Ill”, “Girl Afraid” e “Bigmouth Strikes Again”.
Tive ainda a honra de ter um texto meu, solicitado pelo Roberto, lido na abertura do show. A galera ansiosa pelo início, não deu muita bola, não ouviu muito ou nem percebeu que aquilo era algo relacionado com o show, mas de qualquer forma sinto-me feliz em ter feito parte daquele momento e dessa retomada do The Smiths Cover Brasil. Obrigado, Roberto, pelo show, sempre empolgante, e por me permitir participar disso tudo.

Abaixo o referido texto, lido antes do início da segunda parte do show:

The Smiths Cover Brasil mandando ver no Bar Saloon.
Naquele setembro de 1987, a cidade de Manchester ficava um pouco mais cinza, o universo particular de muitas pessoas ficava mais vazio, e muitas dessas pessoas pelo mundo afora ficavam um pouco mais sozinhas. Era como se tivessem perdido um amigo, um amor, alguém da família. Algumas delas não foram fortes o bastante e tiraram até mesmo de suas próprias vidas como se a partir daquele fato nada mais importasse. Uma banda com um nome despretensioso, como se fossem Zés-Ninguém, de melodias aparentemente simples e letras singelas acabava de anunciar sua separação. Era o fim do The Smiths.
Mas que diferença uma banda faz? Como um grupo de rock apenas é capaz de causar tamanha comoção? De fazer nos sentirmos... assim? Quem já foi preterido por alguém, já hesitou em revelar seus sentimentos a outra pessoa, já voltou sozinho de uma festa, entendia perfeitamente do que aquele carinha topetudo com jeito tímido e ao mesmo tempo impetuoso, falava e se identificava com aquilo tudo. Steven Morrissey exprimia exatamente o que a gente sentia ou já havia sentido em algum momento da vida, colocando aquelas questões com rara sensibilidade e poesia.
Mas talvez letras intimistas e inteligentes não bastassem se não contassem com um emolduramento digno daquelas palavras. Johnny Marr, guitarrista e parceiro de composições, conseguia extrair de seu instrumento melodias mágicas, supostamente modestas, porém compostas com enorme técnica e inspiração, sem apelar para exibicionismos de solos quilométricos ou distorções rascantes. E Andy Rouke e Mike Joyce, costumeiramente menos lembrados, mas não menos importantes, eram a sustentação precisa e segura para aquela dupla genial de compositores.
Mas eles haviam decidido acabar...
Contudo, felizmente, não muito tempo depois do alardeado fim, quase que como um alento, nosso querido Morrissey anunciava que seguiria nos presenteando com sua voz suave e corrosiva e sua pena doce e ácida. Embora em sua exitosa carreira solo tenha já nos brindando com músicas incríveis que nos pegam pelo coração sendo algumas canções realmente excepcionais e grandiosas, nós fãs sabemos que até hoje, ainda que tenha produzido bons trabalhos, a bem da verdade, nunca encontrou verdadeiramente um parceiro à altura do brilhantismo de Johnny Marr.
Talvez por isso, no fundo do peito da cada fã, sobreviva a esperança (quase sem esperança) de que um dia se reconciliem e voltem a fazer aquelas canções que nos fizeram chorar e que salvaram nossas vidas.
Enquanto isso, não com menos prazer, nos conformamos em ter APENAS Morrissey. Como se fosse pouco.



Cly Reis

sexta-feira, 17 de abril de 2009

"Tony Manero", de Pablo Larrain (2008)





O elogiado e bem recomendado filme chileno Tony Manero merece em parte as deferências da qual é objeto. Bom filme, sim, mas não é tudo isso.
O filme centra sua ação no personagem Raúl Peralta que é obcecado pelo filme "Os embalos de sábado à noite" e sobretudo no personagem vivido por John Travolta, que inspira o nome do filme e também as ações, trejeitos e coreografias do protagonista. Às voltas com sua fixação em realizar, em um bar de última categoria, a coreografia do filme, juntamente com seu "corpo de dança" (igualmente miserável), Raúl vai se mostrando uma pessoa vazia, seca e eventualmente violenta, revelando-se uma espécie de serial-killer inconsequente, matando por qualquer motivo que lhe contrarie ou que vá contra seus interesses, que, a rigor, baseiam-se quase que exclusivamente na encenação da dança do filme. Tudo isso em meio à ditadura Pinochet e todo aquele clima de medo e terror que pairava no ar em todas as ditaduras sulamericanas.
No fundo, no fundo a realidade de Raúl é mais ou menos a do seu país naquele momento: um vazio, uma falta de esperança, um horizonte de fascínio e de beleza muito distante para ser alcançado e que naquelas condições não poderia de forma alguma tornar-se realidade. Na trama, elementos representados por Travolta, pelas luzes, pelas roupas, pelo american way of life, que de uma forma ou de outra acabam também não se afastando muito simbolicamente das aspirações das ditaduras daquela época.
Nisso também pode-se comparar a violência do dançarino com a do Chile de Pinochet, como uma espécie de indiferença ao restante, uma falta de respeito, uma busca de "superioridade" pela força, disposto a passar por cima do que estiver no caminho para se firmar, se estabelecer.
No caso do aspirante a Travolta, esta questão fica evidenciada com a idéia de montar um palco imitando o chão luminoso do filme para seu grupo de dança e principalemente com sua intenção em disputar um concurso de Tonys Maneros em um programa de TV que é o ponto no qual culmina o filme, lembrando um pouco, neste momento, o "Ginger e Fred" de Fellini, com os bastidores do programa, os candidatos, a expectativa a apresentação e tudo mais.
Não é um filme fácil mas se for assistir, vá sem preconceitos nem conceitos, porque certamente o diretor não o fez pensando em obedecer padrões, sobretudo de caracterizações.


Cly Reis