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Tendo como ponto de partida uma série de incidentes, que se revelam depois propositais, Michael Heneke vai aos poucos saindo do geral para o particular e nos levando a conhecer as famílias de um pequeno vilarejo no interior da Alemanha, suas particularidades e personalidades, mostrando faces brutas, cruéis, invejosas, mesquinhas e preconceituosas, tudo isso inserido em um sistema patriarcal controlado por um barão que se faz impor mais pelo medo que pelo respeito, sempre às voltas também com a religião, que é ponto comum nas famílias naquela pequena sociedade.
Os referidos incidentes, pela reincidência e pelo aumento das gravidades, passam a causar medo nos cidadãos do lugar e aos poucos também a se mostrar como castigos a faltas cometidas. Coisas que acontecem dentro dos lares, desvios de caráter individuais ou injustiças, passam a ser julgados por algum vigilante (ou vigilantes) e atrocidades ou vandalismos são cometidos contra famílias como forma de punição.
Acaba-se criando um mistério, mas aí é que está a questão: ainda que fiquemos com a impressão que um grupo de crianças seja responsável por aquilo, por seu comportamento estranho e formação de grupos; mesmo que sejam eles; este não é o ponto principal, e sim o porquê destas crianças ou fosse lá quem fosse estar movido por aquele ímpeto justiceiro. É o contexto autoritário, é o rigor religioso, são os castigos domésticos, os abusos infantis, tudo contribuindo para a formação de um INDIVÍDUO repressor.
Devo admitir que tinha-me passado despercebido, e somente depois lendo uma crítica do filme, que me alertei para o fato de que o narrador (um professor morador da vila), anos depois nas suas reminiscências, ao relatar os fatos, os classifica como fundamentais para se entender os acontecimentos que se sucederiam nas décadas seguintes na Alemanha. Na concepção do diretor, o narrador por certo se refere à formação da sociedade que resultou no nazismo. Que aquele tipo de contexto social, autoritário, patriarcal, segregaconista, às portas da 1° grande guerra, acabaria por formar os indivíduos que moldaram a política fascista que culminou na 2° Guerra Mundial. A própria representação da fita branca no braço das crianças, para lembrar da sua pureza, tem como intenção esta alusão aos judeus dos guetos com suas braçadeiras com a estrela de Davi, usadas como forma de diferenciação.
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Temática ousada, técnica apurada, qualidade, suspense e beleza plástica. Ingradientes que fazem de "A Fita Branca" um programa sem risco de arrependimento.
Segue abaixo um trecho de uma entrevista do diretor, que dá uma idéia das pretensões dele com “A Fita Branca”:
“Não ficaria feliz se esse filme fosse visto como um filme sobre um problema alemão, sobre o nazismo. Este é um exemplo, mas significa mais que isso. É um filme sobre as raízes do mal. É sobre um grupo de crianças, que são doutrinadas com alguns ideais e se tornam juízes dos outros – justamente daqueles que empurraram aquela ideologia goela abaixo deles. Se você constrói uma idéia de uma forma absoluta, ela vira uma ideologia. E isso ajuda àqueles que não têm possibilidade alguma de se defender de seguir essa ideologia como uma forma de escapar da própria miséria. E este não é um problema só do fascismo da direita. Também vale para o fascismo da esquerda e para o fascismo religioso. Você poderia fazer o mesmo filme – de uma forma totalmente diferente, é claro – sobre os islâmicos de hoje. Sempre há alguém em uma situação de grande aflição que vê a oportunidade, através da ideologia, para se vingar, se livrar do sofrimento e consertar a vida. Em nome de uma idéia bonita você pode virar um assassino.”
Cly Reis
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