Curta no Facebook

quarta-feira, 7 de julho de 2010

cotidianas #34

- Foi impedimento! - afirmou para tentar dar a entender que entendia alguma coisa de futebol.
- Lateral, Docinho. Foi só lateral. - corrigiu ela com aqule ar meio de "Senhor, dá-me paciência".
Não é que não gostasse de futebol, mas nunca simpatizou muito com aquilo. Sempre foi mais de um Mérimée a um Zidane, de um Borges a um Maradona, de um Machado a um Pelé. Era um amante da cultura, do cinema, dos livros; era um vivedor mental.
Desde o colégio era assim. Não concordava que só porque era menino tivesse que jogar bola, conhecer jogadores e tudo mais. Preferia devorar uma "Moby Dick" do Melville no recreio a correr atrás de um caroço de couro, habitualmente carcomido e estropiado. Até achavam que era meio efeminado por não compactuar com aquele gosto coletivo natural masculino, mas não tinha nada a ver com isso. Tanto gostava de mulher que estava ele agora ali com aquela mulata. Que preta linda! Que mulher maravilhosa. Só tinha um defeito, se é que se poderia chamar assim: adorava futebol. Era flamenguista fanática e até sabia de cor a escalação do time de 81, coisa que muito marmanjo dos mais fervorosos torcedores, por incrível que pareça , não sabe.
Encontro tão inusitado entre uma típica brasileira representante do povão e um nerd intelectualóide da Tijuca só poderia dar-se mesmo num meio termo entre o cultural e o popular: ou seja, numa exposição-palestra sobre cultura negra que teria na programação uma roda de samba no final da noite, como demonstração da riqueza e influência fundamental da música negra na cultura brasileira. Interessou aos dois. E ambos se interessaram um pelo outro.
E agora, dois meses depois, estavam ali em  frente à TV, ele tentando ser flexível e assistir a um jogo de futebol e ela simplesmente tentando assistir ao jogo de futebol.
- Só no chuveirinho não dá! - instruiu ela - Fica fácil pra defesa! - e bateu com os braços numa demosntrçaõ de desânimo momentâneo.
E ele só observou e assentiu levemente com a cabeça como que concordando.
- Banheira!- gritou ela - Tava na banheira, pô!
- Mas, Preta, não tava no chuveirinho? Não é banheira, você tinha falado chuveirinho. - argumentou ele supondo estar dando alguma contribuição com a correção.
- Não, não tem nada a ver. São coisas diferentes.
E continuou o jogo. Continuou a torcida dela e o constrangimento dele. Até que ela num sobressalto:
- Divide essa bola! - pro jogador na TV.
E ele em tom de dúvida:
- Mas pode dar um pedaço da bola pra cada time? Ah, é melhor porque daí sai mais gols, né?
- Não é isso. Dividida é quando dois vão disputar a bola, chegar junto. - explicou sem tirar os olhos da jogada e seguiu bradando na frente do aparelho:
- Cuida a segunda bola, a segunda bola.
- Ah, mas você falou que não tinham dividido! Como é que agora tem duas bolas?
Até que perdeu a paciência e virou pra ele com o dedo em riste:
- Se tu não me deixar assistir o jogo, eu é que vou arrancar as tuas duas, entendeu?
Ficou quieto pelo resto do jogo.
Por incrível que pareça se dão bem. Continuam juntos. Ele é que procura evitar interagir muito na hora que ela está assistindo ao futebol.

**************************

Nenhum comentário:

Postar um comentário