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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

"Anora", de Sean Baker (2024)

INDICADO A
MELHOR FILME
MELHOR ATRIZ
MELHOR DIREÇÃO
MELHOR ATOR COADJUVANTE
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
MELHOR EDIÇÃO

A campanha do Oscar está sendo a mais louca e acirrada dos últimos anos, o que tem favorecido alguns filmes e desfavorecido outros. Na categoria de Melhor Filme, muito se falou até então do favoritismo de “O Brutalista” e “Emilia Perez”, os dois de maiores nomeações da edição de 2025 da premiação (10 e 13 respectivamente). Porém, com a corrida maluca que se tornou o pré-Oscar deste ano (o que, inclusive, vem pondo o brasileiro “Ainda Estou Aqui” em boa posição nas categorias de Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz), tanto um quanto outro andaram, por motivos vários, perdendo musculatura nas últimas semanas desde que os indicados foram anunciados. Nisso, acabaram dando espaço para que um terceiro filme viesse na contramão e despontasse como um novo candidato: “Anora”.

O “O Brutalista”, filmão típico hollywoodiano, drama histórico, longo, filmado em Panavision, perdeu credibilidade desde a descoberta do uso de inteligência artificial em algumas cenas. Já “Emilia Perez”, queridinho do público e crítica, passou a sofrer uma campanha de difamação pela ausência de atores mexicanos em um filme que se passa no México e pela suposta superficialidade na abordagem da questão LGBTAPQN+. Esses dois aspectos se refletem direto noutra crítica: o desrespeito ao “lugar de fala”, uma vez que o diretor francês é um homem abordando uma questão trans e de um país que não é o seu.

Nessa briga entre favoritos, o cult “Anora”, belo drama com toques de comédia dirigido pelo jovem cineasta norte-americano Sean Baker, aparece como um novo possível vencedor. Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2024, o filme conta a história da jovem Anora (Mikey Madison), uma trabalhadora do sexo da região do Brooklyn, nos Estados Unidos, que descobre, numa noite de trabalho aparentemente normal, que pode ter surgido a oportunidade de mudar seu destino quando conhece e se casa impulsivamente com o filho de um oligarca russo, Ivan (Mark Eidelshtein). Em pouco tempo a notícia chega à Rússia e o conto de fadas termina quando os pais de Ivan entram em cena, desaprovando totalmente o casamento. 

O ótimo Yura Borisov no papel de Ygor com a inocente Ani
Afora a ágil edição e as seguras atuações, em especial de Yura Borisov (concorrente ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por seu papel como capanga Ygor), “Anora” se sobressai mesmo pelo roteiro, fio condutor para uma história inventiva e crítica ao mesmo tempo. Os desdobramentos da situação inicial, o romance entre o mimado ricaço russo e a protagonista, leva o espectador a caminhos surpreendentes, pois é escrito de modo a desfazer expectativas daquilo que geralmente quem assiste espera que ocorra. Afinal, todos são condicionados, por influência justamente do cinema feito nos Estados Unidos, que as coisas descambem para a violência explícita. Mas não. Baker, também roteirista (e que concorre na categoria de Melhor Original), quebra as expectativas mais óbvias, amplificando outra violência: a psicológica. A protagonista, dotada da ingenuidade daqueles que jamais conviveram com quem detém o poder, é sujeita a uma série de brutalidades inerentes à sua condição de mera ”prostituta”, tal como imputam a ela, com exceção do consciente Ygor. Por trás da terrível cosmologia dos personagens, está uma crítica ao que a antiga União Soviética legou de ruim desde sua dissolução: uma sociedade ora pobre e impelida à migração, ora rica por vias impróprias. O solo norte-americano, a ilusão da América, é o lugar perfeito para a existência destas duas “classes” de migrantes, bem como para o desvelamento de seus conflitos.

Mesmo com sua pegada de humor às vezes um pouco a mais do que precisava, “Anora” é profundo e bastante revelador da natureza humana em suas relações de poder, a qual envolve aquilo que move o mundo capitalista: sexo e dinheiro. Não há lugar para meninas sonhadoras e despreparadas como Anora, e isso fica muito claro na forma como é construída a personagem de Mikey, uma pessoa à mercê do sistema opressor em suas diversas esferas, seja econômico-social, seja pela misoginia ou pelo machismo imperantes. Perto de “Emilia Perez”, inconsistente na construção de seus personagens (entre outras fraquezas que apresenta), “Anora” é uma aula de como abordar sentimentos humanos em uma narrativa de um filme para grande público. 

Enquanto outros enfraquecem em sua caminhada para o Oscar, “Anora”, recentemente vencedor dos prêmios de filme no Writers Guild Awards e Producers Guild of America, se robustece. “Emilia Perez” ganhou o Bafta a poucos dias, mas na categoria de Filme em idioma não-inglês, desbancando “Ainda Estou Aqui”, inclusive. Porém, esse reconhecimento tem muito mais a ver com a disputa entre estes dois no Oscar pelo Filme Internacional. Em Filme, “Anora” pode, sim, surpreender. E convenhamos: nunca duvidem de um Palma de Ouro. O exemplo de “Parasita” está aí para provar que isso é possível.

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trailer de "Anora"


"Anora"
Título Original: "Anora"
Direção: Sean Baker 
Gênero: Drama/Comédia
Duração: 2h18min
Ano: 2024
País: EUA
Onde encontrar: Amazon Prime Vídeo

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Daniel Rodrigues

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