Uma cagada! Ah, só um homem sabe o quanto é importante uma boa cagada, pensava ele. Pra uma mulher era só uma necessidade, de preferência dispensável; era entrar ali fazer e sair. Pra um homem não: aquilo era praticamente um evento. Era um momento de concentração, de serenidade, de introspecção até, de tranquilidade. Era o seu momento, pensava enquanto lia uma bula qualquer sentado no vaso.
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Contudo, ele sentia-se cada vez mais à vontade lá. Quieto, tranquilo, arriscaria dizer, até mesmo feliz, por quê não? Chegava em frente à estante de livros, percorria com os olhos, escolhia um que não tivesse lido, dirigia-se ao banheiro, entrava, fechava a porta, baixava as calças, sentava-se na privada, deixava-se ir na leitura enquanto dava aquele barro. Na maioria das vezes acabava de fazer o troço há muito, mas permanecia lá até acabar a leitura. Nem percebia o tempo passar.
Certo dia a esposa o vira passar por ela com "Os Irmãos Karamazov" debaixo do braço. Dirigiu-se ao banheiro, entrou e antes de fechar a porta ainda gritou, "amor, tô no banheiro, se me ligarem diz que eu retorno depois", e ela percebeu que não poderia contar com ele pra nada naquela manhã. Aliás não conseguia contar com ele para quase mais nada! Estava sempre socado naquele lugar maldito. Não entendia aquilo.
Mas não engane-se quem pensa que não podia contar com o marido nem para abastecer a casa. Quanto a ganhar a vida, sempre trabalhara em casa mesmo como consultor financeiro e tinha seu escritório em casa, mesmo antes de adquirir aquele hábito. O que mudou com a nova mania foi que começou a levar o laptop para o WC também e, nos últimos tempos, já emendava leituras ao trabalho.
Como que já estivesse consagrado o costume, mandou fazer uma espécie de escrivaninha com rodinhas para apoiar o computador portátil. Hoje praticamente só sai daquele banheiro pra jantar (quando sai). As vezes aproveita a própria escrivaninha móvel e come nela mesmo.
Paralelamente ao trabalho, vem desenvolvendo o projeto de um livro sobre o dinheiro através dos tempos na literatura. Não para de escrever. Só às vezes, nos intervalos, para ler um daqueles muitos livros que estão ali no chão. Uma pilha de clássicos ao lado do vaso sanitário.
Cly Reis
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