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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

cotidianas #123 - Milagre



Embora acredite em Deus, não sei até que ponto aceite a possibilidade de intervenções divinas diretas sobre os assuntos terrenos. A coisa toda de Jesus transformar água em vinho, de Moisés abrir o mar, de Nossa Senhora parecer para a fulana, então... não me passa mesmo. Mas talvez acredite que em alguns momentos Deus olhe para baixo (isso partindo do preceito vigente de que Ele esteja em algum lugar lá em cima) e resolva, "Eu não poso deixar isso assim", e daí são aqueles momentos em que uma criança é retirada de escombros depois  de 5 dias soterrada, que um paciente dado como morto volta à vida, etc.  E existem outros fatos cotidianos, menores num contexto global que a gente na maior parte das nem toma conhecimento mas que são de alguma forma tão significativas e especiais para quem viveu que poder-se-ia chamar até de pequenos milagres.
Tomo como exemplo um caso que minha mãe conta, da época de sua infância na qual sua família enfrentava grandes privações exatamente na época de Festas de Fim-de-Ano. Meu avô, que não conheci, estava desempregado, passava por sérias dificuldades financeiras e minha avó, dona de casa, se equilibrava como podia para administrar toda uma penca de filhos. Mas naquele Natal a coisa estava pior. Não apareceu dinheiro de lugar algum, as coisas tinham acabado em casa, já não tinham crédito nem cara-de-pau para pedir fiado no comércio vizinho, viam as outras famílias organizando ceias, comprando coisas saborosas e lá, para eles, a perspectiva era que não houvesse nada para aquela noite. Não que o fato de comer alguma coisa na noite de Natal compensasse o fato de possivelmente não ter nada no dia seguinte ou no outro e no outro... mas sempre há uma aura toda especial sobre esta data, uma ideia de confraternização, de reunião de família à mesa só que naquelas circunstâncias não teriam porquê se reunir à mesa.
A escassez gerava perguntas dos filhos menores. Não tinham nada a dizer a não ser que... não tinha comida. A fome começava a chegar e o nervosismo começava a tomar conta do ambiente. Ao pai, sem explicações possíveis naquele momento, restava a irritação, a ira, a cólera. Talvez consigo, com a situação, com o desemprego, com a miséria. Perdia a paciência, se irritava com as perguntas, ralhava com as crianças, gritava com a esposa... Não! Aquilo não era uma noite de Natal. Não, não era. Não uma noite como podia-se desejar: com família reunida, em paz, feliz. àquelas alturas minha mãe, a filha mais velha e mais consciente do que estava acontecendo, se retirou silenciosamente do ambiente, se dirigiu a um canto qualquer e simplesmente rezou. Rezou. Não pediu exatamente por comida. Pediu a Deus apenas para que ficassem em paz, que cessasse aquela gritaria, que tivessem uma Noite de Natal decente. Só queria uma Noite de Natal em paz com a família.
Mal terminara sua secreta oração quando ouviu aquelas batidas na porta. Batidas urgentes pelo jeito. Apressadas. Faltava pouco para a meia-noite. Quem seria?
Eram o vizinho cuja  esposa tinha problemas mentais e que havia tido uma espécie surto. Tinham toda uma ceia preparada mas teriam que levá-la a um hospital imediatamente. Tinha ido ver se queriam ficar com toda a comida uma vez que não poderiam aproveitá-la. Deixaram a comida toda empacotada. Bastante comida. Milagre! Só podia ser!
Foi a dádiva! Não só tiveram uma ceia decente, uma noite de Natal, como a paz voltou a imperar na casa naquele momento. Tiveram um Natal como poucas vezes naquela época.
É lógico que as dificuldades não acabaram ali. Vieram outros dias difíceis. às vezes melhoravam, às vezes voltavam à mesma. Mas aquela noite, talvez atendendo um apelo daquela menininha que tudo o que queria era um pouco de harmonia dentro de casa, o Velho lá de cima deve ter resolvido dar um pouquinho mais que apenas paz. Talvez, um pequeno milagre, talvez...


por Cly Reis

4 comentários:

  1. Chorei, mas chorei de emoção, ao lembrar que Deus tem um carinho especial pelas crianças, não nega nada a elas, a não ser que seu pedido seja causa de seu desengano. Ao contrário do que dizes, Ele, está ao nosso lado, não em um nível acima e se nos deixa sofrer é porque precisamos adquirir forças, recursos para enfrentar o que a vida pode nos apresentar. Mas tens razão ao afirmar que Milagres não existem, pois, existe sim é o merecimento de cada um. Posso te garantir que a partir daquele momento a menininha nunca mais se sentiu sozinha e se fez muito forte. Iara.

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  2. Outra das belas histórias de d. Iara. Parabéns, Clayton, ficou lindo.

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  3. Chorei. O texto é lindo. Realmente, lindo. Parabens!

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  4. Uma história linda e comovente. Uma leitura que nos faz refletir como devemos dar valor ao que temos. Parabéns e Feliz Ano Novo!! Dani Bohrer.

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