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sexta-feira, 6 de julho de 2018

cotidianas #576 - Casamento



- João Alberto, o que que é isso?
Mariana perguntou só para se certificar pois já havia visto o marido ajeitando o fio por dentro do fraque e encaixando o fone na orelha.
- Ai, João Alberto, eu não acredito... João Alberto, você me mata de vergonha...
- Fica pianinho, Mari. Tá tranquilo, tá tranquilo. - rebateu o marido tentando fazer a esposa relaxar em relação àquilo.
O padre, no entanto, incomodado com aquele burburinho no canto do altar, abandonou temporariamente o sermão que dava aos futuros noivos à sua frente, e dirigiu-se aos dois padrinhos da noiva que já começavam a desviar a atenção dos convidados da cerimônia, do acontecimento principal.
- Posso continuar. - consultou ironicamente o sacerdote.
- Claro, padre. Desculpa. - escusou-se João Alberto.
Voltando-se para os noivos, o padre retomou então seu discurso de matrimônio:
- Como eu ia dizendo, o compromisso que vocês dois, Diego e Viviane, estão prestes a assumir, é muito mais do que simplesmente um contrato diante da sociedade, muito mais do que cumprir seus papéis de homem e mulher como cidadãos. É um compromisso com o Senhor. A partir de hoje, vocês estarão se comprometendo a...
- Yes!!! - soltou o João Alberto, quase em sussurro, fazendo um pequeno soco baixo contido no ar.
O padre desta vez só olhou atravessado para ele.
- Para, João Alberto! - repreendeu a esposa, novamente.
- É que foi pênalti. - explicou em voz baixa para que só ela escutasse.
- Pênalti? - quis certificar-se a noiva que tivera a impressão de ter ouvido aquela palavra.
- É. - confirmou o João Alberto - Tô ouvindo aqui. Foi mal...
- Pra nós?  - voltou a interessar-se a noiva.
- É, pra nós. Já vão bater.
- Posso prosseguir? - perguntou o padre, mal contendo a irritação.
- Não, agora espera cobrar o pênalti, - falou um dos convidados da primeira fila que ouvira toda a ladainha e que, como a maioria dos convidados, torcia para o tal do time em questão.
Nisso, a informação já havia passado para os outros bancos da igreja e um alvoroço tomara conta dos convidados.
O João Alberto, no altar, fazia um sinal ansioso com uma das mãos pedindo silêncio, e com a outra pressionava o fone contra o ouvido para ouvir melhor.
- Vai bater... - anunciou.
Por alguns segundos aquele santuário teve o silêncio que uma casa de Deus, como era, exigia. Mas não era o respeito pelo lugar sagrado e sim a expectativa.
Tensão...
- Gol! - anunciou o João Alberto.
- Gol! - alguém repetiu na primeira fileira.
- Gol! - se espalhou.
A torcida, ou melhor, os convidados, explodiram em festa. A igreja parecia um estádio. Só um mínimo de respeito evitou que surgissem gritos de guerra de torcedores ou até mesmo uma ola.
Inconformado com aquela atitude indevida naquele lugar sagrado, o pobre homem de Deus, apressou-se em conter a manifestação.
- Irmãos, irmãos, estamos na casa do Senhor. Por favor, mais respeito.
Os ânimos foram se acalmando, alguns ainda se abraçavam, outros recompunham as gravatas, elas os chapéus e véus, e finalmente o pontífice pode dar prosseguimento ao casório.
A cerimônia seguiu então a partir daquele momento sem novas interrupções. O padre fez sua tradicional pregação exaltando o amor, a importância de honrar e perdoar um ao outro, lembrando-os das obrigações do casal diante de Deus, aquele papo de na saúde ou na doença, na alegria e na tristeza, até que chegou ao tão esperado momento:
Eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva.
Diego aproximou-se para beijá-la e, antes que pudesse dizer o "Eu te amo" que praticamente lhe saltava da alma e que, reciprocamente, acreditava que traduzia as lágrimas que via naquele instante nos olhos de sua amada, teve que se contentar, às portas do beijo nupcial, em ouvir dela nada menos que um emocionado:
- Ganhamo, porra!




Cly Reis

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