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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

cotidianas #317 - Quem foi Caxias?




- Caxias! Quem foi Caxias?
A pergunta meramente retórica lançada ao ar, na verdade não esperava resposta da pequena multidão aglomerada no pátio da escola. Ela seria dada pelo próprio inquiridor, aquele menino magricela, ali, em pé, naquele modesto palanque montado para as celebrações do Dia do Exército. Ele mesmo responderia à interrogação que propusera com um simplório, porém pomposo verso que decorara incansavelmente por mais de um mês para aquela ocasião.
Desde que fora incumbido de declamar o poemeto em homenagem ao Marechal Luís Alves de Lima e Silva, o pequeno Paulo Roberto dos Reis, orgulhoso da tarefa a si atribuída, cuidou de não decepcionar quando o grande momento chegasse. Para isso, não mediu esforços e tratou de ler e reler o pequeno poema tantas vezes quanto fosse necessário até tê-lo perfeitamente gravado na mente. Lia em voz alta em qualquer lugar, no quarto na sala, na cozinha. Depois, já sem necessitar mais lê-lo, de tanto que o repetira, o declamava naturalmente, de modo a certificar-se que o pequeno texto permanecia lá onde o deixara, gravado.
Agrupava, antes de dormir, os muitos irmãos para simular uma plateia tal como teria na escola e declamava para eles com ímpeto e empolgação:
- Caxias! Quem foi Caxias?
E os irmãos aguardavam ansiosos pelo prosseguimento do breve discurso
E o jovem Paulo prosseguia com uma exaltação em forma de resposta:
-“Salve o Duque de Caxias
Alma forte e varonil
Que com sua honra e sua espada
Defendeu nosso Brasil”.
Ao que os 8 espectadores, amontoados no pequeno quarto que dividiam na modesta casa na Rua Liberdade, em Porto Alegre, aplaudiam entusiasmados, orgulhosos do irmão que dali a alguns dias seria a grande atração do evento da data militar.
Repetia tanto aquele versinho, quase que automaticamente, que os próprios irmãos já o tinham na ponta da língua. Era no café da manhã, no caminho para o colégio, na sala de aula, no banho, na hora de dormir... era tanto que, àquelas alturas, os próprios irmãos já torciam para que o dia chegasse de uma vez para que aquela ladainha terminasse logo.
E então o grande dia chegou!
Outros eventos antecederam a apresentação do garoto, que pela importância e significado, seria a atração principal. Um encerramento majestoso para um dia histórico para a escola.
Embora tivesse o texto mais do que decorado, o menino Paulo Roberto ainda o repetia para si mesmo, segundos antes de subir no pequeno palco montado para o evento, “Salve o Duque de Caxias, alma forte e varonil...”. Chamado, subiu os três degraus que elevavam a plataforma do chão, ainda balbuciando, “... que com sua honra e sua espada, defendeu nosso Brasil”, e então viu-se no centro do palco diante de todos os colegas e professores que aguardavam curiosos e ansiosos pela grande homenagem ao Patrono do Exército Brasileiro.
Se o tempo de preparação e ensaio havia se mostrado suficiente para que o jovem Paulo Roberto tivesse domínio do texto, infelizmente não foi tão bem utilizado para que aprendesse a dominar os próprios nervos e, se alguém na plateia não sabia a resposta e a continuação do verso, ficou sem saber.
- Caxias! Quem foi Caxias?
Foi a única frase que o Paulinho disse antes de cair no choro e descer a escadinha e sair correndo do palco deixando todos os espectadores atônitos.
O silêncio tomou conta do pátio da escola e professores e alunos apenas se entreolhavam boquiabertos.
E a comemoração do dia do Exército acabou sem sua atração de fundo e o menino Paulinho sem seu momento de celebridade.
Ou não...
Se foi traumático na época, se o garoto deixou de ir à escola por uma semana, se se escondia dos colegas por vergonha e aguentava suas zombarias, hoje meu tio Paulinho, figura queridíssima, homem sempre jovial e folgazão, conta com a graça e bom humor que lhe são peculiares o episódio, sempre que nós sobrinhos, mesmo já tendo ouvido o caso incontáveis vezes, o solicitamos.
Fazendo questão de reforçar bem a entonação da frase, toma uma pose altiva, emposta a voz e encena como se estivesse no palanque da escola há muitos anos atrás, repetindo a frase que o derrubara do ponto mais alto onde, por poucos instantes teve o prazer de sentir-se naquele dia:
- Caxias! Quem foi Caxias?
E mesmo já tendo ouvido aquilo, milhares de vezes, caímos na risada.



Cly Reis




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