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segunda-feira, 27 de maio de 2024

Philip Glass - "Symphony Nº 4 'Heroes'” ou "'Heroes' Symphony - by Philip Glass from the Music of David Bowie & Brian Eno” (1997)



As várias capas e edições de "Heroes" pelos selos
Point Music, Orange Mountain, Universal e Decca
  
“A influência contínua destas obras, ‘Low’ e ‘Heroes’, garantiu a sua estatura como parte dos novos ‘clássicos’ do nosso tempo. Assim como os compositores do passado recorreram à música do seu tempo para criar novas obras, o trabalho de Bowie e Eno tornou-se uma inspiração e ponto de partida para uma série de sinfonias de minha autoria”.
 
Philip Glass

Chegados os anos 90, Philip Glass já era uma lenda digna da idolatria. Ligado à música de vanguarda da Costa Leste norte-americana, pela qual surgiu nos anos 60, o autor das “Glassworks” e de peças revolucionárias como “Music in Twelve Parts”, “Koyaanisqatsi” e "Metamorphosis" já havia ultrapassado a linha entre erudito e popular fazia muito tempo, desde suas trilhas sonoras marcantes para o cinema quanto por sua aproximação com o rock e a world music. Porém, afeito a desafios, Glass deu-se conta de um gap em sua já extensa obra àquela época: por incrível que parecesse, faltava-lhe ainda a composição de uma sinfonia. Sim, Glass havia escrito óperas, concertos, corais, peças para câmara e teatro, prelúdios, partitas, balês, sonatas, trilhas sonoras e toda categoria musical que se possa imaginar. Menos sinfonia, justamente o gênero que tanto consagraria os grandes nomes da música clássica, aquele pelo qual os fariam mundialmente conhecidos, como Beethoven (5ª e ), Mahler (Trágica), Mozart (41ª ou Júpiter), Berlioz (Fantástica) e Shostakovich (8ª).

Glass precisava preencher essa lacuna. No entanto, dada a importância deste tipo de obra para um autor do gabarito dele, entendia que precisava ser algo especial. O “coelho da cartola” foi, mais uma vez, a versatilidade e o ecletismo: usar o rock como base para isso. Igual ao que compositores clássicos antigos faziam ao se referenciarem na obra de seus ídolos, só que de uma forma bem inovadora. Sobre temas do clássico disco “Low”, de David Bowie, de 1977, gravado na Alemanha e cuja batuta de Brian Eno mereceu-lhe créditos de coautoria, Glass elaborou sua primeira sinfonia em 1992. Um sucesso de crítica e, principalmente, junto aos próprios Bowie e Eno, que adoraram a homenagem, O mais legal da rica versão de Glass para as faixas do Lado B de “Low”, as de caráter mais ambient e avant-garde do álbum, foi que ele não criou uma ópera-rock, dando somente um teor erudito a sonoridades pop mas, sim, extraindo o que havia de “erudito” de cada música, de cada detalhe, fosse na instrumentalização, no redesenho sonoro ou mesmo na escolha de quais faixas usar.

Caminho aberto para as sinfonias, e Glass, então, não parou mais. Escreveu, nos anos subsequentes, as de nº 2 (1994) e nº 3 (1995) - formando, atualmente, 14 peças neste celebrado formato. Porém, a talvez melhor de sua carreira seja a que veio logo a seguir, em 1997: a “Sinfonia nº 4” ou simplesmente “Heroes”. Animado com a primeira experiência sinfônica e encorajado pelos próprios autores, Glass repete a dose de se inspirar noutro álbum célebre de Bowie/Eno: “Heroes”, de 1978, que forma, junto com "Low" e “Lodger”, de 1979, a famosa trilogia alemã que redefiniu o futuro da música pop com sua ousada combinação de influências da world music, da vanguarda experimental e do rock.

A experiência das sinfonias anteriores - bem como dos trabalhos com grande orquestra, como as óperas - foi, contudo, fundamental para que Glass chegasse à sua quarta empreitada neste tipo de obra mais equipado musical, formal e esteticamente. Glass sabia exatamente como fruir os sons e arranjos das canções originais para criar uma peça ainda mais singular. Ele utiliza flautins, clarinetes baixos, metais (trompete, trombone, trombone baixo, trompa e tuba), percussões (tambor lateral, tambor tenor, bumbo, pandeiro, pratos, triângulo, vibrafone, tam-tam, castanholas e carrilhão), harpa, celeste e cordas (violino, viola, violoncelo e contrabaixo).

O melhor exemplo é o tema-título, o "1º Movimento". Quem escuta os acordes orquestrados de Glass dificilmente identifica a música de Bowie, aquele glitter rock potente e dramático. Aliás, talvez a única característica mais visível que ele tenha mantido nos quase 10 minutos que se transcorrem (em detrimento dos aproximadamente 3min30' da versão comercial de Bowie ou, no melhor dos casos, dos pouco mais de 6min da versão estendida) seja a dramaticidade, tendo em vista que a transforma num adagio instrumental cheio de idas e vindas, volumes e variações de intensidade, Mas, principalmente: o veterano minimalista deu uma personalidade única à música, recriando-a. O entendimento de Glass sobre o que ele ouve em “Heroes” é tão singular quanto genial, coisa de quem tem ouvido absoluto ou uma outra percepção sobre as coisas: uma audição além daquilo que os reles mortais alcançam. 

A “Heroes” de Glass, por sinal, é mais colorida do que a séria expressividade dada pelo autor da canção. E não se ceda à tentação de cogitar que a “Heroes” sinfônica é meramente uma orquestração do tema que a originou, como se fosse possível encaixar uma sobre a outra. É, sim, uma outra “Heroes” - ou melhor, a mesma, só que sentida de outra forma. E embora as dessemelhança, por incrível que pareça, há ainda um fio de identificação, como que a "alma" da criação tivesse se mantido. A se pensar em outros trabalhos da música erudita dos anos 90, década pouco densa em obras significativas nesse campo em relação a suas antecessoras, “Heroes, Moviment I” é comparável a outras três marcantes obras: “Kristallnacht”, de John Zorn, "Food Gathering in Post-Industrial America, 1992", de Frank Zappa, e “Blu”, de Ryuichi Sakamoto.

Na sequência, “Abdulmajid”, de um arranjo primoroso, pega emprestada com suavidade a atmosfera árabe deste b-side de “Heroes”, uma world music bastante eletrônica em sua concepção primal, próximo ao som de Jon Hassell e Terry Riley. Ela ganha, agora, um conjunto de cordas em variações de 5 e 7 tempos, castanholas e uma percussão cintilante de sinos, esta última, executora do “riff”. Assim como o movimento inicial, este andante é prova da tarefa nada óbvia a que Glass se propôs, uma vez que seria, por exemplo, muito mais fácil arranjar para orquestra o tema de feições orientais (e já instrumental) “Moss Garden”, uma das faixas de “Heroes” de Bowie que não aproveitou. Já “Sense of Doubt”, originalmente instrumental, é provavelmente a que menos trabalho lhe deu em adaptar, visto que sua estrutura melódica forjada nos sintetizadores já intui o som da orquestra.

Para “Sons of the Silent Age”, mais uma das originalmente cantadas assim como “Heroes”, Glass suprime as vozes e dá a roupagem mais clássica de todas do repertório. Elegante, explora bastante os sopros doces em contraste com os registros graves de tuba e trombone baixo. Pode-se dizer um balê glassiano, que traz as repetições circulares de cordas e sopros, as quais dão a sensação hipnótica peculiar de sua música, mas ao mesmo tempo bastante renascentista, fazendo remeter a outros mestres formadores de sua musicalidade como Bach e Mozart.

Outra que Glass consegue unir a originalidade de seu olhar sobre a obra alheia e o frescor daquilo em que se baseia é “Neuköln”, a música que os ingleses Bowie e Eno compuseram em homenagem a um dos bairros de Berlim no período em que se refugiaram na capital alemã para produzir “Low/Heroes/Lodger”. Nesta, o compositor norte-americano se esbalda sobre a ideia-base, a de uma peça eletroacústica que conjuga sintetizadores, guitarras e frases arábicas de um áspero sax alto tirada do atonalismo de Cage e La Monte Young, admirados por Eno. Sabedor de todos estes caminhos como poucos, tanto dos antecessores quanto dos contemporâneos, Glass reúne as pulsões sonoras distintas e promove uma reunião de tempos e intenções, redimensionando a própria música. Ele não deixa de aproveitar nenhuma nota, nenhum som para atribuir a “Movement V - Neuköln” um caráter particularmente épico. 

Encerrando, outra na qual Glass mostra o quanto suas antenas são capazes de sintetizar mundos. Homenagem de Bowie e Eno aos pais do pop eletrônico, a banda alemã Kraftwerk, ‘V2 Schneider” (referência ao sobrenome de um dos fundadores e principais compositores dos “homens-máquina”, Florian Schneider) ganha uma retextura de Glass à sonoridade high-tech em um corpo sonoro tradicional e secular. Conforme diz o crítico musical especializado em música clássica Richard Whitehouse, “V2 Schneider” abre com movimentos rítmicos animados em metais e percussão, cordas e sopros trocando temas à medida que a música ganha em incisividade. “O movimento rítmico solidifica-se num ostinato pulsante, ao longo do qual a atividade ganha intensidade textural e dinâmica, construindo um pico de que é encimado pelo vigoroso acorde de encerramento, arredondando assim toda a obra com um efeito decisivo”, completa. Ao traduzir Bowie/Eno, Glass retraduzia o kratrock alemão presenciado in loco pela dupla britânica e, por tabela, todos os que inventaram a música eletrônica, como o “germaníssimo” Karlheinz Stockhausen e a turma da Música Nova de Darmstadt dos anos 50.

Em 1971, dois jovens músicos de aparência kitsch interessados em arte para além do rock assistiam empolgados à estreia em Londres de “Music in Changing Parts”, obra da primeira fase de Glass. Esses jovens eram David Jones e Brian de La Salle Eno, já artistas consagrados, mas nem por isso incapazes de admirar um de seus heróis na música. Tamanha reverência parece ter, de alguma forma, influído para que esse “herói” concretizasse, mesmo que apenas mais de três décadas depois, a autoexigência de compor sinfonias tendo como objeto exatamente aqueles dois rapazes fãs de tanto tempo. Sucessor de “Low” na fase alemã de Bowie, “Heroes” fazia-se, agora sinfônico, igualmente sucessor, mas na carreira de Glass - que ainda concluiria a veneração à trilogia berlinense com “Symphony Nº 12  - Lodger”, de 2022. Criadores e criaturas se intercambiam e se referenciam mutuamente. Como dizem os versos da música que dá nome a ambas as obras, a de Bowie/Eno e a de Glass, “Nós podemos ser heróis”. Todos são.

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Como ocorre com obras do catálogo ligado à música clássica, “Heroes Symphony” ganhou mais de uma edição. Em pelo menos duas delas, a peça vem acompanhada no CD de outras duas também orquestrais: o "Concerto para Violino", de 1987 (edição Deutsche Grammophon/Decca, de 2014), e outra em conjunto com “Low Symphony” (Universal, 2003). 

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FAIXAS:
1. “Movement I - Heroes” (David Bowie/Brian Eno) - 9:28
2. “Movement II - Abdulmajid” (Bowie/Eno) - 9:24
3. “Movement III - Sense of Doubt” (Bowie) - 7:29
4. “Movement IV - Sons of the Silent Age” (Bowie) - 8:37
5. “Movement V - Neukoln” (Bowie/Eno) - 7:58
6. “Movement VI - V2 Schneider” (Bowie) - 7:17

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 6 de julho de 2023

Brian Eno - “Another Green World” (1975)

 

“Ao discutir arte, as pessoas costumam falar sobre gênios, mas assim que você começa a observar de perto como as coisas surgem, descobre que sempre há contextos e sistemas informando esse indivíduo”.

“A ciência é uma forma de descobrir coisas sobre o mundo, mas a arte nos dá a chance de explorar, através da imaginação, lugares que não existem, bem como ferramentas para lidar com o mundo em que estamos”. 
Brian Eno

Obras-de-arte comumente vêm ao mundo fora do seu tempo cronológico. Com isso, precisam que o próprio tempo passe para serem valorizadas e, principalmente, entendidas. Quanto levou-se para se assimilar a “nova poesia” de Mallarmé, hoje naturalmente reconhecida como o começo das correntes modernistas? Ou as pinceladas "borradas" dos impressionistas, taxadas de “infantis” pelos críticos da época, mas que se configuraram num passo fundamental para a ruptura com o classicismo absorvido pela arte contemporânea? 

Na música moderna, isso seguidamente ocorre. “The Velvet Underground & Nico”, primeiro disco da banda de Lou Reed e John Cale, vendeu ridículas 10 mil cópias à época de seu lançamento, em 1967, mas influenciou o mundo quase tanto quanto os Beatles. O hoje cult “Araçá Azul”, de Caetano Veloso, chegou a ter devoluções nas lojas em 1972 de tão mal recebido pelo público e hoje um vinil original não custa menos do que uma pequena fortuna. Pode-se dizer que “Another Green World”, de Brian Eno, de 1975, se enquadra neste perfil de grandes discos além de seu tempo. Não por terem lhe fechado os olhos, mas por não ter sido observado como deveria. E, diferentemente de outras obras marcadamente incompreendidas, o disco do cantor, compositor e produtor inglês carrega algumas qualidades que lhe tornam quase profético. Eno intuiu elementos que só se conflagrariam tempo depois, redimensionando aquele trabalho do passado que anteviu o que pode se chamar de “era da pós-música”.

Havia sinais de que Eno estivesse sintonizado com algo de tamanha visão do futuro, mas nem por isso assim tão fáceis de se ler. Saído da glitter Roxy Music, no início dos anos 70, banda que já antecipava uma série de movimentos da música pop, Eno, que além de músico é também artista visual e professor de arte, sempre equilibrou a carreira entre essas várias vertentes. Tal versatilidade lhe fez iniciar a carreira solo com dois discos de glam rock bastante inovadores: “Here Comes the Warm Jets” e “Taking Tiger Mountain (By Strategy”), de 1973 e 74, respectivamente. Em seguida, uma guinada: Eno inventa a ambient music com “Discreet Music”, abrindo caminhos para a new age e o neo classical. Anos antes, ele já havia feito duo com Robert Fripp no experimental “No Pussyfooting” e trabalhado ao lado de Cale, Nico e Kevin Ayers, um dos fundadores do jazz-rock. Ou seja: diversas frentes, que embaralhavam ainda mais o cenário em que “Another...” foi gestado.

Por todos estes antecedentes e exemplos subsequentes – visto que Eno seguiu variando entre art rock, punk, minimalismo, afrobeat, trilhas de cinema, new age, world music e outros gêneros – a audição de “Another...” é absolutamente enigmática. E mais do que isso: o enigma não se dá em razão de uma música complexa, intrincada, mas, sim, por uma sonoridade totalmente “palatável”. Eno certamente queria dizer algo importante com isso... Quem escuta os primeiros acordes da faixa inicial, “Sky Saw”, não raro surpreende-se com o som processado e dissonante do fretless bass de Percy Jones tocando um acorde de quatro notas que visivelmente não se completa. Não se completa, mas volta a se repetir em sua incompletude, deixando claro que é mesmo aquele o “riff” da canção, se é que dá para classificar assim. Nem o show de execução do restante da banda formada por Eno com os amigos Paul Rudolph, no baixo, Phil Collins, na bateria, Rod Melvin, no piano elétrico, e Cale, na viola, faz esvair a sensação de que algo diferente contém ali. Uma abertura fascinante, mas estranha.

Se o disco larga com cargas de peculiaridade, a partir de então os enigmas começam a ficar ainda mais evidentes. À exceção de “Sky Saw” e mais outras quatro, todas as músicas das 13 que compõem o disco são como vinhetas, de poucos minutos. Nenhuma passa de 4 minutos, tempo de duração padrão de uma canção pop vendável. “Over Fire Island”, noutra performance brilhante do ainda apenas baterista Collins, traz um baixo igualmente destacado de Jones numa base meio jazzística enquanto Eno comanda sintetizadores, guitarra e colagens de fita magnética. Pura vanguarda instrumental, assim como outras duas seguintes, “In Dark Trees” e “The Big Ship”, ambas protagonizadas apenas pelo próprio Eno, que ainda toca percussão elétrica e sintetizada e um gerador de ritmo tratado, tecnologia bem avançada para a época, algo como a uma bateria eletrônica rústica. Todas instrumentais, curtas, de poucos acordes, quase sem riff. Não fosse pelas breves frases cantadas da primeira faixa e da pequena letra de outra excelente, “St. Elmo's Fire” – em que Eno comanda os instrumentos acompanhado somente da guitarra do parceiro Fripp –, poderia se dizer que se trata de um disco de música instrumental. Mas claramente diferente de “Discreet...” ou de qualquer outra peça de trabalhos anteriores. Onde Eno queria chegar com essa proposta, no mínimo, diferente?

O álbum prossegue e as respostas vão sendo colhidas aos poucos. É possível perceber, por exemplo, o embrião da generative music, outra novidade a qual Eno lançaria as bases em 1978 em “Ambient 1: Music for Airports”, termo baseados nas ideias do linguista Noam Chomsky e que descreve uma música sempre diferente, mutável e gerada por sistemas eletrônicos. A sexta faixa, “I'll Come Running”, em que conta outra vez com Melvin ao piano, Rudolph ao baixo e Fripp nas guitarras, começa a deixar mais claro o que Eno pretendia. A alternância entre músicas com uma formação um pouco maior, mas enxuta, e outras quase que totalmente artesanais – caso da seguinte, a dissonante faixa-título – denota o quanto o autor entendia que caminhos a música pop iria tomar não dali a poucos anos, mas três, quatro, cinco décadas à frente! E mais: não apenas a música popular, mas o conceito de sonoridade, a ideia de música da sociedade contemporânea.

Fica até difícil perceber o quanto o homem moderno está soterrado em mensagens sonoras, visto que estas proveem de todas as fontes e plataformas. Pelos celulares, pela TV, pela publicidade, pelos aparelhos constantemente conectados do mundo atual. Na era digital de infinitas possibilidades e constante avanço, a música, assim como qualquer outro enlatado de supermercado, vem numa esteira de ultraprocessamento à medida em que a sociedade capitalista também avança. A propaganda, com suas pesquisas e indicadores, é a nova ciência. Com isso, passa-se a utilizar a lógica de produção, inclusive para a democrática e facilmente penetrável arte. As discussões postas na mesa pela geração da pop art e do kitsch a qual Eno pertence captava a subjetivação do fazer artístico diante das possibilidades (e permissividades) do capitalismo. O que Eno sacou em “Another...”, antes de qualquer outro músico pop, era que, com a música, esse efeito de desconexão seria não somente contínuo quanto, quiçá, irreversível. Os sons aos quais todos são bombardeados ao navegar pela internet ou num simples passeio na rua ou num shopping nada mais são, hoje, que fragmentos sonoros cientificamente provocados. Pequenas células de emissão físico-acústica de onde se extrai apenas o que é necessário para a absorção funcional, superficial e fragmentada do homem atual.

Canções pop sem centro tonal, inversão dos efeitos sinestésicos, ruptura radical com o cromatismo. Aqui, faz-se necessário um parêntese temporal, e chega-se ao século XXI e seus novos gêneros: left-field, trap, wonky, vaporwave, lowwecase... Não é nem o que Chico Buarque entende como “fim da canção”, mas, mais do que isso: é a era da “não-música”. Os tempos líquidos teorizados por Baumann foram perscrutados na música em diversos momentos na modernidade. Em conceito, a The Residents não só lançou “Commercial Album”, apenas composto de músicas de 1 minuto de duração para supostos jingles publicitários, como, anos antes, fez o “não-lançamento” de “Not Avaliable”, disco que, ironizando a lógica de mercado, “não devia ser ouvido”. Sonoramente, além da eletrônica, da vanguarda, do jazz ou da new age, dissolvedores do cromatismo clássico, um artista como William Basinski, literalmente diluiu a música em sua “Watermusic”. Mas todos até então buscavam dialogar com o tom, seja pela referência, pela alusão ou pela proposital abstenção. Impreterivelmente. O que Tricky ou MFDoom desmembraram, hoje, Billie Elish faz revelar um novo estado psíquico a que a civilização se levou: a total alienação da tonalidade – menos por conhecimento do que por intenção. Seria, ao invés da música "generativa", a "degenerativa"?

Voltando a "Another...", na arábica “Sombre Reptiles”, Eno traz a alusão ao abstratismo tão presentes nas artes visuais a qual ele mesmo se alinha. Mas, para além disso, reforça a ideia de uma deformação do real. "Little Fishes" ainda mais: frases soltas, quase que apenas para sentir e não ouvir. Gostar torna-se, assim, subjetivo, pois está associado à mimese e não à assimilação por um viés artístico. Absorve-se cognitivamente e não sensorialmente. Qualquer semelhança com os estímulos sonoros de um app de smartphone ou de um vídeo do Tik Tok não é mera coincidência. Nem curtas demais, que não transmitam o efeito pretendido, nem longas demais, que acabem dispersando a atenção da geração do imediatismo.

Diminuta em construção melódica, mas gigante em qualidade é "Golden Hours", outra cantada do álbum, música que, certamente, serviria de inspiração (para não falar de “espelhamento”) a U2 quase 20 anos depois na canção “The Wonderer", que encerra o disco “Zooropa” - nada coincidentemente produzido pelo próprio Eno. É ele que volta a agir sozinho em “Becalmed” (Piano Leslie e sintetizador), talvez a mais ambient de “Another...” e de cujos traços tornaria a valer-se tanto em trabalhos solo seguintes (“Before and After Science”, “Music for Airports”) quanto na de parceiros, como no "lado B” de “Low”, do amigo David Bowie, em 1977. “Zawinul/Lava”, igualmente, remete a este Eno experimental e com o olhar para o Oriente, que aproveita um pequeno motivo sonoro provocador de sensações de contemplação e meditação. 

A bela "Everything Merges with the Night" é uma quase-canção, com a voz bonita de Eno acompanhada do baixo e pianos de Brian Turrington e de sua própria guitarra, não fosse o riff que, mais uma vez, situa-se no limiar da melodia, haja visto que sua predominante dissonância não deixa completar o ciclo sonoro natural ao ouvido. Há sempre algum "problema", seja na duração, na altura, na intensidade ou no timbre, elementos constituidores do tom. Uma provocação à biologia humana. Há um fio melódico, mas Eno deixa-o escapar deliberadamente. Magnífica, "Spirits Drifting" é a conclusão perfeita para um disco que começa esfíngico e termina agravando as próprias interrogações: instrumental, mínima, atonal. Uma combinação de acordes bonita, mas que não desfecha naturalmente, como que deixando um proposital ponto de interrogação.

A música da era da pós-verdade – num planeta das multidões de refugiados, da avançada ciência que favorece as classes dominantes, das persistentes fome e guerras, do mundo capitalista que caminha para a autodestruição ambiental – não é (não pode ser) mais música. Decreta-se a “não-música”. Talvez por isso tudo o disco de 1975 de Eno seja tão precursor e contenha um título tão utópico quanto propositivo. O tom, na concepção dele, nada mais é do que o símbolo de uma ética. Musical, em primeira observância, mas ecológica amplamente falando. Ao fincar suas bases na tradição – porém, problematizando-a –, o artista remonta a séculos de uma construção formal e estética a qual acredita fortemente que jamais deve se perder, mesmo que em um “outro mundo verde” muito disso tenha ficado para trás. Esperançoso, no entanto, o próprio Eno sustenta a ideia lançada em “Another...”: “O esforço ambiental é o maior movimento da história da humanidade; nunca houve uma única causa que uniu tantos bilhões de pessoas com um objetivo. Pode haver contradições dentro da causa; haverá emoções e derramamentos, mas esperamos que haja alguns resultados positivos para esta ação mundial”. Tomara ele tenha razão.

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FAIXAS:
1. "Sky Saw" - 3:25
2. "Over Fire Island" - 1:49
3. "St. Elmo's Fire" - 3:02
4. "In Dark Trees" - 2:29
5. "The Big Ship" - 3:01
6. "I'll Come Running" - 3:48
7. "Another Green World" - 1:38
8. "Sombre Reptiles" - 2:26
9.  "Little Fishes" - 1:30
10.  "Golden Hours" - 4:01
11. "Becalmed" - 3:56
12. "Zawinul/Lava" - 3:00
13. "Everything Merges with the Night" - 3:59
14. "Spirits Drifting" – 2:37
Todas as composições de autoria de Brian Eno

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

U2 - "Zooropa" (1993)

 

Atento, bebê?

“Quando começamos ‘Zooropa’, sugeri à banda que ficassem improvisando no estúdio regularmente. Eles haviam perdido esse hábito de improvisar e, por vários motivos, não o faziam. Então eu disse: ‘devemos imaginar que estamos fazendo trilhas sonoras de filmes hipotéticos, não fazendo músicas.’”
Brian Eno

Nunca acreditei em “Achtung Baby”, o tão celebrado disco da U2 de 1991. É este mesmo o termo: "acredito". Não se trata de "gostar", mas sim de crer. Aliás, gostar, até gosto. "One", "Until the End of the World" e “Acrobat” estão aí para provar. Porém, estas e todas as demais nove faixas de “Achtung...” são, a rigor, de longe menos inspiradas do que diversas outras da banda e, principalmente, graus abaixo do que Bono Vox, The Edge, Larry Mullen Jr. e Adam Clayton têm condições de entregar. Por que, então, falo de credibilidade e não necessariamente de qualidade? E por que abro o texto indo na contramão da maioria falando de uma obra consagrada e não daquela que motiva este artigo, “Zooropa”? Afora a ordem sucessória entre um disco e outro, é necessário que se volte alguns anos antes ao grande sucesso comercial e de crítica da U2 nos anos 90 para entender aquela que considero a maior farsa planejada da música pop moderna.

O ano é 1988. A U2 ostentava a posição de grande banda do rock internacional. Com o término da The Smiths e os às vezes errante caminhos da The Cure, a U2 somava todos os elementos para ocupar tal posição, rompendo a linha que divide o underground do início da carreira para o status de lotadores de estádio. Musicalmente, um fenômeno gerador de hits, vendas de discos e canções clássicas. Tinha um vocalista de admiráveis qualidades vocais e letrísticas, um guitar hero sofisticado e criativo e a "cozinha" mais competente do rock 80. Politicamente, foi o grupo mais engajado da sua geração. A coroação veio com “The Joshua Tree”, de 1987, que deu aos irlandeses discos de ouro, platina e diamante em vários países e um Grammy de Álbum do Ano, consolidando-os no mercado mundial com sucessos como "With ir Without You" e "I Still Haven't Found What I'm Looking For".

Arte do famigerado "Achtung...", de 1991
Ocorre que “Joshua...” é daquelas obras tão divisórias na carreira de qualquer artista, que lhes surtiu o efeito contrário. Ao invés de orientar Bono & Cia., desnorteou-os. Que rumo tomar depois de tamanho êxito comercial e artístico? O longo e irregular “Rattle and Hum”, no qual voltam os olhares para a cultura folk norte-americana, simboliza este hiato conceitual. A imagem da capa de Bono apontando o holofote para The Edge, mais do que uma mostra da saudável parceria entre ambos, simboliza uma necessidade (talvez inconsciente) de valorização da forma sobre a aparência. A U2 queria dizer que não se resumia ao Bono front man e, sim, que formavam um coletivo do qual seu guitarrista era o melhor representante. Nem todos entendiam isso, entretanto; E pior: continuavam exigindo-lhes a divindade cega atribuída às celebridades. Então, para que lado ir se já afastados da forte pegada política de “Sunday Blood Sunday” e alçados a astros planetários? Foi então que, naquele mesmo ano de 1988, a resposta se insinuou como uma solução: a fraude da dupla alemã Milli Vanilli.

Surgidos como revelação da música pop, Fab Morvan e Rob Pilatus foram acusados de não interpretarem as próprias músicas. Desmascarados, foram demitidos da gravadora que os fez vender milhões e tiveram que devolver o Grammy que venceram. Morvan e Pilatus precisaram convocar uma vexatória coletiva para confessarem que, de fato, apenas faziam playback em cima do palco e que ghostsingers cantavam por eles em estúdio. Justificaram que haviam sido recrutados pelo visual, como uma estratégia de publicidade. Bono, então, ouviu e ligou os pontos: “Fraude, Grammy, publicidade, paradas de sucesso, personagens...”. Deu-lhe um estalo: ali estava a chave para os problemas da U2.

Não é possível medir o quanto Bono ficou impactado com tal ocorrido, embora a polêmica da Milli Vanilli tenha ganhado tamanha proporção que, provavelmente, deu um sinal de alerta para qualquer um que pertencesse à indústria cultural. Bono, ao que tudo indica, perspicaz como é, captou a essência da discussão, mas injetou-lhe doses de ironia. Numa fase de “crise de identidade”, o negócio era assumir uma “não identidade”. Genial! Já distante da figura politizada que os consagrou e diante da incerteza que o estrelato provocou, a escolha da U2 foi criar uma nova imagem pública: dar vida a personagens fictícios e produzir músicas de fácil assimilação. 

Os riffs de “Achtung...”, basta notar, são bastante simples, até simplórios em alguns casos em se tratado da alta técnica de The Edge. "Who's Gonna Ride Your Wild Horses", "The Fly", "Mysterious Ways", "Tryin' To Throw Your Arms Around The World" são assim: quase sem graça. O minimalismo característico de The Edge transformou-se em preguiça. Praticamente todas as faixas têm o mesmo embalo. Mas, claro, com a caprichada produção de Brian Eno, que mascarava tudo. Além disso, fotos e clipes de Anton Corbijn, mixagem de Daniel Lanois e Robbie Adams e engenharia de som de Flood. Invólucro perfeito, como todo produto premium de supermercado. Para arrematar a traquinagem, o disco é gravado na mesma Alemanha em que David Bowie e o mesmo Eno conceberam a nova música pop no final dos anos 70. Mas também a mesma Alemanha da Milli Vanilli... 


Agora, valendo!

Jamais a U2 tinha feito algo tão raso como “Achtung Baby”, e isso queria dizer alguma coisa. O circo foi tão bem montado que, com absoluta unanimidade, todos caíram na deles. Público e crítica elevaram o disco a obra-prima mesmo sem ter um riff à altura de “Bad”, “Red Hill Minning Town”, “God Part 2”, “Like a Song...” e por aí vai. Quando um artista chega a determinado estágio, o que se espera é que, no mínimo, supere o que já fez. Mas diante da incapacidade crítica da pós-modernidade, a U2 percebeu que isso não se aplicaria a ídolos acima de qualquer suspeita como eles. Na verdade, fizeram o contrário: ao invés de evoluir, deram passos para trás, mas com muita inteligência e marketing. E ego. Bono encarnava personagens como The Fly e The Macphisto com visível falta de habilidade cênica, mas suficiente para encantar os fãs. A piada foi tão bem contada que, somado ao respeito e a credibilidade de que jamais uma banda “séria” como a U2 faria algo assim, ninguém desconfiou de nada.

Por sorte, a enganação deliberada de “Achtung...” foi, em trocadilho com o próprio título, apenas para ver se a galera estava “atenta”. Como ninguém estava, no fundo o tiro saiu pela culatra. O negócio era desistir da palhaçada e fazer algo bom novamente. Fruto de canções surgidas durante a turnê e de suspeitas “sobras” do afamado disco anterior, “Zooropa” mostra porque a U2 chegava, enfim, à maturidade. Improvisos, experimentações, ousadias, ludicidade. É possível sentir um clima de liberdade criativa em suas faixas. Se a ida para Berlim anos antes foi, como fez Bowie, para se afastar do burburinho da mídia, enfim a intenção funcionava para a U2. 

Um rápido paralelo entre as faixas de um disco e outro provam que a turma estava mesmo interessada em fazer o que sempre soube: pop-rock forjado no pós-punk, somado aos elementos do tecno, como downtemto, synth pop e experimental. Na abertura, para uma pirotécnica ”Zoo Station”, mandam ver “Zooropa”, extensa, pouco vendável, sem pressa para começar e nem para terminar. Riff bem elaborado que, lá pelas tantas, ainda sofre uma virada que acelera seu compasso, gerando quase que uma outra música. Excelente cartão de visitas para deixar claro que a U2, definitivamente, havia deixado as máscaras de mosca em segundo plano.

A melódica “Babyface”, algo semelhante em atmosfera a “So Cruel”, de “Achtung...”, faz homenagem ao músico de R&B que influenciaria bastante o som da banda naquele momento. Esta antecipa a primeira obra-prima do álbum: “Numb”. Desviando os holofotes quase monopolizados por Bono, a banda realiza de vez o que prenunciavam na capa de “Rattle...” com The Edge fazendo as vezes de protagonista. E aqui Eno, novamente recrutado como um quinto integrante, faz valer sua arte de produção. E não para “salvar” a música, mas para potencializá-la. Construtiva, a partir de uma programação eletrônica e um riff estetizado, “Numb” vai agregando elementos como bateria, efeitos de teclados, frases de guitarras, sintetizadores e contracantos, como o belo falsete de Bono dizendo versos como: “I feel numb” e “Too much is not enough”. Tão original que é sem comparação com qualquer uma de “Achtung...”.

Outra pérola: “Lemon”. Mais uma cantada em falsete, agora com Bono retomando o centro do palco, lembra “Misterious Ways” por certa latinidade da percussão de Mullen Jr. Mas apenas de longe, pois é muito melhor e bem mais elaborada. A começar pelo riff, este sim minimalista como The Edge é craque, mas saborosamente criativo, forjado apenas no efeito de pedal, que se forma através de ressonâncias. O baixo de Clayton, idem: seguro como sempre, fazendo a base perfeita para esta world music moderna. Mas principalmente: o arranjo de Eno. Nesta faixa fica evidente o quanto o papel do eterno Roxy Music foi fundamental para a retomada da U2 à sua raiz de beleza estética com liberdade e ousadia. Os coros em tom menor, com contracantos acentuados, dão um exótico ar étnico à música. Impossível não lembrar das contribuições de arranjo e melodia de Eno para a Talking Heads em “Remai in Light” (“Born Under Punches”/“Crosseyed and Painless”/”The Great Curve”), de 1980, ou músicas de seus trabalhos solo como “No One Receiving” (de “Before and After Science”, 1977).

clipe de "Lemon", com direção de Mark Neale

Já “Stay (Faraway, So Close!)”, se não supera “One”, sua mais evidente correspondente em “Achtung...”, emparelha, ainda mais porque, balada sentimental tanto quanto, faz paralelo também com outra do álbum anterior, “Until...”, pois ambas são temas de trilhas sonoras de filmes do cineasta alemão Win Wenders – neste caso, a tocante continuação de “Asas do Desejo” homônima à canção. Virando a chave, “Daddy's Gonna Pay For Your Crashed Car” devolve energia a “Zooropa” – aliás, como até então não havia ocorrido. Tecno industrial com um riff bem sacado, bateria eletrizante e uma produção, meus amigos! Que habilidade numa mesa de som tem o sr. Brian Peter George St. John le Baptiste de la Salle Eno! Ele colore a música do início ao fim, ressaltando todas as texturas e detalhes que ela tem de melhor, mas sem tirar o brilho original, deixando os louros para a performance da U2. Distantes da espetacularização da turnê Zoo TV, a banda irlandesa realmente está espetacular.

Se “Daddy’s...” lembra em certa medida “The Fly” e “Zoo Station”, de “Achtung...”, “Some Days Are Better Than Others” equivale a "Tryin' To Throw Your Arms Around The World". Novamente, contudo, vencendo a disputa. E quão simbólica a letra para aquele momento de autorreconhecimento, quase um mea culpa: “Alguns dias você usa mais força do que o necessário/ Alguns dias simplesmente nos visitam/ Alguns dias são melhores do que outros”. Já a escondida “The First Time” é uma surpresa altamente positiva, que começa com uma leve base de baixo sob a linda voz de Bono para ir ganhando, aos poucos, outros instrumentos/elementos, que lhe aumentam a emotividade. Além disso, faz analogia com “Love Is Blindness”, última do trabalho antecessor. Mas como assim, se ela não encerra “Zooropa”? Aham! A estratégia narrativa usada para gerar estardalhaço anteriormente, agora era empregada a favor da feitura da obra. “The First...” prepara o terreno para a penúltima faixa, “Dirty Day”, outra que, assim como “Zooropa”, não se apressa em começar e a se desenrolar. Pop eficiente, tem o detalhe da voz de Bono sobre todos os outros sons, como que viva diante do microfone, expediente imortalizado por Eno e pelo produtor Tony Visconti em “Heroes”, de Bowie, em 1978, daquela mesma inspiradora fase alemã do Camaleão do Rock. 

Eno com Edge e Bono em estúdio
dando as coordenadas pra banda
Toda essa construção narrativa, quase como a de um filme ou de uma ópera-rock (seria a tragédia do famigerado personagem The Fly?), converge para um gran finale: “The Wanderer”. Pode ser que tenha sido coisa de Bono ou dos outros integrantes da U2, mas ninguém me tira da mente que a ideia de chamar o mitológico Johnny Cash para cantar triunfalmente a última faixa do disco foi de Eno. A base totalmente em teclados, contrastando com o estilo country-folk orgânico de Cash, dão uma clara pista de que a música surgiu desta ideia central pensada por ele. O estilo melódico, a reelaboração modernista do rock 50, os coros estilo Phil Spector, o refrão com melodia emotiva terminado em uma nota baixa e melancólica... Tal “The River”, de Eno e John Cale, tal “Golden Hours”, do seu solo “Another Green World”. Muita coincidência. Ou a U2 emulou Eno, ou essa música, meus amigos, é de Eno com participação da U2! O que, na verdade, é uma prova de grandiosidade da banda, que soube abrandar os egos e delegar a alguém um fator importante da obra, mas sem perder sua marca própria. Isso se chama maturidade.

E quanta beleza em “The Wanderer”! Escritos para o barítono embriagado Cash, os versos (de Bono, credite-se) largam dizendo: “I went out walking/ Through streets paved with gold/ Lifted some stones, saw the skin and bonés/ Of a city without a soul” (“Eu saí caminhando/ Pelas ruas pavimentadas com ouro/ Levantei algumas pedras, vi pele e ossos/ De uma cidade sem alma”). Uma clara referência ao clássico “Walked in Line”, imortalizada na voz do errante Homem de Preto, mas também à própria consciência da U2 pelas perigosas trilhas da fama. “The Wanderer” ainda serviu como uma homenagem em vida a Cash. Eterno outsider e já no ostracismo naqueles idos, ele viria a se revitalizar como artista e gravar seus últimos álbuns na série “American”, morrendo 10 anos depois daquela gravação (a versão definitiva de “One”, aliás, é de seu “American III”, de 2000). Um digno final de disco da U2, o mais tocante e melhor de sua discografia, mais bonito até do que “MLK” encerrando “The Unforgatable Fire” ou do que “All I Want Is You” fechando “Ratlle...”. Um final para desfazer mal-entendidos e enterrar qualquer piada de mal gosto que um dia tenham feito.

clipe de "The Wanderer", com participação de Johnny Cash

“Zooropa”, o melhor disco da banda em toda a década de 90 e seu último grande álbum, completa 30 anos de lançamento. Isso nos leva a deduzir que, há três décadas, a U2 desfazia um erro grotesco chamado “Achtung Baby” para, responsavelmente para com sua própria obra, dignidade e reputação, conceber “Zooropa”. O processo de concepção conduzido por Eno, livre das amarras do enterteinment e voltado às origens deles como músicos, foi tão rico, que rendeu, dois anos depois, o ótimo “Passengers: Original Soundtracks 1”, em que encarnam com humildade a inédita nomenclatura para compor trilhas sonoras para diversos filmes. Um pouco do que já era “Zooropa”: uma narrativa, uma história.

O certo seria Bono, Edge, Mullen Jr., Clayton e Eno, assim como fez a Milli Vanilli no passado, chamar a imprensa para uma coletiva e confessarem o engodo de "Achtung Baby" – de preferência, em Berlim, cidade acostumada a reconstruções e onde a farra foi cometida. Mas isso jamais acontecerá. Para mim, contento-me em ouvir “Zooropa” e saber que ele veio reestabelecer minha relação com a U2, o que vinha gradativamente perdendo força e sofrera considerável abalo quando do meu desmascaramento solitário. “Zooropa”, com sua força e identidade, zerou tudo. A U2 está para sempre desculpada.

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FAIXAS:
1. Zooropa - 6:30
2. Babyface - 4:00
3. Numb - 4:18
4. Lemon - 6:56
5. Stay (Faraway, So Close!) - 4:58
6. Daddy's Gonna Pay For Your Crashed Car - 5:19
7. Some Days Are Better Than Others - 4:15
8. The First Time - 3:45
9. Dirty Day - 5:24
10. The Wanderer - 5:42
Todas as composições de autoria de Bono Voz, The Edge, Larry Mullen Jr. e Adam Clayton

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OUÇA O DISCO


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 24 de março de 2022

"Duna", de David Lynch (1984) vs. "Duna", de Denis Villeneuve (2021)


Uma substância valiosa e a disputa pela administração e a exploração desse produto no planeta onde ele é extraído está  no centro das ações de ambas as versões de "Duna". O duque Atreides é incumbido pelo Imperador para a tarefa de chefiar o planeta Arrakis, mas o que parecia ser uma honra e benefício mostra-se, na verdade, uma armadilha tramada pelo Império com os perigosos Hakkonen para eliminar o duque e seu filho, o jovem Paul Atreides que, gerado da relação com uma bruxa, tem atributos um tanto especiais que se acentuam ainda mais quando o jovem chega a Arrakis. Seus talentos, sua sensitividade, seus poderes que ele própro não domina completamente, mostram-se fundamentais, especialmente depois que seu pai é traído e morto pelos Hakkonen, e o rapaz, fugitivo, é obrigado a se isolar no deserto com sua mãe, se aproximando a cada momento, a cada passo, de uma profecia que anuncia um "escolhido" que liderará o povo de Arrakis e acabará com a tirania do Império.
Não estou entre os tantos que deploram a adaptação de David Lynch, de 1984, para o romance de Frank Herbert. O filme tem bom elenco, com Jürgen Prochnow, de "O Barco", Sean Young, de "Blade Runner", Max Von Sydow, de "O Sétimo Selo", Patrick Stewart, que viria  estrelar a saga "Star Trek", o astro pop Sting, e Kyle McLachlan que estrelava seu primeiro longa mas que seria, a partir dali, um dos atores preferidos de David Lynch. Os figurinos são incríveis, a direção de arte é bem impressionante, os cenários muito interessantes, a fotografia, na maioria das vezes, é bem competente, e além de tudo isso, a trilha sonora ficava por conta de Toto e Brian Eno.
O grande problema do filme de Lynch foi a parte técnica. Os efeitos especiais, para um filme de ficção científica e com o bom orçamento que teve, são, no mínimo decepcionantes. Mesmo se levando em consideração a época, as limitações técnicas, a primariedade de alguns recursos, eles são, em determinados momentos, quase risíveis. A armadura, por exemplo, que envolve o corpo dos guerreiros de Atreides, uma espécie de campo de força, é simplesmente ridícula. Uma animação geométrica constrangedora. E não me venham dizer que era o que dava pra fazer em 1984 porque, àquelas alturas, já tinham sido feitos três "Star Wars" (1977, 1980, 1983), "Blade Runner" (1982), dois "Superman" (1978, 1980), só pra ficar em alguns, com efeitos visuais muito mais impressionantes e convincentes.
Mas se ficasse limitado a isso, dava pra dar um desconto. A narrativa é apressada, tem muito texto narrado, o que, ao invés de ajudar, atrapalha mais a compreensão, e a última meia hora é atropelada e confusa. Aí, o resto de boa vontade que podia-se ter com o filme de 1984, foi pro espaço.
O que podia ser um gol contra a nova versão de "Duna", que é o fato de não acabar a história (não estou dando spoiler pois todo mundo sabe que vão rodar uma sequência), acaba sendo positivo pelo fato de não correr com a trama pra resolver logo, como fez seu antecessor. O novo "Duna" usa mais tempo mas desenvolve bem a história, sem presa, com paciência, sem precisar recorrer a uma narração explicativa durante todo o filme, e ainda dá mais profundidade e destaque a alguns personagens subutilizados no primeiro, aproximando-os do espectador. Colabora para isso, também, o elenco, igualmente muito qualificado, como no original: Oscar Issac, de "Ex-Machina" e da nova saga "Star Wars", Rebecca Ferguson, de Doutor Sono" e da franquia "Missão Impossível", Jason Momoa ("Aquaman"l), a veterana Charlotte Rampling ("Coração Satânico", "Melancolia"), a carismática Zendaya, dos novos "Homem-Aranha", e, capitaneado o time, o grande queridinho do momento, Timothée Chalamet, de "Me Chame Pelo Seu Nome" e "Não Olhe Para Cima", ente outros, no papel do "messias" Paul Atreides.
A parte técnica, então, que era o ponto fraco do outro, é exatamente uma das maiores virtudes do novo, com efeitos visuais e som espetaculares, não à toa indicados ao Oscar, além da fotografia, com seu visual sombrio e suas locações no deserto simplesmente impressionantes.

"Duna" (1984) - trailer


"Duna" (2021) - trailer


Elenco por elenco, vamos deixar no empate; protagonista por protagonista, também não vejo grande vantagem para ninguém; no entanto, na caracterização e desenvolvimento dos personagens, o remake salta na frente no placar. E, a propósito de desenvolvimento, o andamento do filme e sua estrutura garantem mais um para a nova versão. Os cenários e a direção de arte, os figurinos do primeiro garantem um tento para o time de 1984, contudo, a fotografia, magistral, do novo filme acabam com a alegria do antigo "Duna" que tem que buscar mais uma no fundo das redes. De um modo geral, os efeitos especiais do filme de Villeneuve são muito melhores, mais espetaculares e, sem dúvida representam um golaço para o time de 2022, embora tenhamos que fazer justiça para com os vermes do primeiro filme que também era muito impressionantes, mesmo para as limitações da época. Em compensação, o que os habitantes subterrâneos do deserto de Arrakis acrescentam de positivo, a tal armadura que envolve o corpo dos guerreiros, tira. Quase um gol contra.
Quanto aos caras da casamata, ou seja, os diretores, são dois maestros competentíssimos e, apesar de ser fã de David Lynch, tenho que reconhecer que, mesmo com um bom material humano, com um bom investimento, ele comete alguns erros que comprometem o desempenho final de seu time, ao passo que Denis Villeneuve conduz seu time com precisão, usa um esquema mais adequado para a situação de jogo e, assim, extrai o melhor de cada um de seus atletas.
Duna '84 foi indicado ao Oscar de melhor som mas sua refilmagem atual, além de ser indicada na mesma categoria, ainda recebeu nomeações para outras nove, incluindo melhor filme. Por aí já dá pra ter um pouco da ideia da diferença entre os dois filmes. Duna '21 está muitos anos-luz à frente.

Alguns pontos de comparação entre os dois filmes:
No alto, a Reverenda Madre da ordem das Bene Gasserit nas duas versões.
 original, à esquerda, mais requintada e exótica, e à direita, a nova, mais sobria.
Na segunda linha, o barão Hakkonen, o original típico das bizarrices de David Lynch,
o outro, mais sério, sinistro é mais fiel ao livro.
Em seguida, os vermes do deserto, a esquerda o antigo e à direita, o novo.
Apesar das deficiências dos efeitos visuais do primeiro filme, os vermes de David Lynch se salvam 
e até se destacam como uma das coisas boas do filme.
Em compensação o escudo virtual do primeiro filme, à esquerda, na quarta faixa, é lamentável,
enquanto o outro, da nova versão. é meramente discreto, mas funciona melhor visualmente.
E para finalizar, os dois Paul Atreides.
Kyle McLaclan, do primeiro filme, não decepciona e vai bem no papel e a derrota não passa por ele,
 bem como o queridinho do momento, Timothée Chalamet, que se não é brilhante , não compromete também. 






Cly Reis 

sábado, 31 de julho de 2021

Cantando de olhinhos puxados


 



Os alemães da Kraftwerk vestiram kimono e puxaram os olhinhos
para cantar no idioma japonês
Olimpíadas rolando em Tóquio e tá todo mundo se arriscando num "sayonara" ou num "arigatô", não é verdade? Mas falar japonês pra valer, convenhamos, é pra poucos. Dada a dificuldade de se entender a milenar língua nipônica, pode-se dizer que cantar em japonês é domínio estritamente de quem é natural de lá.

Mas será mesmo? Se depender de alguns ousados artistas, não é bem assim. Indo além do palavreado simplório, músicos de nacionalidades diferentes da japonesa também se aventuraram nessa difícil e rara empreitada. E fizeram mais do que simplesmente cantar temas originais do Japão ou versar standarts para o japonês: eles compuseram canções novas neste idioma. Seja norte-americano, brasileiro, inglês ou alemão, esses músicos, menor ou maiormente afeitos aos ideogramas hanzi, puseram a cara pra bater e fizeram obras diferentes daquilo que eles mesmos desenvolvem normalmente.

Aproveitando, então, esse clima olímpico de Jogos de Tóquio, selecionamos sete músicas de artistas não-japoneses que não só fugiram dos estereótipos como construíram bonitas obras em homenagem à cultura do país do Sol Nascente.

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“Ito Okashi” - The Passangers (1995)
Composta para a trilha da performance de mesmo nome da artista japonesa Rita Takashina, a canção, cantada por sua conterrânea Akiko Kobayashi, a Holi, é de autoria que ninguém menos que Bono Vox, The Edge, Adam Clayton, Larry Mullen Jr. e Brian Eno, ou seja: a U2 em parceria com seu melhor e mais celebrado produtor. A The Passangers, projeto criado para abarcar as diversas trilhas que a turma compôs junto fora do repertório da renomada banda, lançou um único disco com esta formação e nomenclatura, “Original Soundtracks 1” repleto dessas coisas inusitadas assim como o próprio grupo. “Ito Okashi” é certamente das mais representativas do repertório.

Clipe de "Ito Okashi",da The Passangers



“Ai no Sono” - Stevie Wonder (1979)
Da capacidade de Stevie Wonder não se pode duvidar de nada, nem que ele fique com olhos puxados como um oriental pode debaixo daqueles óculos escuros. A bela “Ai no Sono”, assim como a música da The Passangers, também nasceu de um projeto diferente e ligado a cinema. No caso, a trilha sonora para o filme de animação “Journey Through the Secret Life of Plants”, que o Estevão Maravilhoso não apenas compôs, como tocou, arranjou e produziu de cabo a rabo. Quem pode duvidar, então, que o homem invente uma canção em japonês? Embora irregular e extenso, o disco duplo, guarda essa joia que só poderia ter saído de uma cabeça genial como a de Stevie.
OUÇA



“Made in Japan”
- Pato Fu (1999)

O lado extrovertido da Pato Fu faz com que a banda mineira liderada por John Ulhoa e Fernanda Takai (de origem oriental), diferente de outros grupos “sérios” do rock nacional dos anos 90, não levasse tão a sério a si mesmos. Entre os benefícios disso, está o de levar a sério as próprias brincadeiras, como a de criar uma música toda em japonês. Para quem como eles, que cresceu jogando Hatari e vendo na TV Spectreman e Ultraman (e admite isso), não foi uma tarefa tão difícil. Música do disco “Isopor”, de pouco antes de Fernanda começar a se achar uma grande cantora, ou seja, a se levar a sério.
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“Relax”
- The Glove (1983)

Tá certo que é só um refrão “sampleado” de uma voz masculina repetindo as mesmas frases durante a faixa inteira – provavelmente, chupada de algum filme japonês B muito esquisito. Junto a essa voz, outros recortes se entrecruzam com variações de velocidade e compressão, além de sons que fazem referência ao Oriente, como de um koto, de sinos e gongos. Mas, além do inusitado do idioma diferente do inglês em comparação com todos os outros temas cantados de “Blue Sunshine”, o maravilhoso e único disco do projeto de Robert Smith (The Cure) e Steven Severin (Siouxsie & The Banshees), a The Glove, fecha com esta tensa e lisérgica canção, digamos, nada “relax”
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“I Love You, Tokyo”
- Os Incríveis (1968)

Em 1968, a banda de rock da jovem guarda Os Incríveis excursionaram pelo Japão e aproveitaram para gravar no álbum “Os Incríveis Internacionais” e, depois em “Os Incríveis no Japão”, a faixa “I Love you Tokyo”. Embora o título em inglês, a letra é, sim, toda em japonês. A sacadinha da turma de Mingo, Risonho, Nenê, Neno e Netinho foi utilizar uma música original da era Meiji, composta por volta do ano de 1700, para inventar a letra. “Vale essa, Arnaldo?” Vale, sim.
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“Miki”
- Toninho Horta (2012)
Um dos vários músicos brasileiros admirados no Japão – às vezes, reconhecido mais ou antes lá do que aqui – é o mineiro Toninho Horta, violonista e compositor de mão cheia e um dos artífices do Clube da Esquina. No início dos anos 2010, em constante deslocamento entre o seu país natal e o outro lado do mundo, resolveu, então, solucionar esse problema lançando o disco “Minas Tokio”. Em parceria com a musicista japonesa Nubie, Horta, além de regravar clássicos como “Beijo Partido” e “Giant Steps” e de seus tradicionais e belos temas instrumentais, como a claramente oriental “Shinkansen”, ainda escreveu com ela músicas que fazem essa ponte entre Brasil e Japão não só pela música, mas pela letra também.
OUÇA



“Dentaku” - Kraftwerk (1981)
Os geniais pais da música eletrônica, além de cantarem em inglês e alemão em várias ocasiões, têm como característica a universalidade da sua música. É o que se vê nas músicas “Numbers”, que mistura diversas línguas, as faixas de “Tour de France”, todas cantadas em francês, “Sex Object”, com trechos em espanhol, ou “Electric Café”, quando até o português eles arranham. Por que, não, então, cantar em japonês. É o que fizeram nessa faixa, que é uma corruptela da clássica “Pocket Calculator”, do álbum “Computer World”, que, no final das contas, diz mais ou menos a mesma coisa que seu tema original: um convite para fazer/ouvir música usando as teclas de uma calculadora de bolso. 

"Pocket Calculator/ Dentaku" ao vivo, da Kraftwerk



“Império dos Sentidos” - Fausto Fawcett & Os Robôs Efêmeros (1989)
Não se enganem pelo título em português. Afinal, quem não liga este nome a de um dos mais famosos filmes rodados no Japão, o drama erótico de Nagisa Oshima que escandalizou o mundo nos anos 70? Pois foi com essa clara referência (e reverência), que os criativos Fausto Fawcett, Carlos Laufer e Herbert Vianna escreveram a música que intitula o segundo disco da banda carioca. Para isso, fazem o mesmo expediente que a The Glove: recortam um trecho de voz, neste caso, feminina, que repete a mesma frase em japonês, algo provavelmente extraído do próprio filme. Um clima misterioso e, claro, com elementos orientais além da própria letra, que é dita levemente por uma voz feminina, quase uma “narcotic android nissei com a bateria no fim”, como diria o próprio Fawcett.
OUÇA

cenas do filme "O Império dos Sentidos"


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 13 de julho de 2020

"Low: David Bowie", de Hugo Wilcken - coleção "O Livro do Disco" - ed. Cobogó (2018)



"Quando "Low" foi lançado,
pensei que era o som do futuro."
Stephen Morris,
baterista do Joy Division/New Order,
em trecho do livro



Uma coisa interessante na coleção O Livro do Disco, é a abordagem que cada autor, pesquisador, jornalista, dá ao objeto de sua análise. Alguns são mais focados no álbum como um todo, outros na parte técnica, alguns em aspectos pessoais, outros nas motivações que levaram àquela obra, e por aí vai. No caso específico do livro "Low: David Bowie", do australiano Hugo Wilcken, que se debruça sobre o icônico álbum de Bowie, de 1977, pedra fundamental da conhecida Trilogia de Berlim, sua opção de abordagem, para meu gosto e expectativa, deixou a desejar. Hugo se detém excessivamente em aspectos externos, em elementos influencidores, em precedentes, negligenciando, de certa forma, uma análise mais completa e mais reverencial do trabalho ao qual o livro é dedicado. Para chegar a "Low", ele examina o álbum predecessor de David Bowie, "Station to Station", e o outro, produzido por ele na mesma época para Iggy Pop, "The Idiot", com demasiada atenção e espaço. Observações pertinente, é verdade, considerando a extensão das ideias destes dois álbuns para a concepção final de "Low", mas nesse preâmbulo todo, a obra em questão, só começa a ser objetivamente apreciada, exatamente na metade do livro. O autor fica muito tempo recuperando fatos, elementos, questões técnicas de "Station to Station" e quando parte efetivamente para o próprio "Low", sua análise fica compacta demais. O livro até mesmo poderia se chamar "Um estudo sobre as influências de 'Station to Station', sobre 'Low'", tamanha é a importância colocada sobre o álbum anterior dentro de uma exposição que deveria ser enfaticamente sobre aquele que motiva a publicação.  Ele fala de "Low", é claro, mas, no fim das contas, sua dissertação sobre o disco, fica apertada entre os capítulos finais e até o fim segue com comparações e referências ao disco antecessor. Ele repassa sobre todas as faixas, sim, mas brevemente e, no mais das vezes, mesmo quando demonstra sua admiração pelo álbum, o faz de forma um tanto fria e distanciada. Exceção seja feita a "Subterraneans", a última faixa do disco, a qual o escritor dedica um pouco mais de espaço e atenção, sendo que, embora reconheça todos os méritos e virtudes desta canção, na minha humilde opinião, ela sequer é uma das melhores do disco.
"Low", da coleção O Livro do Disco, que tantas vezes já me brindou com publicações dignas de colocar no ponto mais alto da prateleira, não chega a ser uma decepção mas, devo admitir, que não era o que eu esperava ou gostaria de ler. Vale como mais um material interessante sobre uma das fases e de um dos momentos mais marcantes da carreira desse notável artista.


Cly Reis

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Música da Cabeça - Programa #148


Nosso canto não pode se esconder como o de um bando de Yanomamis na floresta, como disse o poeta. Nosso canto, o canto do Música da Cabeça, tem que se posto pra fora! E é isso que vamos ter hoje, com a ajuda de Nei Lisboa, Johnny Hooker, Nino Rota, Brian Eno, Marlui Miranda e outros. A situação dos índios isolados também é tema do programa, que também vai trazer homenagens a Federico Fellini e a Elisa Lucinda. O ritual indígena começa às 21h, na oca da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e cocar: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Música da Cabeça - Programa #126


Parece que a Nasa descobriu condições de vida na lua de Júpiter, a Europa. Enquanto a gente nãos se muda pra lá, o negócio é aproveitar o Música da Cabeça. Ainda mais porque hoje tem toda essa variedade sonora, que não se encontra em outro lugar do Sistema Solar: Seal, Gustavo Galo, Brian Eno & John Cale, Kid Abelha, Massive Attack, Velha Guarda da Mangueira e mais. Não precisa ser extraterrestre pra entender que aqui na Terra ainda tem coisa que vale a pena, como o MDC, que vai ao ar às 21h, na constelação da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e missão espacial: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/