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segunda-feira, 13 de julho de 2020

"Low: David Bowie", de Hugo Wilcken - coleção "O Livro do Disco" - ed. Cobogó (2018)



"Quando "Low" foi lançado,
pensei que era o som do futuro."
Stephen Morris,
baterista do Joy Division/New Order,
em trecho do livro



Uma coisa interessante na coleção O Livro do Disco, é a abordagem que cada autor, pesquisador, jornalista, dá ao objeto de sua análise. Alguns são mais focados no álbum como um todo, outros na parte técnica, alguns em aspectos pessoais, outros nas motivações que levaram àquela obra, e por aí vai. No caso específico do livro "Low: David Bowie", do australiano Hugo Wilcken, que se debruça sobre o icônico álbum de Bowie, de 1977, pedra fundamental da conhecida Trilogia de Berlim, sua opção de abordagem, para meu gosto e expectativa, deixou a desejar. Hugo se detém excessivamente em aspectos externos, em elementos influencidores, em precedentes, negligenciando, de certa forma, uma análise mais completa e mais reverencial do trabalho ao qual o livro é dedicado. Para chegar a "Low", ele examina o álbum predecessor de David Bowie, "Station to Station", e o outro, produzido por ele na mesma época para Iggy Pop, "The Idiot", com demasiada atenção e espaço. Observações pertinente, é verdade, considerando a extensão das ideias destes dois álbuns para a concepção final de "Low", mas nesse preâmbulo todo, a obra em questão, só começa a ser objetivamente apreciada, exatamente na metade do livro. O autor fica muito tempo recuperando fatos, elementos, questões técnicas de "Station to Station" e quando parte efetivamente para o próprio "Low", sua análise fica compacta demais. O livro até mesmo poderia se chamar "Um estudo sobre as influências de 'Station to Station', sobre 'Low'", tamanha é a importância colocada sobre o álbum anterior dentro de uma exposição que deveria ser enfaticamente sobre aquele que motiva a publicação.  Ele fala de "Low", é claro, mas, no fim das contas, sua dissertação sobre o disco, fica apertada entre os capítulos finais e até o fim segue com comparações e referências ao disco antecessor. Ele repassa sobre todas as faixas, sim, mas brevemente e, no mais das vezes, mesmo quando demonstra sua admiração pelo álbum, o faz de forma um tanto fria e distanciada. Exceção seja feita a "Subterraneans", a última faixa do disco, a qual o escritor dedica um pouco mais de espaço e atenção, sendo que, embora reconheça todos os méritos e virtudes desta canção, na minha humilde opinião, ela sequer é uma das melhores do disco.
"Low", da coleção O Livro do Disco, que tantas vezes já me brindou com publicações dignas de colocar no ponto mais alto da prateleira, não chega a ser uma decepção mas, devo admitir, que não era o que eu esperava ou gostaria de ler. Vale como mais um material interessante sobre uma das fases e de um dos momentos mais marcantes da carreira desse notável artista.


Cly Reis

quinta-feira, 13 de maio de 2021

A-ha - "Hunting High And Low" (1985)



"É um álbum coeso, com mudança inteligentes de ritmo
 e que raramente falha para com as necessidades de encantar
 ou satisfazer dos ouvintes do synth pop...
 não se pode negar que 'Hunting High and Low'
 é um produto da década de 1980,
 mas com peças como 'Take On Me' e 'The Sun Always Shines on TV'
 e sem outros pontos negativos,
 a estreia de A-ha é um deleite digno de saborear."
Tim DiGravina, 
do guia All Music


O A-ha é uma banda frequentemente subestimada e pouco valorizada, não raro, considerado um grupo pop para menininhas. É verdade que os carinhas eram bonitões e faziam sucesso com as garotas, em especial o vocalista Morten Harkett, mas as virtudes deles passavam longe de se restringir meramente à esfera estética. O A-ha, um raríssimo exemplar de música pop vinda da Noruega, foi uma das bandas mais expressivas da cena musical dos anos 80 e uma das que melhor sintetizou, muito a propósito, o synth-pop. Linhas melódicas envolventes, refrões contagiantes, um vocal firme mas que ao mesmo expressava uma fragilidade suplicante, carisma, e, na carona disso tudo... hits. Muitos hits!
"Hunting High and Low", seu álbum de estreia, de 1985, talvez nem seja o melhor disco da banda mas, certamente, é o que deu o empurrãozinho que eles precisavam para atingir o grande público e o que traz alguns de seus sucessos mais marcantes: a belíssima balada apaixonante, misteriosa, de tons exóticos e cordas grandiloquentes, que empresta o nome ao disco, "Hunting High and Low"; a vibrante "The Sun Always Shines on TV"; e, é  claro, a excelente "Take on Me", um pop empolgante, altamente dançante, que, curiosamente, só conseguiu conquistar o público e as paradas depois de duas tentativas fracassadas, impulsionado, então finalmente pelo inconfundível videoclipe que colocava o grupo dentro de uma frenética HQ com automobilismo, perseguições, brigas e romance.


A-ha - "Take on Me"


Embora algumas das outras canções sejam, a bem da verdade, um tanto simplórias, com um pop, de certa forma até pueril e inocente, "Train of Thought", "Here I Stand Face The Rain" e a balada "And You Tell Me", se diferenciam entre as demais que não chegaram às paradas, e também merecem destaque.
Vai lá, vai. Deixa o preconceito de lado, deixa de ser carrancudo e admite que o A-ha é muito legal. Vai dizer que tu nunca dançou "Take on Me", na maior empolgação, numa festinha qualquer por aí? Então! Sai dessa! "Hunting High and Low" é ÁLBUM FUNDAMENTAL, sim.
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FAIXAS:
  1. Take on Me (Waaktaar/Furuholmen/Harket) - 3:48
  2. Train of Thought (Waaktaar) - 4:14
  3. Hunting High and Low (Waaktaar) - 3:45
  4. The Blue Sky (Waaktaar) - 2:36
  5. Living a Boy's Adventure Tale (Waaktaar/Harket) - 5:00
  6. The Sun Always Shines on TV (Waaktaar) - 5:08
  7. And You Tell Me (Waaktaar) - 1:51
  8. Love is Reason (Furuholmen) - 3:04
  9. I Dream Myself Alive (Waaktaar/Furuholmen) - 3:06
  10. Here I Stand and Face the Rain (Waaktaar) - 4:30

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Ouça:

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

David Bowie - "Low" (1977)



“David passava por um período de grande depressão."
Tony Visconti, produtor



Em época de lançamento de biografia do cara, aí vai mais um Bowie fundamental pra discoteca:
"Low", álbum de 1977, o primeiro do que se costuma chamar de 'fase berlinesne', compondo com "Lodger, Heroes" e "Stage" uma curiosa "trilogia" de 4 álbuns onde "Stage" funciona como releitura ao vivo dos dois primeiros.
"Low" é um daqueles álbuns que foi feitos para ser LP, mesmo. Disco com lado A e lado B literalmente. Duas coisas completamente diferentes: o primeiro, todo cheio daquele pop-rock brilhante e sofisticado que só David Bowie sabe fazer, com canções bem objetivas, curtas, soltas, ritmadas, a maioria delas cantadas, mas com destaque especial para a instrumental que abre o disco "Speed of Life". Destaque também para a excelente "Sound and Vision" e para o pop gostoso de "Be My Wife". Só que virando o disco, a atmosfera é completamente outra. Músicas densas, introspectivas, soturnas, longas, quase todas instrumentais, cheias de experimentalismos e sonoridades estranhas, lembrando muito os trabalhos solo do colaborador e mentor Brian Eno e a fase inicial do Kraftwerk, banda que Bowie tinha grande admiração. Destaque para "Warszawa", minha preferida do lado 2.
Em comum, os dois momentos deste trabalho tem o tratamento fino e detalhado da produção, que é creditada a Tony Visconti e Bowie, mas que tem inegavelemente o dedo de Brian Eno; além de uma estranha e incrível coerência musical que fazem de um álbum como este com faces tão distintas, uma obra que consegue manter uma genial e singular unidade mesmo com características tão antagônicas.
Neste Bowie consegui se superar superou e não foi camaleão apenas de uma década pra outra, de um disco para o outro como estamos acostumados a ver. Foi mutante de um lado para o outro do mesmo disco. Em parte resultado de seus problemas psicológicos da época, do uso de drogas, da dificuldade de compor letras naquele momento, mas de tudo isso tirar um disco como este, é só para um David Bowie.
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FAIXAS:
Lado A
  1. "Speed of Life" – 2:46
  2. "Breaking Glass" (Bowie, Dennis Davis, George Murray) – 1:52
  3. "What in the World" – 2:23
  4. "Sound and Vision" – 3:05
  5. "Always Crashing in the Same Car" – 3:33
  6. "Be My Wife" – 2:58
  7. "A New Career in a New Town" – 2:53
Lado B
  1. "Warszawa" (Bowie, Brian Eno) – 6:23
  2. "Art Decade" – 3:46
  3. "Weeping Wall" – 3:28
  4. "Subterraneans" – 5:39

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Ouça:
David Bowie Low




Cly Reis

segunda-feira, 30 de junho de 2014

David Bowie - "The Next Day" (2013)





"Aqui estou eu.
Não exatamente morrendo."
David Bowie 
da letra de "The Next Day"



Num primeiro momento achei que pudesse estar sendo precipitado e entusiasta ao julgar "The Next Day", de David Bowie digno de ser considerado ÁLBUM FUNDAMENTAL, praticamente imediatamente após seu lançamento, no ano passado, mas lendo críticas as positivas, ouvindo outras opiniões e vendo outras considerações igualmente entusiasmadas, não apenas de blogueiros independentes como eu, mas de veículos especializados, me convenci de que não estava exagerando na minha empolgação (não que eu precise de confirmação para cada pensamento ou ideia que venha a ter, mas às vezes é bom se perceber que não se está só). "The Next Day" é um dos grandes trabalhos de Bowie e um dos melhores de sua carreira e um dos melhores álbuns dos últimos tempos num cenário musical que vem se apresentando absolutamente sem força, ousadia e criatividade. Num universo atual de uma meninada que só faz a mesma música, joga peso sem sentido, confunde velocidade com energia e meramente copia e cola o que já foi feito antes (e jura que é algo novo), o velho David Bowie se revisita  sem se autoplagiar ou caricaturar, fazendo uma espécie de coletânea de coisas novas com vitalidade, pungência e originalidade.
A música que dá nome ao disco, a vigorosa "The Next Day", com um significado todo especial pela, praticamente ressurreição do mito, tem a pegada de "Hello Spaceboy" já dos tempos atuais do cantor, da ópera policial "Outside", porém mais pura, mais orgânica, mais rock, sem a parafernália eletrônica. Abertura em grande estilo. Cartão de visita pra mostrar que o cara não saiu de suas "férias" pra brincadeira.
"Dirty Boys" remete muito à fase berlinense, em especial à de Iggy Pop que fora produzido por Bowie na época, lembrando particularmente coisas como "Nightclubbing" e, talvez não por coincidência, "Dum Dum Boys".
O pop competentíssimo, típico de Bowie, "The Stars (Are Out Tonight)" poderia tranquilamente ter feito parte do ótimo "Let's Dance" do início dos anos 80; e "Love is Lost", matadora, com sua programação minimalista e guitarras rascantes, facilmente poderia ter entrado para o repertório do eletrônico e pesado "Earthling" do finalzinho do século passado.
"Where Are You Now?", a primeira música de trabalho do álbum, e curiosamente uma das menos interessantes do disco, é a típica balada bowieana que aparece ao longo da carreira de maneiras diferentes e aqui, especialmente, com uma melancolia dolorosa que lhe dá um toque diferenciado.
Pelo rock característico, pelas guitarras estridentes, a ótima "Valentine's Day", com a produção brilhante de Tony Visconti, poderia figurar sem estranhamento num "...Ziggy Stardust...", por que não?; e "If You Can See Me", por conta de sua bateria alucinante e seu ritmo frenético, poderia ser mais uma a constar no set-list do subestimado "Earthling" de 1997.
"I'd Rather Be High" tem um ótimo refrão e um embalo à "Lodger'; "Boss of Me" é um pop sofisticado com cara de "Changes"; "Dancing out of Space" tem a energia berlinense de "Lust for Life" do parceiro Iggy, mas com um toque de "Heroes"; e "How Does the Grass Grow" é marcante pelo refrão gostoso e animado.
Dona de um riff imponente e pesado, "(You Will) Set the World On Fire" não fica devendo nada aos bons rocks da época do clássico "Aladdin Sane", como "Panic in Detroit", por exemplo, "You Feel so Lonely You Could Die" é outra balada típica de Bowie como apenas ele sabe fazer; e a introspectiva e sombria "Heat" parece ter saído do lado B de "Low", fechando a edição original de maneira impecável. No entanto, versões especiais apresentam mais 3 faixas que não ficam atrás em nada às 14 originais. "So She" é um pop new-wave misto de "Diamond Dogs", "Lodger" e o pop do lado A de "Low"; "Plan" com seu ritmo arrastado, sua batida seca e sua guitarra pesada é outra que lembra as experimentações instrumentais de Bowie e Brian Eno da segunda metade de "Low"; e para encerrar, aí sim, definitivamente, para quem tem a edição estendida, temos a boa "I'll Take You There" um pop charmoso e descontraído que poderia, sem problema, ser de um "Scary Monsters". Mas o fato é que não é. Todas não são. São de "The Next Day" e este ábum não é passado. É presente. É novo e é vivo.
Quando todos achavam que David Bowie estava acabado, que talvez nem voltasse a gravar por conta de seus problemas de saúde e que, se voltasse a fazer algo, provavelmente não manteria um bom nível, o eterno Camaleão aparece com um trabalho assim.
Para os menos atentos, a inusitada capa já dava toda a pista do conceito do álbum: ao mesmo tempo que chama atenção para o passado com a capa de um disco clássico, coloca sobre ela, de forma acintosa, uma figura geométrica regular, de lados iguais, que remete a uma leitura moderna, praticamente sufocando a imagem de fundo. O quadrado é o mais importante. Preste atenção à forma.
Ah, você tinha se fixado mais ao fundo? Pois é... Bowie nos surpreendeu de novo.
Nada como um dia depois do outro.
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FAIXAS:
1. "The Next Day" 3:27
2. "Dirty Boys" 2:58
3. "The Stars (Are Out Tonight)" 3:56
4. "Love Is Lost" 3:57
5. "Where Are We Now?" 4:08
6. "Valentine's Day" 3:01
7. "If You Can See Me" 3:15
8. "I'd Rather Be High" 3:53
9. "Boss of Me" (Bowie, Gerry Leonard) 4:09
10. "Dancing Out in Space" 3:24
11. "How Does the Grass Grow?" (Bowie, Jerry Lordan) 4:33
12. "(You Will) Set the World On Fire" 3:30
13. "You Feel So Lonely You Could Die" 4:41
14. "Heat" 


faixas bônus:
15. "So She" 2:31
16. "Plan" 2:02
17. "I'll Take You There" (Bowie, Leonard)

 
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Ouça:

Cly Reis

segunda-feira, 14 de junho de 2021

R.E.M. - "Out of Time" (1991)

 

“Não esperávamos o que aconteceu com ‘Losing my Religion’. É uma música de cinco minutos sem refrão perceptível, e o bandolim é o instrumento principal. Não há absolutamente nenhuma maneira de prever que a música seria um sucesso."
Mike Mills

"Eu realmente gosto muito do disco. Na verdade, eu amo o disco.”
Michael Stipe

O início dos anos 90 foi especial para apreciadores de rock de qualquer canto do planeta, inclusive no Sul do Brasil, sempre longe demais das capitais. Surgiam ótimas e promissoras bandas tanto nas paradas de sucesso quanto na cena alternativa, despontavam alguns músicos de fina estirpe, as rádios e uma ativa MTV repercutiam muita coisa boa, festivais legais aconteciam pelo mundo. Mas aquele período foi também de confirmação de velhos conhecidos. Oriundos dos anos 60, 70 e 80, muitos artistas em plena atuação faziam alguns de seus melhores trabalhos naquele começo da última década do século XX, o mesmo que viu, nos anos 50, o rock surgir enquanto movimento jovem e cultural de massas. Foi assim com Iggy Pop, Lou Reed, The Cure, Neil Young, Metallica, U2 e vários outros. Sabendo-se de seus potenciais e história, de certa forma esperava-se deles que trouxessem novidades a cada lançamento. Porém, por incrível que pareça, não se alimentava essa expectativa quanto a R.E.M. – ou, quem sabe, temporariamente se esquecia deles.

Talvez por terem demorado três anos para lançar algo novo ou por virem de uma série de ótimos discos, desembocando no acachapante “Green”, a impressão que dava era a de que eles haviam se livrado dessa cobrança. A ausência do peso da responsabilidade foi positiva, pois fez com que a chegada de “Out of Time” fosse ainda mais impactante naquele ano de 1991. O primeiro single, "Losing My Religion", cujo videoclipe foi ao mesmo tempo um choque e um sucesso imediato, tratava-se de um perfect pop com as características que lhe são comuns: refrão pegajoso, riff fácil e inteligente, melodia envolvente, evolução com carga emotiva. Mas, mais do que isso, um tom melancólico, grave, contristado, algo entre uma balada com ares sacros e um pop rock de massas. Fora isso, o instrumento principal é um incomum bandolim. E que letra! “Aquele sou eu no canto/ Aquele sou eu sob os holofotes/ Perdendo minha religião/ Tentando te acompanhar/ E eu não sei se eu consigo fazer isso”. Sabia-se que se estava presenciando o nascimento de um clássico do rock.

Dada a primeira boa impressão, o então novo disco da R.E.M., porém, levou um pouco para chegar no ainda atrasado mercado fonográfico do Brasil daqueles idos. "Losing My Religion", por sua vez, cumpria o papel de reacender os holofotes para o quarteto Michael Stipe, Peter Buck, Mike Mills e Bill Berry. A se ver pelo primeiro hit, prenunciava-se um disco acima da média. Foi então que o dia de conhecer “Out...” chegou ao Rio Grande do Sul (provavelmente, se não o primeiro estado no Brasil, dos primeiros a ter esse privilégio) através da finada Rádio Ipanema, que aos finais de tarde geralmente rodava na íntegra alguma novidade do mundo do rock. 

E as expectativas foram todas confirmadas. “Radio Song”, que abre o álbum, assinalava que a R.E.M. vinha, sim, para engrossar a fila das bandas veteranas em plena forma naquela virada de anos 80 para os 90. Um britrock ao estilo das melhores coisas da Ride e Stone Roses, com um ritmo funkeado, riff matador e carregado das guitarras espetaculares de Buck. Ainda assim, o arranjo também comportava uma orquestra de cordas e uma boa dose de variações de andamento. Mas isso não é tudo: dividindo os vocais com Stipe está o rapper KRS-One. Primeiro, soltando frases e melismas com o sotaque das ruas norte-americanas, o que dá uma personalidade totalmente própria à música. Depois, ao final, KRS-One engata, aí sim, somente ele um rap, encerrando a canção com o provavelmente quarto ou quinto ritmo apresentado na melodia. Que cartão de visitas “Radio Song”!

A audição de “Out...” se desenrolava e, a cada nova faixa, mais se confirmava que se estava diante de um grande disco. "Low" emulava com competência The Doors, tanto no canto de Stipe a la Jim Morrison e no riff de guitarra circunspecto, que lembra temas como "When the Music's Over" e "Strange Day", quanto, principalmente, no órgão Hammond como o de Ray Manzareck. Bem ao estilo guitar melody, a R.E.M. volta à sua pegada dos discos “Document”, “Reckoning” e, principalmente, “Green”, em "Near World Heaven", outra música de trabalho do disco, esta, cantada por Mills. Conforme se avança no sulco, percebem-se semelhanças com a construção de repertório desses álbuns anteriores que tão certo havia dado, os quais intercalam temas mais alegres com outros mais melancólicos, mais agitados com lentos, mais distorcidos com melodias doces. Mérito do produtor Scott Litt.

O que “Out...” guarda também, no entanto, são mais maravilhas. A emocionante instrumental "Endgame" é um country altamente melodioso em que, além da instrumentalização caprichada com escaleta, violão, cordas e percussões delicadas, ouve-se a voz de Stipe apenas para cantarolar melismas como mais um instrumento. Após uma canção tristonha, vem mais uma pulsante. E em alto astral, por sinal. Sinônimo de música pop alegre, o segundo maior hit do disco, "Shiny Happy People", traz, além do termo "alegria" no próprio título, a esfuziante participação de Kate Pierson, da B52's, musa da divertida new wave, dividindo os microfones com Stipe, que pega emprestada a ideia tão bem executada por Iggy Pop com a cantora um ano antes noutro sucesso daquele começo de década, "Candy". Assim como “Losing...” e espelhando-se num tema de função parecida de “Green”, “Stand”, é mais um perfect pop que também marcou época por conta de sua melodia animada e de seu clipe, que trazia uma cenografia festiva e colorida como a música.

O pop rock eficiente de "Belong" completa-se com uma nova redução na rotação e mais uma bela canção: "Half a World Away", balada misto da atmosfera folk de "Endgame", o vocal anasalado típico de Stipe em "Losing...", as cordas de “Radio Song” e a levada Doors de "Low" – desta vez trocando o órgão por um cravo. Na sequência, Mills encabeça outro tema assim como fez em “Near...”. É “Texarcana”, novamente um rock com magnífico riff e complemento de cordas. A construção do repertório é tão parecida com a de “Green”, que mais uma vez as faixas se espelham. Caso de “Country Feedback”, balada que remete a “The Wrong Child” do álbum anterior. Esta prepara o terreno para o encerramento com "Me in Honey", em que se repete a dobradinha Stipe-Pierson num tema pop se não à altura de grandes faixas do próprio “Out...” e nem do gran finale de “Green” (o rockasso "I Remember California"), ao menos mantém com dignidade a boa qualidade.

Chegado ao final daquela primeira audição de “Out...”, ação se repetiria centenas de vezes nesses últimos 30 anos que o disco completa em 2021, ficava evidente que a R.E.M. se superava. E se não era melhor do que seu antecessor “Green” – difícil tarefa que a banda jamais atingiria até se dissolver, em 2011 – ao menos aperfeiçoava seu estilo e discurso. Adicionava-se às guitarradas de Buck outras formas de criar riffs; ampliava-se a instrumentalização; aprofundam-se na raiz da música norte-americana; Stipe apurava ainda mais sua poesia e canto. Presente em listas de grandes discos dos anos 90, como a dos 100 Álbuns das revistas Rolling Stone e Slant, “Out...” ganhou três Grammy Awards em 1992 (Melhor Álbum de Música Alternativa e dois para "Losing My Religion"). E se hoje o disco é considerado um clássico, à época de seu lançamento ele alçava o grupo a um novo patamar: o de banda que transpunha a fronteira do alternativo para o pop. O esquecimento temporário da R.E.M. havia feito bem tanto para poderem apresentar aquele novo trabalho quanto, principalmente, para atingirem livres de preconceitos um feito que poucos conseguem: o de tornar-se internacionalmente conhecido, mas manter o status de cult.

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FAIXAS:
1. "Radio Song" - 4:13
2. "Losing My Religion" - 4:26
3. "Low" - 4:55
4. "Near Wild Heaven" - 3:17
5. "Endgame" - 3:48
6. "Shiny Happy People" - 3:45
7. "Belong" - 4:05
8. "Half a World Away" - 3:26
9. "Texarkana" - 3:37
10. "Country Feedback" - 4:07
11. "Me in Honey" - 4:06
Todas as músicas de autoria de Berry, Buck, Mills e Stipe

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Daniel Rodrigues

terça-feira, 4 de agosto de 2015

"David Bowie: Five Years", de Francis Whately (2013)


"Acho que fui um dos primeiros a dizer:
'Eu realmente estou usando o rock'n roll.' "



Assisti há pouco tempo e gostei muito do documentário produzido pela rede britânica BBC, "David Bowie: Five Years" que, como o nome sugere, foca em 5 anos da carreira do artista com entrevistas, imagens inéditas, impressões e informações sobre cada um destes momentos em particular, nesta que é uma das trajetórias artísticas mais notáveis e significativas no universo pop-rock. Ao contrário do que pode-se imaginar num primeiro instante, o filme não corre por um período de meia década corrida e sim pinça períodos cruciais para a carreira e obra do cantor. Primeiro, o período de 1971 a 1972 com a criação de um personagem, Ziggy Stardust, o visual andrógino, a ênfase nas guitarras e a 'criação' do glam-rock, período da música que dá nome ao filme, "Five Years", e que abre o álbum "The Rise and The Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars"; depois o intervalo entre 1973 e 74 com a reviravolta sonora, a influência da soul-music e a parceria com John Lennon em "Young Americans", pegando ainda a transição para "Station to Station"; indo para outra transformação sonora, na época de 76 a 77 com a mente confusa, as drogas, a inspiração no kraut-rock, no eletrônico, em Kraftwerk, na ambient-music, a parceria com Brian Eno, a mudança para Berlin e o brilhante "Low" como resultado, e, na sequência, ainda na Alemanha Oriental, o lendário " 'Heroes' "; continuando com "Scary Monsters " no período de 1979 a 1980, com a cabeça mais limpa, colhendo os frutos tanto da imersão na música negra quanto no experimentalismo, num trabalho conceitual porém acessível; e chegando ao auge da linguagem pop ali entre 1982 e 1983 com a mudança de gravadora, a grande turnê e o álbum "Let's Dance" com seu inegável apelo comercial.
Muito interessantes as curiosidades, as parcerias, a imprevisibilidade genial de Bowie, as particularidades que envolvem canções, as motivações de cada álbum e os detalhes de produção. Muito legal, por exemplo, o guitarrista Carlos Alomar contando da dificuldade inicial dos músicos em entenderem o 'quase-músico' Brian Eno, co-mentor de "Low", tentando explicar o que pretendia das músicas com uma lousa, gestos e gráficos e não com os instrumentos; Robert Fripp falando de sua participação e ousadia em "Scary Monsters"; e o produtor Nile Rodgers, recrutado para dar uma cor mais pop ao som do artista no início dos anos 80, contando como levou a demo de "China Girl" para casa e como apresentou sua nova introdução no dia seguinte louco de medo que Bowie fosse odiar.
Para os fãs que não viram mas que conhecem cada fase, cada disco, é extremamente recomendável e para quem não é ou não conhece muito da obra deste grande artista, vale para perceber o valor de sua obra e entender todo seu mérito artístico em cada trabalho. 
É lógico que dá pra sentir falta de coisas como o ótimo "Space Oditty", que particularmente adoro, ou do não menos clássico "Aladdin Sane", mas é compreensível que dentro da proposta do filme, até pela sugestão do nome da canção do próprio Bowie, eles ficassem de fora, embora, de alguma forma, estejam presentes nas fases apresentadas. Mas está de bom tamanho, pouco mais de uma hora contendo cinco grandes anos da história do rock. Na verdade, uma vida inteira  passando diante de nossos olhos.


Cly Reis

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

30 grandes músicas dos anos 80 (não necessariamente as melhores)

Os irlandeses da U2, no topo da lista, em foto de
Anton Corbjin da época de "Bad"
Sabe aquela música de um artista pop que você escuta e se assombra? E o assombro ainda só aumenta a cada nova audição? “Caramba, que som é esse?!”, você se diz. Pois bem: todas as décadas do rock – principalmente a partir dos anos 60, quando as variações melódico-harmônicas se multiplicaram na reelaboração do rock seminal de Chuck Berry, Little Richard e contemporâneos – são repletas de músicas assim: clássicos imediatos. Mas por uma questão de autorreconhecimento, aquelas produzidas nos anos 80 me chamam bastante a atenção. É desta década que mais facilmente consigo enumerar obras desta característica, as que deixam o ouvinte boquiaberto ou, se não tanto, admirado.

Conseguiu entender de que tipo de música estou falando? Creio que talvez precise de maior elucidação. Bem, vamos pela didática das duas maiores bandas rock de todos os tempos: sabe “You Can´t Always Get What You Want”, dos Rolling Stones, ou “A Day in the Life”, dos Beatles? É esta espécie a que me refiro: podem não ser necessariamente as músicas mais consagradas de seus artistas, nem grandes hits, mas são, inegavelmente, temas grandiosos, emocionantes, que elevam. Você pode dizer: “mas têm outras músicas de Stones ou Beatles que também emocionam, também são grandes, também provocam elevação”. Sim, concordo. Porém, estas, além de terem essa característica, parecem conter em sua gênese a ideia de uma “grande obra”. Dá pra imaginar Jagger e Richards ou Lennon e McCartney – pra ficar no exemplo da tabelinha Beatles/Stones – dizendo-se um para o outro quando compunham igual Aldo, O Apache em "Bastardos Inglórios": “Olha, acho que fizemos nossa obra-prima!”

Quer mais exemplos? “Lola”, da The Kinks; “Heroin”, da Velvet Underground; “Marquee Moon”, da Television; "We Are Not Helpless", do Stephen Stills; "Kashmir", da Led Zeppelin. Sacou? Todas elas têm uma integridade especial, uma alma mágica, algo de circunspectas, quase que um selo de "clássica". 

Pois bem: para ficar claro de vez, selecionamos, mais ou menos em ordem de preferência/relevância, as 30 músicas do pop-rock internacional dos anos 80 as quais reconhecemos esse caráter. Para modo de poder abarcar o maior número de artistas, achamos por bem não os repeti, contemplando uma música de cada - embora alguns, evidentemente, merecessem mais do que apenas uma única indicada, como The Cure, U2 e The Smiths. Haverá as que são mais conhecidas ou mais obscuras; as que, justamente por conterem certo tom épico, se estendem mais que o normal e fogem do padrão de tempo de uma "música de trabalho"; artistas de maior sucesso e outros de menor alcance popular; músicas que inspiraram outros artistas e outras que, simplesmente, são belas. 

E desculpe aos fãs, mas, claro, muita gente ficou de fora, inclusive figurões que emplacaram superbem nos anos 80, como Michael Jackson, Elton John, Bruce Springsteen e Queen. Até coisas que adoraria incluir não couberam, como “Hollow Hills”, da Bauhaus, “Hymn (for America)”, da The Mission, "51st State", da New Model Army, "Time Ater Time", da Cyndi Lauper, "Byko", do Peter Gabriel, "Up the Beach", da Jane's Addiction, "Pandora", da Cocteau Twins, "I Wanna Be Adored", da Stone Roses... Mas não se ofendam: tendo em vista a despretensão dessa listagem, a ideia é mais propositiva do que definidora. Mas uma coisa une todos eles: criaram ao menos uma música diferenciada, daquelas que, quando se ouve, são admiradas de pronto. Aquelas músicas que se diz: “cara, que musicão! Respeitei”. 


1 – “Bad” - U2 ("The Unforgatable Fire", 1984) OUÇA
2 – “Alive and Kicking” - Simple Minds (Single "Alive and Kickin'", 1985) OUÇA
3 –
Capa do compacto de
"How...", dos Smiths
“How Soon is Now?”
- The Smiths 
("Hatful of Hollow", 1984) OUÇA








4 – “Nocturnal Me” - Echo & The Bunnymen ("Ocean Rain", 1984) OUÇA
5 – “A Forest” - The Cure ("Seventeen Seconds", 1980) OUÇA
6 – “World Leader Pretend” - R.E.M. ("Green", 1988) OUÇA
7 – “Ashes to Ashes” - David Bowie ("Scary Monsters (and Super Creeps)", 1980) OUÇA
8 – “Vienna” - Ultravox ("Vienna", 1980)

Videoclipe de "Vienna", da Ultarvox, tão 
clássico quanto a música


9 – “Road to Nowhere” - Talking Heads ("Little Creatures", 1985) OUÇA
10 – “All Day Long” - New Order ("Brotherhood", 1986) OUÇA
11  “Armageddon Days Are Here (Again)” - The The ("Mind Bomb", 1989) OUÇA
12 – “The Cross” - Prince ("Sign' O' the Times", 1986) OUÇA
13 – “Live to Tell” - Madonna ("True Blue", 1986) OUÇA

Madonna estilo diva, no clipe de "Live..."

14 – “Hunting High and Low” - A-Ha ("Hunting High and Low", 1985) OUÇA
15 – “Save a Prayer” - Duran Duran ("Rio", 1982) OUÇA
16 – “Hey!” - Pixies ("Doolitle", 1989) OUÇA
17 – “Libertango (I've Seen That Face Before) - Grace Jones ("Nightclubbing", 1981) OUÇA
18 – “Black Angel” - The Cult ("Love", 1985) OUÇA
19 – “Children of Revolution” - Violent Fammes ("The Blind Leading the Naked", 1986) OUÇA
Os pouco afamados
Alternative Radio
emplacam a fantástica
"Valley..."
20 – “Valley of Evergreen” - Alternative Radio 
("First Night", 1984) OUÇA









21  “USA” - The Pogues ("Peace and Love'", 1989) OUÇA
22  “Decades” - Joy Division ("Closer", 1980) OUÇA
23 – “Easy” - Public Image Ltd. ("Album", 1986) OUÇA
24  “Teen Age Riot” - Sonic Youth ("Daydream Nation", 1988) OUÇA
25 – “One” - Metallica ("...And Justice for All", 1988) OUÇA
26 – “Little 15” - Depeche Mode ("Music for the Masses", 1987) OUÇA
27 – "Never Tear Us Apart" - INXS ("Kick", 1987)

Hits também têm seu lugar: 
"Never Tear Us Apart", da INXS


28 – “Lands End” - Siouxsie & The Banshees ("Tinderbox", 1986) OUÇA
29 – “US 80's–90's” - The Fall ("Bend Sinister", 1986) OUÇA
30 – “Brothers in Arms” Dire Straits ("Brothers in Arms", 1985) OUÇA


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

David Bowie Eternamente

Bowie, imenso caleidoscópio

É difícil mensurar a real dimensão de um artista como David Bowie. E são vários os motivos desta dificuldade: 1. o fato de que ele se encontra em plena atividade criativa, tendo retornado à vida pública com o ótimo álbum "The Next Day", em 2013, após um silêncio voluntário de dez anos; 2. o fato de que se encontra inserido no coração mesmo da cultura do espetáculo e do entretenimento de massas, dispensando certas reservas e certa imunidade crítica das quais poderia lançar mão caso fosse associado às“belas artes”e ao campo mais tradicional das artes instituídas – Bowie, ao contrário, é um legítimo artista pop e, como tal, é um típico produto de consumo –; 3. o fato de que se constituiu artisticamente em função de sua permanente mutabilidade e reinvenção – Bowie, o andrógino; Bowie, o camaleão; Bowie, esperada surpresa, incógnita e esfinge –; 4. o fato de que atravessou, ao longo dos anos, ao longo de cinco décadas de intensa vida artística, praticamente todos os formatos, as modalidades e os nichos midiáticos de nossa contemporaneidade – além da música, o cinema, o teatro, a moda, a dança, a performance e as artes do vídeo. Nem mesmo as artes plásticas lhe escaparam.
Mas, acima de tudo, é muito difícil dimensionar-lhe o real valor, sua real importância, simplesmente porque o amamos. Amamos Bowie e envelhecemos com ele. Não há, portanto, a menor capacidade de avaliá-lo sem que estejamos contaminados por esta paixão, impregnados pela memória afetiva que tecemos juntos. Assim, é muito difícil distanciar-se. Diante dele, é difícil ser comedido e justo.
Em síntese, foi esta a sensação que tive, recentemente, ao visitar a Mostra David Bowie, realizada no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. Opulência e variedade, encanto e maravilhamento são palavras óbvias demais para descrevê-la. Aliás, são termos recorrentes na própria fortuna crítica do cantor inglês, no curso quase completo de sua biografia. Bowie, de fato, parece fadado a nos inebriar e seduzir. Inventividade, delicadeza e elegância não lhe faltam, de modo nenhum. A Mostra dá sólidas evidências disto.
Particularmente, interessei-me por aspectos relativos a seu processo criativo, pelos recursos técnicos empregados em certos álbuns e/ou canções, tais como o Verbasizer, um aplicativo concebido para o embaralhamento randômico de manchetes de jornal, derivando daí a produção dos versos a serem cantados, e o Stylophone, uma espécie de proto-sintetizador empregado em "Space Oditty", por exemplo. Além disso, há um fascínio estranho em observar de perto os rascunhos das canções, as partituras originais, as letras escritas e reescritas à mão, os rabiscos nas margens comuns de uma folha de papel. E o que dizer dos figurinos exatos, vestidos em tantas performances memoráveis? E quanto às botas de salto, os sapatos efetivamente calçados? É como se o corpo do artista estivesse ali presente, imobilizado e oferecido à vista, à visitação. É como se o corpo da obra estivesse sendo examinado por dentro, vasculhado e dissecado.
Enquanto observava, uma questão insistente me vinha à mente: “a quem está endereçada esta exposição”? Ao público leigo ou ao fã incondicional, conhecedor altamente especializado? Estaria dedicada ao admirador médio (como eu)? De início, suspeitei que estivesse dirigida aos dois primeiros. Depois, me convenci de que está direcionada a todos aqueles que se disponham a montar um quebra-cabeças e a encontrarem-se refletidos no imenso caleidoscópio que é a obra de David Bowie.



Vai em Paz, David Bowie
por Paulo Moreira


Quando eu era um adolescente de 12, 13 anos, surgiu nas páginas da revista POP (a única na época) uma figura andrógina, com cabelo, olho pintado e francamente gay. Como todo mundo, fiquei curioso com aquele cara que se colocava como uma figura andrógina naquele mundo pop altamente macho. Aí, começaram a aparecer os discos no Brasil, as músicas no rádio ("Rebel, Rebel", "Ziggy Stardust" e "Life on Mars", que o Cascalho rolava o clipe no Portovisão). Quando lançou o "Young Americans", comprei o LP e quase furei de tanto ouvir. A partir daí, fiquei acompanhando a carreira dele à distância (confesso que com 17 anos, não consegui entender "Low" e "Lodger", apesar de achar o "Heroes" interessante. "Ashes to Ashes" ganhou todo mundo com aquele clipe maluco.
Só voltei a mergulhar no Bowie em 1983 com o incrível "Let's Dance", onde ele pegava o som do Nile Rodgers e subvertia totalmente. Era como se o Chic tivesse enlouquecido e misturado com altas doses de DB e saiu um disco que era pop e experimental ao mesmo tempo. Ouçam "Ricochet" com sua levada "My Favourite Things" do John Coltrane (influência normal para um cara que era saxofonista). Ou "China Girl" que tem toda a cara de Bowie com o Tony Thompson destruindo a bateria e o Carmine Rojas dando um banho no baixo. Ou talvez "Cat People". Todas elas com o Steve Ray Vaughan comendo a guitarra com farofa. Aliás, descoberta para o mundo do sr.David Jones.
Daí pra frente, foram momentos esporádicos ("Loving the Alien" e a versão de "God Only Knows", que eu adoro), mas ele sempre surpreendendo aqui e ali. Há três anos atrás, comprei o "The Next Day" e confesso que achei mais do mesmo. Mas este "Blackstar" é um clássico. Vai em paz, David Bowie.



Alma de Influência Infinita
por Tatiana Viana
(convidada)

Há poucos dias atrás, no dia do aniversário (8 de janeiro) de David Bowie estava eu a comentar sobre a importância de alguns músicos e de suas obras na história de nossas vidas e com certeza muitas pessoas compreendem o que quero dizer.
Cresci ouvindo, assistindo e colecionando o que podia de David Bowie, sempre contemplei de forma apaixonada sua forma camaleônica de ser. Suas músicas habitaram muitos de meus dias e noites e foram fundamentais para instigar em mim o desejo de conhecer e buscar mais sobre a mutabilidade e a constante evolução do som através deste grande mestre que a cada canção e aparição se reinventava me causando sempre a surpresa de a cada vez gostar mais de suas composições, sem entender como suas músicas nunca me cansavam.
Lembro das vezes que fui assisti-lo no cinema mais de uma vez seguida o mesmo filme, minha primeira fita cassete que foi "Ziggy Stardust", depois vieram as VHS e a cada play parecia ver ou ouvir algo novo que surgia através do seu magnetismo impresso em sua marca pessoal.
Um cara tão complexo e genial que sua transcendência não coube nesse mundo.
Bela alma de influência infinita!




A Morte
por Cly Reis


Poucas vezes lamentei tanto a morte de uma figura pública quanto a que ocorreu no último domingo. David Bowie, um dos artistas mais influentes de todos os tempos, que vinha lutando contra um câncer descoberto não há muito tempo, deixou nosso mundo e foi juntar-se a outras lendas que habitam um lugar especial no céu ou seja lá onde for. Sou um tanto pragmático quanto à morte, entendendo-a como parte inevitável da vida e, normalmente, não me sensibilizo excessivamente com os desencarnes, até mesmo de pessoas próximas ou familiares, passando às vezes até por insensível. Se essa 'insensibilidade' é usual até mesmo em familiares, quem dirá a um estranho, uma pessoa que não  tem nada a ver comigo, que vive a milhares de quilômetros de mim, que nunca me deu nada. Assim, minha comoção com artistas costuma ser ainda menor, ainda mais com os de idade mais avançada, cujo ciclo da vida de certa forma já se completou, e mais ainda com os que é sabido que não colaboraram muito em suas vidas para que sua estada neste planeta não fosse mais longa.
Mas não sou uma pedra de gelo!
Lamento muito por artistas novos, muito jovens, de evidente talento que, depois de amostragens iniciais, um ou dois álbuns gravados, um filme apenas, um livro publicado, etc., indicavam que teriam coisas incríveis a fazer, apresentar, nos surpreender e foram levados precocemente. Imagine o que Kurt Cobain estaria fazendo hoje? Chico Science, Amy Winehouse? Também há aqueles que estabelecem uma relação tão próxima conosco que parecemos sentir como se uma parte nossa tivesse sido arrancada. Lembro quando da morte de Renato Russo que preferi, simplesmente, não pensar no assunto. Se eu '"tivesse consciência" que ele estava morto, minha tristeza naquele momento seria incomensurável. E acho que, no fundo, continuo agindo assim sobre Renato Russo até hoje.
Houve exceções destes já mais velhos e que colaboraram para seu fim: Miles Davis já beirava os 70, tinha quase se matado um zilhão de vezes, mas os projetos que vinha realizando nos anos anteriores à sua morte me faziam imaginar onde poderia chegar ainda aquele cara. Esse era daqueles que não poderia ter ido.
Ontem com David Bowie foi um misto das duas sensações, da emocional, que costumo ter poucas vezes, com a egoísta de não querer prescindir da obra daquela criatura no planeta Terra. O motivo que faz com que sua partida seja tão dificilmente aceita se confunde e funde. Sua obra, seu talento, sua capacidade artística, sua imprevisibilidade que o tornam tão imprescindível para mim no cenário musical e das ideias no mundo de hoje, são os mesmos motivos que me moldaram meu apego a esse gênio. Diferentemente de um Renato Russo, quase um amigo conselheiro, meu carinho por David Bowie edificou-se a partir da admiração o que, por mais que também admire muitos outros artistas, não toma essa forma com facilidade. E na segunda pela manhã, quando topei com a notícia na internet eu percebi isso. Não era só mais um astro pop que havia morrido. Eu realmente estava triste por aquilo.
Mas como triste? Que que ele tinha a ver comigo, tava lá do outro lado do oceano, nunca fez nada por mim... Engano! Esse é o tipo do cara que a gente lamenta ter ido embora exatamente porque tem tudo a ver com você. Pode viver no outro lado do mundo mas está sempre pertinho da gente. E pode ter certeza que, com sua música, já fez mais por mim do que muita gente poderia ter feito.
De qualquer forma, se era hora de ir, então vá, David. Vá em paz. Eu, egoísta queria mais. Queria mais de você. Queria que você virasse o mundo de cabeça pra baixo de novo como já fez tantas vezes e como, acho, só você poderia fazer novamente. Outras atitudes revolucionárias, outros discos fundamentais, outras auto-reinvenções, outros sucessos. Mas vá, eu entendo. Você já deixou o suficiente aqui para que nos deleitemos ainda por muito e muito tempo. É justo. Você estava mesmo precisando descansar. Descanse em paz. Você merece. Já nos deu muito.




autorretrato capa álbum "Outside"


David Robert Jones
(David Bowie)
08/01/1947 - 10/01/2016

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Philip Glass - "Glassworks" (1981)

 

“’Glassworks’ foi meu álbum de estreia em uma grande gravadora. Esta música foi escrita para o estúdio de gravação, embora várias peças logo tenham entrado no repertório do Philip Glass Ensemble. Uma obra de seis ‘movimentos’, ‘Glassworks’ pretendia apresentar minha música a um público mais geral do que estava familiarizado com ela até então”.
Philip Glass

O início dos anos 80 foi ao mesmo tempo desafiador e marcante para o compositor, pianista e maestro norte-americano Philip Glass. Reconhecido como um dos principais autores da esfíngica música contemporânea, o cara já tinha composto de um tudo àquelas alturas e nos mais variados formatos: ópera, concerto, sinfonia, madrigal, trilha sonora, sonata e estudos, de instrumentos solo à grande orquestra. Entretanto, quanto mais produzia, mais parecia afastar-se do gosto comum. Na mesma proporção que quebrava barreiras da música tonal secular, mais seu trabalho se tornava complexo e intelectualizado. Duas de suas mais celebradas obras, “Music in 14 Parts“ (1971-74) e “Einstein on the Beach” (1976), por mais revolucionárias e arrojadas que sejam até hoje – não raro, servindo de influência para grupos de rock –, eram impossíveis de serem executadas no rádio, visto que têm, respectivamente, 4h e 3h20min de duração cada. Como sorver, então, ideias que às vezes soavam demasiado complexas ou até inaudíveis aos ouvidos populares? A resposta veio com “Glassworks”, de 1981.

Havia, entretanto, um bom caminho pelo qual Glass precisaria percorrer para desfazer a imagem de “cabeção”. Nascido em Baltimore, em 1937, estudou, nos anos 60, na Universidade de Chicago, na Juilliard School e em Aspen com Darius Milhaud. Tudo que qualquer músico adolescente e em formação gostaria, certo? Não para o subversivo Glass. Aspirando outras dimensões sonoras, como seus contemporâneos Terry Riley e Steve Reich, as vias tradicionais não lhe bastavam. Insatisfeito com grande parte do que então se passava na música moderna, não via em nada daquilo algo que compreendesse as referências a Stockhausen, Boulez, Cage e Lou Harrison, mas também ao rock, ao jazz e à música do Oriente. Mudou-se, então, para a Europa, onde estudou com a lendária pedagoga Nadia Boulanger (que também ensinou Aaron Copland, Virgil Thomson e Quincy Jones) e trabalhou em estreita colaboração com Ravi Shankar. Retorna a Nova York em 1967, aí sim sabendo o que queria: formou a famosa Philip Glass Ensemble – formada por sete músicos, ele aos teclados, e uma variedade de instrumentos de sopro, amplificados e alimentados por um mixer – e mudou para sempre a forma como se percebe música no Ocidente.

O novo estilo musical que Glass forjou acabou sendo apelidado de "minimalismo", termo ao qual o próprio nunca gostou. Ele prefere chamar-se de um compositor de “música com estruturas repetitivas”. Baseado na reiteração extensa de fragmentos melódicos breves e elegantes que se entrelaçam e saem de uma tapeçaria auditiva, sua música imerge o ouvinte em uma espécie de clima sônico que torce, gira, circunda e se desenvolve. Sua técnica composicional própria de variações engendra uma mudança rítmica constante, somando ou substituindo notas, e fazendo com que segmentos de uma frase se repitam para criar múltiplas dela mesma – duas, três, quatro, cinco, seis vezes – antes de se contrair a dimensões novamente administráveis, o que estabelece, igualmente, relações harmônicas muito peculiares. 

Porém, passadas quase duas décadas desde que se tornara um dos principais nomes de sua geração, Glass permanecia admirado pela crítica, mas um ilustre desconhecido. Até na música pop ele havia se ensaiado. Próximo do músico e produtor Kurt Monkacsi, Glass “apadrinhou” junto com este a new wave Polyrock, a quem produziu e fez participações. Dizem nos bastidores que o cérebro da banda era ele e não os irmãos Billy e Tommy Robertson tamanha é a identificação do art rock da Polyrock com a sua música, quase uma versão baixo-guitarra-bateria-teclados do minimalismo glassiano. Porém, seja por grandeza, timidez ou algum problema legal, o fato é que isso não consta nos créditos. Glass continuava, assim, na mesma encruzilhada – mas queria sair dela.

Foi então que Glass matutou, matutou e percebeu que o negócio era recorrer, exatamente, ao conceito daquilo que sua própria música continha em abissal quantidade: a síntese. Primeiro compositor desde Copland a ingressar no selo CBS Masterworks devido a seu prestígio, Glass não quis deixar essa oportunidade escapar para, enfim, se comunicar com um maior número de pessoas. A sacada foi condensar suas ideias em pequenos temas, como “peças performáticas” curtas em que conseguisse resumir suas intenções estético-filosóficas e preservasse a qualidade emocional proposta. Nasceu, assim, “Glassworks”, um sucesso de vendas para os padrões da música erudita, que celebra 40 de seu lançamento em 2021.

Capa da caixa "Glass Box", de 2008,
que conta com toda a obra de Glass
até então, incluindo "Glassworks",
em foto clássica de Chuck Close
Em apenas seis “movimentos”, as “‘Glassworks’ são uma excelente introdução às sonoridades nítidas e pesadas, densamente embaladas, padrões que mudam lentamente e fluxo linear aparentemente imparável deste aspecto importante da música contemporânea”, como bem definiu a Gramophone Magazine. A partir deste trabalho aparentemente menos expressivo se comparado com formatos grandiosos como a sinfonia e a ópera, Glass extraiu inúmeras vezes melodias, acordes, estruturas, trechos e combinações para outras de suas obras, fosse em cinema, câmara e performance ou, até mesmo, sinfonias e óperas. Nelas, Glass produz células sonoras maleáveis e adaptáveis, como um laboratório musical próprio, da qual seguidamente recorre a fórmulas já prontas para recriações em infinitas possibilidades plásticas. 

Metalinguístico, “Glassworks” abre com a lírica “Opening”, certamente uma das mais belas composições de todo o vasto cancioneiro do compositor. De uma intrincada construção, que conjuga curtos fluxos de cinco acordes do piano em compasso um ternário, “Opening” cria uma atmosfera onírica e etérea incomum, como se Chopin resolvesse inventar uma fantasia para aplicar hipnose. Capaz de alterar os sentidos, não à toa a música serve de base para “Truman Sleeps”, da trilha do filme “O Show de Truman” (1998), cuja trama percorre, justamente, os caminhos do inconsciente. 

Já “Floe” é uma das mais utilizadas pelo próprio Glass em obras subsequentes suas. Impossível não lembrar de “Something She Has to Do”, da trilha de “As Horas” (2003), da trilha sonora de “A Fotografia” (2000) ou da ópera ‘Akhnaten” (1983). Sua estrutura rítmica hipnótica parece colocar quem escuta numa corrida em alta velocidade em que as imagens vão se passando em frente aos olhos rápida e repetidamente. Como lhe é característico, porém, Glass vai construindo seus elementos sonoro-sensitivos aos poucos, e quando se percebe já se está distinguindo da massa sonora (composta por 2 flautas, 2 sax soprano, 2 sax tenor, 2 trompas e sintetizador) um saxofone, que emite notas em clara dissonância com o restante, como se, depois da vertigem, percebesse que podia admirar aquela transformadora viagem. A noção de tempo, característica central da música de Glass tanto no sentido formal quanto cronológico e, por conseguinte, estético-filosófico (além de ser um dos motivos que o aproximam do cinema, cuja linguagem lida com a passagem temporal permanentemente), se estabelece de uma maneira muito peculiar em temas como “Floe”. Em contrapartida, porém, são capazes de gerar uma série de subjetividades. É através da noção de rapidez que se percebe o quanto o tempo depende da perspectiva – material ou imaterial – de quem observa.

“Islands” é outra largamente usada por Glass em outros projetos, haja vista temas como “Tearing Herself Away” ou “Sheba & Steven”, das trilhas sonoras de “As Horas” e “Notas Sobre um Escândalo” (2006), respectivamente. Ambas iguais à sua melodia, só que com leves diferenças em andamentos, tempos e notas, que muito lembram o tema de outra trilha clássica do cinema, “Vertigo”, composta por Bernard Hermann, com sua construção cíclica que provoca uma sensação de espiral, muito propícia, não à toa, a trillers de cinema como os vários para os quais Glass escreve trilhas.

Com um conjunto de madeiras, metais e sintetizador, “Rubric” formula um jorro sonoro motorizado difícil de apreender – mas extasiante de se ouvir. Próprio da música de Glass, seu sistema de ostinatos rítmicos (motivos ou frases musicais sempre repetidos) funciona de modo a provocar uma sensação instintiva de aflição, o que explica ter usado tal expediente nos terceiros e quartos movimentos de sua “DancePieces” (1987) ou para uma das sequências de “Koyaanisqatsi” (1982) que mostram as vertiginosas cenas das multidões das metrópoles em velocidade mais acelerada que a realidade, mas metaforicamente próxima da vida frenética da sociedade capitalista. Novamente, a questão do tempo. Alex Ross, em seu essencial livro “O Resto é Ruído - Escutando o Século XX”, ao descrever essa característica fundamental dos minimalistas, diz saborosamente o seguinte: “Evocam a experiência de dirigir um automóvel por um deserto vazio, as repetições em camadas da música refletindo repetindo as mudanças que o olho percebe – sinais da estrada, uma cadeia de montanhas no horizonte, o som grave e contínuo do asfalto sob os pneus”.

Encaminhando-se para o fim, “Façades” reduz o ritmo de modo a facilitar a captação do ouvido. E se na anterior, assim como em “Floe”, o som eletrônico prevalece, aqui, tal “Opening”, a matriz sonora é basicamente orgânica através das violas e cellos. O andamento adagio carrega um ar de suspense, suave e imponente. Entra um solo pronunciado e de registro estendido de um sax, elegante em suas plasticidade e severidade. Sem pressa, aproveitando cada segundo de desenvolvimento, cada som emitido. Junta-se outro sax ao primeiro, que, em jogos de volumes e tempos, articula um duo. Coisa da cabeça de um gênio. Estrutura vista posteriormente em várias de suas trilhas sonoras cinematográficas, como para os filmes “Janela Secreta” (2004) e “O Ilusionista” (2006), mas também em peças como “Songs from Liquid Days” (1986) e a “Sinfonia nº 7” (2005).

Delicada e rigorosa, “Façades” abre caminho para, mais uma vez metalinguisticamente, Glass fechar, exatamente, com “Closing”. Trata-se da versão forjada para cordas e madeiras para a inicial “Opening”, mas que muito bem se adapta a conjuntos sinfônicos, fazendo com que até nisso “Glassworks” tenha servido de célula-base para outros projetos que o músico viria desenvolver, a exemplo das orquestrações das sinfonias “Low” e “Horoes” (1996) – criadas sobre a obra de David Bowie e Brian Eno –, temas como o do filme “Hambuerger Hill” (1987) ou óperas como “Galileo Galilei” (2001).

De uma obra gigantesca em quantidade e importância, Glass tornou-se, principalmente após “Glassworks”, um raro pop star da música clássica. O que talvez explique o agrado a gregos e troianos é o fato de, mais do que comunicar-se com outras formas artísticas - principalmente o cinema, que tanto lida com as emoções das pessoas -, a sua arte tem uma profunda relação com a essência da natureza. Os átomos, as células, a vida interna dos seres e das coisas emana dos sons que produz, quase numa leitura hinduísta de vida e morte, de nascer e renascer, de comunhão entre opostos. Talvez por isso sua música tenha tamanha identificação com elementos elementares da existência, como o tempo e o espaço. Na prática, a penetração do estilo glassiano está em qualquer propaganda de automóvel minimamente premium ou comerciais institucionais dos mais diversos tipos de produto. O mais impressionante é que Glass conseguiu isso fazendo o inverso do que geralmente é comum aos estetas: ao invés de desvelar uma obra mais ampla em excertos para outras menores, foi, justamente, da mais enxuta (as “Glassworks”, somadas, não passam de 41 min), que melhor destrinchou elementos essenciais para toda uma musicografia – viva, pulsante e profícua. Mais do que um gênio da música, Glass é um sabedor da arte da abreviação. 

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FAIXAS:
1. “Opening” - 6:25
2. “Floe” - 5:59
3. “Islands” - 7:40
4. “Rubric” - 6:05
5. “Façades” - 7:21
6. “Closing” - 5:59
Todas as composições de autoria de Philip Glass

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OUÇA O DISCO

Daniel Rodrigues