Um disco simples, mas com a marca Talking Heads por Michel Pozzebon*
"Há algo essencial sobre
perder o controle sobre o que você faz"
Tina Weymouth
Há 40 anos, o Talking Heads uma das bandas mais emblemáticas de todos os tempos, apresentava seu disco de estreia, "Talking Heads: 77". O álbum trouxe as músicas idiossincráticas da banda nova-iorquina para um público mais amplo. "Há algo essencial sobre perder o controle sobre o que você faz", comentou a baixista Tina Weymouth sobre o disco de estreia para a revista norte-americana Rolling Stone em 1977. E, enquanto o Talking Heads certamente levaria essas palavras ao coração de sua carreira eclética e visionária, seu debut álbum é, em retrospecto, um tanto manso e direto em comparação com os "experimentos" que viriam na sequência da sua valorosa discografia. Do ponto de vista musical, "Talking Heads: 77" é o esforço mais conciso e linear da banda, estabelecendo a interação das guitarras de Jerry Harrison e David Byrne, os blocky rhythms de Tina Weymouth com a bateria de Chris Frantz, e a presença marcante de Byrne como frontman, aparecendo com sua "soluçante voz de robô" e as palavras de um "impressionista paranoico" e de "olhos arregalados". "Talking Heads: 77" é um álbum básico, simples. Um dos exemplos é "Tentative Decisions", faixa número 3 do lado A. A canção representa um dos momentos mais simplórios da banda. Nesta fase inicial, o quarteto nova-iorquino ainda não havia descoberto o funk, as tape loops e os colaboradores "aventureiros" como Brian Eno, que traria posteriormente toda a sua energia para o grupo. Apesar de simples, o debut álbum do Talking Heads traz uma intensidade bruta e manchada. O trabalho é um registro distinto no catálogo dos nova-iorquinos e nele estão pérolas negligenciadas como "Who Is It?" e "New Feeling". O poderoso grito de David Byrne ainda era um ponto difícil para os puristas do pop. Porém, é um ingrediente essencial para a magia de seu único "surto de surpresa" no disco de estreia, a clássica "Psycho Killer". Um hit "ameaçador", ainda que despreocupado. O primeiro álbum, de certa forma, começava a "apimentar" o som do Talking Heads. Seja o piano gospel em "Happy Day" ou a guitarra vertiginosa e florescente em "Pullep Up". Mesmo que o Talking Heads se movesse para coisas maiores e melhores após esse álbum, "77" segue sendo um ponto de entrada essencial e absolutamente fascinante para uma das bandas mais destemidas do rock em todos os tempos.
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FAIXAS:
1. "Uh-Oh, Love Comes to Town" – 2:48
2. "New Feeling" – 3:09
3. "Tentative Decisions" – 3:04
4. "Happy Day" – 3:55
5. "Who Is It?" – 1:41
6. "No Compassion" – 4:47
7. "The Book I Read" – 4:06
8. "Don't Worry About the Government" – 3:00
9. "First Week/Last Week ... Carefree" – 3:19
10. "Psycho Killer" (Byrne, Chris Frantz, Tina Weymouth) – 4:19
Michel Pozzebonjornalista gaúcho, é atualmente editor-executivo do blog Zine Musical (www.zinemusical.wordpress.com) e repórter do Jornal Exclusivo, publicação do Grupo Editorial Sinos especializada no setor calçadista. Foi blogueiro da Rádio Globo FM e atuou como editor e repórter do site da Rádio União FM e portal especializado em música eletrônica Fly By Night. Tem passagens por assessorias de imprensa do poder público (Prefeitura de Novo Hamburgo/RS) e de instituições de ensino (Universidade Feevale e Instituto de Educação Ivoti).
Como conheci os Talking Heads já na metade dos anos 80, ali pelas alturas dos discos “Little Creatures” e "True Stories", ambos com características mais convencionais do pop oitentista, estranhei um pouco quando ouvi “Remain in Light”. Apesar de já conhecer e gostar de “Once in a Lifetime”, sua estrutura toda picotada e descontínua, se mostrava ainda mais significativa no restante do álbum, o que somada à inserção de elementos rítmicos africanos, devo admitir, me causaram uma certa estranheza. Demorou um pouco mas a qualidade venceu e acabei conquistado por “Remain in Light”.
A abertura do disco com a perturbadora “Born Under Punches (The Heat Goes On)” é uma perfeita mostra perfeita dessa fragmentação estrutural proposta pelo produtor Brian Eno, com sua construção quebrada, vocal quase monossilábico, mistura de ritmos e profusão de percussões.
Além da já mencionada “Once in a Lifetime”, gosto particularmente do funk monocórdio “Seen and Not Seen” com seu ritmo constante, minimalista e batida repetitiva, e do reggae arrastado “Listening Wind” de atmosfera densa e sombria. Mas não há como deixar de mencionar também os méritos da frenética e bem percussionada “The Great Curve”, da acelerada “Crosseyed and Painless”, sofisticada e complexa, e da soturna, quase dark faixa que encerra o disco, “The Overload”, que lembra inevitavelmente o lado B de "Low" de David Bowie, onde o dedo de Eno também é fundamental assim como em “Remain in Light”. Aliás, Brian Eno é tão influente e decisivo na música dos Talking Heads, mas em especial na concepção de “Remain in Light” que é creditado não apenas como produtor, mas também como co-autor das faixas do álbum.
Tamanha ascendência, por sinal, desagradava sobremaneira os demais integrantes da banda que consideravam que estavam apenas tocando para Brian Eno e não fazendo um álbum dos Talking Heads. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Não acho que chegasse a ponto de serem uma mera banda de apoio, mas não há duvida de que Eno é um dos produtores que mais consegue moldar o artista à feição de suas ideias deixando-as muito evidentes sonoramente no resultado final, sendo assim, quem o convoca para o estúdio sabe que poderá ter grande interferência de sua parte.
Discussões à parte, fato é que “Remain in Light” é um dos melhores álbuns da banda e frequentemente considerado um dos grandes álbuns da história do rock, responsável em grande parte pelo interesse futuro de David Byrne pelo que se convencionou chamar de world-music e pela integração de elementos étcnicos com a linguagem pop-rock. Um mergulho numa experimentação sonora ousada e singular, que resultou num dos trabalhos mais criativos e geniais de todos os tempos.
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FAIXAS:
"Born Under Punches (The Heat Goes On)" (Byrne, Eno) – 5:46
"Crosseyed and Painless" (Byrne, Eno) – 4:45
"The Great Curve" – 6:26
"Once in a Lifetime" – 4:19
"Houses in Motion" – 4:30
"Seen and Not Seen" – 3:20
"Listening Wind" – 4:42
"The Overload" – 6:00
todas as faixas, Talking Heads e Brian Eno, exceto as indicadas
O Talking Heads sempre foi das minhas bandas preferidas. Todas as fases pelas quais o grupo passou são dignas de registro na história da música pop, desde seu primórdio punk até a derradeira fase world music. Aliás, para mim, um preceito para um grupo ser considerado importante (fora algumas exceções) é o de produzir, pelo menos, dois ou três grandes discos. Os Heads têm uns cinco: “Little Creatures” (1985), “Remain in Light” (1980) e “True Stories” (1986) são alguns. Mas antes destes, no finalzinho dos anos 70, David Byrne (guitarras, vocal), Chris Frantz (bateria), Tina Weymouth (baixo) e Jerry Harrison (teclados e guitarra) já tinham concebido sua obra-prima: “Fear of Music”.
Segundo trabalho da trilogia assinada pela banda ao lado do genial produtor inglês Brian Eno, “Fear of Music” veio com o desafio de superar o excelente “More Songs About Buildinds and Food”, de 1978, primeiro da parceria. E conseguiu. Ápice da criatividade de Byrne e Cia., o disco é resultado da releitura apurada e madura do punk rock, cena da qual a turma provinha, e das tendências da época, como a new wave, o reggae, a disco e as influências folclóricas. E tudo basicamente baixo-guitarra-bateria, com incursões de teclados e percussões muito mais para gerar climas ou completar a concepção do arranjo. Ouvindo-se “Fear” hoje é até desanimador ver bandas consideradas “do momento” soarem tão parecidas e, pior, não conseguirem acrescentar nada além do que os Heads ou grupos como Gang of Four e Polyrock já fizeram.
Mas voltando ao disco, a ótima capa, seca, parecendo uma caixa de metal preta com relevos, intui que ali dentro se encontrará um conteúdo corrosivo e desafiador. Como que provocando o ouvinte: ‘quem tem medo de abrir o invólucro’? A banda brasileira Titãs, na época de sua melhor fase, meados dos anos 80, foi uma das que enfrentaram esse temor e se inspiraram neste trabalho dos Talking Heads. Uma de suas músicas,"Medo" , do álbum “Ô Blésq Blom”, de 1989, traz no seu cerne a ideia da quebra dos preconceitos e do enfrentamento das limitações típica do punk, seja na sociedade, na arte ou na política. No cenário internacional, vários outros, como Prince, Deee Lite e Beck, também beberam na fonte do Talking Heads.
Contribui muito para o resultado final o dedo inventivo e autoral de Eno. Assim como fizera com o U2 em “Zooropa” (1996) ou com David Bowie na trilogia ““Low-Heroes-Lodger” (1977-78-79), Eno funciona mais do que como um produtor: além cantar, tocar e co-assinar composições, ele dá cores diferenciadas às músicas na mesa de mixagem, tratando-as especialmente como um microcosmo. Por isso, arrisco-me a também lhe creditar este disco. As técnicas de estúdio que Eno foi acumulando desde seu moderníssimo grupo Roxy Music, no inicio dos anos 70, passando pelos vários discos solo e produções a trabalhos de parceiros parecem ter sido todas colocadas em prática em “Fear”. Isso aparece em truques de mesa de som, afinação diferente de instrumentos ou maneiras criativas de apresentar uma faixa. Um exemplo é “Cities”, que demora a subir o som para começar e é cheia de barulhos esquisitos soltos no seu decorrer, além do vocal quase de garagem, inclusive com propositais falhas na captação do microfone, criando uma atmosfera própria. Em outra, “Mind”, a voz oscilante e esganiçada de Byrne, de repente, se mistura a outros sons. Pequenos detalhes muito bem empregados que constroem um verdadeiro manual de como produzir bem um disco de rock. Tudo muito surpreendente e orgânico.
Neste disco, os Talking Heads assumem de vez a sua postura particular dentro da cena punk. Eles sempre tiveram, de fato, cara de mais comportados do que seus contemporâneos brigões Sex Pistols ou Dead Boys, e suas músicas geralmente fugiam do padrão “1-2-3-4” tosco de um Ramones ou New York Dolls. “Mind”, “Animals” e “Cities” mostram bem isso: ritmação “torta”, melodias em contraponto, frases de guitarras que funcionam como percussão. Uma série de esquisitices que, da maneira como fazem, dá muito certo. Aliás, esta é a forma como eles se mostram criativos: era um grupo limitado tecnicamente, mas cheio de ideias na cabeça e disposto a evoluir musicalmente.
“Fear” começa com a conceitual “I Zimbra”, um pop “africanístico” com “guitarras percussivas” cantado em coro num dialeto exótico. Diferente de tudo que tinham feito até então, “I Zimbra” lança luzes ao que viria no álbum seguinte do conjunto, “Remain in Light”, caracterizado por este tipo de sonoridade world music. “Air” é outra prova da maturidade musical da banda e do acerto do casamento com Brian Eno. A linha de baixo marcada no mesmo compasso da bateria, acompanhada pelo coro feminino e da base minimalista de guitarra, são valorizadas ao máximo pelo produtor. De uma canção simples, Eno adiciona ideias que dimensionam exatamente o que há de melhor na melodia: a construção quebrada, o baixo grave e o vocal solto e brincalhão. A voz de Byrne, aqui, como em algumas outras do disco, ganha um dos “ensinamentos” de Eno assimilados em sua temporada com David Bowie. Nos momentos em que Byrne solta o gogó e o som se expande além da conta no microfone, um outro microfone dentro do estúdio é acionado, captando este “excedente” e dando uma sensação emocionante de explosão da voz.
Uma das melhores de “Fear” é “Memories Can’t Wait”. Não passa de mais um punk rock rude, como os que os Heads faziam nos seus primórdios de CBGB. Mas o ouvido apurado da galera criou, com elementos simples e criativos, uma obra-prima. Ao contrário de outras onde o baixo ou a bateria prevalecem, aqui, o volume desses instrumentos vai lá embaixo para dar lugar às guitarras. Mas não são simples guitarras: efeitos de pedal e de estúdio dão um clima psicodélico e ruidoso à musica, o que é completado pela voz cheia de ecos e alterações de frequência e volume. Matadora!
Outra maravilha é “Electric Guitar”. Nela, todos os sons parecem brigar entre si. Se noutras faixas o baixo e a bateria são amenizados, aqui eles estouram a caixa. Alto, o som distorcido do baixo de Tina dá a impressão de ser um cello. Na bateria, a caixa e os chipôs se estapeiam para ver quem ocupa mais espaço. E o vocal, ora propositalmente estourado, ora visivelmente mal modulado, é um show à parte. Não sei se deu para perceber na descrição, mas o que menos aparece em “Electric Guitar” é, justamente, a guitarra elétrica, que, já devidamente homenageada, restringe-se a uma leve base e a, no máximo, uma frase que dialoga com a voz no refrão. Tudo sob um ruído agudo (uma vibração de pedal da referida guitarra) que vai e volta, sobe e desce, e que se repete no decorrer de toda a música até, no fim, depois de todos os instrumentos se calarem, voltar para desfechar em alto estilo.
Todo grande disco começa ou termina com uma grande música e, no caso de “Fear...”, é no final que está a “cereja do bolo”. “Drugs” é um primor, com muitos méritos, novamente, a Eno. Para quem conhece um pouco de composição musical, dá para perceber que ela foi escrita no violão em cima de alguns acordes básicos. Mas o que foi parar no disco é outra coisa, muito mais rico e complexo, só usando criatividade e técnica. A começar, a melodia é “distribuída” a vários instrumentos, sem ser tocada continuamente por apenas um deles. O baixo pontuado, as batidas soltas de bateria, as várias texturas de teclado, as vozes, as incursões de percussão, os monossílabos de guitarra: todos ajudam a compassar esta espécie de “quebra-cabeças minimalista”. Os Titãs, anos antes de “Ô Blésq Blom” – e por influência dos “antenados” Arnaldo Antunes, ainda integrante da banda, e do produtor do grupo, o ex-Mutantes Liminha –, já tinham se valido dos Heads para conceber outra música: “O Quê?”, do LP "Cabeça Dinossauro" (1986). Igualmente a “Drugs”, “O Quê?” teve como ponto de partida uma base de violão que, na hora do arranjo, foi ganhando outros elementos até se tornar um dançante “funk concretista”. E como em “Fear of Music”, este famoso hit da banda brasileira também desfecha o seu disco com “chave de ouro”. Coisa de álbum clássico.
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Além da trilogia “More Songs-Fear-Remain”, a parceria Byrne-Eno rendeu ainda um quarto trabalho: o instrumental “My Life In The Bush Of Ghost”, de 1981, assinado só pela dupla, que radicaliza a sonoridade étnico-folclórica e os experimentos de estúdio, como samples e colagens. Os dois voltariam a gravar juntos em 2008 o mais pop, porém também muito bom, “Everything That Happens Will Happen Today”.
O ano de 1977 pode ser considerado o do nascimento oficial do punk-rock. As duas principais bandas da cena, Sex Pistols e The Clash, lançavam seus primeiros discos naquele ano, empestando o ar do Velho Mundo com o mau cheiro de um som cheio de fúria e crítica junto com Buzzcocks, Damned, Wire, The Stranglers e outros. Do outro lado do mundo, “Rocket to Russia”, do Ramones, tornava-se um clássico imediatamente que chegava às lojas; a dupla do Suicide trocava guitarras por teclados, forjando um som tão sujo quanto o de qualquer grupo de formação tradicional; “Marquee Moon”, do Television, espantava público e crítica pela inventividade de Paul Verlaine e Cia.; e Richard Hell, com “Blank Generation”, carimbava seu documento definitivo na história do rock. Decididamente, o espírito do “faça você mesmo”, surgido no underground norte-americano desde a segunda metade dos anos 60 – através da música, da moda, da arte gráfica, entre outros –, chegava, enfim, ao grande público. Sem mais Baetles, Rolling Stones ou Elvis Presley: a vez era do punk.
Porém, a contestação ao establishment, elemento chave da cultura punk, era nutrido de múltiplas interferências. Tanto que não era preciso necessariamente andar esfarrapado como Joey Ramone, arranjar confusão como os arruaceiros dos Dead Boys ou ser um junkie declarado como Syd Vicious. Havia aqueles que comungavam das mesmas ideias transgressivas, mas à sua maneira: sem briga, sem drogas e, universitários que eram, vestindo a roupa que seus pais lhe enviavam de presente no Natal. Com cara de bons moços, os Talking Headscontribuíam sobremaneira para a cena mandando ver, isso sim, no som.
Foi no hoje mítico bar CBGB, em Nova York, que David Byrne (voz, guitarra), Chris Frantz (bateria), Tina Weymouth (baixo) e Jerry Harrison (guitarra e teclado) trouxeram a gênese do som que conquistaria o mundo pop por mais de uma década. Este rico embrião está num dos discos mais marcantes do ano de 1977, cuja história, hoje, transcorridos 40 anos, mostra não ser coincidência chamar-se justamente “77”. O debut da banda une a crueza da sonoridade punk a um estilo muito peculiar das composições, cujos elementos melódicos e harmônicos já apontavam claramente para referências além da combinação de três acordes do punk. Byrne, líder e principal compositor, já denotava preferências por harmonias fora do tempo, variações bruscas no compasso, a incursão de ritmos latinos e exóticos, a desaceleração em comparação ao ritmo frenético do tipo “hey, ho, let’s go!” e, claro, seu inigualável vocal, de timbre bonito e considerável alcance mas não raro propositalmente rasgado ou picotado. Resultado dessa química esquisita é um disco que abre portas para aquilo que viria na esteira do punk, a new wave.
Produzido por Lance Quinn e Tony Bongiovi – este último, responsável por dar corpo a outro marco do punk naquele mesmo ano, o já mencionado “Rocket to Russia” –, “77” traz uma sonoridade potente e muito bem equalizada, dando destaque a todos os instrumentos, que soam com vivacidade. "Uh-Oh, Love Comes to Town" abre mostrando que, além disso, eles não eram convencionais de fato na composição. Nada de batida acelerada e guitarras arrotando distorção. Os Heads dão seus primeiros acordes num funk estilo “I Want You Back“, dos Jackson Five, porém com as guitarras sujando o espaço sonoro e a voz de Byrne funcionando quase como um arremedo yuppie à do pequeno Michael Jackson.
Uma das joias do disco, “New Feeling”, por sua vez, já começa a apresentar a faceta atonal de Byrne e sua turma. As duas guitarras cumprem, cada uma num tempo, duas linhas melódicas diferentes. Isso fora o ritmo quebrado, que dá a sensação de desequilíbrio e descompasso que tanto explorariam em discos como “Fear of Music” (“Paper”, “Mind”), de 1979, ou “Speaking in Tongues” (“Swamp”), de 1983. A paródia militar "Tentative Decisions" – cuja ideia se verá noutras canções do grupo mais adiante, como “Thank You for Sending Me an Angel” e “Road to Nowhere” – abre caminho para uma canção mais linear, “Happy Day”, balada quase pueril que traz outras peculiaridades da banda, que são o refrão criativo – um dos motivos dos Heads se tornarem empilhadores de hits – e a guitarra “percutida”, em que as cordas são raspadas, friccionadas, extraindo do instrumento um som exótico, africanizado, diferente do tradicional.
“Who Is It?” retraz o funk, agora mais desengonçado (ou seria “com atitude punk”?) do que nunca. É muito interessante ver como Byrne desmembra os ritmos da raiz da música pop para, logo em seguida, reescrevê-lo à sua maneira. A faixa antecede uma das melhores do álbum e das principais sementes plantadas pelos Heads em termos de musicalidade: “No Compassion”. A exemplo de outros temas que a banda viria a escrever, como “Warning Sing” (1978) e “Give Me Back My Name" (1985), esta carrega uma atmosfera densa e que a faz naturalmente soar como um clássico desde que se ouvem os primeiros acordes. A batida forte e cadenciada de Frantz; o baixo de Tina impondo-se; a primeira guitarra de Harrison executando uma base dividida em dois tempos; a guitarra solo desenhando um riff sinuoso. A sonoridade é tão bem produzida que servirá de matriz para o que desenvolveriam junto a Brian Eno em “More Songs About Buildings and Food”, no ano seguinte. Além disso, é das poucas que tem momentos de punk-rock pogueado, mostrando que o Talking Heads estava, sim, muito próximo de seus companheiros de CBGB.
O segundo lado do formato vinil começa ainda melhor que o primeiro com "The Book I Read". A guitarra “percutida”, como um cavaquinho ou algo parecido, anuncia um riff um tanto dissonante. Mas o que se apresenta quando a banda e o vocal entram juntos é um belíssimo pop-rock em que Byrne dá um show de vocal – ao menos, a seu estilo, que vai do melódico ao rascante. Destaque especial para o baixo da competente Tina, que além da base muito bem executada é quem faz o “solo” num acorde de quadro notas junto com o cantarolar (“Na na na na”) de Byrne. Diz-se “solo” entre aspas pois, afinal, eles são uma banda punk, sem a habilidade dos dinossauros do rock de então, mas que sabiam resolver ideias com muita criatividade – o que, convenhamos, é até melhor em muitos casos.
Mais um exemplo típico da musicalidade diferenciada de Byrne é “Don't Worry About the Government”, canção cheia de sinuosidades, mas bastante melodiosa, visto que sua base é um toque semelhante ao de uma delicada caixa de música. Outra das brilhantes é "First Week/Last Week... Carefree", um rock com toques latinos e a cara do que os Heads formaram enquanto estilo ao longo dos anos haja vista várias outras músicas de semelhante ideia como: “Crosseyed and Painless” (1980), “Slippery People” (1983), "The Lady Don't Mind" (1985) e “Blind” (1988). Estão em “First Week...” elementos como os instrumentos afro-latinos (reco-reco, marimba), o canto gaguejado de Byrne, seus vocalizes malucos e o uso de metais, que lançam frases sonoras típicas de um “Ula Ula” havaiano.
Como todo grande disco, “77” tem seu hit. E neste caso é a imortal (com o perdão da expressão) "Psycho Killer". Engenharia de som perfeita: o baixo inicial e todos os outros instrumentos que entram são claramente notados, conjugando-se com a voz mais uma vez liberta de Byrne para um riff matador (sic) e uma melodia de voz daquelas que não desgrudam da mente – ou da psique. Tanto que é quase impossível os acordes tocaram e alguém não saber cantarolar o refrão: “Psycho killer/ Qu'est-ce que c'est/ Fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, far better/ Run, run, run, run, run, run, run, away”. Ouvem-se sem erro em “Psycho...” Gang of Four, P.I.L., Polyrock, Replacement e outras bandas advindas com o post-punk anos mais tarde. Além de um clássico, revela o estilo próprio da banda e porque ela foi/é tão influente a toda uma geração do rock.
A talvez mais punk-rock, a agitada “Pulled Up", encerra o disco, um dos grandes de estreia da história do rock – figura em 68º da lista dos 100 melhores primeiros álbuns pela Rolling Stone, entre os 300 dos 500 maiores da história da música pop, pela mesma revista, e entre os 1001 essenciais de se ouvir antes de morrer, conforme livro de Robert Dimery. “77” aponta a rota que a banda e, mais amplamente, a própria cena punk iriam tomar. Fora os já mencionados grupos post-punk, dá para dizer com segurança que um ano depois o álbum já se fazia essencial: a Devo, produzida por Eno, não existiria sem o exemplo dos Heads e nem o Blondie rumaria com tamanha assertividade a uma “popficação” de seu som sujo original. Junto ao que os também estreantes Sex Pistols, The Clash, Television, Richard Hell e outros, o Talking Heads assinalava aquele ano como um dos mais estelares da história do rock, um ano capitulado como “77”.
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Talking Heads -“Psycho Killer”
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FAIXAS:
1. "Uh-Oh, Love
Comes to Town" – 2:48
2. "New
Feeling" – 3:09
3. "Tentative
Decisions" – 3:04
4. "Happy
Day" – 3:55
5. "Who Is
It?" – 1:41
6. "No
Compassion" – 4:47
7. "The Book I
Read" – 4:06
8. "Don't Worry
About the Government" – 3:00
9. "First
Week/Last Week ... Carefree" – 3:19
10. "Psycho
Killer" (Byrne, Chris Frantz, Tina Weymouth) – 4:19
11. "Pulled Up" – 4:29
Todas as faixas compostas por David Byrne, com exceção da indicada.
“Quando terminamos as bases e os
vocais para aquela leva de músicas, começamos a ensaiar um material que poderia
render ainda mais um disco, mas que eu havia composto para o filme. Quando
‘Little Creatures’ saiu, eu já estava no Texas para filmar ‘True Stories’. Levei as fitas de multicanal com as nossas faixas-base para as músicas do filme
até o set de filmagens em Dallas e adicionei um pouco do tempero texano”.
David
Byrne,
em seu livro
“Como funciona a música”.
O ano de 1986 é especial para quem pegou o rock dos anos 80. Talvez junto
apenas com o ano anterior (que viu nascerem "Meat is Murder", dos Smiths, "The Head on The Door", do The Cure, e "Psycho Candy", da The Jesus and Mary Chain),
tanto no Brasil quanto fora houve discos essenciais de bem dizer todas as
grandes bandas e artistas da cena pop da época. No cenário internacional, em
especial, muitos se superariam no sexto ano da chamada “década perdida”. Siouxsie and the Banshees poria na praça o sucesso “Tinderbox”, a P.I.L; de John Lydon chegaria ao auge com "Album" e Smiths e New Order estourariam nas
rádios com “The Queen is Dead” e "Brotherhood" respectivamente, para ficar em apenas quatro exemplos. Embora de sonoridades distintas, mesmo que afim em certos
aspectos, o ponto que os unia era o fato de que, já trilhados alguns anos e
discos lançados, todos chegavam naquele momento mais maduros e donos de sua música.
Assim, 1986 trouxe uma culminância de grandes álbuns não por coincidência, mas
por que representou o desenvolvimento artístico da geração vinda do punk.
Essa onda atingiu outra grande banda do final dos 70/início dos 80: o Talking Heads. Liderados pelo talentoso
esquisitão David Byrne, os Heads, surgidos na cena punk nova-iorquina, haviam largado
com o referencial "77", daquele ano, passado pela brilhante trilogia com Brian Eno (“More Songs about Bouildings and Food”/"Fear of Music"/"Remain in Light")
e pelo bom “Sepeaking in Tongues”, além de mais três registros ao vivo. Nesse
transcorrer, atravessaram a virada dos anos 70 para os 80 avançando em estilo e
personalidade. Se no começo, comandados pelo produtor Toni Bongiovi, foi o
proto-punk e, logo em seguida, Eno os tenha empurrado para o experimentalismo
pós-punk e para a world-music, em
“Speaking...”, de 1982, passam a produzir a si próprios e mostram uma intenção
pop-rock mais refinada. Afinal, a criatividade de Byrne, seu principal
compositor, nunca correspondeu exatamente à tosqueira do punk-rock genuíno dos
colegas de CBGB Ramones e Richard Hell. Veio, então, outra joia da safra 1985:
“Little Creatures”, para muitos o melhor trabalho da banda e um dos ápices do
pop-rock dos Estados Unidos. De admirável musicalidade, trazia pelo menos dois hits
marcantes: “Lady Don’t Mind” e “And She Was”. Seriam Byrne & cia. capazes
de superar aquele feito? A resposta veio um ano depois, no fatídico 1986, não
apenas em um disco, mas num até então incomum projeto multimídia: o
disco-filme-livro “True Stories”,
que está completando 30 anos em 2016.
Para a época, o que hoje é comum no showbizz,
em que um artista grava o CD, DVD, videoclipe e um documentário num mesmo
espetáculo sem precisar gastar uma fortuna, foi bem impressionante a ousadia de
Byrne, o verdadeiro “head” do projeto.
Não se via uma proposta naquele formato até então, no máximo os abastados
clipes-filmes de Michael Jackson. Neste, entretanto, de feições quase intimistas,
Byrne, dentro de um mesmo tema, dirigiu um filme, atuou nele, lançou um livro
de fotos e textos e ainda criou de cabo a rabo um disco, componto-o e
produzido-o por inteiro. E mais: tudo de altíssima qualidade! Da turma que
aprendeu com Andy Warhol a transformar produto em arte, Byrne e seus habilidosos companheiros de grupo – a ótima baixista Tina Weymouth, o
competente baterista Chris Frantz e o versátil guitarrista e tecladista Jerry
Harrison – traziam três “produtos culturais” interligados mas independentes
entre si. Pode-se ver o filme e não comprar o disco ou ler o livro e por aí vão
as combinações. Há quem teve o primeiro contato com a obra, por exemplo,
através dos clipes da MTV (de certa forma, um quarto tipo de produto cultural)
e depois ouviu o disco ou assistiu ao filme.
Para se falar sobre as músicas, no entanto, é fundamental que se comece
abordando sobre o filme. Em "Histórias Reais" (tradução nos cinemas no Brasil),
um narrador, encarnado pelo próprio Byrne, percorre como um repórter a pequena
Virgil, no estado do Texas, em plena comemoração dos 600 anos da cidade, onde
encontra diversos personagens hilários e típicos. Conforme as situações vão se
apresentando, as músicas da trilha vão surgindo. Byrne, escocês radicado nos
EUA, cria um filme no qual engendra com delicadeza e humor uma crônica cotidiana
da vida norte-americana, tudo permeado por um olhar aparentemente infantil mas
carregado de perspicácia e ligado à relação emocional do autor com o seu lugar.
Lindamente poético, algo entre o documental e a fantasia, o longa
sintetiza as belezas e as fragilidades do povo do país mais poderoso do mundo.
Como se vê, no filme está a razão do trabalho musical, pois este funciona
como uma trilha sonora que veste a narrativa da história filmada ao mesmo tempo
em que é “apenas” mais um disco de carreira do Talking Heads, seu sétimo de
estúdio. Na seara de avanço de seu próprio estilo, eles repetem acertos do
passado, principalmente de seu trabalho antecessor “Little Creatures”. A
começar, assim como o disco anterior, um pouco por coincidência “True Stories”
também tem dois hits marcantes. O primeiro deles é “Love for Sale”, que o abre.
A letra já denota com humor e distanciamento crítico o caráter pueril e
materialista do ser norte-americano, que põe tudo à venda, até – e
principalmente – o amor. “O amor está
aqui/ Venha e experimente/ Eu tenho amor pra vender”, canta, enquanto, no
clipe, imagens de publicidade pulam na tela em cores vibrantes e kitch. Divertido, o clipe é a própria
cena extraída do filme, numa total interação entre as obras. E que grande
música! A batida lembra a de “Stay up Late”, de “Little...”, só que mais
acelerada, e o riff, memorável, é
daqueles que se reproduz o som com a boca. Pode-se colocá-la na classificação
de perfect pop, músicas de estrutura
perfeita e próprias para tocar no rádio mas que guardam qualidades genuínas de
estilo e composição.
Com uma pegada bastante Brian Eno pela base no órgão, “Puzzlin'
Evidence“ – no filme, a cena de um culto religioso em que se projeta um vídeo
com as maravilhas da tecnologia e do poderio bélico e financeiro yankee – tem o vigor do gospel,
principalmente no refrão, com o coro cantando com Byrne: “Puzzling Evidence/ Done hardened in your heart/ Hardened in your
heart”. Em seu livro “Como Funciona a Música”, de 2012, ele comenta que
compôs as faixas de “Little...” e “True...” praticamente ao mesmo tempo, por
isso as semelhanças entre um e outro. No caso do segundo, o que já se
diferenciava em sua cabeça era a aplicação: seriam músicas para o filme que ainda
pretendia rodar. Assim, já no Texas para inteirar-se das locações, levou
consigo as demos ainda por finalizar e lá teve a ideia de inserir os elementos
mais peculiares do folk
norte-americano, como o acordeom Norteño, a steelguitar e o coral de igreja
protestante de “Puzzlin'...”.
Durante todo o disco, a bateria de Chris é especialmente amplificada,
ótimo ensinamento pescado da faixa “Television Man”, de “Little...” – resgatada,
porém, de antes, pois já nota-se isso em “Electric Guitar”, de “Fear of Music”,
de 1979. Pois a caribenha “Hey Now” é marcada com essa batida forte,
acompanhada de bongôs e de uma guitarrinha ukelele,
a mesma que faz um solo totalmente no espírito ula-ula. Por conta de seu ritmo e melodia quase lúdicos, no filme,
Byrne a arranjou diferentemente: são crianças, todas com instrumentos
improvisados como pedaços de pau e latas, quem, numa das passagens mais bonitas,
entoam os versos: “I wanna vídeo/ I wanna
rock and roll/ Take me to the shopping mall/ Buy me a rubber ball now”.
“Papa Legba”, das melhores de “True...”, é outra que mostra como a
banda aprendeu consigo própria. A programação eletrônica faz intensificar o
ritmo sincopado da música africana, que começa com percussões típicas do
brasileiro Paulinho da Costa, um craque, e um canto quase tribal extraído por
Byrne. Visível influência dos trabalhos com Eno, principalmente do world-music “Remain in Light”. O tema em
si é lindo: um canto ritualístico do vuduhaitiano (“Papa Legba” significa aquele que serve como intermediário entre
a loa – mundo dos espíritos – e o
homem) que é usado no filme quando o personagem de John Goodman, um homem em
busca de uma carreira como cantor, recorre a esta espécie de pai-de-santo –
vivido pelo cantor Pops Staple, que a canta lindamente. No disco, é Byrne quem
está nos microfones, esbaldando-se em seu vocal rasgado e emotivo.
O segundo lado no formato LP abre com outro hit e outro perfect pop: a sacolejante "Wild
Wild Life", marco dos anos 80 e da música pop internacional. Impossível
ficar parado se estiver tocando numa pista. Além da letra ácida, a canção, bem
como seu clipe, também extraído do filme, é superdivertida, num convite a se assumir
o “lado selvagem”. Várias pessoas, os integrantes da banda e atores, sobem num
palco em um programa de tevê fazendo playback
e interpretando as figuras mais exóticas. O refrão, de versos móveis, é daqueles inesquecíveis de tão naturalmente
cantaroláveis: “Here on this moutain-top/
Oh oh/ I got some wild wild life/ I got some news to tell ya/ Oh oh/ About some
wild wild life...”.
Alegre e ritmada, "Radio Head" lembra a levada das bandinhas
folclóricas europeias (as que migraram para os EUA em várias localidades),
ainda mais pelo uso da gaita-ponto. Mas, claro, com o toque todo dos Heads,
desde a forte batida de Chris, as percussões de Paulinho da Costa –
contribuinte costumaz da banda –, e o vocal aberto de Byrne, perito em criar
refrãos pegajosos, como o desta: “Transmitter!/
Oh! Picking up something good/ Hey, radio head!/ The sound... of a brand-new
world”, “Radio Head” guarda uma curiosidade: é a música em que Byrne se
inspirou num verso de Chico Buarque – de “O último blues”, da trilha do filme
“Ópera do Malandro” – e que, por consequência, inspirou o nome da banda inglesa, que juntou as duas palavras.
A melódica “Dream Operator” – que no filme transcorre numa engraçada
sequência de um desfile, mais bizarro e brega impossível – tem uma bela letra,
a qual versa sobre o eterno estado de sonho em que vivem os norte-americanos: “Todo sonho tem um nome/ E nomes contam a
sua história/ Essa música é o seu sonho/ Você é o operador de sonho”. Algo
nem bom nem ruim: apenas verdadeiro. Outra clássica do álbum, “People Like Us”,
tema-chave do filme, é, assim como “Creatures of Love”, de Little...”, um
típico country-rock, com direito a
guitarra com pedal steele de Tomy
Morrell. Uma verdadeira declaração de amor do estrangeiro Byrne para os EUA,
reverenciando a cultura daquele país e ao mesmo tempo totalmente integrado
nela. Os versos iniciais dizem tudo: “Quando
nasci, em 1950/ Papai não podia comprar muita coisa para nós/ Ele disse:
‘Orgulhe-se do que você é’/ Há algo de especial em pessoas como nós”. E o
refrão, dentro da mesma ideia de “Creatures...”, não deixa por menos,
impelindo-nos a enxergar a alma norte-americana com um olhar mais humano: “Não queremos liberdade/ Não queremos
justiça/ Só queremos alguém para amar”.
De ritmo parecido a outra faixa de “Little...”, “Walk it down”, bem
como a outras daquele álbum no refrão de coro em tom entoado, como “Perfect
World” e “Road to Nowhere” (a ideia vem desde o primeiro trabalho com Eno, em
“The Good Thing”, de 1978), “City of Dreams” desfecha a obra com puro lirismo.
A letra fala da perda de identidade provocada pelas aculturações e dizimações,
algo muito presente na formação de sociedades modernas como a norte-americana: “Os índios tinham uma lenda/ Os espanhóis
viviam para o ouro/ O homem branco veio e os matou/ Mas eles não sabem quem realmente
foram”. Porém, artista sensível como é, Byrne joga luzes otimistas sobre o
futuro daquela nação e suas gentes, tendo como metáfora a pequena Virgil: “Vivemos na cidade dos sonhos/ Nós dirigimos
na estrada de fogo/ Devemos despertar/ E encontrá-la por fim/Lembre-se disso,
nossa cidade favorita”.
Se “True...” deve muito a “Little...”, que lhe serviu de espelho em
vários aspectos, também é fato que o disco de 1986 supera seu antecessor em
completude conceitual, uma vez que conversa o tempo todo com a obra filmada e,
consequentemente, com o trabalho fotográfico posto em páginas. Além do mais, o
sucesso alcançado por “True...”, seja motivado pela mídia televisiva e
radiofônica ou pelas telas do cinema, foi consideravelmente maior de tudo o que
já jamais conseguiriam, tendo em vista que “Wild Wild Life” ficou por 72
semanas no 25º posto da Billbord, melhor posição de uma música da banda nesta
parada. Comparações afora, o fato é que ambos os discos revelam um grupo no auge
de sua capacidade criativa, produzindo música pop sem descuidar das próprias
intenções e aspirações.
Tudo isso está ligado bastantemente à iniciativa de David Byrne que,
com o passar do tempo, foi se tornando cada vez mais o principal compositor e criador
da banda, a ponto de passar a ser o único. Assim, se “True...” é o ápice dos
Heads, também é o começo de seu declínio. A redução paulatina mas permanente da
participação de Chris, Tina e Jerry enfraqueceu-os enquanto conjunto, sufocando
os companheiros de Byrne. O fim estava próximo. Ainda tentaram um sopro de
comunhão, “Naked”, de 1988, mas o mais fraco álbum deles só serviria para
denotar que não tinha mais saída que não a separação de uma das grandes bandas do
pop-rock mundial. Os discos, porém, estão aí até hoje, longe de se datarem e
donos de alguns dos melhores momentos do que se produziu nos anos 80, a tal
“década perdida” – que, aliás, de “perdida” não teve nada em termos de rock.
Basta uma audição de “True Stories” para se certificar de que essa história,
por mais onírica que tenha sido, é real e muito especial.
.............................
O filme “Histórias Reais” tem, aliás, uma trilha sonora própria, a qual
traz temas incidentais. Apenas “Dream Operator”, em versão instrumental
arranjada por Philip Glass (“Glass Operator”), se repete, além da faixa “City
of Steel”, que é, na verdade, a melodia de “People Like Us”, também só com
instrumentos. As outras são de artistas variados, como “Road Song”, da genial
Meredith Monk, “Festa para um Rei Negro” (“Olê
lê/ Olá lá? Pega no ganzê/ Pega no ganzá...”), com a banda brasileira
Eclipse, e a mexicana “Soy de Tejas”, de Steve Jordan, além de seis composições
do próprio Byrne que só se encontram em “Sounds From True Stories”.
Não é de hoje que, às vezes, a visão do estrangeiro me diz mais do que a do nativo. Ofuscado pela cotidianidade, o vivente local comumente não se apercebe de elementos básicos daquilo que ele mesmo é. “Cego de tanto vê-la”, como disse o poeta. O forasteiro, como uma folha em branco, está livre para ser escrito, rabiscado, rasurado, e sem que se trace por cima de escritas já grafadas. Tal como as tatuagens de Nagiko, de “O Livro de Cabeceira”, de Peter Greenaway (1996), seu corpo serve, agora, de página para algo novo que se inscreva, em letras de novíssimos significados. Essa visão de fora, no cinema, é, igualmente, a ferramenta para que algumas obras incomuns sejam criadas. É o caso de “Histórias Reais” (True Stories, EUA-1988), a bem sucedida experiência audiovisual do músico – e estrangeiro – David Byrne.
O escritor e viajante francês François Chateaubrinad, em seu “Voyage en Italie”, disse que “cada homem traz em si um mundo composto de tudo o que viu e amou, e onde ele entra em permanência, ao mesmo tempo em que percorre e parece habitar um mundo estrangeiro”. Tão peregrino quanto, o escocês David Byrne escreveu e conduziu “Histórias Reais”, um filme no qual engendra com delicadeza e humor uma crônica cotidiana da vida norte-americana, tudo permeado por um olhar aparentemente infantil mas, na verdade, carregado de perspicácia. E essa visão própria está diretamente ligada à relação emocional do autor com o seu lugar, daquilo “tudo o que viu e amou.”
Byrne: narrador e personagem quebrando a "4ª parede"
Na obra de Byrne, o cenário ideológico representa mais do que uma cidade, mas os Estados Unidos como um todo, país que lhe acolheu e com o qual é tão identificado desde os tempos da geração punk nova-iorquina dos anos 70, da qual ele foi um dos principais atores à frente da lendária banda Talking Heads. A solução encontrada por ele para representar a amplitude de uma nação toda em um único espaço físico foi a de inventar uma cidade fictícia, a extravagante Virgil, onde a história transcorre. Nela, o diretor-viajante (Narrador, como é chamado), encarnado pelo próprio Byrne, percorre como um repórter esta localidade do Texas em plena comemoração dos 600 anos da cidade, onde encontra diversos personagens hilários, entre eles a Mulher Mais Preguiçosa do Mundo e o solteirão Louis Fyne (o sempre excelente John Goodman) à procura de casamento e da realização como artista.
Figurinos e cenários kitsch: o americano médio no centro
No filme, há dois enfoques que se complementam. O primeiro deles é um simpático mundo de fantasia, o que ironiza o próprio título. Byrne lança um olhar generoso sobre atitudes e pensares do povo daquele país que, talvez, para outro mais enfezado, seriam abertamente criticáveis, como o excesso de imagens publicitárias, o deslumbramento com os avanços tecnológicos ou a intenção de serem, eles, os “americanos”, espelho para o planeta. Cenas lúdicas, como as atrações de palco, o ventríloquo e os grupos de dança reforçam essa percepção. O figurino, de maquiagens carregadas, cabelos volumosos de laquê e as roupas e os cenários kitsch, explorando formas e cores berrantes, mostram o quanto a arte cenográfica, assinada por Lucinda Cowell, foi trabalhada para realçar esses aspectos.
Por outro lado, o filme revela belezas escondidas. E o faz muito bem. Com um olho atilado e sensível, Byrne enxerga, por exemplo, as tradicionais casas ao estilo norte-americano (tão comumente filmadas em centenas de outros filmes) nos planos gerais em travelling, aqui enquadrados não só com a câmera, mas também com a alma. A cena final na estrada de terra que se perde ao infinito, igualmente, é de pura poesia, visual e conceitualmente.
A emocionante cena das casas sob o olhar do estrangeiro Byrne
A fotografia do competente Ed Lachman (que se tornaria diretor mais tarde, fazendo, entre outros títulos, o ótimo “Ken Park”, de 2002) se encaixa na medida certa para as intenções do filme, tanto nas composições propositadamente artificiais, nas cenas em que Byrne aparece dirigindo pela estrada ou no vídeo de “Love For Sale” (que funcionou perfeitamente como clipe na MTV), como nas imagens naturais, a ver os lindos enquadramentos em grande plano da paisagem horizontalizada do deserto norte-americano, lembrando, sem medo da comparação, “Paris, Texas” (Win Wenders, ALE-EUA, 1984). Lachman também acerta no tom da exacerbação cenográfica proposta por Byrne, quando capta, dentro daquele emaranhado de imagens publicitárias, diversos formatos e tipos de telas de vídeo, provocando uma interessante profusão de superenquadramentos. Ideia esta, assim como as tonalidades cromáticas fortes, visivelmente aprendida por Byrne com o cinema novo alemão (movimento do qual Wenders originou-se) e do cineasta americano Jonatham Demme, diretor de vários clipes do Talking Heads.
Superrnquadramento de "Histórias...", à esq., e de "Paris, Texas" ao lado: Byrne se inspira em Wenders
Filme de músico, “Histórias Reais” tem ótimas músicas, é costurado por música, mas não é, a rigor, um musical. Conceitual, “Histórias Reais” é um dos produtos de um projeto multimídia – pouco comum à indústria de entretenimento naqueles anos 80 – lançado simultaneamente em outros dois formatos: livro, um book de trabalhos fotográficos com imagens captadas para o filme, e LP, um dos melhores do Talking Heads. Aliás, na minha percepção de fã da banda, “True Stories”, o disco, de princípio, mesmo com os grandes hits “Love for Sale” e “Wild Wild Life”, não me impressionava tanto quanto outros do grupo. Porém, sua audição passou a me fazer mais sentido e, consequentemente, a gostá-lo mais, depois de assistir a sua “versão” audiovisual.
Pelo viés da música, Byrne – já premiado anteriormente como diretor de videoclipes de sua banda – mostra domínio ao explorar todos os níveis narrativos de um filme musical. Ele se utiliza da trilha diegética, como na divertida cena de “Wild Wild Life”, expediente bastante usado nos musicais em que a música e a dança provocam um distanciamento da realidade para criar um universo próprio dentro daquele instante em que ocorre a performance. Em outro momento, usa também a não-diegese, como na apresentação na igreja em que há uma banda inteira executando a peça como se fosse ao vivo, integrando totalmente a música ao ato narrativo. Byrne também se vale da mistura dos dois extremos, como na sequência das crianças percutindo latas e cantando na rua a caribenha “Hey Now”.
O clássico clipe de "Wild Wild Life": cinema, a TV e a vídeo-arte
“Histórias Reais”, contudo, intenta ir além do musical. E vai. A constatação é um tanto preconceituosa, confesso, mas resisto um pouco a este gênero. Claro que existem grandes realizações nesse estilo ao longo da história do cinema; estão aí para provar “O Mágico de Oz” (Victor Fleming, EUA-1939) e o balé “Sapatinhos Vermelhos” (Michael Powell e Emeric Pressburger, ING-1948). Mas em geral incomoda-me aquela artificialidade da transição diálogo-performance, nem sempre justificável, nem sempre coerente. E até me irrita, em alguns casos, a forçada conversão do texto em canto quando a mesma poderia funcionar muito bem em uma simples fala coloquial. Pergunto-me: para que todo aquele contorcionismo para dizer um corriqueiro “bom dia”? “Hair” (Milos Forman, EUA-1979), por exemplo, me enjoa. Os que mais me agradam nesta linha são, justamente, aqueles que, de alguma forma, burlam o padrão do musical de Aistaire ou Kelly. De atmosfera onírica, cada um a seu modo, “Dançando no Escuro” (Lars von Trier, DIN/FRA/EUA -2000) e "Brasil Ano 2000" (Walter Lima Jr., BRA-1969) são exemplos felizes de reapropriação do elemento música dentro do contexto fílmico.
Não tão radical, “Histórias Reais” se situa entre um estilo – o clássico hollywoodiano – e outro – o do cinema moderno –, visto que é bastante palatável como o cinema comercial, porém, agregando aspectos de outras linguagens, como a publicidade e a vídeo-arte.
Fotografia valorizando o esverdeado luminoso, típico dos filmes de Demme e do cinema novo alemão
Entretanto, o que se destaca mesmo é o seu caráter documental. Byrne faz as vezes de um antropólogo, de um Chateaubriand, sendo objeto e observador ao mesmo tempo. Sua narração, com sentenças didáticas e engraçadas de tão óbvias, parece pretender relatar o que todo mundo sabe: que os Estados Unidos têm uma gente feliz; que são altamente tecnológicos; que o capitalismo triunfou; que vivemos imersos na era da informação e da imagem. Parece um roteiro extraído de um livro que se chamaria “United States for Dummies”. Porém, é na aparente obviedade que está a sacada: nunca ninguém (pelo menos, não um americano) se atreveu a (ou pensou em) mostrar os Estados Unidos tão cruamente, o que faz o espectador, pelo choque provocado, refletir dada a simplicidade (até simploriedade!) de como as coisas são mostradas. Leva-nos a questionar a veracidade desses mitos difundidos mundo afora, principalmente após a II Guerra. Não fosse o lado estrangeiro de Byrne, esse distanciamento crítico não seria possível. Às vezes, só a visão de fora consegue captar o que está dentro. Tanto que, no início do filme, há uma cena em que, antes de começar a história em si, ele, Narrador, entra na tela, reforçando essa ideia.
A era pós-11 de Setembro evidenciou ao mundo a crise moral e política a qual os Estados Unidos vinham alimentando há décadas, a começar pelo período de governo Reagan, da época em que "Histórias Reais" foi rodado. Mas e os dentes brancos da propaganda do creme dental? E as admiráveis engenhocas da tecnologia moderna? Ainda nos dizem alguma coisa? O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss foi no alvo quando escreveu: “esta grande civilização ocidental, criadora das maravilhas de que desfrutamos, certamente não conseguiu produzi-las sem contrapartida”. A ilusão que o filme de Byrne quase carinhosamente identificava sem apontar o dedo, a geração de cineastas como Michael Moore e Charles Ferguson cresceu para poder, hoje, com propriedade e direito, arregaçar as próprias feridas. De fato, parte da sociedade descobriu, um tanto tarde, que o Super-Homem jamais existiu a não ser nos quadrinhos, e que todos são de carne e osso, eles e os outros. “People Like Us”, sintetiza uma das músicas da trilha. Como diz naquele texto de Caetano Veloso: “Americanos não são americanos. São os velhos homens humanos chegando, passando, atravessando. São tipicamente americanos.”
"People Like Us", da Talking Heads: uma tradução do filme
Ôpa, fazia tempo que não aparecíamos com listas por aqui! Em parte por desatualização deste blogueiro mesmo, mas por outro lado também por não aparecem muitas listagens dignas de destaque.
Esta, em questão, por sua vez, é bem curiosa e sempre me fez pensar no assunto: quais aquelas bandas/artistas que já 'chegaram-chegando', destruindo, metendo o pé na porta, ditando as tendências, mudando a história? Ah, tem muitos e alguns admiráveis, e a maior parte dos que eu consideraria estão contemplados nessa lista promovida pela revista Rolling Stone, embora o meu favorito no quesito "1º Álbum", o primeiro do The Smiths ('The Smiths", 1984), esteja muito mal colocado e alguns bem fraquinhos estejam lá nas cabeças. Mas....
Segue abaixo a lista da Rolling Stone, veja se os seus favoritos estão aí:
Os 5 primeiros da
lista da RS
01 Beastie Boys - Licensed to Ill (1986) 02 The Ramones - The Ramones (1976) 03 The Jimi Hendrix Experience - Are You Experienced (1967) 04 Guns N’ Roses - Appetite for Destruction (1987) 05 The Velvet Underground - The Velvet Underground and Nico (1967) 06 N.W.A. - Straight Outta Compton (1988) 07 Sex Pistols - Never Mind the Bollocks (1977) 08 The Strokes - Is This It (2001) 09 The Band - Music From Big Pink (1968) 10 Patti Smith - Horses (1975) 11 Nas - Illmatic (1994) 12 The Clash - The Clash (1979) 13 The Pretenders - Pretenders (1980) 14 Jay-Z - Roc-A-Fella (1996) 15 Arcade Fire - Funeral (2004) 16 The Cars - The Cars (1978) 17 The Beatles - Please Please Me (1963) 18 R.E.M. - Murmur (1983) 19 Kanye West - The College Dropout (2004) 20 Joy Division - Unknown Pleasures (1979) 21 Elvis Costello - My Aim is True (1977) 22 Violent Femmes - Violent Femmes (1983) 23 The Notorious B.I.G. - Ready to Die (1994) 24 Vampire Weekend - Vampire Weekend (2008) 25 Pavement - Slanted and Enchanted (1992) 26 Run-D.M.C. - Run-D.M.C. (1984) 27 Van Halen - Van Halen (1978) 28 The B-52’s - The B-52’s (1979) 29 Wu-Tang Clan - Enter the Wu-Tang (36 Chambers) (1993) 30 Arctic Monkeys - Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not (2006) 31 Portishead - Dummy (1994) 32 De La Soul - Three Feet High and Rising (1989) 33 The Killers - Hot Fuss (2004) 34 The Doors - The Doors (1967) 35 Weezer - Weezer (1994) 36 The Postal Service - Give Up (2003) 37 Bruce Springsteen - Greetings From Asbury, Park N.J. (1973) 38 The Police - Outlandos d’Amour (1978) 39 Lynyrd Skynyrd - (Pronounced ‘Leh-‘nérd ‘Skin-‘nérd) (1973) 40 Television - Marquee Moon (1977) 41 Boston - Boston (1976) 42 Oasis - Definitely Maybe (1994) 43 Jeff Buckley - Grace (1994) 44 Black Sabbath - Black Sabbath (1970) 45 The Jesus & Mary Chain - Psychocandy (1985) 46 Pearl Jam - Ten (1991) 47 Pink Floyd - Piper At the Gates of Dawn (1967) 48 Modern Lovers - Modern Lovers (1976) 49 Franz Ferdinand - Franz Ferdinand (2004) 50 X - Los Angeles (1980) 51 The Smiths - The Smiths (1984) 52 U2 - Boy (1980) 53 New York Dolls - New York Dolls (1973) 54 Metallica - Kill ‘Em All (1983) 55 Missy Elliott - Supa Dupa Fly (1997) 56 Bon Iver - For Emma, Forever Ago (2008) 57 MGMT - Oracular Spectacular (2008) 58 Nine Inch Nails - Pretty Hate Machine (1989) 59 Yeah Yeah Yeahs - Fever to Tell (2003) 60 Fiona Apple - Tidal (1996) 61 The Libertines - Up the Bracket (2002) 62 Roxy Music - Roxy Music (1972) 63 Cyndi Lauper - She’s So Unusual (1983) 64 The English Beat - I Just Can’t Stop It (1980) 65 Liz Phair - Exile in Guyville (1993) 66 The Stooges - The Stooges (1969) 67 50 Cent - Get Rich or Die Tryin’ (2003) 68 Talking Heads - Talking Heads: 77’ (1977) 69 Wire - Pink Flag (1977) 70 PJ Harvey - Dry (1992) 71 Mary J. Blige - What’s the 411 (1992) 72 Led Zeppelin - Led Zeppelin (1969) 73 Norah Jones - Come Away with Me (2002) 74 The xx - xx (2009) 75 The Go-Go’s - Beauty and the Beat (1981) 76 Devo - Are We Not Men? We Are Devo! (1978) 77 Drake - Thank Me Later (2010) 78 The Stone Roses - The Stone Roses (1989) 79 Elvis Presley - Elvis Presley (1956) 80 The Byrds - Mr Tambourine Man (1965) 81 Gang of Four - Entertainment! (1979) 82 The Congos - Heart of the Congos (1977) 83 Erik B. and Rakim - Paid in Full (1987) 84 Whitney Houston - Whitney Houston (1985) 85 Rage Against the Machine - Rage Against the Machine (1992) 86 Kendrick Lamar - good kid, m.A.A.d city (2012) 87 The New Pornographers - Mass Romantic (2000) 88 Daft Punk - Homework (1997) 89 Yaz - Upstairs at Eric’s (1982) 90 Big Star - #1 Record (1972) 91 M.I.A. - Arular (2005) 92 Moby Grape - Moby Grape (1967) 93 The Hold Steady - Almost Killed Me (2004) 94 The Who - The Who Sings My Generation (1965) 95 Little Richard - Here’s Little Richard (1957) 96 Madonna - Madonna (1983) 97 DJ Shadow - Endtroducing ... (1996) 98 Joe Jackson - Look Sharp! (1979) 99 The Flying Burrito Brothers - The Gilded Palace of Sin (1969) 100 Lady Gaga - The Ame (2009)