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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

"Até que a Sbórnia nos Separe", de Otto Guerra e Ennio Torresan Jr. (2014)




Você com certeza já ouviu falar de “Kraunus e Plestkaya”, não? Então "Hique Gomez e Nico Nicolayewski”, não? E “Tangos & Tragédias”? Sim ,eu sabia. Agora corra e assista "Até que a Sbórnia nos Separa", essa fantástica animação dos diretores Otto Guerra e Ennio Torresan Jr, que conseguiram magicamente transportar toda a essência desta fabulosa peça para dentro do universo cinematográfico.

A história nos é contada através de um narrador, Dimitrius, que rapidamente se revela filho de Kraunus (Hique Gomes), um músico que se apresenta nas noites sbórnianas junto com Pletskaya (Nico Nicolayewski), seu grande amigo, formando um dueto um tanto quanto "estranho", porém muito talentoso.

Vemos como viviam os habitantes da pequena Sbórnia, um pais que tinha um enorme muro que o mantinha isolado do mundo, até certo dia, durante uma partida de machadobol (o esporte mais popular da Sbórnia) a bola acaba saindo do estádio e derruba o enorme muro, aí realmente começa o filme. A modernidade se aproximando da Sbórnia com seus automóveis, o violento choque cultural que atinge o país, a interferência do continente é enorme, tudo muda, nem mesmo o bizuwin (uma erva local que os habitantes do país utilizam para fazer uma bebida parecida com o nosso chimarrão), consegue escapar, pois um empresário que foi passar uma noite neste novo país acabou se apaixonando pela bebida e resolve exportá-la para o resto do mundo.

Kraunus e Pletskaya, os melhores, mais divertidos e
mais esquisitos músicos da Sbórnia.
Se Kraunus está perdido, busca soluções nas raízes da cultura sbórniana, tentando se manter fiel aos costumes do país, já Pletskaya, não está nem aí para o futuro da ilha, ele está perdidamente apaixonado pela bela Cocliquot (Fernanda Takai), filha do rico empresário que pretende exportar o Bizuwin, porém Cocliquot já está prometida e deve se casar com outro homem. Os momentos de Pletskaya e Cocliquot juntos, principalmente quando ele vira professor de piano dela, são cenas hilárias.

A trama principal do filme é essa, Kraunus Sang lutando contra a industrialização da Sbórnia, como descendente de um dos idealizadores do muro e seguidor do anarquismo hiperbólico, acha que manter sua família longe da modernidade irá lhes manter a salvo. Ele é um personagem intrigante, com seu jeito mal humorado. Se em palavras ele não demonstra o sentimento que tem por sua família (até porque ele praticamente não fala), em suas atitudes ele tenta mostrar esse amor, mas sua entrega a luta em resistência ao novo, acaba o afastando de sua família, que quer aproveitar as novidades, não querem ficar presos as tradições como Kraunus.

Pletskaya e Cocliquot, um casal apaixonado
e apaixonante
Plestkaya é um cara divertidíssimo, não liga para as tradições sbórnianas, pois ele é um romântico a moda antiga, e no momento em que ele encontra o amor, se dedica completamente a essa paixão, não consegue pensar em outra coisa que não seja sua amada, por isso acaba nem ligado para o destino de seu país. Seu romance com Cocliquot é cheio de dificuldades, como são normalmente os romances do cinema, e isso é lindo, você acaba torcendo pelos dois.

Por mais que os dois personagens principais não evoluam ao longo da trama, começam de um jeito e terminam do mesmo jeito, isso não chega a ser um grande problema para o filme, claro atrapalha um pouco o ritmo da obra, ela fica lenta repetitiva em alguns momentos, pode incomodar um pouco os pequenos, porque apesar da classificação ser 10 anos, é um ritmo bem mais lento do que as animações focadas para o publico desta idade que temos hoje, mas não prejudica o resultado final. Nas cenas finais volta a ação, filme ganha um gás extra e termina lindamente.

A rápida transformação que ocorre na ilha após a queda do muro
(isso me lembra algum outro muro que caiu em 1989)
O filme retrata a Sbórnia, país fictício, mas com problemas bem reais, como a influência do capitalismo, o consumismo, problemas ambientais, questões familiares, essas pitadas de realismo, acrescentado a cultura fascinante da Sbórnia, uma animação de encher os olhos, uma trilha sonora maravilhosa de André Abujamra, com algumas musicas clássicas da peça, também temos a grande Arlete Salles como mãe de Cocliquot, ela está super bem, resumo da obra, um trabalho lindo, feito com muita dificuldade, com diversos contra tempos, como infelizmente acontece no Brasil, mas a obra é fantástica, a animação brasileira sobe um degrau. Um filme que te faz pensar, com criticas sociais, um humor muito inteligente, somado a isso temos mais uma chance de ver Nico Nicolaiewsky, pois este foi um dos seus últimos trabalhos, sentiremos muito sua falta.

Se você já assistiu a peça, assista também o filme, se não viu, assista o filme do mesmo jeito, acompanhe de perto como a Sbórnia se reaproximou do continente e logo depois o Istmo foi destruído e ela passou a navegar pelos mares do mundo! Mares do mundo! Mares do mundo! Mares do mundo!

Baaaaaaaah!!!


sábado, 8 de fevereiro de 2014

Quatro Vezes Com Nico: Cada Vez Mais Perto, Mas Nunca de Fato

Nico Nicolaiewsky no Açorianos 2013
por Leocádia Costa
Vi Nico Nicolaiewsky pessoalmente em quatro diferentes escalas de proximidade. Neste 7 de fevereiro de 2014, dia em que ele se distancia definitivamente de mim e de todos que permanecemos na terra, no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre e, principalmente, na Sbórnia, percebo com pesar que nunca mais situações como essa ocorrerão. Por isso faço questão de lembrá-las uma a uma, relatando a partir da de maior distância dessas três para as de maior proximidade:
Tive, nas duas primeiras e mais afastadas oportunidades, o prazer de assistir, dar muitas risadas e, principalmente, apreciar o talento de Nico como maestro Pletskaya no Tangos & Tragédias ao lado do Hique Gomes (que, pôxa, como deve estar sentindo agora, né?), uma em 1999 e outra em 2004. Sempre me impressionou a capacidade artística e lírica desse artista refinado e de vasto conhecimento harmônico e composicional, um cara que, desde o Grupo Musical Saracura, nos anos 70, antes de eu ter nascido, já se confundia com a história recente da música popular do Rio Grande do Sul. Além do espetáculo Tangos & Tragédias em si, concebido por ele junto com Hique há mais de 30 anos, é das mãos de pianista clássico e da criatividade de artista eclético que saíram músicas tão peculiares dos gaúchos e porto-alegrenses como o ato de passear no Bric da Redenção, de tomar chimarrão, de assistir a um Gre-Nal. Tangos & Tragédias tem essa aura, com certeza. Do show das clássicas temporadas no Theatro São Pedro, um deles vi do “puleiro” da galeria lateral do quarto mezanino, bem longe e de cima. O outro, da plateia baixa, mais perto e sem deformação, porém ainda não perto o bastante.
Aproximando mais o zoom, outra situação ocorrida entre mim e ele, agora fisicamente bem mais próxima, deu-se em 2001. Estagiava na Dez Propaganda, que ficava na r. Dona Laura equina com Goethe, e Nico, muito amigo dos sócios da empresa, combinou com algum deles de deixar o acordeom na agência por algum motivo que nunca soube e nem perguntei à época. O importante da história é que coube ao estagiário Dani – eu mesmo – descer ao térreo e, na calçada, em plena luz do dia (umas 17h da tarde, mais ou menos), recolher das mãos dele próprio, dentro da tradicional caixa de madeira escura (provavelmente em carvalho e com certeza original e muito antiga), o pesado instrumento. Lembro que, adolescente, me impressionei ao vê-lo Nico, e não Pletskaya. Já o tinha visto assim no filme “Pulso”, do José Pedro Goulart, mas, assim, ao vivo... Era conflitante com o outro que tinha visto também ao vivo, mas de mais longe no palco do São Pedro.
Ali, naquela hora, por acanhamento ou pura bobice, nem lhe apertei nem a mão. Não o toquei. E a oportunidade nunca mais se montaria à minha frente. Apenas abracei aquele bloco de madeira maciço envelhecido, o que, imediatamente, fez-me transportar para um tempo diferente daquele de uma tarde de trabalho comum de 2001. Aquilo é uma peça de antiquário! Tinha, além disso, a certeza aterradora de que, ali dentro, havia um objeto valioso: a gaita, aquela que o via colar junto ao peito e tocar lindamente no Tangos & Tragédias. Meus sentidos se alarmaram para que não houvesse nenhum tropeço, nenhum escorregão imbecil, e meus bíceps ganharam, milagrosamente, uma força inexistente para aqueles braços franzinos de adolescente. Além da responsabilidade que me foi atribuída, sabia que aquele invólucro intimidante e mágico continha uma joia, a qual, de alguma forma, sentia que também me pertencia. Pertencia ao meu imaginário sonoro e onírico.
Precisaram-se passar 12 anos para que o visse novamente. Quase com a mesma proximidade que daquela vez do acordeom, quando pude até apertar sua mão não fosse a timidez do passado. Mas tratava-se, infalivelmente, de um momento diferente e, quem sabe, estava até mais próximo noutras esferas de percepção. Na entrega do Prêmio Açorianos de Literatura, em 9 de dezembro de 2013, em que meu livro era um dos concorrentes, tive a felicidade de vê-lo no palco do Teatro Renascença fazendo a trilha musical do evento. A beleza e o lirismo que, engraçadamente, deu a músicas do cancioneiro popular chulo como “Tô nem aí”, “Ai seu eu te pego” e “Tchu Tcha Tcha” no seu último projeto, o elogiado pocket show “Música de Camelô”, tiraram risadas e suspiros de encantamento da plateia, mas não conseguiram esconder um Nico cansado, pálido, magro e aparentemente mais velho que os 56 anos que somava. Foi sua última apresentação. Relembrando desta noite, me recordo daquela segunda ocasião que assisti ao Tangos, em 2004. Notei que, discretamente, a cada momento solo do Hique Gomes, aquilo representava mais do que uma pausa para descanso: era, sim, um alívio por conta do peso do acordeom. O tal acordeom estava forçando suas costas. Ele tirava as alças dos ombros e não conseguia esconder a expressão de dor e a mão que levava às costelas. Fiquei com aquela imagem gravada, que me veio novamente quando soube pela mídia, há aproximadamente 20 dias, da leucemia que o acometeu e o vitimou rapidamente.
Subi ao palco para receber, das mãos de Márcia do Canto, sua esposa, que apresentava a cerimônia, meu troféu Açorianos e tive, ali, pela última vez bem perto de Nico. A metros. Uns três passos, quase que só o piano nos separando. O que não consegui perceber, visto minha ansiedade com a premiação, era que Nico já não estivesse mais tão ali como meus olhos e ouvidos insistiam em achar ser verdade. A foto que Leocádia Costa registrou com felicidade denota, no desfoque e na iluminação artificial, justamente isso: ele já estava no ar. Hoje, enfim, ele foi definitivamente para o ar. Longe, longe. De mim e de todos daqui da terrinha. Talvez, no entanto, mais perto ainda dos sons. O resto fica na memória, que rompe as escalas de proximidade ou distância.
Vá com os sons, Nico Nicolaiewsky.


NICO NICOLAIEWSKY
1957-2014