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domingo, 2 de julho de 2017

cotidianas #517 - Análise Descontraída


Morro sem entender 
Porque a ciência constrói por um lado
E destroi pelo outro

Morro sem entender 
Porque já pisaram na lua
Se não se sabe da Atlândida 
Do homem das neves 
Ou do monstro de Loch Ness


Morro sem entender 
Porque fazem cidades
Que crescem fogosas debaixo de vulcões

Morro sem entender
A espécie que fez
30 milhões de leis
Pra se fazerem cumprir os 10 mandamentos

Êta, mundo velho
Você me parece ainda um ovo
Ou então precisa urgentemente se acabar
Pra nascer de novo

Morro sem entender
Buscando meu tempo perdido
Estudando latim que era uma língua morta
Não se deve matar , mas na guerra pode
E entra ano , sai ano em qualquer carnaval
O rei momo é sempre gordo

Êta, mundo velho
Você me parece ainda um ovo
Ou então precisa urgentemente se acabar
Pra nascer de novo

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"Análise Descontraída"
(Erasmo Carlos)

Ouça:
Erasmo Carlos - "Análise Descontraída"

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Morrissey - "Your Arsenal" (1992)





"['I Know It's Gonna Happen Someday' é]
Morrissey imitando Bowie."
David Bowie



Não, aquele topete não é por acaso. Fã de nomes como Elvis e James Dean, e apreciador da cultura dos anos 50 e 60, Morrissey sempre deixou transparecer essa predileção, desde a época dos Smiths com capas de discos como a de "The World Won't Listen" na qual um grupo de jovens ao estilo rockabilly aparece meio de costas na capa, nas de singles como o de "Bigmouth Strikes Again" na qual James Dean aparece montado em uma lambreta, ou do single "Shoplifters of the World Unite"  com Elvis Presley, e em músicas  como "Rusholme Ruffians", pra citar um bom exemplo, uma vez que esta , diretamente inspirada no Rei do Rock, ganhou inclusive na versão ao vivo do disco "Rank", um medley de introdução com "(Marie's the Name) His Latest Fame", tal a semelhança entre as duas. 
Embora seus discos solo tivessem trabalhos de produção bem variados, de certa forma o espírito rock'roll sessentista sempre esteve intrínsecamente presente nos trabalhos, fosse em seus astros decadentes, nas brigas de gangues ou nos garotos rebeldes. Era o universo, os personagens, "o mundo de Morrissey".
E essa veia rock'roll aparece com força mesmo é no terceiro disco do cantor. Em "Your Arsenal", Moz convocava uma gangue de jovens topetudos e carregando no rockabilly revitalizava seu som e reoxigenava sua trajetória naquele momento.
Pra não deixar dúvida das intenções, já sai chamando de cara com a espetacular  "You're Gonna Need Someone on Your Side" um rockabilly invocado, distorcido e acelerado de riff minimalista que destila todo o habitual rancor de Morrissey, "Day or night/ There's no diference/ You're gonna need  someone on your side" ("Dia ou noite, não faz diferença/ Você vai precisar de alguém a seu lado").
"Glamorous Glue" é  um típico glam-rock em uma das tantas referências, diretas ou indiretas a David Bowie no disco. Não  por acaso, uma vez que "Your Arsenal" fora produzido por Mick Ronson, guitarrista do Camaleão na época  do clássico ht"Ziggy Stardust". "We Let You Know" surge como uma balada acústica e, entre ruídos  de multidão, vai crescendo até explodir num final grandioso, numa das grandes interpretações  de Morrissey no disco.
A polêmica "The National Front of Disco", salvo sua, talvez, infeliz referência à Frente Nacional, que custou a Morrissey acusações  de racismo e xenofobia, é  uma baita duma música! Um pop rock tão delicioso e empolgante que faz perdoar qualquer equívoco involuntário deste grande letrista.
Não  menos deliciosa é  "Certain People I Know", outro rock com cara de anos 60, desta vez com uma pegada um pouco mais country.
"We Hate When Our Friends Become Successfull", o grande hit do disco e um dos maiores da carreira do cantor, talvez tenha um dos melhores refrões que eu já  tenha escutado na vida, apenas com a risada de Morrissey soando mais sarcástica  do que nunca, no que muitos dizem ser um deboche ao, até então, fracasso da carreira solo do ex-parceiro de Smiths, Johnny Marr.
Moz banca um Roberto Carlos e homenageia os gordinhos na adorável "You're The One For Me, Fatty", que, brincadeiras à  parte só  faz repetir a atenção que o artista sempre  dedicou aos menos lembrados.
As duas baladas que se seguem, "Seasick, Yet Still  Docked" e "I Know It's Gonna Happen Someday" são bastante parecidas embora esta última seja bastante superior com uma carga emotiva impressionante numa interpretação extremamente intensa de Morrissey, assumidamente  muito inspirada nas baladas de David Bowie, terminando inclusive aos acordes de "Rock'n Roll Suicide".
Mais uma peça  carregada de rock, "Tomorrow", se encarrega de botar ponto final em tudo com destaque para o baixo de Boz Boorer, de certa forma, grande impulsionador da tendência roqueira daquele momento da carreira de Morrissey.
Morrissey com "Your Arsenal" honrava o topete e fazia a alegria dos fãs mais afeitos ao seu lado rock. Com uma discografia  idolatrada, embora nem sempre muito inspirada, "Your Arsenal" era e continua sendo um dos trabalhos  mais coesos de sua carreia e para muitos, o melhor disco de sua história sem o parceiro Johnny Marr. Morrissey abria seu arsenal e mostrava armas que não vinham sendo usadas com a devida ênfase. O resultado foi um balaço.

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FAIXAS:
  1. "You're Gonna Need Someone on Your Side"
  2. "Glamorous Glue"
  3. "We'll Let You Know"
  4. "The National Front Disco"
  5. "Certain People I Know"
  6. "We Hate It When Our Friends Become Successful"
  7. "You're the One for Me, Fatty"
  8. "Seasick, Yet Still Docked"
  9. "I Know It's Gonna Happen Someday"
  10. "Tomorrow"

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Ouça:
Morrissey - Your Arsenal



Cly Reis

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Coluna dEle #44




Tô puto, tô cuspindo fogo, tô virado no capeta!!!
Desculpem a indignação. Primeiramente, fora... digo, primeiramente bom dia. É que vi um troço aqui e  fui obrigado a descer do Meu trono celestial e vir a público Me defender.
Eu tava aqui na Minha, de boas cuidando da Minha vida e da de vocês também, o que é Minha obrigação diga-se de passagem, quando fui surpreendido com a noticia de mais uma citação ao Meu Santo Nome (em vão). Ah, não!
Depois de toda aquela cambada naquela vez da tal da votação do impeachment dizer que tava fazendo aquilo em Meu nome e coisa e tal, agora Me vem esse presidente postiço insinuar que Eu tive alguma coisa com o fato de estar onde está.
Eu fora, golpista! Me inclua fora dessa.
Eu não coloquei ninguém lá. Vocês sabem muito bem quem foi. Foi o tal do "grande acordo". E quando eles falam em "Supremo e tudo", podem ter certeza que não se referem ao Juiz Supremo aqui.
Se ele não sabe como é que "Eu teria colocado" ele lá, eu sei menos ainda! Isso não foi feito na jurisprudência daqui de cima, não.
Mania que esses cara têm de Me botar nas parada pra dar credibilidade pras safadezas deles. Os caras tão numas de assassinato, tráfico, propina e sei lá o que mais e vem Mebotar no meio. Sujar o nome do cara.
Antes que Me apareça um procurador qualquer Me denunciando, um juiz imparcial herói e guardião da justiça Me intimando, ou uma visita da Federal para uma gentil condução coercitiva, gostaria de esclarecer que não tenho nada a ver com esse cidadão e nunca sequer conversei com ele até porque ele nunca Me procurou. Se ele tem relações com alguém do Meu escalão é com o cara lá debaixo, e se procurarem bem, se grampearem, se gravarem vão encontrar até mesmo umas conversinhas bem interessantes. Um grande pacto...
Agora EU? Poupem-me, né. Me economizem. Por favor!
Dá próxima vez dobrem a língua pra falar de Mim. Meu nome não é osso para estar na boca dessa cachorrada. Não é fumo pra estar em boca de bandido. Não é caô pra estar sempre na tua boca, viu, ô, meu.
Se a justiça de uns juizinhos que andam por aí escolhe quem pegar, a Minha pode até tardar mas não falha.
Um hora dessas Eu me emputeço e mando um dilúvio, um furacão, um terremoto, uma praga qualquer nessa porra de Brasília. E, aí véi, cês vão ter muito mais com que se preocupar do que com vidraças.

Por hoje era isso, filharada. Só passei pra desabafar, pra dar um sermão.
Já me acalmei um pouco. Já aplaquei a ira divina.
Eu vou, mas tô de olho em vocês, ó...
Fiquem Comigo e que Eu os abençoe.
(Tô de olho em vocês)
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Pedidos, súplicas, preces, orações, conselhos, denúncias, citações, conchavos, acordos, gravações, delações, retratações (seria bom, hein) para o e-mail
god@voxdei.gov

terça-feira, 27 de junho de 2017

cotidianas #516 - Chuvisco


Noite gélida. A garoa fina que parece inofensiva mas que, não à toa é conhecida também como "chuva-de-molhar-bobo", castiga pacientemente os corajosos que atrevem-se a encarar a noite de inverno de Porto Alegre. Entre esses poucos valentes, caminha pela noite uma mulher que a julgar pela idade, pela fragilidade de sua compleição física, franzina, mirrada, não teria como suportar aquelas condições. Mas ela segue na noite, segue pelas ruas mal iluminadas. E não voltará para casa antes de encontrar o que procura. Seus olhos grandes e arregalados percorrem nervosamente cada canto, cada esquina.
"Chuvisco!", é o que se ouve num chamado agudo e esticado que rompe o silêncio da escuridão. É a mulher. Não, ela não faz confirmar a evidente situação climática daquele momento. Chuvisco é um nome. Chuvisco é seu gato.
"Chuviiiisco", chama mais uma vez.
Ela não cansa, não descansa, não desiste, percorre todas as rumas do bairro, bate de casa em casa, toca campainhas e logo vem dar na nossa casa. Nosso terreno em extensão é vizinho dos fundos do terreno onde mora, solitária ... ou melhor, apenas na companhia de Chuvisco.
A mãe do Chuvisco como costumávamos chamar, nem lembro se sabíamos mesmo o nome dela, nos provocava arrepios. A começar pelo seu aspecto esquálido, quase cadavérico, que transmitia uma sensação sinistra, mas muito também pelo fato de termos um conhecimento impreciso e preconceituoso na nossa inocência de crianças de que aquela senhora era, como diziam, "da macumba". Aquilo nos parecia extremamente ameaçador como se à mínima desconfiança dela de que fizéramos algo a seu amado gato, teríamos uma irreversível maldição jogada sobre nós. Além de tudo, o lugar onde morava, no tal terreno contíguo, ficava numa espécie de cortiço labiríntico, um conjunto de casebres de madeira envelhecidos e amontoados de aspecto muito pouco convidativo. Uma espécie de Vila do Chaves mal-assombrada onde ela era a Bruxa do 71, até pela semelhança física, e o seu gato, que ainda era preto para piorar alimentada a superstição infantil, era o Satanás do episódio do seriado no qual as crianças tem que entrar na casa para deixar o jornal.
Pois a velha zanzava, zanzava, parava em frente ao nosso portão, vasculhava um pouco ao redor e finalmente decidia entrar. Tocava a campainha e perguntava-nos se víramos o Chuvisco. Invariavelmente respondíamos que não, pois, obviamente, não fazíamos a menor ideia de onde poderia estar o bicho e não tínhamos o menor interesse no seu paradeiro. Ela desconfiada olhava-nos com seus ameaçadores olhos arregalados como se pudéssemos estar escondendo alguma coisa dela e, não muito convencida, virava as costas e saía decidida novamente para vagar pela noite atrás do bichano.
Não sem uma pontinha de dúvida de que não tivesse naquele curto instante nos posto algum feitiço, ficávamos aliviados por termos nos livrado daquela presença macabra. Mas sabíamos que ela voltaria. Tínhamos certeza. A cada noite que o gato resolvesse dar sua fugidinha noturna, ela encararia o clima que fosse para encontrá-lo.
Fechávamos a janela da frente e voltávamos ao que estivéssemos fazendo, jantar, assistir a um filme, o que fosse. Horas depois ainda ouviríamos, ao longe, na noite fria, aquele longo e estridente chamado da velha. "Chuviiiiiisco".



Cly Reis