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sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Exposição “Neon”, de Gelson Radaelli – MARGS – Porto Alegre/RS



Qualquer pessoa que já tenha tido a felicidade de ir ao Atelier de Massas, no Centro de Porto Alegre, sabe que não se vai lá somente pelas deliciosas comidas que a casa oferece – o que já seria, importante ressaltar, motivo suficiente. Além do jazz rolando em volume adequadíssimo nos alto-falantes (nem alto demais que não se consiga conversar, nem baixo em demasia que não seja possível identificar a música e criar uma atmosfera agradável), as paredes do restaurante são verdadeiramente hipnotizantes. Isso porque Gelson Radaelli, dono do negócio, é, igualmente, um dos mais criativos e expressivos artistas visuais do Rio Grande do Sul, e as paredes do Atelier de Massas são tão abarrotadas de quadros dele quanto de garrafas de vinhos, confundindo o restaurante – propositalmente – com seu atelier de arte.

Faço o paralelo com o vinho, pois, como acontece com a bebida de Baco, a obra de Radaelli também parece melhorar com o tempo. Se não tanto, ao menos se refina – o que a muitos pode ser entendido, sim, como avanço conceitual e técnico. “Neon”, em exposição no MARGS – Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, simboliza essa hipótese: é a celebração de 30 anos de um trabalho forjado essencialmente na pintura e no desenho sintetizado em elementos pictóricos mínimos, mas que denotam a multiplicidade plástica e, consequentemente, a depuração de uma obra artística. São 22 quadros inéditos, maiormente óleo sobre tela, em que a constituição básica são pinceladas largas em preto, branco e cinza (por vezes, algum azul) sobre um fundo rosa.

Assim, as fantasmáticas e desconcertantes figuras humanas vistas em grande parte da obra de Radaelli, que chegam até a assustar com sua expressividade desacomodante, estão presentes na novíssima série produzida para a exposição. Entretanto, homogeneizadas, hibridizadas, como que assimiladas naturalmente. Os corpos humanos ou pedaços de dão lugar a borrões e espessos feixes de tinta. Se o figurativo dá lugar ao pleno abstratismo, a sensação de movimento – não raro, vertiginosa –, a persistência do traço, a sobreposição de camadas e a inquietante fúria do gesto mantêm-se intactas, reelaboradas, renovadas.

A maturidade atingida por Radaelli nesta nova série também pode ser percebida na síntese cromática obtida com a combinação mínima de cores. O fundo rosado funciona como um cenário de múltiplas possibilidades de interação com aquilo que suporta. Assim, o preto, o branco e o cinza, intercalam-se, somam-se, desafiam-se. Nunca suplantando sua base, mas experimentando gestos de todas as ordens: jorros, acasos, redemoinhos, urgências. E ainda deixando escapar sempre, mesmo que discretamente, algum azul. Um azul de existência, de resistência. De luz.

“Neon” faz-se, por estes aspectos e outros vários que possam ser depreendidos, uma mostra desafiadora em sua aparente redução. Radaelli sempre delegou, diferentemente de Iberê Camargo – de quem se notam semelhanças por vezes –, ao apreciador a responsabilidade de lidar com o incômodo, com o embaraço das contorcidas e doloridas figuras humanas que compunha. Nesta série, entretanto e para além disso, a assimilação conceitual pela via da abstração não tira de quem vê tal carga. Põe, sim, a perguntarem-se: onde fomos parar?

Vídeo: Exposição "Neon"



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serviço
Exposição “Neon"
local: Galerias Ângelo Guido, Pedro Weingartner e João Fahrion do MARGS (Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli)
endereço: Praça da Alfândega, s./n., no centro de Porto Alegre/RS
período: até 10 de setembro
horário: de terças a domingos, das 10h às 19h
curadoria de Icleia Borsa Cattani.
entrada franca.

abaixo algumas fotos da exposição:






 









por Daniel Rodrigues

sábado, 11 de fevereiro de 2017

"Vontade de Mundo" – Exposição coletiva – Coleção João Sattamini - Museu de Arte Contemporânea (MAC) – Niterói/RJ




Como já falei aqui no blog – e acho que sempre vou falar quando lá estiver –, ir ao Museu de Arte Contemporânea de Niterói, o MAC, é por si um passeio e um exercício artístico, independentemente do que estiver em exposição. Aquele desenho de Oscar Niemeyer, que respeita e se integra com o redor, com a natureza exuberante do Mirante da Boa Viagem com mar, morros, verde, declives e aclives, faz com que o visitante também se integre àquela arquitetura. Niemeyer, através da beleza reveladora de sua arte, faz-nos revelar tal integralidade enquanto seres pertencentes a esta natureza. 
Impressionante pela técnica e efeito a obra de Del Santo

Dito isso, volto as atenções à exposição em destaque, que está no local até 2 de abril: "Vontade de Mundo". A mostra algumas guarda parecenças com outra que vimos em nossa estada no Rio de Janeiro em dezembro, “A Cor do Brasil”, no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), pois ambas têm como base o acervo do colecionador João Sattamini. Isso faz com que alguns artistas, como Mira Schendel, Iberê Camargo e Aluísio Carvão, por exemplo, apareçam nas duas. Porém, o conceito, este sim, é totalmente próprio em cada uma delas. Nesta do MAC, consideravelmente menor que a outra, mesmo que exposta no salão principal, são 30 obras selecionadas, cerca de 90% menos do que a do MAR, que traz mais de 300! 

Afora o fator quantidade, "Vontade...” traz como tema não a cor como mote, mas um (questionável) sentido de unidade por meio de incontáveis mundos possíveis em cada obra de arte. O objetivo deste recorte é provocar cada visitante a tecer relações entre as obras entendidas como um mundo em si aberto ao tempo. Essa leitura é de certa forma facilitada na segmentação dada: Mundos sem Nome, Invisível, Casa, Amor e Comunidade. Segmentação esta, todavia, um tanto resvalante.
O sempre minimalista e surpreendente Antonio Dias

Mira, a quem já me referi, como sempre impressiona com sua acrílica sobre tela de 1985, assim como um dos meus queridos da arte moderna brasileira, Antonio Dias com o invariavelmente interessante “Projeto para One & Three”, de 1974, uma acrílica e fita crepe sobre papel sobre madeira. “Linear cubo”, de Dionísio Del Santo, de 1976, também impressiona tanto pela técnica (óleo e fios de algodão sobre tela colada em aglomerado) quanto pelo efeito estético e de tridimensionalidade obtido. Ainda, merece destaque a escultura em bambu pintado a óleo de Ione Saldanha – cujas peças da mesma série se encontram na exposição do MAR, Quem também está no MAR e no MAC é o gaúcho Iberê Camargo com seu não-figurativo carregado. Nesta, não poderia ter caído em outra classificação que não a de Mundos sem Nome.


Quadro de Hermelindo Fiaminghi na série Mundos sem Nome


Se o conceito de “Vontade...” é um tanto aberto, numa forma quase preguiçosa de aproveitar esse o acervo de Sattamini, as obras que a compõem são de inegável qualidade. Se me perguntarem se vale a pena ir ao MAC para conferir a exposição, diria de pronto que “sim”. Afinal, mesmo que não se goste, tem o próprio MAC para se apreciar.
Enlameada, obra de Iberê, sempre expressivo


Mais uma vez, o mínimo dizendo muito


Arte indígeno-moderna de Ione Saldanha no bambu pintado a óleo
Simples e brilhante quadro a esmalte de Ione Saldanha

Instalação de Jorge Duarte toda em metal


Um dos quadros da série que tematiza o Amor

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“Vontade de Mundo” da Coleção MAC Niterói – João Sattamini 
local: Museu de Arte Contemporânea de Niterói - MAC
período: até 2 de abril 
de terça a domingo, das 10h às 19h 
Ingresso: R$ 10 
Entrada gratuita às quartas-feiras 

Curadoria: Luiz Guilherme Vergara


Por Daniel Rodrigues

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Exposição “Diálogos no Tempo”, de Iberê Camargo - Fundação Iberê Camargo – Porto Alegre/RS









Autorretrato dos anos 40
em ponta-seca
Mais de uma vez estive na Fundação Iberê Camargo e nunca escrevi de fato sobre o artista que lhe dá nome. Isso se torna mais alarmante considerando que, mesmo com exposições visitantes, as quais geralmente me moveram a ir a este centro cultural, há sempre uma de Iberê. Variável, mas sempre uma dele. E não apenas lá: antes do belo prédio da Fundação ser erguido, em 2008, naquele artístico desenho do arquiteto português Álvaro Siza, vi uma ótima exposição individual de Iberê Camargo no Museu de Artes do Rio Grande do Sul (Margs), nos idos de 1999, bem como presenciei obras dele em outras coletivas em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. Referência da arte moderna no Brasil no século XX, talvez justamente pela complexidade de sua extensa obra – a qual percorre 50 anos de produção ininterrupta, seja pela via do figurativo ou abstratismo, pela forma definida ou o mais truculento borrão – tenha inconscientemente relutado até então de fazê-lo.

Pois, depois de tanta postergação, nada mais apropriado agora, eu, que admiro Iberê Camargo em todas as suas fases, falar justo de uma exposição que percorre vários dos momentos da trajetória do artista. “Diálogos no Tempo”, com curadoria de Angélica de Moraes, é uma investigação sobre o DNA do trabalho deste gaúcho de Restinga Seca. Foram colocados lado a lado trabalhos que estabelecem segmentos de variados períodos de sua produção, que se desdobraram em infinitas combinações de modo a evidenciarem as características da contribuição estética deste autor. São vistos, desde os óleos naturalistas dos anos 40, que muito lembram Van Gogh na coloração vibrante e na pincelada espaçada, até o fantasmagórico lamaçal de tintas do figurativismo dos anos 80, época de ápice criativo mas também de rendição ao negror psicológico e espiritual após a vivência de uma tragédia na vida pessoal.

Não à toa, de fato, os anos 80 são o vértice da seleção curatorial, uma vez que trazem, entre as 116 obras expostas – que assombrosamente passam pelas mais diferentes técnicas, da pintura a gravura em metal, da serigrafia à litografia, do desenho a charges e estudos –, uma visão bastante próxima do que realmente Iberê era (ou se tornou). O retorno à figura humana dessa época, após anos de não-figurativismo iniciados nos anos 50 com os marcantes e simbólicos carretéis, resumem o aspecto fundamental de toda sua obra: a concisão do traço. Seja na opulenta textura das camadas de tinta, na obsessiva busca pela reminiscência da cor sobre o fundo escuro ou na disformia arranjada em meio ao material pastoso, está lá o traço, o desenho como base.

Isso está presente desde a entrada da mostra nos autorretratos de períodos e técnicas diferentes: da ponta-seca ou nanquim (ambas de 1943), passando pelo óleo sobre tela (1942 e 1987) ou pastel oleoso sobre lixa (1985), há o cuidado com a representação da expressão através da ideia que se forma. Cada quadro transmite cargas de emoção. Os diversos estudos a grafite, seja treinando a elaboração das formas de manequins, objetos ou paisagens, ganham uma dimensão especial nesta mostra uma vez que suas existências enquanto processo são inseridas dentro de um contexto de “work in progress”, equiparando-os às telas “finalizadas” em que, invariavelmente, viriam a ajudar a formar.

A importância dada ao estudo é ainda mais sentida nos que levam à formação de séries como a “Desastre”, também dos anos 80, em que o artista gaúcho primeiro experimenta, seja a grafite, lápis ou mesmo esferográfica, para, aí sim, compor a pastel. Até mesmo na excelente série de serigrafias, onde se desfaz da densidade da camada de tinta, a prevalência do traço está ali.

A inquietude permanente de Iberê o estimulava a, como todo artista de verdade, caminhar na direção da superação de si mesmo. Aquilo que biograficamente se observa a título de avanço técnico, em grandes artistas como ele passa a representar, muitas vezes, a própria subversão de linguagem. O respeito ao traço, assim, por ora vai sendo desafiado por Iberê, numa maneira também de descolar-se de seu próprio tempo. Presente, mas cada vez mais metafórico e pessoal. As telas “Composição” (1980 e 1983), bem como os sem título feitos a giz de cera (1980 e 1982), trazem os mesmos carretéis perscrutados por cerca de 30 anos quase ausentes em formato, já absorvidos pelo filtro do artista maduro. Por vezes, lembram um corpo humano; noutros, o cálice bento católico ou o pecaminoso da luxúria. “Carretéis com figura” (1984) sintetiza essa ideia de profusão entre imaginário e concretude, entre o anacrônico e a memória.

Tempo e forma de fato confundem-se em Iberê, inclusive nas alusões. Guignard, com quem estudou nos anos 40, Picasso, pelo amplo paradigma oferecido que vai do cubismo à abstração, e Bacon, a quem a comparação é inevitável, são três referências de épocas distintas que passam por seu aprendizado. O pintor inglês, por exemplo, faz-se conceitualmente presente no ótimo duo “Manequim” (óleo sobre madeira, 1983), haja vista a semelhança da deformação humana como embaraço, como crítica da existência. Guignard, no apreço pelo detalhismo das primeiras paisagens, como o do belo óleo de 1944.

É possível sentir em telas como “Diálogo”, “Fantasmagoria” e “Ciclistas”, três de suas obras-primas (todas de 1987), o ordenando do caos pictórico forjado e perscrutado pelo artista, que cria e resolve e volta a desmanchar e criar novamente. Incessantemente, como que querendo desfazer o tempo para, em seguida, vencido, construí-lo novamente. A sensação que fica é a de que, mesmo “concluída”, nenhuma tela é, de fato, redentora, cabível, suficiente. E que jamais, dada a lúcida compulsão que o levava a tentar capturar o tempo de maneira tão pungente, uma obra restaria acabada. Assim, a ligação entre uma obra e outra é intrínseca, como se mais do que continuações de um mesmo trabalho (o que o é até em termos biográficos) representam pedaços do artista despejados como um lodo emocional que se desgruda do corpo para se transformar em arte.

Pelo pouco que aqui comento, é possível captar o porquê de minha inconsciente resistência em falar em Iberê Camargo e sua obra, ora tão lírica, ora tão perturbadora. Percorrer qualquer galeria com suas telas e desenhos é dar um passo para dentro de um mundo vívido, mas obscuro e pessimista por vezes, onde não raro os fantasmas de artista e de quem observa se conversam. Pois, de minha parte, admiração não falta a ele, que é certamente um dos maiores nomes das artes plásticas brasileiras, por mais desafiador e autorreconhecível que isso represente.

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exposição Diálogos no Tempo”de Iberê Camargo
local: Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2000 - Cristal - Porto Alegre)
período: até 26 de março de 2017
de terça a domingo (inclusive feriados), das 12h às 19h

entrada gratuita


Autorretrato dos anos 80,
apuro na própria estética

Bela paisagem com influência de Guignard

Uma das paisagens a óleo dos anos 40.
Vê-se o traço espaçado de Van Gogh

Um dos estudos de movimento do corpo
Outro estudo, este de vexados manequins

Serigrafia interessantíssima de Iberê

Carretéis feitos em giz de cera

Carretéis com figura,
uma síntese de períodos do artista

O duo "Manequins".
Ares de Bacon

"Desastre" o acidente de carro vai do estudo
para a tela final


"Fantasmagoria", uma das obras-primas

Os obsessivos carretéis tomando formas além do objeto





sexta-feira, 11 de abril de 2014

“Antonio Dias – Potência da Pintura” – Fundação Iberê Camargo – Porto Alegre/RS







"Estudos pictóricos de antônio Dias"
Estivemos Leocádia Costa e eu numa das exposições daquelas que nos dissemos: “não podemos deixar de ir”. Pois a referida mostra é “Potência da Pintura”, do artista plástico paraibano Antonio Dias, que está na Fundação Iberê Camargo até 18 de maio. Vimos obras deste craque da arte contemporânea em dois momentos quando estivemos no Rio de Janeiro em 2013: na grande (e até dispersiva) mostra coletiva “O Colecionador”, no MAR (Museu de Artes do Rio de Janeiro), no Rio, e na sucinta (mas bela) exposição "Biografia Incompleta", no MAC (Museu de Arte Contemporânea), em Niterói, a qual me motivou a escrever sobre à época. Portanto, a oportunidade de rever Antonio Dias e numa individual na nossa cidade é um programa dos que consideramos imperdíveis. 
De fato, valeu a pena a visita. Com curadoria do crítico e historiador Paulo Sergio Duarte, apresenta um recorte da produção mais recente de Dias. São pinturas e esculturas produzidas entre 1999 e 2011 que revelam os questionamentos atuais do artista, que se volta com força para as questões pictóricas do pigmento, do plano e da composição. Porém, não deixando de lado a ideia de tridimensionalidade (característicos de sua produção dos anos 60 e 70, mais conhecida pelo público), uma vez que usa elementos da estrutura de objetos bidimensionais de forma sutil em quadros e esculturas que se descolam do tempo, do simples “aqui e agora”, reelaborando outra (e talvez improvável) dimensão temporal. As linhas dos quadros, impositivamente retas, se conjugam entre si ora para trás, ora para frente, criando duas ou até três “camadas” de tempo, encaixando-se, sobrepondo-se, desafiando-se umas às outras.
"Gigante dormindo e cachorro latindo"
No texto do curador, este questiona com perspicácia o “valor” cronológico da recentidade das obras de Dias, subjetivando tal aspecto: “O que temos diante de nossos olhos não é uma acumulação de trabalho, nem a acumulação de um patrimônio tal como o capital de um portfólio de aplicações nas bolsas de valores; o que temos é o resultado mais recente de uma luta simbólica entre a matéria e o pensamento que atravessou muitas brigas até chegar a esse ponto; esse é o trabalho do artista”.
Criada na geração de artistas dos anos 50/60 que reelaboraram a maneira de ver a modernidade e seus ícones: sexo, violência, capitalismo, tecnologia, segregação político-social, indústria cultural e outros (antevendo, aliás, com olhar bastante mordaz a pós-modernidade), Antonio Dias segue com seu olhar perspicaz sobre o funcionamento desequilibrado da sociedade atual – basta verificar o precário equilíbrio das latas na obra “Duas Torres” (2002), que, embora não seja brilhante em termos de execução, remete claramente à fácil sujeição dos seres humanos ao perigo vista nos ataques terroristas do 11 de Setembro.
Em termos de técnica, são interessantíssimas as texturas e sensações pictóricas distintas e até díspares (do vermelho-sangue puro à psicodelia hi-tech e a aparência envelhecida). Já as pequenas esculturas em bronze e cerâmica (“Gigante dormindo e cachorro latindo” e “O bem e o mal”, por exemplo) dão-nos a verdadeira noção da vacuidade da era “big brother”: casas que, sem telhado, abertas à devassidão da privacidade, nos abrigam a espiar as formas desproporcionais de objetos e seres soltos no vazio e na secura monótona da vida alheia.
Passado, presente e futuro dialogando
em um possível equilíbrio
Se tais obras refletem o pensamento crítico de Dias, não poderia faltar o sarcasmo que marca toda a boa geração de artistas plásticos a qual ele pertence (leia-se: Rubens Gerchman, Hélio Oiticica, Rogério Duarte e outros). O artista usa seu humor de maneira mais aguda na obra saborosamente intitulada “Seu marido”. Embora deslocada do restante da mostra (foi colocada no átrio da Fundação, inclusive, longe quatro andares das restantes), constitui-se num retrato divertido e crítico do homem contemporâneo. Trata-se de um boneco cujas formas de cabeça, pernas, braços, tronco e rabo (?!) se indistinguem: todas repetem o mesmo formato de uma espécie de bastão amarelo e peludo. Aparentemente apático, de tempos em tempos o “bicho” desperta, sacudindo-se todo de forma patética e despropositada por alguns instantes, até que volta àquela insossa imobilidade inicial.

Seria este sacolejo estúpido o único movimento possível da defasada figura do macho doméstico nos dias de hoje? Forte suposição. Com meu respeito a todas as senhoras: qualquer semelhança conceitual (e, quem sabe, até corpórea...) com seus homens de dentro de casa não é mera coincidência. 

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Eu e "Seu Marido"


SERVIÇO:

exposição: "Antonio Dias – Potência da Pintura"
onde: Fundação Iberê Camargo  (Av. Padre Cacique, 2000 – Porto Alegre/RS)
até: 18 de maio de 2014
horário: terça a domingo, das 12h às 19h, quintas até as 21h (entrada gratuita)
Curadoria: Paulo Sergio Duarte













sábado, 2 de junho de 2012

LEONILSON



"Empregada de Novela e
mais chique que Madame" 1991
escritos de Leonílson -
agendas, cadernos, anotações.
O caminho para as ideias
A mostra do artista Leonilson, não por um acaso, está localizada em um dos principais e mais acolhedores espaços da cidade. Lugar este onde a arquitetura convida o visitante a entrar literalmente em uma experiência artística: a Fundação Iberê Camargo. A curadoria é de Ricardo Resende, diretor geral do Centro Cultural São Paulo e consultor do Projeto Leonilson, e de Bitu Cassundé, crítico de arte e curador. Quem quiser conferir, a mostra vai até este domingo, 3 de junho.
Leonilson é um daqueles artistas que dificultam a catalogação, o enquadramento de estilo e como na maioria dos casos, é pouco conhecido em toda a sua extensão de artista contemporâneo. Cearense, nasceu em 1957, José Leonilson Bezerra Dias. Mudou-se para São Paulo com a família ainda criança e aos 20 anos, ingressou na Licenciatura em Educação Artística, na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), tornando-se aluno de artistas como Nelson Leirner, Júlio Plaza e Regina Silveira. Em 1980, ele realizou sua primeira exposição individual, no Museu de Arte Moderna da Bahia, e desde então produziu intensamente até o ano de seu falecimento, em 1993.
A mostra em cartaz reúne mais de 350 obras, dando ao espectador um amplo panorama da produção do artista. A seleção abrange desde o início da carreira, na década de 1970, até o período final de produção, no início dos anos noventa. Entre os destaques da exposição estarão as agendas e os cadernos que mostram um pouco mais sobre o seu processo artístico, além de revelar a fixação que ele tinha pelo registro do desenvolvimento das suas idéias.
"Isso e a Lua
(Not the Last Chance)" 1989
Fazem parte também de 'Sob o peso dos meus amores' as ilustrações que o artista realizou para uma coluna do jornal Folha de São Paulo, entre 1991 e 1993. Também estarão reunidos trabalhos de amigos artistas como Leda Catunda, Sérgio Romagnolo, Daniel Senise, Luiz Zerbini e Albert Hien. Foi com este último que Leonilson estabeleceu uma parceria e amizade duradoura, que seguiria até o fim da vida. A instalação How to rebuild at least one eighth part of the world [Como reconstruir ao menos uma oitava parte do mundo], de 1986, que abre a exposição na Fundação Iberê Camargo, foi realizada com a parceria de Hien. A obra foi fruto do questionamento sobre o acidente nuclear de Chernobyl, materializando na instalação uma utopia de salvação do planeta.





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Fundação Iberê Camargo - (Av. Padre Cacique, 2000 - Porto Alegre) 
Exposição - Sob o peso dos meus amores
Artista - Leonilson
Período da mostra: até 03 de junho
Curadoria: Ricardo Resende e Bitu Cassundé