Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta MARGS. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta MARGS. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

10ª Bienal do Mercosul – Santander Cultural










Detalhe de "O Helicóptero"
Meu receio de não conseguir ver no pouco tempo que tinha as sete exposições da Bienal do Mercosul foi relativamente afastado. Afinal, dos seis espaços expositivos, apenas dois deles não visitei. Certo: tratavam-se de dois importantes: o Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS), principal museu de artes de Porto Alegre, e o Instituto Ling, o qual ainda não visitei desde que abrira, em 2014, mas que, tanto pelo tema-recorte, “Síntese”, quanto por sua modernidade arquitetônica e sabida pujança, certamente abrigara uma fatia qualitativamente interessante da Bienal. Esta, do Santander, a qual visitei acompanhado de Leocádia, foi a mais bem montada e fiel à proposta, a “Antropofagia Neobarroca”.

A engenhoca Wesley Duke Lee “O Helicóptero” (1968), composta por diversas técnicas (pintura, colagem, fotografia, fundição) sobre um caracol metálico e (embora estático na exposição) giratório abre o salão do Santander com uma das mais belas e criativas (e instigantes!) peças da Bienal. Mas haveria mais coisas interessantes ali, sim. Caso de outra instalação “Anaconda”, do venezuelano Carlos Zerpa, montada com centenas de discos de vinil presos a si por arames e cadeados formando uma impactante cobra negra, limite entre a modernidade tecnológica e a ancestralidade de raiz, traduzidos no tema central daquela exposição. Evocando a antropofagia de Oswald de Andrade e o neobarroco, ideia forjada por artistas latino-americanos a partir dos anos 70 como instrumento de resistência e de autodefinição pós-colonial, “Antropofagia Neobarroca” buscou da luz à tentativa de emancipação cultural principalmente nos elementos indígenas, capazes de confrontar simbolicamente os sistemas europeus de colonização cultural.

Óleo sobre tela impressionante
em dimensões e impacto.
De forma bastante direta e denunciadora, o tema aparece em peças como os quadros dos mexicanos Daniel Lezama (2004) e José Maria Jara (1889), dois impactantes óleo sobre tela, o não menos assombroso “A Rébis Mestiça Coroa a Escadaria dos Mártires Indigentes” (2013), do maranhense Thiago Martins de Melo, visto que gigantesco (3,60 metros por quase 4 de altura), onde podem se ver diversas referências à desumanidade e violência das colonizações. Sangue, muito sangue. Ligia Clark, a quem tudo exposto na Bienal surpreende, haja vista sua capacidade criativa imensa e sempre pungente, apresenta ali o tropicalista “Cabeça Coletiva”, de 1975, de materiais mistos. A figura indígena e meio andrógena do bronze polido “Inca”, do espanhol-brasileiro Fernando Corona, é outra das belezas vistas. A carioca Beatriz Milhazes, de quem havíamos visto uma extensa exposição individual no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, em 2014, traz uma interessante acrílica sobre tela. Caso de outra carioca badalada das artes visuais da atualidade, Adriana Varejão, com o duo “Espiral em Flor” e “Voluta e Cercadura”.

Acrílica de Röhnelt.
Do admirável paulista Luiz Zerbini, sempre com uma visão diferenciada entre o pop e o surreal, havia a “Medusa”, que dá a uma acrílica sobre tela um ar de técnica mais moderna visto o brilho vivo das cores e a textura das formas obtida. Valem, igualmente, outra das “obras postais” do pernambucano Paulo Bruscky (da mesma série encontrada no Memorial do Rio Grande do Sul e Gasômetro), “Xerophagia Atropophago Affectar – Cartas para Oswald de Andrade”, de 1981; a instigante fotografia do porto-alegrenese Dirnei Prates da série “Júpiter, Netuno e Plutão” (jato de tinta em papel algodão, 2014), o paulistano Dudi Maia Rosa (“Sem título”, resina poliéster pigmentada e fibra de vidro, 2014); e as “Arquiteturas XI e XV”, do pelotense Mário Röhnelt, artista referencial nas artes gaúchas, de quem também havia duas já vistas por nós na exposição individual dele, em 2014, no MARGS, ambas em acrílica sobre tela (e com muita cara de negativo de foto) de 1995.

Havia imagens sacras tanto de artesões/artistas conhecidos quanto anônimos que também chamaram atenção, mas para quem já visitou os museus de Ouro Preto e Salvador ou presenciou a exposição de arte sacra (“Crux, Crucis, Crucifixus”, CCBB, 2013), melhor destacar outras coisas. Com esta exposição do Santander, juntamente às que presenciei acompanhado ou não nos outros espaços destinados à Bienal do Mercosul, com certeza deu para se ter uma ideia da mostra em suas virtudes e falhas, tais como as que já me referi anteriormente. Entretanto, de modo a ressaltar as qualidades e não tornar a apontar os erros, esta aqui, a última que vi e no derradeiro dia de Bienal, foi provavelmente a mais bem montada em termos de variedade de obras e síntese (quem sabe, a do Ling tivesse isso ainda mais, ou essa lhe fosse de certa forma mais uma repetição da curadoria?).
Até arte de colagem, tal qual eu e meu irmão fazíamos por prazer, nos deparamos. Veja só: nossas colagens que iam para nossas paredes e cadernos escolares nos salões de arte...


 
"O Helicóptero" de Wesley Duke Lee abrindo o salão.
A impressionante cobra de discos de vinil.

O inferno existe e colonizou a América Latina.

Lígia Clark, sempre criativa.

"Inca" de Fernando Corona.

A carioca Beatriz Milhazes.

Um dos quadros de Adriana Varejão.

A "Medusa" de Zerbini.

Arte postal de Brusky em homenagem a Oswald de Andrade.

A bonita fotografia com textura de óleo de Prates


Dudi Maia Rosa

Riqueza de detalhes em quadro do século XIX.

Outro duo do pelotense Röhnelt




sábado, 16 de abril de 2022

Exposição “Terreal”, de Dione Veiga Vieira - Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) - Porto Alegre/RS

 

"Um mar que se liga ao corpo, e um corpo que se liga ao mar."

Não é qualquer dia que você tem na parede de casa a artista a qual você vai assistir na exposição. Podemos dizer com satisfação que é o caso de Dione Veiga Vieira, de quem Leocádia e eu vimos “Terreal” no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) e que fica somente até dia 17/4. Um dos mais destacados nomes da chamada Geração 80 das artes visuais no Rio Grande do Sul, a porto-alegrense Dione faz um panorama dos últimos 20 anos de seus 40 de produção. Ousada e sensível ao mesmo tempo, a mostra é uma imersão à experimentação. Não se veem a pintura ou o desenho propriamente ditos, mas, sim, sugestões imagéticas que se depreendem de objetos tridimensionais e propostas instalativas e investigativas. São materiais naturais e industriais, que dão um caráter narrativo muito pessoal e poético. 

São esculturas, instalações, fotografias, vídeos, textos, fotoperformance e um manancial de objetos e materiais, como artefatos metálicos, tecidos, pentes, funis, louças, embalagens, passaguá, etc. Rede de pesca, aliás, que aparece em alguns nichos, costurando com sua linha o conceito que une, como a própria Dione diz, essa “poética do corpo e da natureza”. O mesmo objeto que, igualmente, compõe um dos quadros o qual temos da artista, que faz parte da série “Do Mar Purpúreo”, de 2012. Bastante familiar também “Decantação III” (2008, prateleira de metal e 47 vasos de vidro artesanal), que, por sua vez, dialoga com a séria fotográfica "Solutilis" (2011), onde veem-se os mesmos vasos de vidro azulados impressos.

Uma exposição muito detalhada e bem montada pela curadoria de Francisco Dalcol e Fernanda Medeiros, que nos faz despertar impressões sensoriais poéticas, visto que nos coloca de fronte a matérias essenciais de nossa natureza, nossa carne. Seja mineral vegetal ou animal. 

*********

As belas fotos de natureza de Zona de Metamorfismo, de 2015


Visitantes admirando todos os detalhes da exposição


Uma das vitrines com objetos diversos, que remetam ao azul do mar

 
Conjunto de fotos sobre Canvas P&B/color e vice-versa


Instalação "Margens de Transição", de 2020

Os vasos de vidro de  "Estados Alterados", 
similaridade com um dos nossas obras de Dione


Mais da uma composição instalativa da mesma série


Técnica mista em quadros que respiram organicidade 

Objetos que fazem constante alusão ao mar


Bugigangas poéticas, como se tivessem sido resgatadas do mar subjetivo


Díptico fotográfico de “Estados Alterados (Da noite Negra)” (2004-11)


Tule e madeira da instalação "Substratos de Extremos"


Detalhe de "Fertilização I" (2012/14)


Bacia com conchas e areia de "Substratos de Extremos"


Formas orgânicas que remetem à carne e areia


Em disposição espacial...


... e neste díptico que desacomoda


Leocádia integrando-se à exposição de Dione


E eu quase escondido entre essas formas carnais pendentes



texto: Daniel Rodrigues
fotos: Daniel Rodrigues e Leocádia Costa


terça-feira, 9 de agosto de 2016

Exposição “Diálogos no Tempo”, de Iberê Camargo - Fundação Iberê Camargo – Porto Alegre/RS









Autorretrato dos anos 40
em ponta-seca
Mais de uma vez estive na Fundação Iberê Camargo e nunca escrevi de fato sobre o artista que lhe dá nome. Isso se torna mais alarmante considerando que, mesmo com exposições visitantes, as quais geralmente me moveram a ir a este centro cultural, há sempre uma de Iberê. Variável, mas sempre uma dele. E não apenas lá: antes do belo prédio da Fundação ser erguido, em 2008, naquele artístico desenho do arquiteto português Álvaro Siza, vi uma ótima exposição individual de Iberê Camargo no Museu de Artes do Rio Grande do Sul (Margs), nos idos de 1999, bem como presenciei obras dele em outras coletivas em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. Referência da arte moderna no Brasil no século XX, talvez justamente pela complexidade de sua extensa obra – a qual percorre 50 anos de produção ininterrupta, seja pela via do figurativo ou abstratismo, pela forma definida ou o mais truculento borrão – tenha inconscientemente relutado até então de fazê-lo.

Pois, depois de tanta postergação, nada mais apropriado agora, eu, que admiro Iberê Camargo em todas as suas fases, falar justo de uma exposição que percorre vários dos momentos da trajetória do artista. “Diálogos no Tempo”, com curadoria de Angélica de Moraes, é uma investigação sobre o DNA do trabalho deste gaúcho de Restinga Seca. Foram colocados lado a lado trabalhos que estabelecem segmentos de variados períodos de sua produção, que se desdobraram em infinitas combinações de modo a evidenciarem as características da contribuição estética deste autor. São vistos, desde os óleos naturalistas dos anos 40, que muito lembram Van Gogh na coloração vibrante e na pincelada espaçada, até o fantasmagórico lamaçal de tintas do figurativismo dos anos 80, época de ápice criativo mas também de rendição ao negror psicológico e espiritual após a vivência de uma tragédia na vida pessoal.

Não à toa, de fato, os anos 80 são o vértice da seleção curatorial, uma vez que trazem, entre as 116 obras expostas – que assombrosamente passam pelas mais diferentes técnicas, da pintura a gravura em metal, da serigrafia à litografia, do desenho a charges e estudos –, uma visão bastante próxima do que realmente Iberê era (ou se tornou). O retorno à figura humana dessa época, após anos de não-figurativismo iniciados nos anos 50 com os marcantes e simbólicos carretéis, resumem o aspecto fundamental de toda sua obra: a concisão do traço. Seja na opulenta textura das camadas de tinta, na obsessiva busca pela reminiscência da cor sobre o fundo escuro ou na disformia arranjada em meio ao material pastoso, está lá o traço, o desenho como base.

Isso está presente desde a entrada da mostra nos autorretratos de períodos e técnicas diferentes: da ponta-seca ou nanquim (ambas de 1943), passando pelo óleo sobre tela (1942 e 1987) ou pastel oleoso sobre lixa (1985), há o cuidado com a representação da expressão através da ideia que se forma. Cada quadro transmite cargas de emoção. Os diversos estudos a grafite, seja treinando a elaboração das formas de manequins, objetos ou paisagens, ganham uma dimensão especial nesta mostra uma vez que suas existências enquanto processo são inseridas dentro de um contexto de “work in progress”, equiparando-os às telas “finalizadas” em que, invariavelmente, viriam a ajudar a formar.

A importância dada ao estudo é ainda mais sentida nos que levam à formação de séries como a “Desastre”, também dos anos 80, em que o artista gaúcho primeiro experimenta, seja a grafite, lápis ou mesmo esferográfica, para, aí sim, compor a pastel. Até mesmo na excelente série de serigrafias, onde se desfaz da densidade da camada de tinta, a prevalência do traço está ali.

A inquietude permanente de Iberê o estimulava a, como todo artista de verdade, caminhar na direção da superação de si mesmo. Aquilo que biograficamente se observa a título de avanço técnico, em grandes artistas como ele passa a representar, muitas vezes, a própria subversão de linguagem. O respeito ao traço, assim, por ora vai sendo desafiado por Iberê, numa maneira também de descolar-se de seu próprio tempo. Presente, mas cada vez mais metafórico e pessoal. As telas “Composição” (1980 e 1983), bem como os sem título feitos a giz de cera (1980 e 1982), trazem os mesmos carretéis perscrutados por cerca de 30 anos quase ausentes em formato, já absorvidos pelo filtro do artista maduro. Por vezes, lembram um corpo humano; noutros, o cálice bento católico ou o pecaminoso da luxúria. “Carretéis com figura” (1984) sintetiza essa ideia de profusão entre imaginário e concretude, entre o anacrônico e a memória.

Tempo e forma de fato confundem-se em Iberê, inclusive nas alusões. Guignard, com quem estudou nos anos 40, Picasso, pelo amplo paradigma oferecido que vai do cubismo à abstração, e Bacon, a quem a comparação é inevitável, são três referências de épocas distintas que passam por seu aprendizado. O pintor inglês, por exemplo, faz-se conceitualmente presente no ótimo duo “Manequim” (óleo sobre madeira, 1983), haja vista a semelhança da deformação humana como embaraço, como crítica da existência. Guignard, no apreço pelo detalhismo das primeiras paisagens, como o do belo óleo de 1944.

É possível sentir em telas como “Diálogo”, “Fantasmagoria” e “Ciclistas”, três de suas obras-primas (todas de 1987), o ordenando do caos pictórico forjado e perscrutado pelo artista, que cria e resolve e volta a desmanchar e criar novamente. Incessantemente, como que querendo desfazer o tempo para, em seguida, vencido, construí-lo novamente. A sensação que fica é a de que, mesmo “concluída”, nenhuma tela é, de fato, redentora, cabível, suficiente. E que jamais, dada a lúcida compulsão que o levava a tentar capturar o tempo de maneira tão pungente, uma obra restaria acabada. Assim, a ligação entre uma obra e outra é intrínseca, como se mais do que continuações de um mesmo trabalho (o que o é até em termos biográficos) representam pedaços do artista despejados como um lodo emocional que se desgruda do corpo para se transformar em arte.

Pelo pouco que aqui comento, é possível captar o porquê de minha inconsciente resistência em falar em Iberê Camargo e sua obra, ora tão lírica, ora tão perturbadora. Percorrer qualquer galeria com suas telas e desenhos é dar um passo para dentro de um mundo vívido, mas obscuro e pessimista por vezes, onde não raro os fantasmas de artista e de quem observa se conversam. Pois, de minha parte, admiração não falta a ele, que é certamente um dos maiores nomes das artes plásticas brasileiras, por mais desafiador e autorreconhecível que isso represente.

............................

exposição Diálogos no Tempo”de Iberê Camargo
local: Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2000 - Cristal - Porto Alegre)
período: até 26 de março de 2017
de terça a domingo (inclusive feriados), das 12h às 19h

entrada gratuita


Autorretrato dos anos 80,
apuro na própria estética

Bela paisagem com influência de Guignard

Uma das paisagens a óleo dos anos 40.
Vê-se o traço espaçado de Van Gogh

Um dos estudos de movimento do corpo
Outro estudo, este de vexados manequins

Serigrafia interessantíssima de Iberê

Carretéis feitos em giz de cera

Carretéis com figura,
uma síntese de períodos do artista

O duo "Manequins".
Ares de Bacon

"Desastre" o acidente de carro vai do estudo
para a tela final


"Fantasmagoria", uma das obras-primas

Os obsessivos carretéis tomando formas além do objeto