Como mencionei no último post
sobre a Bienal, as três exposições que dividiam espaço na Usina do Gasômetro
com a fraca "Marginália da forma", eram ”Olfatória: O Cheiro na Arte”, “A
Poeira e o Mundo dos Objetos” e “Aparatos do Corpo”. Além de trazerem mais
diversidade e obras realmente impactantes. Tiveram maior intercomunicabilidade,
inclusive com aspectos observados no Memorial do Rio Grande do Sul e Santander Cultural. A conexão se dá em grande parte ao substrato da obra enquanto
técnica, fazendo da poeira o barro que acessa o olfato e com o qual o corpo
interage para construir esse mundo artificial. Nesse aspecto, “Marginália da
forma” pelo menos se liga a estas por conta da (pouco expressiva) variabilidade
de técnica, como visto na originalidade de Karin Lambrecht, Brigida Baltar e outros.
Padecendo igualmente das mesmas inconsistências as quais mencionei
anteriormente (muita repetição de um mesmo artista e/ou de séries), somando-se
ainda a de haver muitos artistas gaúchos, as três mostras, entretanto, reuniram
mais diversidade e aquilo que todo visitante de coletivas espera: boas
surpresas. Foi o que tivemos Leocádia e eu ao nos depararmos, na ”Olfatória: O
Cheiro na Arte”, com as bolas iluminadas pendulares, que até cheiro exalavam.
Muito plástico e leve.
Instalação da 10ª Bienal do Mercosul
Ao lado, um Rubens Gerchman, dos artistas visuais que mais admiro:
“Ar”, em metal fundido. Sempre criativo Gerchman. Crítica, a instalação do
colombiano Oswaldo Maciá “Quien limpa a quien” traz, dentro de um suporte de
acrílico transparente um sabonete feito de óleo concentrado de alho disposto em
uma saboneteira Votoriana de cerâmica original. Dá pra imaginar o cheiro que
exala pelo tubo com folículos, né?
Outra de chamar atenção é a tela (1,22 por 1,83 metros) é “Tierra y
Libertad”, de 2013, do mexicano Rúben Ortiz-Torres, o qual fez um link bastante
interessante com o crítico tema do Memorial da América Latina, “Biografia da
Vida Urbana”.. O carioca Waltércio Caldas apresenta a interessante e sintética
“Circunferência com Espelho a 30°” (ferro pintado e espelho), dos anos 70,
década que, pela observação geral, demarcou fundamentalmente toda a Bienal, uma
vez que o mote central (“Mensagens de Uma Nova América”) passa diretamente por
esse período no que se refere à construção de uma consciência artística e
política das artes na América Latina. Ainda, uma bela tela do gaúcho de Britto
Velho (“Sem título”, 1946).
Mas Oticica é Oiticica, não adianta. Com a simplicidade até grosseira –
e, por isso, altamente cáustica – da arte moderna, ele referencia numa só vez a
arte transgressora do alemão Joseph Beuys e a poesia concreto-barroca de
Haroldo de Campos com seu “Bólide Saco 2 Olf ático”, de 1967, feito em plástico,
tubo de borracha e café. Por que digo que Oticica é Oiticica? Com uma peça,
aparentemente banal e quase “não-artística” é capaz de sintetizar
ideologicamente toda a comunicabilidade potencial do recorte em que está
inserido. E olha que estamos falando apenas DESTA mostra. No momento em que se interpõe, com
propriedade e significância semiótica, no limite entre o sublime e o vulgar,
eis a verdadeira arte contemporânea.
A, inacessível ao público, "Tropicália", de Oiticica
Consegui visitar um dos espaços que mais tinha curiosidade da Bienal: a
Usina do Gasômetro. Os compromissos me empurraram para o último final de semana
desta curta Bienal do Mercosul. Motivado pelos recortes temáticos que se
encontravam lá, principalmente “Marginália da Forma” – conceito de entendimento
do Brasil com o qual me identifico ideologicamente –, e talvez até motivado
pela memória emocional que tenho para com o lugar no que se refere ao evento
(é-me marcante a exposição que lá vi do uruguaio Julio Le Parc, na 2ª Bienal),
fui com boa expectativa. No entanto, frustrei-me, principal e justamente com
esta mostra, a qual dividia o espaço com outros três subtemas: ”Olfatória: O
Cheiro na Arte”, “A Poeira e o Mundo dos Objetos” e “Aparatos do Corpo”. Quiçá
pela maior intercomunicabilidade entre três últimos, “Marginália”, que a mim
deveria trazer com fervor o tropicalismo e a diversidade de questões culturais,
sociais e antropológicas que dele suscitam-se, ficou não apenas deslocado
quanto não se justificou na sua capacidade.
A frustração, igualmente, se deve a outro fator, somente mais
perceptível ao se visitar mais espaços da Bienal, que não apenas dois como
tinha ido até então, que são algumas inconsistências. Sabe-se que a realização
do evento teve problemas financeiros e estruturais, o que dificilmente seria diferente
em tempos de crise em que empresariado e governos tendem a achar arte ainda
mais boba e supérflua. Isso certamente ocasionou à curadoria uma dificuldade de
agregar mais nomes representativos, bem como trazer mais obras significativas
de artistas referenciais. Até aí, entende-se. O que se critica é, por exemplo,
as repetições não apenas de artistas (MUITAS obras de Dudi Maia Rosa, por exemplo,
tanto no Memorial, ali e no Santander Cultural, que comentarei noutro post) como, principalmente, de
conceitos. Uma coisa é haver uma sincronia entre os espaços expositivos em que haja
obras que dialoguem aqui e lá. Outra é, como no claro caso de Shirley Paes Leme (não vai aqui nenhuma crítica ao trabalho dela), em que se veem obras da mesma
série e em grande número em mais de um lugar. Aí, é assumir uma pobreza que se
podia resolver selecionando-se ou variando-se mais.
Porém, ressaltando o que teve de legal no Gasômetro, começo, agora
terminada a Bienal, uma retrospectiva. Em “Marginália da Forma”, obviamente,
interessava-me a instalação “Tropicália”, de Hélio Oiticica (1969), ícone da
arte pop brasileira. Fora o fato de conhecê-la, agrega-se a ela outra
frustração: por causa dessa mentalidade expositiva de total não-interação do
público com as obras (o que não é exclusividade de Porto Alegre nem da Bienal),
não é possível se embrenhar na instalação como originalmente pensou o artista.
Como numa cena de crime, fica-se atrás de um cordão de isolamento admirando e
comentando-se de longe aquilo que não se sabe por inteiro. Lembrei-me de uma
grande mostra em que estive no Rio de Janeiro em 2014, a ArteVida (que, a
rigor, valia por esta Bienal, em diversidade e tamanho), em que vi um dos
famosos trapos dos “Parangolés” de Oiticica. Uma criança, corretíssima em sua
mentalidade lúdica, vestiu-a e saiu “usando” a arte. Claro que foi repreendida.
Pena.
Dali também ressalto poucas outras coisas realmente boas. Uma delas, “O
Impossível”, a expressiva escultura em bronze de Maria Martins (1940); “O
Dragão”, da porto-alegrense Karin Lambrecht, cuja técnica vale-se sempre de
materiais orgânicos (neste caso, têmpera e ovo); “Plegabes”, do uruguaio
Osvaldo Salerno (impressão sobre papel dobrado, 1982), inteligente em sua
simplicidade; e a mesmo que evidente série “Fotomódulos” do paranaense Tony
Camargo referenciando à (óbvia) interação corpo-arte dos “Parangolés” de
Oiticica.
Nada espetacular, nada de cair o queixo. Do Gasômetro, as outras três
mostras, que comentarei adiante, apresentaram, ao menos, mais ousadia. Quem
sabe, até mais marginalia.
Detalhe de "Topicália".
Recado dado.
O bronze de "O Impossível".
"O Dragão" de Karen Lambrecht.
"Plegables", impreessão sobre papel dobrado.
Série de Tony Camargo inspirada nos icônicos Parangolés.
Nascer é depois, é nadar
após se afundar e se afogar...”
Waly Salomão,
trecho do poema “Sargaços”
“Que o leitor, livre dos
lugares-comuns, possa agora,
perambular livremente entre as falanges das
máscaras que povoam
os libanos de sonho da mente régia de Waly Salomão,
um dos
poetas mais originais e vigorosos do nosso tempo.”
Antonio Cícero
Cada vez que
escuto uma canção ou sua voz falando verborragicamente sobre algum tema, paro.
Ler não é a mesma coisa. Parece que a
voz de Waly Salomão ou a sua poesia transformada em canção tem que estar no
volume máximo. Assim, daquele jeito que o coração dispara, os olhos se fixam no
interlocutor e a mente divaga.
Sempre uma
cena mágica abre-se com sua presença. Ora pela risada estrondosa, ora pelo seu porte
de Rei Salomão. Lá de cima, com o limite cacheado dos cabelos, observa com
muita acidez o que ocorre nas entrelinhas da sociedade. E não perdoa. Solta as
palavras como leões ferozes, coreografados como se fossem um cardume infindável
de peixes dançarinos em nossa frente, chamando a atenção, hipnotizando.
Waly sempre intenso, escrevendo ou falando
Confesso que
o conheci por vias tortas. Explico. Custo a perceber as autorias, e olha que minha
desatenção já foi pior. Só quando alguma composição me toca é que mergulho nos
créditos, senão deixo um espaço livre para que as informações que valem a pena
se fixem. Talvez uma forma de backup
saudável em tempos que tudo interessa, tudo é cool, tudo deve ser fixado, aprendido numa mente que não pode ser
ampliada com acréscimos de memória eletrônica. Afinal “A memória é uma ilha de
edição”, não?
Não soube da
existência e paradeiro de Waly por muitos anos. Tempo demais, mas que me permitiu
escutá-lo numa palestra em Porto Alegre na Usina do Gasômetro, junto com a
minha irmã, em 1998. E lá estava Waly, ocupando um dos lugares na mesa, o homem
das Artes múltiplas, dos dizeres não-óbvios, das filosofias vãs e das frases
sem comprometimento com o dever de dizermos o que deve ser dito. Diga você o
que quiser, mas escute também o que vier. Dali em diante prestei atenção nele.
E descobri muito lentamente onde ele estava morando. Em quais espaços estava
presente. Desde então sempre quis saber por “Onde
estava o nosso Waly?” como se um mapa sinônimo da personagem Wally criado
pelo ilustrador americano Martin Handford pudesse avistá-lo, numa terra à
vista, em meio a tantos cacarecos desnecessários à essência humana. Afinal é
fundamental selecionar o que queremos receber, privilegiar aquelas produções
que sejam sintonizadas conosco, abrir espaço para aquilo que nos desacomoda. A
vida sem desafios torna-se muito tediosa e improdutiva.
Waly era
assim, desafiava a todos, começando por si próprio. Não poupava os seus
compatriotas, não poupava sua nação de escutá-lo. Baiano, filho de Xangô e
virginiano (“Eu deliro, mas tenho os pés
no chão porque sou de virgem”) sempre esteve ligado aos coletivos. Gostava de dizer: “Chega do papo furado de que o sonho acabou: A Vida é Sonho. A Vida é
Sonho. A Vida é Sonho.” como um cale-se a quem dizia que o sonho havia
acabado, gerando uma onda de baixa estima a tudo que fosse revolucionário.
Irreverente, sempre. Múltiplo também. Porque dizer algo que não tenha um pouco
de poesia, humor e sarcasmo misturados? De origem síria, não escondia suas
raízes “estrangeiras”, mas também sua relação com essa pátria em que todos
vivemos paridos pelo caos. Isso não o assombrava: o que seria diferença para
outros, para ele era semelhança.
Lemisnki
dizia que Waly “se não chegou a se tornar
tudo, foi muitas coisas”. Isso, claro, para a nossa sorte que bebemos um
pouco de lucidez através da sua poesia. Entre 1970 e 2000, Waly atuou como
poeta, ensaísta, letrista, articulador cultural, diretor de espetáculos,
artista visual e homem público. Dirigiu entre outros o espetáculo “FA-TAL – Gal
a todo vapor”; de Gal Costa, esteve na Direção da Fundação Gregório de Matos de
Salvador e coordenou o Carnaval da Bahia. Seus poemas foram musicados por
muitos artistas, entre eles: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jards Macalé, João Bosco e Adriana Calcanhoto.
Depois de 11
anos da sua passagem, em 2003, a editora Companhia da Letras lançou com a
bênção dos herdeiros a poesia completa de Waly, “Poesia Total”. Cada vez que a família de algum artista faz essa
ação de compartilhar de forma organizada e acessível à obra de quem não pode
mais decidir sobre publicações, sinto-me esperançosa. As publicações são formas
de perpetuar a obra de um artista, daí meu agradecimento pela reunião da
produção do artista.
Ali estão os
poemas e as reflexões de Waly. Minhas prediletas são os poemas que viraram
canções: “Vapor Barato” com Gal; “Mal Secreto” com Jards; “Mel” e “Cobra Coral”,
ambas na voz de Caetano Veloso; “Fábrica do Poema”, em homenagem à arquiteta
italiana Lina Bo Bardi, a hipnótica “Pista de Dança” e a recente “Teu nome mais
secreto”, todas na voz de Adriana Calcanhoto; “Zumbi (A Felicidade Guerreira)”
e “Ganga Zumba (O Poder da Bugiganga)”, que encantam no filme “Quilombo”, na
voz de Gil; a descontraída e pontual “Assaltaram a Gramática”, musicada por Lulu Santos e gravada por Paralamas do Sucesso; “Memória da Pele”, musicada e
gravada por João Bosco e outros poemas dedicados em pura palavra-sentimento a
Solange Farkas, in memoriam à Lygia
Clarck e a Luiz Zerbini, além do amoroso poema “Mãe dos Filhos Peixes” a sua
Yemanjá: Martha.
Waly,
diferente da personagem americana que tem em seu protagonista um jovem
adolescente, cresceu. Ele que diz: “Tenho
fome de me tornar em tudo que não sou”, porém soube ser muitos sendo um só.
Amadureceu cedo demais. O poeta Alexei Bueno comenta uma obra de Waly, “Lábia,
1998”, sua retomada cortante e límpida com as palavras, mais adiante na resenha
diz que está na sintaxe sua mais poderosa característica. Senão isso, talvez a
clareza e a assertividade de pensamento fazem de Waly um poeta que nos deixa
suspensos numa ponte pênsil a cada palavra dita. Em Desejo&Ecolalia, de
1995, ele diz: “O que é que você quer ser
quando crescer? Poeta polifônico”. E foi assim que ele nos alcançou em meio
ao caos pertinentes da mesma pátria em que vivemos.
O "Pocket Waly", apresentado na
60ª Feira do Livro de POA
Ainda no ano
passado, uma dupla de músicos, Thiago Pirajira e Ricardo Pavão, levaram sua poesia em canção em plena Feira do
Livro de Porto Alegre – 60ª edição no “Pocket Waly”. A performance sonora misturava canções e dizeres de Waly e lotou a
Tenda de Pasárgada, tradicional palco para apresentações montado durante a
Feira. Waly estava ali cintilando de dourado e negro em meio aos violões e
vozes. Podia ver-se Waly vestido num parangolé
pamplona junto com Oiticica, enfeitado de muita sensibilidade e delicadezas
que ele possuía igualmente a sua capa de devaneio concreto. Vivo.
Se você
nunca esbarrou na obra de Waly Salomão ou nem pensou em procurá-lo, mude de
rota. Estabeleça uma meta e persiga-o incessantemente. Se conseguir alcançá-lo
não desista nas primeiras leituras: siga sereno, mas constante. Leia, cante e diga em voz alta sua poesia. Aos brados retumbando
suas frases você sentirá o que ele tinha internamente. Um vulcão prestes a
explodir! E sabemos que as terras próximas aos vulcões são sempre as mais
férteis, mas suas lavas podem queimar. Mesmo assim siga em frente, rompa essa
fronteira. Se necessário queime-se, transforme-se. Vale a pena.
Estivemos Leocádia Costa e eu numa das exposições daquelas que nos dissemos: “não podemos
deixar de ir”. Pois a referida mostra é “Potência da Pintura”, do artista
plástico paraibano Antonio Dias, que está na Fundação Iberê Camargo até 18 de
maio. Vimos obras deste craque da arte contemporânea em dois momentos quando
estivemos no Rio de Janeiro em 2013: na grande (e até dispersiva) mostra
coletiva “O Colecionador”, no MAR (Museu de Artes do Rio de Janeiro), no Rio, e
na sucinta (mas bela) exposição "Biografia Incompleta", no MAC (Museu de Arte
Contemporânea), em Niterói, a qual me motivou a escrever sobre à época.
Portanto, a oportunidade de rever Antonio Dias e numa individual na nossa
cidade é um programa dos que consideramos imperdíveis.
De
fato, valeu a pena a visita. Com curadoria do crítico e historiador Paulo
Sergio Duarte, apresenta um recorte da produção mais recente de Dias. São
pinturas e esculturas produzidas entre 1999 e 2011 que revelam os
questionamentos atuais do artista, que se volta com força para as questões
pictóricas do pigmento, do plano e da composição. Porém, não deixando de lado a
ideia de tridimensionalidade (característicos de sua produção dos anos 60 e 70,
mais conhecida pelo público), uma vez que usa elementos da estrutura de objetos
bidimensionais de forma sutil em quadros e esculturas que se descolam do tempo,
do simples “aqui e agora”, reelaborando outra (e talvez improvável) dimensão
temporal. As linhas dos quadros, impositivamente retas, se conjugam entre si
ora para trás, ora para frente, criando duas ou até três “camadas” de tempo,
encaixando-se, sobrepondo-se, desafiando-se umas às outras.
"Gigante dormindo e cachorro latindo"
No
texto do curador, este questiona com perspicácia o “valor” cronológico da
recentidade das obras de Dias, subjetivando tal aspecto: “O que temos diante de
nossos olhos não é uma acumulação de trabalho, nem a acumulação de um
patrimônio tal como o capital de um portfólio de aplicações nas bolsas de
valores; o que temos é o resultado mais recente de uma luta simbólica entre a
matéria e o pensamento que atravessou muitas brigas até chegar a esse ponto;
esse é o trabalho do artista”.
Criada
na geração de artistas dos anos 50/60 que reelaboraram a maneira de ver a
modernidade e seus ícones: sexo, violência, capitalismo, tecnologia, segregação
político-social, indústria cultural e outros (antevendo, aliás, com olhar
bastante mordaz a pós-modernidade), Antonio Dias segue com seu olhar perspicaz
sobre o funcionamento desequilibrado da sociedade atual – basta verificar o
precário equilíbrio das latas na obra “Duas Torres” (2002), que, embora não
seja brilhante em termos de execução, remete claramente à fácil sujeição dos
seres humanos ao perigo vista nos ataques terroristas do 11 de Setembro.
Em
termos de técnica, são interessantíssimas as texturas e sensações pictóricas
distintas e até díspares (do vermelho-sangue puro à psicodelia hi-tech e a aparência envelhecida). Já
as pequenas esculturas em bronze e cerâmica (“Gigante dormindo e cachorro
latindo” e “O bem e o mal”, por exemplo) dão-nos a verdadeira noção da
vacuidade da era “big brother”: casas
que, sem telhado, abertas à devassidão da privacidade, nos abrigam a espiar as
formas desproporcionais de objetos e seres soltos no vazio e na secura monótona
da vida alheia.
Passado, presente e futuro dialogando
em um possível equilíbrio
Se
tais obras refletem o pensamento crítico de Dias, não poderia faltar o sarcasmo
que marca toda a boa geração de artistas plásticos a qual ele pertence
(leia-se: Rubens Gerchman, Hélio Oiticica, Rogério Duarte e outros). O artista
usa seu humor de maneira mais aguda na obra saborosamente intitulada “Seu
marido”. Embora deslocada do restante da mostra (foi colocada no átrio da
Fundação, inclusive, longe quatro andares das restantes), constitui-se num
retrato divertido e crítico do homem contemporâneo. Trata-se de um boneco cujas
formas de cabeça, pernas, braços, tronco e rabo (?!) se indistinguem: todas
repetem o mesmo formato de uma espécie de bastão amarelo e peludo.
Aparentemente apático, de tempos em tempos o “bicho” desperta, sacudindo-se
todo de forma patética e despropositada por alguns instantes, até que volta
àquela insossa imobilidade inicial.
Seria
este sacolejo estúpido o único movimento possível da defasada figura do macho
doméstico nos dias de hoje? Forte suposição. Com meu respeito a todas as
senhoras: qualquer semelhança conceitual (e, quem sabe, até corpórea...) com
seus homens de dentro de casa não é mera coincidência.