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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018
Música da Cabeça - Programa #46
“Pra tudo se acabar na quarta-feira”, disse o poeta lamentando o fim do Carnaval. Mas no Música da Cabeça a gente não acaba: começa! Aqui a gente cura a ressaca da Quarta-feira de Cinzas com música aos montes. Sente só o que vai ter: Pequeno Cidadão, The Smiths, Elvis Presley, Noel Rosa, The Strokes e Madonna. E tem mais ainda no programa de hoje! Mas aí, só escutando pra saber. Por isso, sintoniza na Rádio Elétrica às 21h, que o programa vai fazer tua volta de feriadão ficar bem colorida. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
"Amy", de Asif Kapadia (2015)
Tem categorias do Oscar que fica difícil saber quem é favorito, pois
não é possível ter uma noção geral da mesma em terras brasileiras. É o caso da de
Documentário, que dificilmente se terá acesso a todos os concorrentes daquela
edição do prêmio. Porém, a um dos candidatos nessa categoria tive o prazer de
assistir: “Amy”, de Asif Kapadia,
uma biografia cinematográfica da cantora e compositora britânica Amy Winehouse.
Morta em 2011, Amy, conhecida por seu poderoso e profundo contralto vocal e sua
mistura eclética de gêneros musicais como soul, jazz e R&B, foi o grande
talento da música pop dos últimos tempos, uma cantora comparável a nomes como Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. Porém, como o filme retrata em detalhe, os
problemas de relacionamento, as drogas, o álcool e a dificuldade de lidar com a
mídia, a impediram de alçar uma carreira muito mais promissora daquela que teve.
Por retratar uma estrela pop do século XXI, o filme possui, além de
vários depoimentos de amigos, familiares e profissionais do meio artístico, bastante
material audiovisual, desde filmes caseiros a vídeos de webcam – afora, claro,
de reportagens de televisão e rádio. Isso torna o documentário – que não é um
musical, embora retrate a vida de uma musicista – bastante rico em conteúdo.
Assim, o diretor consegue ter subsídio suficiente para traçar a história da
artista em detalhes, o que, por consequência, dá ao espectador bastantes
elementos para entendê-la mais profundamente. Ficam evidentes, por detrás do enorme
talento dessa judia descendente da Rússia, os problemas psicológicos – como a
bulimia –, as dificuldades das relações familiares e os casos amorosos
tumultuados, como o com o ex-marido Blake Fielder-Civil. Mostra-se uma Amy apaixonada
por sua arte, cercada por milhões de pessoas mas extremamente solitária e
frágil.
Tony Bennet e Amy, duas gerações em plena sintonia. |
Tem o lado mais agradável também. É possível acompanhar o crescimento
artístico de Amy, desde as apresentações em pubs de Londres e região, os
primeiros parceiros musicais e os que a acompanharam desde sempre, como o
produtor e amigo Salaam Remi. Bonita também é a passagem da gravação que ela
fizera com Tony Bennett, em que a admiração recíproca é evidente. Vê-se ainda a
relação com o mundo do mainstream e,
mais delicioso ainda, a criação de algumas de suas canções. Após um bem
recebido CD “Frank” (2003), o filme mostra Amy em período sabático nos Estados
Unidos, onde passa o dia compondo e gravando algumas das músicas que se
tornariam sucessos mundiais no aclamado "Back to Black", de 2006, como “Rahib”
e "You Know I'm No Good", a faixa-título e outros singles.
Entretanto, a meteórica ascensão ao estrelato, a mesma que motivara
astros igualmente jovens no passado Janis Joplin, Jim Morrison e Kurt Cobain, sufocara
também a menina mal saída da adolescência. Por total falta de controle
emocional, haja vista que as conturbadas e irresolutas relações familiares –
principalmente com o pai –, inviabilizava qualquer amadurecimento, Amy sucumbe
às drogas e, cada vez mais doente, interrompe cedo a carreira numa trágica
morte. Entretanto, é visível sua dedicação àquilo que fazia, bem como
consciência nada vaidosa de sua própria figura pública, fator que ao mesmo
tempo a diferenciou dessa leva quase unânime de celebridades narcisistas e a
fragilizou perante o opressor universo do entretenimento.
Um bonito filme com a trilha sonora assinada pelo brasileiro e "pequeno cidadão" Antonio Pinto, já responsável por outras trilhas de respeito no cinema
do Brasil (“Central do Brasil”, “Cidade de Deus”) e estrangeiro (“Colateral”,
“Trash – A Esperança vem do Lixo”). Enfim, um filme que vale ser visto tanto
por retratar a vida de uma das maiores cantoras que a música popular já viu,
quanto, por evidenciar problemas típicos da sociedade moderna como a “fogueira
das vaidades”, o poder destrutivo mídia e a solidão da era digital. Não vi os
que concorrem com “Amy” ao Oscar, mas não será nada absurdo se vencer a
estatueta.
ASSISTA AO FILME:
por Daniel Rodrigues
sábado, 30 de janeiro de 2016
Júpiter Maçã - “A Sétima Efervescência” (1997)
"Em algum lugar entre Roberto Carlos,
Rita Lee e Syd Barret,
Júpiter sente seu corpo derreter,
visita planetas e conversa com seres imaginários.
'Loki' é elogio.”
Alexandre Matias,
revista Rolling Stone Brasil
Flávio Basso é visto por muitos, por setores da crítica
especializada, principalmente, como um músico de extremo talento, arrojado e
inventivo, um multi-instrumentista de mão cheia. Um de seus álbuns, “Plastic
Soda” (Trama, 1999), totalmente escrito, produzido, arranjado e executado por
ele, chegou a ser premiado, em 2000, como o melhor disco do ano pela Associação
Paulista de Críticos de Arte (APCA), recebendo também o Prêmio Açorianos,
concedido pela Secretaria de Estado da Cultura/RS. Em votação feita por cerca
de 50 músicos, críticos, jornalistas e produtores musicais, para a revista
Aplauso, publicada em 2007, “A Sétima
Efervescência”, seu primeiro álbum solo, foi eleito o melhor álbum da
história do rock gaúcho. O mesmo disco foi eleito também pela revista Rolling
Stone Brasil (n. 13, outubro de 2007, p. 127) como um dos 100 melhores álbuns
brasileiros de todos os tempos, figurando na 96º posição. Na ocasião, assim se
pronunciou a revista:
“Um raio lisérgico
atingiu a cabeça do ex-Cascavelletes Flávio Basso nos anos 1990 e ele reuniu
diferentes pontas soltas pelo rock – Jovem Guarda, mod, garagem e psicodelia –
em um disco forte, coeso e chapado. Começa com “Um Lugar do Caralho”, um Cavalo-de-Tróia que não prepara o ouvinte
para a chuva Technicolor de referências que flutuam ao redor do compositor como
alucinações sorridentes. Em algum lugar entre Roberto Carlos, Rita Lee e Syd Barret, Júpiter sente seu corpo derreter, visita planetas e conversa com seres imaginários.
“Loki” é elogio”.
Aqui, duas abordagens sobre Flávio Basso, o Júpiter Maçã, que trazem à luz sua
representatividade e complexidade dentro da cena musical rock gaúcha e
brasileira.
Estrangeirismos,
fantasias e complexidade de Júpiter Maçã
O texto do jornalista Alex Antunes, publicado no portal
Yahoo! Notícias, em 23/12/2015, abordando a morte de Flávio Basso, músico
gaúcho conhecido como Júpiter Maçã, se caracteriza, sobretudo, por sua
pronunciada pessoalidade. Dizendo-se fã do álbum “Hisscivilization”, lançado em
2002, declarando admiração por certas composições do artista recém-falecido,
Antunes também menciona o amigo pessoal Cisco Vasques – produtor audiovisual
com quem Júpiter havia trabalhado –, refere-se à própria timeline como plataforma de acesso ao mundo e, de quebra, utiliza
Rogério Skylab como recurso para fazer um autoelogio sutil, o trampolim de um
pequeno panfleto classista.
O escrito, no entanto, para além do tom auto-centrado,
possui outras características interessantes: é cheio de sinuosidades,
insinuações e implicâncias. Por trás delas – ou junto delas – encontram-se
distintos julgamentos de valor, nunca explicitados ou assumidos com franqueza.
A começar pelo próprio título: “O crepúsculo do Zé Louquinho”, infantil,
brincalhão e jocoso, numa primeira leitura, depreciativo e desrespeitoso, numa
segunda passada de olhos.
Antunes reclama cautela quanto ao uso abusivo da expressão
“gênio” para definir Basso, vida e obra. É um alerta, sem dúvida, apropriado.
Muito embora se esqueça de considerar aí, nesse flagrante exagero retórico, o
impacto da notícia da morte e o próprio carinho que, assim, mal elaborado, se
manifesta publicamente, no calor do momento. De todo modo, reconhece, trata-se
de um músico “talentoso” e inspiradíssimo. Ou seja: Antunes considerou mais
eloquente a imprecisão do que a espontaneidade dos admiradores de Júpiter Maçã.
Para ele, o músico falecido seria, em realidade, mais “chapado e folclórico” do
que propriamente “genial”.
Aponta então uma razão adicional pela qual “estranhou” as
narrativas e os depoimentos que atravessavam, em profusão, naquele momento, sua
timeline: o “fator Gainsbourg”, isto
é, a capacidade de certos artistas provocarem maior comoção, serem melhor
acolhidos, por sua base de fãs, depois que morrem.
São considerações tão problemáticas quanto provocativas. Por
um lado, servem ao necessário debate público sobre a figura e o legado musical
de Júpiter Maçã. Por outro, contudo, são afirmações frágeis, que escondem
vieses e limitações pessoais, limitações de perspectiva.
Obviamente, não se pode estipular com clareza a linha
divisória entre a “genialidade” e a “chapação”, o caráter “folclórico”
atribuído ao gaúcho Basso. Não é uma distinção fácil de ser feita, afinal de
contas. Ao entendê-lo e ao enunciá-lo como “genial”, os fãs poderiam ter em
mente, justamente – talvez tivessem em mente, de fato – os momentos em que,
para eles, um criador “chapado” ganhou corpo, alçando-se muito acima de
qualquer expectativa média ou qualquer previsibilidade que se pudesse ter. O
terreno da música pop, mais do que qualquer outro campo de produção artística,
é ideal para que proliferem embaralhamentos (bem como epifanias) deste tipo. A
rigor, em se tratando de Júpiter Maçã, é extremamente difícil separar com
clareza tais personificações (o “gênio”, o “folclórico” e o “chapado”). A não
ser que se queira, deliberadamente, mais do que enfrentar a complexidade viçosa
que ele carrega, produzir insinuações e desacreditações sutis a respeito dela.
É o que faz Antunes. Desse modo, Júpiter resulta, no mínimo, como um tipo
suspeito.
E há mais. Trata-se de focar, num tom crítico e severo, o
“comportamento abusivo do gênio incompreendido, como um todo”. Aqui, através de
outra definição vaga e inespecífica, sugere-se algo sobre a conivência
necrófila dos fãs e o apego dos gaúchos aos “mitos datadões do rock” clássico.
Em outros termos, está se falando sobre perversidade e culpabilização dos fãs
(assim equiparáveis, num extremo radicalíssimo, à criminalização do próprio
músico, exigida conforme episódio relatado [ou melhor: insinuado, apenas, sem o
devido trato jornalístico]). Está se falando ainda sobre a desatualização dos
gaúchos, presos em clichês trágicos e românticos, incapazes de ceder diante do
curso natural e incorrigível da história (leia-se: as mãos do mercado). Júpiter
Maçã deveria ter se tornado Cidadão Instigado, assevera Antunes.
Ou seja: são avaliações muito parciais, muito
auto-centradas, que advogam para si uma centralidade e uma razão centralizadora
incapazes, em última instância, de dar conta das mutações descentralizadoras,
da criação policêntrica, do exercício de dissolução de núcleos de poder e força
estética que marcaram, permanentemente, a trajetória de Flávio Basso. Numa
pérola, Alex Antunes chega a dizer que Basso “não estava se embatendo com nada
real”, parecendo não reconhecer que este suposto ente imaginário, esta fantasia
doente, tirou-lhe, por fim, a vida real de que gozava. É o caso raro de uma
irrealidade mortal.
O artigo termina abruptamente. Deixa-nos a sensação de que
faltou complementar o argumento, assinar a pintura, assumindo-lhe, a ferro e
fogo, a autoria. Esta falta parece o produto de um recuo político e estratégico
– jogadas ao ar, como já estão, as insinuações. E Júpiter Maçã, claro, “pode
ser considerado vítima de uma doença, a da adição a substâncias”. Ponto. Assim
como Alex Antunes pode não saber exatamente o que fala. Ou pode também não
querer dizê-lo integralmente, talvez por razões pessoais, razões que
desconhecemos, que não podem ser ditas ou ouvidas; talvez por simples (e
inconfessável) respeito ao morto, aos estrangeirismos, às fantasias e à
complexidade da vida que ele deixou.
Júpiter Maçã em Porto
Alegre*
Flávio Basso foi uma das figuras mais controversas da música
jovem feita no Rio Grande do Sul nos últimos trinta anos. É também um dos
maiores talentos já vistos na cena local, sem sombra de dúvida. De fato,
notoriedade e controvérsia não lhe faltaram em momento algum. Gostaríamos de
examinar aqui, em função de sua representatividade, o modo como este artista
singularíssimo se traduziu e se deixou traduzir no imaginário da cidade.
O bar Garagem Hermérica, por exemplo, situado na rua Barros
Cassal, entre 1992 e 2013, foi o ambiente (de contatos, bebedeiras, vínculos
afetivos e circulação de informações) no qual "A Sétima Efervescência" (1997),
seu primeiro álbum solo, foi concebido. Por hipótese, pode-se dizer (pode-se
suspeitar, pelo menos) que o Garagem Hermética – em sua primeira fase (cf. Leo
Felipe, 2014) – é justamente o “lugar do caralho”, que ele canta numa de suas
canções mais conhecidas, a música de abertura, o primeiro grande hit do álbum.
“Eu preciso encontrar/
Um lugar legal pra mim dançar/ E me escabelar/ Tem que ter um som legal/ Tem
que ter gente legal/ E ter cerveja barata/ Um lugar onde as pessoas/ Sejam
mesmo afudê/ Um lugar onde as pessoas/ Sejam loucas / E super chapadas/ Um
lugar do caralho/ Sozinho pelas ruas de São Paulo/ Eu quero achar alguém pra
mim/ Um alguém tipo assim/ Que goste de beber e falar/ LSD queira tomar/ E curta
Syd Barrett e os Beatles/ Um lugar e um alguém/ Que tornarão-me mais feliz/ Um lugar onde as pessoas/ Sejam loucas e super chapadas/ Um lugar do caralho/
Lugar do caralho.”
No entanto, para encontrarmos Porto Alegre inscrita na obra
de Júpiter Maçã, não devemos procurá-la explicitada, límpida e fácil,
prontamente exposta nas letras das composições. Do ponto de vista referencial,
acreditando-se então em sua carga denotativa, “Um Lugar do Caralho” narra
buscas noturnas e aventuras lisérgicas paulistanas. É a cidade de São Paulo que
funciona como um campo de ações, no qual anunciam-se algumas vontades e emerge
uma pequena série de referências simbólicas (que são também referências
anímicas). Porto-alegrense, no caso, é a coloquialidade, o repertório de gírias
e o sotaque empregados.
Convém lembrar que o rótulo “rock gaúcho”, como disseram
Humberto Keske e Lidiani Lehnen (2012), antes de indicar uma procedência
geográfica, indica um certo acento, um certo dialeto – um dialeto gaúcho, dizem
os autores –, alguma insularidade, “moldada entre o conservadorismo e a
vanguarda cultural” (Keske e Lehnen, 2012, p. 521). “A Sétima Efervescência” é
assim: conservador (pois revivalista) e vanguardista, quase displicente em
relação ao horizonte real em que está imerso. Quase nada é dito sobre Porto
Alegre, sobre a vida em Porto Alegre. A rigor, não há ali nenhum localismo,
nenhum tradicionalismo, nenhuma cultura gaúcha (num sentido folclórico ou
etnográfico, ao menos).
A cidade deixa-se avistar apenas de passagem, numa ou noutra
menção, numa ou noutra estrofe, um tanto lateral e circunstancialmente. É o
caso das canções “Querida Superhist x Mr. Frog” (que diz: “Hey querida, domingo vamos passear lá no Parque da Redenção/ Vamos
viajar”) e “Eu e Minha Ex” (“Eu e
minha ex/ Na tempestade/ Sob o mesmo guarda-chuva/ Pelas alamedas de Porto
Alegre/ Do Mercadão até o Bom Fim”). E isto é tudo. Com exceção de “Canção
para Dormir”, que fala, muito de relance, sobre uma lenda típica da região sul
do Brasil (“Eu acredito em fantasmas/ Em
mula sem cabeça/ Negrinho do Pastoreio”), não há mais nada. Absolutamente
nada. E não faz a menor falta!
Todavia, esta desaparição da cidade do universo temático do
artista se mantém nos quatro discos posteriores? Em linhas gerais, sim. Como
predominância, sim. Os olhos de Júpiter não estão vidrados na cidade. Muito
embora, algumas ocorrências sinalizem certas nuances e/ou variações
importantes. É o caso da
canção “Bridges of Redemption Park”, de “Plastic Soda”, uma bossa nova escrita
como uma crônica afetiva sobre o Parque da Redenção, cuja letra diz: “Brigdes of Redemption Park/ So little/ So
chinese/ So guiding/ So inviting/ There is few Buddhist and Christians/ Some
‘gloomy’/ And people who drop out to see…”.
Mas sua singularidade não reside apenas nisto, no fato de
ser um aparte, uma ilha temática – um retrato de Porto Alegre fazendo-se então
visível –, num conjunto de obsessões e preocupações outras, muito mais
habituais, quase sempre na linha “sexo, drogas e rock and roll”, apresentadas
em tônicas mais ou menos ácidas, conforme o estilo musical invocado. Trata-se
de uma bossa nova cantada em inglês, versando sobre um conhecido parque situado
próximo ao centro da cidade. No entanto, de algum modo, o cenário descrito, em
seu significado e em sua aderência local, é contradito e duplamente
neutralizado, seja pelo idioma (o inglês, língua universal), seja pelo
imaginário construído em torno do gênero (o caráter nacional, não
necessariamente regionalista, da bossa nova).
Mas há outros casos equiparáveis. Um deles é “Casa de
Mamãe”, do álbum “Uma Tarde na Fruteira”. Num trecho, a letra diz o seguinte:
“Olhando os mísseis na
tevê/ Tomando chá/ Tô hospedado na capital/ Com Thalita F. Jones/ Na casa de
mamãe/ Outra vez/ Na casa de mamãe/ Além disso eu nem progredi/ No meu blues
tropicalista/ No meu blues neo-modernista/ Na minha canção mais estereofônica/
Eu gosto de Porto Alegre/ Eu gosto de Porto Alegre/ Eu gosto de Porto Alegre/
Eu gosto de Porto Alegre.”
É um relato enfático, de tons intimistas e metalinguísticos,
mas que pouco diz verdadeiramente sobre a cidade. Recorrer, portanto, ao
conteúdo manifestado nas letras não é, decididamente, uma boa estratégia. Não
só porque canções como “Casa de Mamãe” e “Bridges of Redemption Park” perfazem
um grupo minoritário, junto com mais duas ou três, mas porque a relação de
Júpiter Maçã com Porto Alegre é mesmo muito mais complexa, podendo ser
decomposta e examinada a partir de várias outras angulações complementares. Em
primeiro lugar, pode-se cotejá-la à trajetória, às fases da carreira do
artista, que vai amadurecendo e se transformando, artisticamente, que vai sendo
reconhecido na medida em que se constitui um mercado midiático (um conjunto de
rádios e espaços de mídia impressa, por exemplo) e a própria cultura do rock local.
* O texto é parte de
um artigo maior e mais desenvolvido, publicado no México, como um capítulo
independente, num volume sobre música e cidade na América Latina. A publicação
saiu no primeiro semestre de 2015. Aqui, alguns pequenos ajustes foram feitos.
A referência correta é: SILVEIRA, Fabrício. Porto Alegre en el espejo partido
de Júpiter Maçã. In: VARGAS, Herom y KARAM, Tanius (eds). De Norte a Sur:
música popular y ciudades en América Latina. Apropiaciones, subjetividades y
reconfiguraciones. Mérida (Yucatán, México): Secretaría de la Cultura y las
Artes de Yucatán, D. R. Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, Editorial
Libro Abierto, 2015, p. 347-376. Agradeço a Herom Vargas e Tanius Karam, os
organizadores do livro.
Referências
FELIPE, Leo. A
Fantástica Fábrica. Porto Alegre – RS: Publicatto Editora, 2014.
KESKE, Humberto Ivan; LEHNEN,
Lidiani. Na trilha sonora dos pampas: a batida pesada do rock ‘n’ roll a
la gaúcho. Rio de Janeiro – RJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), revista Polêmica, v. 11, n. 3, julho/setembro de 2012, pp. 503-523.
************
FAIXAS:
- "Um Lugar do Caralho" – 4:58
- "As Tortas e as Cucas" – 4:39
- "Querida Superhist x Mr. Frog" – 5:40
- "Pictures and Paintings" – 3:09
- "Eu e Minha Ex" – 5:52
- "Walter Victor" – 3:43
- "As Outras Que Me Querem" – 2:43
- "Sociedades Humanóides Fantásticas" – 6:42
- "O Novo Namorado" – 3:12
- "Miss Lexotan 6mg Garota" – 4:57
- "The Freaking Alice (Hippie Under Groove)" – 5:09
- "Essência Interior" – 7:00
- "Canção Para Dormir" – 3:13
- "A Sétima Efervescência Intergaláctica" – 2:38
*************
OUÇA O DISCO
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
“Pequeno Cidadão” - Arnaldo Antunes, Antonio Pinto, Edgar Scandurra e Ticiana Barros (2009)
“É sinal de educação
Fazer sua obrigação
Para ter o seu direito
de pequeno cidadão”.
refrão da música "Pequeno Cidadão"
Por um bom tempo, parecia que os memoráveis especiais de música
infantil da Globo, os quais geralmente viravam LP’s de grande sucesso de
público e vendas, tinham terminado. Do final dos anos 80 até a entrada do
século XXI, estes ricos especiais como "A Arca de Noé" ou “Pirlimpimpim” sumiram
das telas e das lojas – à exceção de “Castelo Rá-Tim-Bum”, único resistente dos
anos 90. No mesmo período, não tão coincidentemente assim, os pequenos passaram
a ficar cada vez mais emburrecidos pela computadorização limitadora do conteúdo
educativo-cultural, desassistidos pelo desleixo das escolas e perdidos entre a
superproteção e o desinteresse da “nova família” brasileira de classe média.
Espaço para a criatividade, para o exercício do lúdico, para a valorização das
coisas bonitas da vida – amigos, família, natureza, arte – restaram
escanteados. Para que lançar produtos que elevam essas coisas “do passado”, já
que não tem consumidor para tal? Resultado: desvalorização e consequente
idiotização da criança.
A salvação veio a pouco mais de 10 anos pelas mãos dos paulistas da
geração anos 80 – alguns dos responsáveis por, na minha infância/adolescência,
fazerem-me aprender a gostar de música. São eles os criadores de um dos
melhores exemplos de uma nova visão da condição infantil: “Pequeno Cidadão”. Desde este primeiro CD do conjunto, lançado em
2009, reúnem pais músicos e “mais um monte de filhos”, como eles mesmos dizem.
Os protagonistas são alguns dos principais nomes da música brasileira daquela
década para cá: o ex-Titã Arnaldo Antunes, o cabeça do Ira! Edgar Scandurra, a ex-Gang 90 Ticiana
Barros e o multi-instrumentista Antonio
Pinto (autor de várias e ótimas trilhas sonoras de filmes como “Cidade de
Deus”, “Central do Brasil” e “Colateral”).
O grupo faz um som baseado no rock mas que investe também na psicodelia
e nos ritmos brasileiros, passando pelo pop, funk e eletrônico. Conceitualmente,
“Pequeno Cidadão” encerra a ideia de uma educação infanto-juvenil comprometida
com o ser humano e com o planeta, sem perder o lado legal da brincadeira e da modernidade
– ou seja, sem deixar esse “comprometimento” virar uma coisa chata e somente pró-forma.
As músicas trazem como temas coisas normais (ou que deveriam ser normais) do
universo infantil: alegrias, dúvidas, bichos, desafios, tristezas e aquilo que
move a todos (ou deveria mover): amor. Afinal, criança não precisa de música
bobinha: ela pode muito bem curtir um rock
‘n’ roll com poesia que lhe faça pensar. Multiplataforma e ativo, “Pequeno
Cidadão” é, no entanto, mais do que apenas só música: o projeto conta com um
segundo CD (2012), um precioso DVD de animações de todas as faixas do primeiro
volume e quatro livros temáticos, além de jornal online e várias ações
culturais que promovem em São Paulo. Tudo com ilustrações de Jimmy Leroy, que
dá uma assinatura plástica muito peculiar em todos os materiais.
Uma das lindas artes de Jimmy Leroy. |
Pontapé inicial do projeto, este CD começa pela faixa que lhe dá nome e
que, de certa forma, o sintetiza, pois expressa a ideia de formar uma criança
com responsabilidades mas a deixando ser aquilo que ela é: criança. E como Vinícius de Moraes ensinou: não duvidando da inteligência delas. Arnaldo, acostumado a escrever para esse público desde os Titãs, pratica isso se valendo de figuras
de linguagem como anáforas, repetições no início de cada frase, e,
principalmente, de anástrofes – e aí está já uma das sacadas pedagógicas da
turma: mostrar para a criança a riqueza da língua portuguesa. A anástrofe é um
caso especial dentro de nossa gramática, pois usa a inversão de maneira
incomum: trocando sujeito e predicado, surpreende com a lógica que forma. Na
letra, tudo que é brincadeira vira dever e vice-versa, estabelecendo uma dialética
de correlação e não de condicionamento entre ambos. Por exemplo, o verso “Agora pode fazer a lição” ganha sentido
de um consenso entre pais e filhos e não de obrigação como geralmente se
entende daquilo que não é diversão. Em contrapartida, “Agora tem que jogar videogame” passa a ter a ideia de um convite à
brincadeira, rejeitando o famigerado “tenke”
imposto pelos mais velhos. Além de tudo, a música é um rock embalado e
pegajoso, cujo gostoso refrão o resume clara e brilhantemente: “É sinal de educação/ Fazer sua obrigação/
Para ter o seu direito de pequeno cidadão”.
Antonio Pinto, coautor da primeira faixa, assina com Ticiana uma das
mais lindas canções (infantis? De amor? Da música brasileira deste século?) do
álbum: “O Sol e a Lua”. A música emociona a mim e a muitas pessoas que conheço,
sejam crianças ou adultos. É um pop-rock cantado por ele e por um dos meninos,
além do coro das crianças no refrão e das recitações na voz grave de Arnaldo. Voltada
para os mais crescidinhos, fala sobre um acontecimento que ocorre com todo
mundo na pré-adolescência: o amor não retribuído, aqui personificando nos dois
astros. Apaixonado, o Sol pediu a Lua em casamento e disse que lhe amava há
muito tempo, mas a Lua respondeu que seu coração não pertencia a ninguém, pois ela
só servia para inspirar os casais, “dos
grandes poetas aos mais normais”. O Astro-Rei, claro, ficou na fossa. Desesperado,
foi pedir ajuda até para o Vento, que, apressado, nem parou para lhe escutar.
Foi então que: “O Sol sem saber mais o
que fazer/ Tanto amor pra dar/ E começou a chorar/ E a derreter/ E começou a
chover, e a molhar/ E a escurecer”. E não é assim mesmo que nos sentimos
quando ficamos tristes por amor: derretidos e sem brilho? No final, o consolo
dito na delicadeza da voz infantil: “Se a
Lua não te quer, tudo bem/ Você é lindo, cara/ E seu brilho vai muito mais
além/ Um dia você vai encontrar alguém que com certeza vai te amar também”.
Poesia da maior singeleza.
A doce canção de ninar “Meu Anjinho”, de Ticiana (“E aqui dentro/ no escurinho/ nos braços desta canção/ vou te ninar...”),
se alinha à outra das ótimas do disco, o gostoso xote “Leitinho”, a qual traz a
mensagem de que “um leitinho é muito bom”
pro bebê e pros pais, pois, depois, vem aquele compensador “soninho” que
descansa toda a família. Impossível não lembrar-me de uma vez com minha
sobrinha Luna ainda pequena, com pouco mais de um ano, quando cantei essa
música para ela, sabendo que gostava e que seu pai, meu irmão, costumava cantar-lhe
e pô-la para ouvirem. A surpresa pura que ela ficou quando identificou que era
a mesma música que o papai cantava foi engraçado e emocionante.
A funkeada “O ‘X’” e a agitada “Sobe Desce” são pura diversão, duas
brincadeiras com palavras, letras e suas sonoridades. Mais pedagógica e
profunda é “Tchau, Chupeta” (de Ticiana e Arnaldo), que versa sobre uma das
maiores revoluções pessoais pela qual o passamos na infância: o momento de
largar o bico. O complexo tema, que especialistas há muito discutem – os
limites da chamada “fase oral” e a troca (nem sempre exitosa) de um substituto
simbólico do seio materno –, é colocado de uma forma absolutamente poética e
lúdica, propondo à criança nesse necessário rompimento o desapego em nome de
uma nova fase de vida. “Todo mundo tem
seu tempo de mamar”, diz um dos versos. Graciosa, a letra lança várias
suposições de forma a demonstrar à criança que a chupeta não combina mais com
alguém que não é mais neném: “Já pensou
uma mãe chupando chupeta?/ Já pensou um pai chupando chupeta?/ E uma vó de bobs
e chupeta?/ E um vovô de bengala e chupeta?”. E a proposta para deixar a
tal peta? Libertar-se dela jogando-a no mar para, enfim, poder cantar “sem uma tampa de borracha pra atrapalhar”.
O assunto é tão importante e passível de desdobramentos que virou um dos livros
do projeto, de 2011 (Ed. Leya).
A banda Pequeno Cidadão, com os grandes e os baixinhos. |
O tom educativo segue de outras formas. Tem as ecológicas “O Uirapuru”,
bossa-nova que remete à “Passaredo”, de Chico Buarque, e a “Passarim”, de Tom Jobim, revelando a beleza linguística quase despercebida pelos brasileiros do
tupi-guarani; e “Sapo-Boi”, um divertido rock
‘n’ roll urbano de Scandurra cantado por seu filho Lucas: “Se eu fosse o prefeito aqui da capital/
Pegava o sapo-boi e espalhava pela marginal (...)/ A dengue não passa de um mês/
pois o mosquito é o prato da vez”. Por falar em bichos, a punk-rock “Larga a Lagartixa”, além de
ser mais uma quebra de paradigma – afinal, é saudável criança também gostar de
barulho –, é igualmente educativa, uma vez que a frase principal, dita da forma
acelerada para acompanhar o ritmo frenético, torna-se um trava-línguas, bom
exercício para a garotada treinar a dicção.
Outra das mais queridas do disco é "Bonequinha do Papai", a qual minha
sobrinha Luna gosta até hoje. Tecno
bem dançante, põe a meninada na pista! Alem do mais, seu premiado videoclipe, algo
como um retrô-futurista com desenhos estilo anos 20 (mas com uma animação
dinâmica e moderna), é uma verdadeira obra-de-arte, o qual assisti pela
primeira vez no Dia Internacional da Animação, em 2010.
Mas, claro, não podia faltar o futebol, esporte tão gostado no Brasil e
praticado por meninos e meninas. Identifico-me com as duas faixas que tratam desse
tema por trazerem-me lembranças de tempos passados. A primeira é mais uma bossa-nova:
“Futezinho na Escola”, motivadora de outro dos livros do projeto, “1 drible, 2
dribles, 3 dribles — A história do futebol e outras informações interessantes”,
de Marcelo Rubens Paiva (Companhia das Letrinhas, 2014). Nela, Scandurra aborda
o que a mim era um corriqueiro hábito no 1º Grau: bater uma bola com os colegas
na cancha da escola antes de começar os estudos. A letra descreve com muita
sensibilidade as sensações e a dinâmica de um jogo: “O último lance, vâmo logo, passa a bola/ Recebi, quase perdi pro
ladrão que eu nem vi/ Chegou primeiro pedalei e passei/ Chegou o segundo e eu
também driblei/ Veio o terceiro e eu fiz uma tabela/ Tô livre parceiro, vou
chutar de trivela/ É gol!”. Mas tem a hora do divertimento e a do dever. Acaba-se
o jogo rapidinho, pois agora é preciso correr para ir a outro compromisso: a
aula de português.
Tratando ainda do esporte bretão e fechando o disco, "Carrinho por Trás" é mais uma de Scandurra e novamente um samba. Neste caso, um partido-alto. Com
uma pegada carioca e eletrônica, faz-me recordar de outra época, esta, da
adolescência, quando jogávamos nos campos de várzea com nosso time de amigos, a
Juventus. O universo das peladas é muito bem captado pelo compositor, que pega
como mote um dos polêmicos lances que acontecem nas partidas: o carrinho
(segundo a definição de Rubens Paiva, extraída do livro: “o jogador se lança no gramado e, deslizando pelo chão, tenta tirar a
bola do adversário, arremessando os pés na direção dele.”). Como pode
acarretar em uma jogada violenta, o carrinho é mal visto, ainda mais que nem
todo jogador tem boas intenções e nem todo zagueiro tem habilidade para
executá-lo. Eu, da posição, tenho lá minhas dificuldades, confesso. Porém, a
canção fala sobre um defensor que entende do negócio: “O carrinho é perigoso/ No mínimo um tanto suspeito/ Mas se você acerta
na bola/ É aplaudido com muito respeito”. João Nogueira merecia estar vivo
para gravar essa música. Como extra, ainda tem “Pererê”, com participação do
cartunista e escritor Ziraldo declamando um texto seu.
Ao escutar uma obra como essa, fica a sensação de que nem tudo está
perdido no que se refere a conteúdo cultural para criança. Afora “Pequeno
Cidadão”, outro projeto da mesma época, Adriana Partimpim, da cantora e
compositora Adriana Calcanhoto, também teve continuidade e conquistou o
público. No meu círculo, percebo, inclusive, que não são poucas as crianças que
gostam de um ou de outro, desde Luna até outros pequenos que conheço como Bento,
Dora e Gabriel. Bom sinal. Sinal de que há uma geraçãozinha aí antenada e bem
orientada. Além disso, de que existe uma consciência do valor das coisas
importantes da vida (muitas vezes, as simples), que não se resumem a consumo e tecnologia.
Iniciativas como estas se mostram sintonizadas com tal mentalidade. E neste Dia
das Crianças, é um alento perceber gente consciente de que, para se exercer a cidadania
no mundo de hoje, começa-se desde cedo.
******************
FAIXAS:
1. Pequeno Cidadão
2. O Sol e a Lua
3. Meu Anjinho
4. Futezinho na Escola
5. O ´x´
6. Tchau Chupeta
7. Sapo-boi
8. Leitinho
9. Larga a Lagartixa
10. O Uirapuru
11. Sobe Desce
12. Bonequinha do Papai
13. Carrinho Por Trás
14. Pererê (extra)
OUÇA O DISCO E VEJA OS CLIPES:
quarta-feira, 30 de setembro de 2015
Som Imaginário - “Matança do Porco” (1973)
A capa original, em cima, e a da reedição de 2003 |
“Foi uma época de muita coisa.
Eu
voltei da Europa na turnê que eu fiz com o Paulo Moura,
logo depois do show do
Bituca com o ‘Clube da Esquina’.
É um disco que eu compus todo na Europa,
chamado ‘Matança do Porco’.
Música que, inclusive, tem no disco ao vivo do
Milton,
o ‘Milagre dos Peixes Ao Vivo’.
Você vê que as ideias estavam ali.
Foi
a nossa época de laboratório mesmo.
Serviu para o resto das nossas vidas.”
Wagner Tiso
Milton Nascimento foi sempre o cabeça e congregador do chamado Clube da
Esquina, esse time de artistas de Minas Gerais que mudou a cara da MPB desde a
conturbada segunda metade dos anos 60 de Ditadura Militar no Brasil. Em torno
de Bituca – e muitas vezes até motivados por ele, como no caso de Fernando Brant e Lô Borges – se configurou a movimentação musical que trouxe novas
linguagem e referências à música brasileira e até mundial se se considerar seu
pioneirismo naquilo que passou a se chamar tempo depois de world music. Wayne Shorter, Sarah Vaughan, Quincy Jones, Eric Clapton, Paul Simon, Carminho entendem isso muito bem. Porém, dos diversos
talentos surgidos à época e/ou junto com Bituca, um deles é quase tão
fundamental: o maestro Wagner Tiso. Surpreendentemente autodidata (o
saxofonista e clarinetista Paulo Moura, exímio arranjador, apenas lhe deu
toques sobre teoria), é naturalmente dono de um estilo de tocar piano e de
orquestrar que bebe no colorido de Claude Debussy e na força expressiva de
Richard Wagner, além de sua veia sacra, a qual adquiriu ainda pequeno nas
igrejas do interior de Minas que frequentava. Se Milton é o símbolo do Clube da
Esquina, principal compositor e propulsor da cena, Tiso é o centro harmônico, o
homem que aperfeiçoou a ideia e lhe deu lastro.
Tiso, sempre muito ligado a Milton Nascimento (ambos são naturais de
Três Pontas), já era o principal arranjador e regente dos trabalhos deste desde
o LP “Milton”, de 1970, mesmo ano em que, juntamente com Luis Alves (baixo), Frederyko
(guitarra) e Robertinho Silva (bateria) forma uma banda de apoio para o
parceiro. Assim surgiu a Som Imaginário,
para a qual ainda foram convocados para completar o grupo nada mais, nada menos
que três craques: Tavito (violão), Zé Rodrix (voz, órgão, flautas) e Naná
Vasconcelos (percussão). Um time de primeira. Além das essenciais participações
nos trabalhos de Milton e na de gente do calibre de MPB-4, Marcos Valle, Gal Costa, Odair José, Sueli Costa, dentre outros, a banda mantinha também carreira
própria. Depois de dois discos em que Rodrix comandava os microfones (“Som
Imaginário”, de 1970, e “Nova Estrela”, de 1971) a Som Imaginário, sem este e
Naná, sintetiza sua sonoridade psicodélica e até lisérgica e compõem um álbum
totalmente instrumental: “Matança do
Porco”, de 1973. Nele, a MPB se junta com felicidade ao rock progressivo,
ao jazz e à música clássica em seis canções assinadas por Tiso em que todos os
músicos se esmeram nos instrumentos. Solos magníficos, arranjos deslumbrantes e
orquestrações idem, cujas regências tiveram ainda a fina colaboração de Moura,
maestro Gaya e Arthur Verocai. Este último trabalho de estúdio do grupo é uma
obra-prima da música instrumental no Brasil.
“Armina”, com sua melodia valseada e melancólica, não apenas abre o
disco com o piano altamente erudito de Tiso como, igualmente, recorta-o todo,
aparecendo em vinhetas/excertos entre os outros cinco temas durante todo o
decorrer, desfechando-o também, inclusive. A canção dá o clima do álbum, cujo
peso do rock, o swing do samba-jazz e a energia do fusion são ciclicamente reconduzidos à
atmosfera do tema-tronco, o qual traça uma linha entre o litúrgico e o a
herança modernista do folclórico bachiano de Villa-Lobos. Entretanto, na
alquimia natural da Som Imaginário, de cara se ouve um potente jazz-rock de baixo-guitarra-bateria-órgão,
que faz um pequeno preâmbulo para, aí sim, dar lugar ao piano de Tiso. Depois
de um lindo solo, que traz delicadeza ao número, a banda retorna vigorosa – a
melodia lembra “I Want You (She's So Heavy)”, dos Beatles, na parte do “She so heavyyyy...”, para ver o nível
de grandioculência – para um exímio e longo solo da guitarra rasgante de Frederyko,
ao estilo de John McLaughlin. Por volta de 4 minutos e meio, param todos os
instrumentos elétricos para novamente ouvir-se o dedilhado acústico do piano,
fazendo ressurgir a valsa tristonha.
Agora sob o som de um piano elétrico, “A 3”, extremamente moderna, sintoniza
com o que Hermeto Pascoal, Airto Moreira e João Donato vinham fazendo nos
Estados Unidos àquela época e embasbacando os gringos: um jazz brasileiro com
ritmo, harmonias complexas e uma habilidade musical peculiar dos trópicos. Show
de perícia de toda a banda, que, levados pelos teclados, ganham o
acompanhamento da percussão do mestre Chico Batera e da flauta de outro professor,
Danilo Caymmi. Uma curta e orquestrada “Armínia”, arregimentada por Verocai – e
na qual se notam os toques de sua sofisticação harmônica, principalmente na
predileção pelos metais ouvidos ao final –, antecipa “A nº 2”, que inicia como
um samba cadenciado conduzido por uma linha de órgão. Vão se adicionando as
melodiosas vozes dos Golden Boys, solos da guitarra e cordas, num crescendo de
emoção. Até que, pouco antes dos 5 minutos, o baixo de Luis manda um groove e a música dá uma virada para um jazz-funk estupendo. Tiso troca o órgão para
o Hammond; Luis e Fredera, mantendo a base em repetições ágeis; Robertinho;
segurando o ritmo na variação caixa/prato de ataque. Arrasador. Digno de um
“Headhunters”, de Hancock, ou “On the Corner”, de Miles Davis.
A faixa-título, que eu conheci no disco de Milton, “Milagre dos Peixes
Ao Vivo” (1974), surpreendendo-me por demais já daquela feita, não perde em
nada no estúdio. Aliás, até ganha, tendo em vista que os registros ao vivo da
época eram deficitários tecnologicamente (o caso). Além do mais, o próprio
Bituca empresta aqui a sua voz. Então: serviço completo, nada faltando.
Sugestivo, o título remete ao arcaico ritual de abate de suínos típico do
folclore português e que, obviamente, devido a seus requintes de crueldade,
exprime algo de visceral e funesto vivido à época no Brasil de Regime Militar.
Como se tratava de uma canção “sem letra”, os milicos a consideraram inofensiva
e deixaram passar pela censura. Isso faz com que “Matança do Porco”, música e disco,
alinhem-se, pela via de um “silêncio resistente”, a “Milagre dos Peixes” de
estúdio, daquele mesmo ano de 1973, que os militares censuraram praticamente
todas as letras, transformando-o, forçadamente, num álbum semi-instrumental.
Este aqui é instrumental de propósito, pois não há palavras para exprimir o
sentimento nefasto que se presenciava. Os sons, dados à imaginação, falam por
si.
Nos mais de 11 minutos da canção “Matança do Porco”, ponto alto do
disco, deságuam boa parte da musicalidade construída pela turma do Clube da
Esquina. Seguindo a atmosfera erudita que domina o álbum, trata-se de um pequeno
réquiem transgressor, entre o rock e o jazz. Traz o vigor de um rock
progressivo, que lembra o Pink Floyd psicodélico pré-"Wish You Were Here",
ainda mais pela novamente excelente performance
de Frederyko debulhando a guitarra – e não deixando nada a dever a um David
Gilmour. O primeiro “movimento” inicia lento com acordes 2/2 de Tiso ao piano,
que exercita uma breve introdução (Kyrie e
Gloria) enquanto vão entrando aos poucos
os outros instrumentos até chegar na guitarra, que, distorcida, se adona do
campo. São quase 5 minutos de um solo dividido em dois momentos (algo que se
poderia intitular como “A Preparação”, Credo,
e “A Desforra”, Sanctus) que vai num crescendo
e toma uma carga emotiva tamanha com o poder de carregar consigo os outros
integrantes, ao final igualmente em êxtase. Robertinho dá um show de rolos e
condução; Tiso, centro da peça, lança impressionantes ataques e improvisos
jazzísticos. O ritual de morte chega a seu ápice. O sangue escorre. Morte.
Valendo-se fartamente de seu conhecimento erudito, Tiso corta mais uma
vez a canção para, numa fusão para um segundo ato, arregimentar a partir dali
uma volumosa orquestra Odeon (conduzida por Gaya), a qual toca uma melodia
triste (um Benedictus), como uma
prece à ignorância humana. Entram o coro dos Golden Boys formando um cantochão
gregoriano. Junto, para realçar ainda mais a beleza melancólica do tema, a
guitarra volta a marcar a base e Milton soma ao coro o seu inconfundível
timbre, executando vocalises arrepiantes. O final, no órgão, desfecha-a num
evidente tom fúnebre de Missa dos Defuntos, até voltar ao toque quase de
cantiga de roda dos primeiros acordes. Agnus
Dei. Um desbunde. O porco e o cidadão brasileiro, perseguidos e sem voz,
foram abatidos. “Quem é animal e quem é
gente?”, fica a pergunta.
Depois de tanta magnitude, uma gostosa “Armina” com ares de bossa-nova ameniza
o astral visitando Tom Jobim e Billy Blanco. “Bolero”, na sequência, é uma
balada com riff bem rural escrita em
parceria com Luis, Robertinho e Milton, este último de quem evidentemente
partiu a ideia do violão-base tocado por Tavito, outro dos coautores. Nova
mostra de habilidade dos músicos em que Tiso, principalmente, se destaca
manipulando os dois pianos, assim como a flauta de Danilo Caymmi. O filho do
gênio baiano é quem dá os primeiros acordes de “Mar Azul”, outro samba-jazz moderníssimo feito para os
dedos de Tiso maravilharem num Hammond, tanto quanto Tavito ao violão 12
cordas. Da segunda metade para o fim, é geral o show de improvisos. Jazz
brasileiro puro.
A intensidade orquestral finaliza este histórico álbum com a quarta e
última seção de “Armina”, novamente com o toque de Verocai, que carrega nas
cordas e metais no início para, aos poucos, verter a sonoridade para as
madeiras, numa transição extremamente apurada e apenas perceptível quando a
flauta entoa a última nota, haja vista que aumenta um tom para terminar não num
registro suave, mas grave como deveria ser. Na capa da reedição em CD, de 2003,
vê-se um plano geral de uma mesa dá bem a dimensão do período de tristeza e
decadência que o País um dia se colocou: copos, garrafas de cerveja e de
uísque, todos vazios, acompanham um cinzeiro lotado de cinzas e baganas e um papel
surrado sobre um dos copos – que bem pode ser uma carta a um ente querido
impossível de ser postada por causa do cerco da ditadura ou uma confissão de
suicídio.
Naquele 1973, o enganoso “milagre brasileiro” do governo Médici
escondia ainda mais as torturas, perseguições e exílios promovidos desde o
AI-5, de cinco anos antes. As guerrilhas eram enfraquecidas e a população,
quando não ignorante, se calava à força. Sem precisar dizer quase nenhuma
palavra, “Matança do Porco” e “Milagre dos Peixes” formam um dos mais potentes
libelos contra a opressão da ditadura militar no Brasil, duas sinfonias em nome
da liberdade que todo brasileiro decente de então merecia. É o poder da música,
é a magia dos sons. Sons capazes de despertar o imaginário de quem consegue
entender o que é dito pelo coração.
FAIXAS:
01. Armina
02. A3
03. Armina (Vinheta)
04. A n° 2
05. A Matança do Porco
06. Armina (Vinheta 2)
07. Bolero (Tiso/Milton Nascimento/ Robertinho Silva/Tavito/Luis Alves)
08. Mar Azul (Tiso/Alves)
09. Armina (Vinheta 3)
todas as músicas compostas por
Wagner Tiso, exceto indicadas.
OUÇA O DISCO:
por Daniel Rodrigues
terça-feira, 10 de fevereiro de 2015
15 filmes para entender o cinema brasileiro dos anos 70
Seguimos com a listagem de filmes essenciais para entender o cinema brasileiro das décadas de 60, 70 e 80. Começamos com os gloriosos e revolucionários anos 60, do qual extraímos, de um universo numeroso e profícuo, 20 joias. Agora, no entanto, como diz a gíria popular, “o buraco é mais embaixo”. Nos anos de chumbo, com o afunilamento dos direitos sociais e políticos advindos com o AI-5, de 1968, o cerco fechou para qualquer cidadão que quisesse se expressar ou simplesmente dar-se ao direto de pensar diferente do sistema vigente. Torturas, desaparecimentos e perseguições aumentaram. E claro que a classe artística, incluindo quem fazia cinema, foi uma das maiores prejudicadas nos anos 70. Toda a geração de cineastas e autores advindos com a explosão criativa dos 50/60, acuados ou exilados, mal conseguiam levantar recursos para produzir aquilo que pensavam – claro, se aquilo que pensavam não concordava com o que os militares queriam.
Resultado?
Perda de espaço para o cinema norte-americano e europeu e, no
próprio mercado interno, para as famigeradas “pornochanchadas”,
as malditas produções baratas e mal-acabadas financiadas pelo
governo não eram nem pornôs nem chanchadas e que serviam
basicamente para entreter o povo com o que ele mais gosta e odeia em
si: a malandragem e a sacanagem.
O
minguamento do cinema de autor foi perceptível: nos anos 70, a
grande cabaça do moderno cinema brasileiro, Glauber Rocha, produziu
na Espanha, Itália, Cuba, Portugal e Congo, menos no Brasil. Nelson
Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Paulo César Saraceni e vários
outros não conseguiam estabilizar um nível de produção digno,
oscilando entre filmes ótimos a fracos. E pior: às vezes, faziam
filmes até bons, mas cuja qualidade técnica comprometia tanto que
restaram inviáveis de se assistir.
No
entanto, era muito talento e coragem para que nada desse certo. De
tudo que se produziu na década, 15 longas podem ser considerados,
cada um por um motivo, obras essenciais para o, àquela época, ainda
mais combalido e combativo cinema brasileiro no século XX. Tanto é
verdade de que foram cineastas vitoriosos que todos os títulos
elencados são obras de nomes da geração anterior. Nota-se um
aperfeiçoamento da linguagem metafórica do Cinema Novo e um
amadurecimento do cinema popular, bem escrito e com olhos para todos
os públicos. Em contrapartida, há um adensamento da linguagem
transgressora do cinema marginal e que o coloca ainda mais à margem
do mercado. Então, entre mortos e feridos (literalmente), os 15
filmes essenciais para entender o que é cinema brasileiro nos anos
70:
1 -
“Sem Essa Aranha”, Rogério Sganzerla (70) – O cinema
underground do Sganzerla avança brutalmente neste filme
altamente transgressor e simbólico, onde ele mistura metáforas do
terceiro mundo, chanchada, rádio Nacional e cinema de poesia.
Anárquico, louco e ainda assim engraçado por conta do maravilhoso
Jorge Loredo como Zé Bonitinho, que “ancora” toda a
(não)história. Memorável sequência com Luis Gonzaga tocando
enquanto Helena Ignez e Loredo encenam.
2 - “Copacabana Moun Amour”, Rogério Sganzerla (70) – O cara tava tão inspirado que fez dois filmes essenciais em apenas 365 dias. Devaneio intelectual na Rio de Janeiro em época de ditadura, numa referência metafórica ao fim da civilização, à nouvelle vague (principalmente Resnais de “Hiroshima Moun Amour”) e, claro, ao cenário político brasileiro. E a trilha é algo de genial, composta especialmente por Gilberto Gil, que a mandou do exílio em Londres, e que virou um disco clássico da carreira do baiano.
3 - “São Bernardo”, Leon Hirszman (71) – Adaptação do livro do Graciliano Ramos, que transporta para a tela não só a história, mas a secura das relações e a incomunicabilidade numa grande fazenda do início do século XX, escorada na desigualdade dos latifúndios. Não há diálogo: a vida é assim e pronto. Daqueles filmes impecáveis em narrativa e concepção. E o Leon, comunista como era, não deixa de, num deslocamento temporal, dar seu recado quanto à reforma agrária.
4 - “O Doce Esporte do Sexo”, Zelito Viana (71) – Filme de episódios com ninguém menos que Chico Anysio, na época, no auge de sua criatividade como ator e escritor. Dirigido por seu irmão, Zelito, é um bom exemplo de que já se faziam comédias mesmo numa época de produções pobres como foi os anos 70, considerando que hoje se faz esse gênero às pencas no Brasil com ótimas produções mas nem de perto com a qualidade de texto de “O Doce Esporte...”.
5 - “Como Era Gostoso o Meu Francês”, Nelson Pereira dos Santos (71) – Nelson Pereira teve dificuldades nos 70 de produzir com a qualidade técnica que ele sabe, mas esse aqui saiu perfeito. Comédia bizarra sobre antropofagia cultural e canibal. Uma fantasia que põe Hans Staden em cores modernistas e que evidencia uma série de lacunas de nossas cultura e civilização. Ganhou Brasília e foi indicado ao Urso de Ouro em Berlim. Engraçado e profundo.
6 - “Vai Trabalhar, Vagabundo”, Hugo Carvana (73) – Outra ótima comédia, primeiro filme do Carvana atrás das câmeras – que se pôs na frente também, pois ele mesmo faz o hilário Secundino Meireles, personagem principal que retrata o brasileiro consciente com a situação do País mas de saco cheio com a miséria moral e política. Trama inteligente, crônica da sociedade da época. Venceu Gramado. Trilha original linda do Chico Buarque. Um barato.
7 - “O Marginal”, Carlos Manga (74). O Manga produziu pouca coisa pra cinema depois dos 60. Esse é o único de ficção dele dos anos 70, mas toda sua experiência de cenas de aventuras nas várias chanchadas que dirigiu desde os anos 40 estão aqui, adicionado a um teor psicológico superconvincente e bem conduzido. Música original de autoria de Roberto e Erasmo, um luxo. E o Tarcisão tá ótimo.
8 -
“Dnª Flor e seus Dois Maridos”, Bruno Barreto (76) –
Provavelmente a melhor adaptação de Jorge Amado para a tela grande
e o melhor brasileiro da década. Por 34 anos foi recordista de
público no cinema brasileiro, levando mais 10 milhões de
espectadores às salas de exibição. Fotografia, roteiro, trilha e
atuações memoráveis. Cheio de cenas inesquecíveis, como a da
morte do Vadinho e os diálogos entre Wilker e Sônia Braga. Um
clássico vencedor de Gramado e indicado ao Globo de Ouro de Filme
Estrangeiro.
9 - “Xica da Silva”, Cacá Diegues (76) – Também sucesso de bilheteria. Cacá emendou uma sequência de ótimas produções nos anos 70, talvez o cineasta que melhor tenha produzido de todos os remanescentes do Cinema Novo. Este é um “épico à brasileira”. Zezé Mota encarnou super bem Xica, o grande papel dela no cinema. Mais uma vez, a trilha do filme do Cacá se destaca: a música original é do Jorge Ben.
10 - “A Queda”, Ruy Guerra e Nelson Xavier (76) – Ruy Guerra, outro comunista irrefreável como o Leon, co-dirige com o também ator Xavier um pequeno episódio de um operário que morre na queda de um andaime, história que usa pra gerar toda uma crítica político-social. Trilha do cineasta (que também era compositor) em parceria com ninguém menos que Milton Nascimento. Urso de Prata em Berlim e Margarida de Prata pela CNBB.
11 - “Iracema, Uma Transa Amazônica”, Jorge Bodanzky e Orlando Senna (76) – Quer filme mais “marginal” do que um com cara de documentário anárquico, rodado com câmera na mão, usando vários atores amadores nativos, Pereio cheirado e fumado até as guampa, proibido pela censura e que só foi exibido pós-Abertura, 6 anos depois de finalizado? Filme que inspirou muito Fernando Meirelles. Palavras dele.
12 - “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”, Hector Babenco (76) – Lembro que assisti esse filme pequeno e me deixou com medo, de tão tenso que é. Policial bem realista, com Reginaldo Faria estupendo no papel do assaltante de bancos em crise de identidade, mas que não tem como sair daquele círculo vicioso. Forte pra caralho. Melhor Filme na Mostra Internacional de Cinema São Paulo, além de levar vários Kikitos em Gramado (Ator, Ator Coadjuvante, Fotografia e Edição).
13 - “Chuvas de Verão”, Cacá Diegues (78) – Filme pequeno com cara de conto. Delicado e atípico em tema, pois aborda o amor na terceira idade. Interessantes as ligações com a vida social brasileira e do choque de culturas do velho e do novo. Uma joia que levou prêmios em Brasília, Rio e São Paulo.
14 - “Tudo Bem”, Arnaldo Jabor (78) – Embora não goste do Jabor, pretensioso e “intelectualóide” reacionário, esse aqui é muito legal. Durante a obra de uma antiga casa no subúrbio carioca, a sociedade brasileira (a qual se transformaria na classe média atual) aparece como uma “fauna”: caricata, preconceituosa, mal-resolvida. Fernanda Montenegro e Paulo Gracindo geniais.
15
- “Bye Bye Brasil”, Cacá Diegues (79) – Demarca o fim da
segunda fase de Cacá, com referências do Cinema Novo mas mais
amadurecido. Ao mesmo tempo que reflete com crueza a vida de pessoas
pobres e sem perspectivas, também ressalta a beleza e a magia
intuitiva de artistas mambembes. Daqueles filmes feitos na hora certa
e pela pessoa certa. Um registro sociocultural e político de um
Brasil florescendo e que veio a dar naquilo que somos hoje. Destaque
de novo pra trilha, não só as músicas originais do Chico Buarque
mas também os “bregas”, que tocam aqui e ali e funcionam tri
ambientais.
por Daniel Rodrigues
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