Curta no Facebook

Mostrando postagens com marcador Fabrício Silveira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Fabrício Silveira. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

14 anos, 14 convidados

 








E o clyblog chega a seus 14 anos de idade.

Parabéns para nós!

E parabéns para nós, principalmente, por, durante todo esse período de existência, termos tido a honra de contar com colaborações valiosas de convidados das mais diversas áreas. Escritores, jornalistas, músicos, fotógrafos, artistas, deram suas contribuições a partir de suas experiências, preferências pessoais e respectivos repertórios culturais, abrilhantando momentos especiais do nosso blog em datas importantes, números redondos de publicações ou em nossos aniversários anteriores.

Para comemorar os 14 aninhos e essas colaborações maravilhosas, relembramos aqui, exatamente, 14 momentos, 14 participações especiais, 14 grandes convidados que nos proporcionaram publicações de altíssima qualidade e conteúdo valiosíssimo para o Clyblog.

Então aí vão 14 participações de convidados durante os 14 anos, até aqui, de ClyBlog:


1.
Em 2013, o escritor, teólogo, filósofo, ensaísta, crítico de arte, poeta e cronista gaúcho, Armindo Trevisan, nos deu de presente de Natal uma belíssima crônica que sugeria uma merecida reverência silenciosa a um momento tão importante como é o caso do nascimento de Cristo, no nosso 
Cotidianas Especial de Natal.

"(...)Que maravilhoso seria se, na comemoração do Natal, as nações cristãs, concordassem em instituir um minuto de silêncio em homenagem a tão grande Mistério!
Seria preciso que não se ouvisse som algum em nosso mundo!
Seria preciso que a paz, silenciosa como as estrelas (ao contrário de nossos ícones que, para serem ovacionados, inflamam as multidões) entrasse nos corações na ponta dos pés, e aí fizesse adormecer as almas ao som da Noite Feliz, traduzida para o português por um frei franciscano de Petrópolis, o qual preferiu o adjetivo feliz ao adjetivo original alemão stille: Noite Silenciosa! (...)"


Leia o texto na íntegra:

***

2.
Marcando a publicação de número 200 dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, convidamos um cara com autoridade para falar de sua banda favorita: Roberto Freitas, vocalista da banda The Smiths Cover Brasil, uma das mais respeitadas bandas cover do Brasil, revelou tudo sobre sua paixão pelo disco "Meat is Muder", o primeiro que teve da banda, e o álbum que o impulsionou a querer estar em cima de um palco.


"(...) As pessoas sempre me perguntam até hoje qual a minha musica preferida dos Smiths e eu respondo sem pensar muito :"Não tenho apenas uma tenho pelo menos umas dez e a maioria estão no álbum 'Meat is Murder' (...)"




Leia o texto na íntegra:


***

3.
Em 2018, para os nossos 10 anos, o convidado Wladymir Ungaretti, fotógrafo e professor de jornalismo da UFRGS, compartilhou conosco um de seus ensaios fotográficos para a nossa seção Click, chamado "Imagens para melhor imaginar". Modelos em situações sensuais, no limite do vulgar, do sujo. Erótico com um toque de mistério. Não poderia ter sido mais preciso no conceito: fotos que mostram, mas que deixam muito para a imaginação.



"(...) Este é um espaço reducionista. Escrevemos a partir de muitos pressupostos. São muitas as variáveis na conceituação do que seriam fotos pornográficas ou, simplesmente, eróticas. Conceitos determinados por cada contexto histórico e por cada cultura. Uma obviedade muitas vezes esquecida. Fotógrafos estão olhando, sempre, o trabalho de outros fotógrafos. Mesmo quando, por absoluto egocentrismo, digam que não, Faço questão de "copiar". De me deixar influenciar por outros fotógrafos. Busco o despojamento do surrealista Man Ray. A "pornografia" do japonês Araki. Os cenários surpreendentes de Jan Saudek. Pode parecer muita pretensão. Não canso de olhar livros dos fotógrafos que, por razões muitas vezes nada precisas, tocam o meu "olhar". Fotografei estas modelos inspirado pela ideia de Vilém Flusser que diz: "produzimos imagens para melhor imaginar".



Veja o ensaio:
Imagens para melhor imaginar



***

4.
Para falar de uma banda e de um álbum, nada melhor do que alguém que criou a banda, foi seu integrante, compôs músicas e tocou no álbum. Carlos Gerbase, hoje, doutor em comunicação social, em outros tempos foi baterista e vocalista da banda Os Replicantes e para o ÁLBUNS FUNDAMENTAIS Especial de 5 anos do ClyBlog, falou sobre o lendário primeiro disco da banda, lá de 1986.


"(...) na hora de decidir como o nosso primeiro LP se chamaria, alguém sugeriu (provavelmente eu mesmo, mas não tenho certeza) que o disco se chamasse “O Futuro é Vortex”. Foi uma  boa escolha. Ele estava cheio de canções de ficção científica, e esse título era uma boa síntese (...)"




Leia o texto na íntegra:
***


5.
O jornalista gaúcho Márcio Pinheiro, especialista na área de jornalismo cultural, com passagens pelas redações de jornais como Zero Hora, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, O Estado de S. Paulo, autor do recém lançado livro "Rato de Redação - Sig e a História do Pasquim", amante de música, especialmente de jazz e MPB, nos deu o privilégio de compartilhar sua admiração pelo disco "Quem é Quem", de João Donato, nos nossos 
ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. Segue aí um trecho da resenha:


"[João Donato] Era um músico dos músicos, respeitado pelos seus pares mas pouco conhecido pelo público. Da convivência com o cantor Agostinho dos Santos, um grande incentivador de seu trabalho, nasceu a ideia de colocar letras nas suas músicas (...)"




Leia o texto na íntegra:

***

6.
Cléber Teixeira Leão
, além de meu primo e um excelente músico, é professor de História e um de seus focos, nas aulas que ministra na rede estadual do Rio Grande do Sul tem sido as relações étnico-raciais, com foco no conceito do estudo crítico da branquitude. Nessa linha, falou para o Claquete do ClyBlog, sobre a representatividade negra nas mídias de entretenimento norte-americanas, nas comemorações de 12 anos do blog. Muito interessante o texto e análise do nosso convidado. Confere só:


"(...) Ainda que de forma ficcional, o Pantera Negra serviu e serve ainda hoje, como símbolo dessa quebra de padrões e imposições, além é claro de personificação imagética do antirracismo. Quando o Marvel Studios lançou em 2017 o filme "Pantera Negra" nos cinemas, a repercussão política e social do Blockbusters foi tanta, que gerou uma das maiores bilheterias da franquia de heróis até hoje (...)"




Leia o texto na íntegra:

***

7.
Uma das histórias mais curiosas e engraçadas de bastidores já contadas no ClyBlog foi relatada por Castor Daudt, ex-guitarrista da banda DeFalla, sobre uma ocasião em que encontraram um integrante da banda New Order, num camarim de um show em São Paulo. Foi para o Cotidianas Especial de 10 anos do ClyBlog, em 2014. Não vou contar mais nada aqui porque vale a pena você mesmo ler.


"(...) Depois do show eu fiquei sozinho no camarim, descansando. Era raro ter um minuto de sossego, na época.
De repente entra um cara meio estranho, no camarim..."




Leia o texto na íntegra:


***


8.
As andanças, por aí, dos nossos convidados também nos trazem colaborações muito interessantes. Fabrício Silveira, jornalista e escritor, quando de sua passagem por Manchester, na Inglaterra, cidade  berço de bandas como Joy Division, The Smiths, Stone Roses, The Fall, entre outras, presenciou, possivelmente, o surgimento de mais um nome para se guardar vindo daquele lugar: The Sleaford Mods, uma dupla de eletrônico, punk, minimalista..., estranha mas muito interessante. Nosso convidado nos contou da experiência de ter presenciado um show desses caras para o nosso ClyLive.


"Não há quase nada em cima do palco. Não há equipamento algum, além de um pedestal de microfone e uma mesa de bar, lado a lado. É até um pouco estranho encontrar ali aquele móvel rústico, com pernas dobráveis, trabalhado em madeira nobre. Sobre ele, há um laptop fechado, discreto, quase invisível, que se confunde aos desenhos e aos padrões cromáticos da toalha de mesa. Ao fundo, espessas cortinas de veludo escuro. Em contraste, há uma forte luz branca, opressiva e desconfortável. Este é o cenário. Não há mais nada em cima do palco (...)"



Leia o texto na íntegra:


***

9.
Nosso convidado de um dos especiais dos 11 anos, lá de 2019, participou da gravação desse álbum histórico da música brasileira. Waldemar Falcão, músico, astrólogo e escritor, tocava na banda de Zé Ramalho quando o cantor gravou se clássico "Zé Ramalho 2" ou "A Peleja do Diabo com o Dono do Céu", de 1979. Ou seja, pouca gente estaria tão autorizada a comentar sobre a obra, as músicas, a atmosfera do álbum. Saca só...



"Quanto mais o tempo passa, mais nos damos conta de que ele na verdade voa mesmo... Quando penso que se passaram 40 anos desde que gravamos esse lendário LP (permitam-me...), chega a ser difícil de acreditar (...)"




Leia o texto na íntegra:

***

10.
Um dos muitos convidados que participaram das nossas comemorações de 
10 anos, foi o ator e diretor de teatro Cleiton Echeveste que destacou para a nossa seção Claquete, o filme nacional "Tinta Bruta", de Filipe Matzembacher e Márcio Reolon, de 2018. E, na boa, se ele falou bem do filme, é porque é bom mesmo, porque de atuação e direção o cara conhece.



"(...) Na minha relação com a arte, busco ser o menos analítico possível ao vivenciá-la, esteja eu no lugar de criação ou de fruição. A análise é fria e requer distanciamento, e foi exatamente o contrário disso que “Tinta Bruta” me proporcionou: a vivência da minha humanidade, da minha falibilidade, de dores que são também minhas e que são, por isso, plenamente identificáveis(...)"




Leia o texto na íntegra:


***


11.
Ele já havia sido 
ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, com seu disco  “Sambadi”, de 2013, e convidado a escrever sobre um disco de sua admiração para os 8 anos do Clyblog, o cantor, compositor e arranjador Lucas Arruda, escolheu falar sobre um dos trabalhos que mais o influenciara, "Robson Jorge & Lincoln Olivetti", de 1982. Um AF comentando sobre outro. Essa foi certamente uma participação especialíssima que tivemos.



"(...) Alegria imensa em poder falar um pouco deste álbum! Pessoalmente, é o disco que mais influenciou em termos de arranjo, sonoridade, composição. Minha bíblia! (...)"




Leia o texto na íntegra:


***


12.
Esse cara sempre trazia coisas muito curiosas, interessantes e diversificadas pra o Clyblog. Cinéfilo, fã de cinema anos 70, filmes clássicos, faroeste, colecionador e admirador de cultura pop, além de conhecedor de literatura e folclore sul-americano, Francisco Bino colaborou com o blog durante alguns meses e sempre nos surpreendeu com assuntos instigantes e muita informação. 
Num desses textos, nos conta sobre as inspirações em religiões afro na clássica canção "Sympathy for the Devil", dos Rolling Stones. Dá só uma olhada:


"Em uma sexta-feira qualquer de 1968 depois de beber uma garrafa e meia de Jim Beam, Mick Jagger invadiu bêbado e meio "alto" a uma terreira de Candomblé em Salvador na Bahia (...)"



Leia o texto na íntegra:


***


13.
Colaboração ilustre e internacional no ClyBlog nos nossos 
12 anos. A escritora angolana Marta Santos aceitou nosso convite para falar sobre algum disco importante, segundo sua opinião, e nos surpreendeu com a ótima dica do trabalho de seu conterrâneo Elias Dya Kymuezu, com o disco "Elias", de 1969, cuja qualidade e influência é reconhecida na música brasileira por nomes como Martinho da Vila e Chico Buarque de Holanda. Abaixo, um trecho da resenha da nossa convidada:



"(...) Elias Dya Kimuezu é bangāo, cheio de classe. Faz lembrar os clássicos  americanos. Podemos facilmente perceber a humildade dele e a sua sensibilidade. A sua música, ou melhor, a essência das suas músicas, as suas canções são de lamento de quem lamenta a morte de alguém. Naquela altura, quando ainda eram colonizados, não se lamentava, só isso se lamentava, o sofrimento do povo, e até hoje o cantor não sai da sua canção, do seu ritmo. Porque a sua canção é invocação. Invoca a mãe, a dor invoca toda uma sociedade (...)"



Leia o texto na íntegra:


***


14.
Um Super-Álbuns Fundamentais! Isso foi o que o convidado Lucio Brancato, músico, jornalista, colunista musical e apresentador de TV e rádio, nos proporcionou no nosso aniversário de 
10 anos. Pedimos para que ele nos falasse sobre um disco de sua preferência e ele nos deu cinco de uma vez só: Crosby, Stills, Nash & Young, com  "Déjà Vu", de1970; Yes, com "Close to The Edge", de 1971; Dillard & Clark, com o disco The Fantastic Expedition of Dillard & Clark, de 1968; Faces, com seu "Oh La La", de1973; e Kinks, com o álbum Face to Face, de 1966. Não tinha maneira melhor de fechar essa lista de colaborações do que essa. 


"Mudei o pedido do Daniel Rodrigues para escrever sobre um disco importante na minha vida.
Foram tantos que ficaria muito difícil selecionar apenas um. E mesmo assim, esta lista nunca é definitiva.
Resolvi listar cinco fundamentais na minha formação e talvez os discos que mais escutei na vida."



Leia as resenhas completas:

***


Obrigado a todos os que colaboraram com o ClyBlog até aqui.
Todos os que foram lembrados nessa pequena listagem e a todos que não aparecem nela
 mas igualmente nos honraram com suas experiências, conhecimentos, bagagem e qualidade.
Muito obrigado a todos!  




C.R.
D.R.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Música da Cabeça - Programa #130



Entrar e sair da música pop e travar uma saudável guerra sensorial com o underground. Ideias como esta e muitas outras alimentam a instigante conversa que teremos com o jornalista, professor e escritor Fabricio Silveira no quadro “Uma Palavra”. Além da entrevista, o programa especial 130 do Música da Cabeça vai ter preciosidades sonoras como Tribalistas, Jamiroquai, Wire, Lobão, Joy Division e Prince. Tudo isso e mais um pouco no MDC de hoje à noite, às 21h, na pop e alternativa Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.




sábado, 30 de janeiro de 2016

Júpiter Maçã - “A Sétima Efervescência” (1997)





"Em algum lugar entre Roberto Carlos,
Rita Lee e Syd Barret,
 Júpiter sente seu corpo derreter,
visita planetas e conversa com seres imaginários.
'Loki' é elogio.”
Alexandre Matias,
revista Rolling Stone Brasil




Flávio Basso é visto por muitos, por setores da crítica especializada, principalmente, como um músico de extremo talento, arrojado e inventivo, um multi-instrumentista de mão cheia. Um de seus álbuns, “Plastic Soda” (Trama, 1999), totalmente escrito, produzido, arranjado e executado por ele, chegou a ser premiado, em 2000, como o melhor disco do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), recebendo também o Prêmio Açorianos, concedido pela Secretaria de Estado da Cultura/RS. Em votação feita por cerca de 50 músicos, críticos, jornalistas e produtores musicais, para a revista Aplauso, publicada em 2007, “A Sétima Efervescência”, seu primeiro álbum solo, foi eleito o melhor álbum da história do rock gaúcho. O mesmo disco foi eleito também pela revista Rolling Stone Brasil (n. 13, outubro de 2007, p. 127) como um dos 100 melhores álbuns brasileiros de todos os tempos, figurando na 96º posição. Na ocasião, assim se pronunciou a revista:
“Um raio lisérgico atingiu a cabeça do ex-Cascavelletes Flávio Basso nos anos 1990 e ele reuniu diferentes pontas soltas pelo rock – Jovem Guarda, mod, garagem e psicodelia – em um disco forte, coeso e chapado. Começa com “Um Lugar do Caralho”, um  Cavalo-de-Tróia que não prepara o ouvinte para a chuva Technicolor de referências que flutuam ao redor do compositor como alucinações sorridentes. Em algum lugar entre Roberto CarlosRita Lee e Syd Barret, Júpiter sente seu corpo derreter, visita planetas e conversa com seres imaginários. “Loki” é elogio”.
Aqui, duas abordagens sobre Flávio Basso, o Júpiter Maçã, que trazem à luz sua representatividade e complexidade dentro da cena musical rock gaúcha e brasileira.


Estrangeirismos, fantasias e complexidade de Júpiter Maçã

O texto do jornalista Alex Antunes, publicado no portal Yahoo! Notícias, em 23/12/2015, abordando a morte de Flávio Basso, músico gaúcho conhecido como Júpiter Maçã, se caracteriza, sobretudo, por sua pronunciada pessoalidade. Dizendo-se fã do álbum “Hisscivilization”, lançado em 2002, declarando admiração por certas composições do artista recém-falecido, Antunes também menciona o amigo pessoal Cisco Vasques – produtor audiovisual com quem Júpiter havia trabalhado –, refere-se à própria timeline como plataforma de acesso ao mundo e, de quebra, utiliza Rogério Skylab como recurso para fazer um autoelogio sutil, o trampolim de um pequeno panfleto classista.
O escrito, no entanto, para além do tom auto-centrado, possui outras características interessantes: é cheio de sinuosidades, insinuações e implicâncias. Por trás delas – ou junto delas – encontram-se distintos julgamentos de valor, nunca explicitados ou assumidos com franqueza. A começar pelo próprio título: “O crepúsculo do Zé Louquinho”, infantil, brincalhão e jocoso, numa primeira leitura, depreciativo e desrespeitoso, numa segunda passada de olhos.
Antunes reclama cautela quanto ao uso abusivo da expressão “gênio” para definir Basso, vida e obra. É um alerta, sem dúvida, apropriado. Muito embora se esqueça de considerar aí, nesse flagrante exagero retórico, o impacto da notícia da morte e o próprio carinho que, assim, mal elaborado, se manifesta publicamente, no calor do momento. De todo modo, reconhece, trata-se de um músico “talentoso” e inspiradíssimo. Ou seja: Antunes considerou mais eloquente a imprecisão do que a espontaneidade dos admiradores de Júpiter Maçã. Para ele, o músico falecido seria, em realidade, mais “chapado e folclórico” do que propriamente “genial”.
Aponta então uma razão adicional pela qual “estranhou” as narrativas e os depoimentos que atravessavam, em profusão, naquele momento, sua timeline: o “fator Gainsbourg”, isto é, a capacidade de certos artistas provocarem maior comoção, serem melhor acolhidos, por sua base de fãs, depois que morrem.
São considerações tão problemáticas quanto provocativas. Por um lado, servem ao necessário debate público sobre a figura e o legado musical de Júpiter Maçã. Por outro, contudo, são afirmações frágeis, que escondem vieses e limitações pessoais, limitações de perspectiva.
Obviamente, não se pode estipular com clareza a linha divisória entre a “genialidade” e a “chapação”, o caráter “folclórico” atribuído ao gaúcho Basso. Não é uma distinção fácil de ser feita, afinal de contas. Ao entendê-lo e ao enunciá-lo como “genial”, os fãs poderiam ter em mente, justamente – talvez tivessem em mente, de fato – os momentos em que, para eles, um criador “chapado” ganhou corpo, alçando-se muito acima de qualquer expectativa média ou qualquer previsibilidade que se pudesse ter. O terreno da música pop, mais do que qualquer outro campo de produção artística, é ideal para que proliferem embaralhamentos (bem como epifanias) deste tipo. A rigor, em se tratando de Júpiter Maçã, é extremamente difícil separar com clareza tais personificações (o “gênio”, o “folclórico” e o “chapado”). A não ser que se queira, deliberadamente, mais do que enfrentar a complexidade viçosa que ele carrega, produzir insinuações e desacreditações sutis a respeito dela. É o que faz Antunes. Desse modo, Júpiter resulta, no mínimo, como um tipo suspeito.
E há mais. Trata-se de focar, num tom crítico e severo, o “comportamento abusivo do gênio incompreendido, como um todo”. Aqui, através de outra definição vaga e inespecífica, sugere-se algo sobre a conivência necrófila dos fãs e o apego dos gaúchos aos “mitos datadões do rock” clássico. Em outros termos, está se falando sobre perversidade e culpabilização dos fãs (assim equiparáveis, num extremo radicalíssimo, à criminalização do próprio músico, exigida conforme episódio relatado [ou melhor: insinuado, apenas, sem o devido trato jornalístico]). Está se falando ainda sobre a desatualização dos gaúchos, presos em clichês trágicos e românticos, incapazes de ceder diante do curso natural e incorrigível da história (leia-se: as mãos do mercado). Júpiter Maçã deveria ter se tornado Cidadão Instigado, assevera Antunes.
Ou seja: são avaliações muito parciais, muito auto-centradas, que advogam para si uma centralidade e uma razão centralizadora incapazes, em última instância, de dar conta das mutações descentralizadoras, da criação policêntrica, do exercício de dissolução de núcleos de poder e força estética que marcaram, permanentemente, a trajetória de Flávio Basso. Numa pérola, Alex Antunes chega a dizer que Basso “não estava se embatendo com nada real”, parecendo não reconhecer que este suposto ente imaginário, esta fantasia doente, tirou-lhe, por fim, a vida real de que gozava. É o caso raro de uma irrealidade mortal.
O artigo termina abruptamente. Deixa-nos a sensação de que faltou complementar o argumento, assinar a pintura, assumindo-lhe, a ferro e fogo, a autoria. Esta falta parece o produto de um recuo político e estratégico – jogadas ao ar, como já estão, as insinuações. E Júpiter Maçã, claro, “pode ser considerado vítima de uma doença, a da adição a substâncias”. Ponto. Assim como Alex Antunes pode não saber exatamente o que fala. Ou pode também não querer dizê-lo integralmente, talvez por razões pessoais, razões que desconhecemos, que não podem ser ditas ou ouvidas; talvez por simples (e inconfessável) respeito ao morto, aos estrangeirismos, às fantasias e à complexidade da vida que ele deixou.


Júpiter Maçã em Porto Alegre*

Flávio Basso foi uma das figuras mais controversas da música jovem feita no Rio Grande do Sul nos últimos trinta anos. É também um dos maiores talentos já vistos na cena local, sem sombra de dúvida. De fato, notoriedade e controvérsia não lhe faltaram em momento algum. Gostaríamos de examinar aqui, em função de sua representatividade, o modo como este artista singularíssimo se traduziu e se deixou traduzir no imaginário da cidade.
O bar Garagem Hermérica, por exemplo, situado na rua Barros Cassal, entre 1992 e 2013, foi o ambiente (de contatos, bebedeiras, vínculos afetivos e circulação de informações) no qual "A Sétima Efervescência" (1997), seu primeiro álbum solo, foi concebido. Por hipótese, pode-se dizer (pode-se suspeitar, pelo menos) que o Garagem Hermética – em sua primeira fase (cf. Leo Felipe, 2014) – é justamente o “lugar do caralho”, que ele canta numa de suas canções mais conhecidas, a música de abertura, o primeiro grande hit do álbum.
“Eu preciso encontrar/ Um lugar legal pra mim dançar/ E me escabelar/ Tem que ter um som legal/ Tem que ter gente legal/ E ter cerveja barata/ Um lugar onde as pessoas/ Sejam mesmo afudê/ Um lugar onde as pessoas/ Sejam loucas / E super chapadas/ Um lugar do caralho/ Sozinho pelas ruas de São Paulo/ Eu quero achar alguém pra mim/ Um alguém tipo assim/ Que goste de beber e falar/ LSD queira tomar/ E curta Syd Barrett e os Beatles/ Um lugar e um alguém/ Que tornarão-me mais feliz/ Um lugar onde as pessoas/ Sejam loucas e super chapadas/ Um lugar do caralho/ Lugar do caralho.”
No entanto, para encontrarmos Porto Alegre inscrita na obra de Júpiter Maçã, não devemos procurá-la explicitada, límpida e fácil, prontamente exposta nas letras das composições. Do ponto de vista referencial, acreditando-se então em sua carga denotativa, “Um Lugar do Caralho” narra buscas noturnas e aventuras lisérgicas paulistanas. É a cidade de São Paulo que funciona como um campo de ações, no qual anunciam-se algumas vontades e emerge uma pequena série de referências simbólicas (que são também referências anímicas). Porto-alegrense, no caso, é a coloquialidade, o repertório de gírias e o sotaque empregados.
Convém lembrar que o rótulo “rock gaúcho”, como disseram Humberto Keske e Lidiani Lehnen (2012), antes de indicar uma procedência geográfica, indica um certo acento, um certo dialeto – um dialeto gaúcho, dizem os autores –, alguma insularidade, “moldada entre o conservadorismo e a vanguarda cultural” (Keske e Lehnen, 2012, p. 521). “A Sétima Efervescência” é assim: conservador (pois revivalista) e vanguardista, quase displicente em relação ao horizonte real em que está imerso. Quase nada é dito sobre Porto Alegre, sobre a vida em Porto Alegre. A rigor, não há ali nenhum localismo, nenhum tradicionalismo, nenhuma cultura gaúcha (num sentido folclórico ou etnográfico, ao menos).
A cidade deixa-se avistar apenas de passagem, numa ou noutra menção, numa ou noutra estrofe, um tanto lateral e circunstancialmente. É o caso das canções “Querida Superhist x Mr. Frog” (que diz: “Hey querida, domingo vamos passear lá no Parque da Redenção/ Vamos viajar”) e “Eu e Minha Ex” (“Eu e minha ex/ Na tempestade/ Sob o mesmo guarda-chuva/ Pelas alamedas de Porto Alegre/ Do Mercadão até o Bom Fim). E isto é tudo. Com exceção de “Canção para Dormir”, que fala, muito de relance, sobre uma lenda típica da região sul do Brasil (“Eu acredito em fantasmas/ Em mula sem cabeça/ Negrinho do Pastoreio”), não há mais nada. Absolutamente nada. E não faz a menor falta!
Todavia, esta desaparição da cidade do universo temático do artista se mantém nos quatro discos posteriores? Em linhas gerais, sim. Como predominância, sim. Os olhos de Júpiter não estão vidrados na cidade. Muito embora, algumas ocorrências sinalizem certas nuances e/ou variações importantes. É o caso da canção “Bridges of Redemption Park”, de “Plastic Soda”, uma bossa nova escrita como uma crônica afetiva sobre o Parque da Redenção, cuja letra diz: “Brigdes of Redemption Park/ So little/ So chinese/ So guiding/ So inviting/ There is few Buddhist and Christians/ Some ‘gloomy’/ And people who drop out to see…”.
Mas sua singularidade não reside apenas nisto, no fato de ser um aparte, uma ilha temática – um retrato de Porto Alegre fazendo-se então visível –, num conjunto de obsessões e preocupações outras, muito mais habituais, quase sempre na linha “sexo, drogas e rock and roll”, apresentadas em tônicas mais ou menos ácidas, conforme o estilo musical invocado. Trata-se de uma bossa nova cantada em inglês, versando sobre um conhecido parque situado próximo ao centro da cidade. No entanto, de algum modo, o cenário descrito, em seu significado e em sua aderência local, é contradito e duplamente neutralizado, seja pelo idioma (o inglês, língua universal), seja pelo imaginário construído em torno do gênero (o caráter nacional, não necessariamente regionalista, da bossa nova).
Mas há outros casos equiparáveis. Um deles é “Casa de Mamãe”, do álbum “Uma Tarde na Fruteira”. Num trecho, a letra diz o seguinte:
“Olhando os mísseis na tevê/ Tomando chá/ Tô hospedado na capital/ Com Thalita F. Jones/ Na casa de mamãe/ Outra vez/ Na casa de mamãe/ Além disso eu nem progredi/ No meu blues tropicalista/ No meu blues neo-modernista/ Na minha canção mais estereofônica/ Eu gosto de Porto Alegre/ Eu gosto de Porto Alegre/ Eu gosto de Porto Alegre/ Eu gosto de Porto Alegre.”
É um relato enfático, de tons intimistas e metalinguísticos, mas que pouco diz verdadeiramente sobre a cidade. Recorrer, portanto, ao conteúdo manifestado nas letras não é, decididamente, uma boa estratégia. Não só porque canções como “Casa de Mamãe” e “Bridges of Redemption Park” perfazem um grupo minoritário, junto com mais duas ou três, mas porque a relação de Júpiter Maçã com Porto Alegre é mesmo muito mais complexa, podendo ser decomposta e examinada a partir de várias outras angulações complementares. Em primeiro lugar, pode-se cotejá-la à trajetória, às fases da carreira do artista, que vai amadurecendo e se transformando, artisticamente, que vai sendo reconhecido na medida em que se constitui um mercado midiático (um conjunto de rádios e espaços de mídia impressa, por exemplo) e a própria cultura do rock local.

* O texto é parte de um artigo maior e mais desenvolvido, publicado no México, como um capítulo independente, num volume sobre música e cidade na América Latina. A publicação saiu no primeiro semestre de 2015. Aqui, alguns pequenos ajustes foram feitos. A referência correta é: SILVEIRA, Fabrício. Porto Alegre en el espejo partido de Júpiter Maçã. In: VARGAS, Herom y KARAM, Tanius (eds). De Norte a Sur: música popular y ciudades en América Latina. Apropiaciones, subjetividades y reconfiguraciones. Mérida (Yucatán, México): Secretaría de la Cultura y las Artes de Yucatán, D. R. Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, Editorial Libro Abierto, 2015, p. 347-376. Agradeço a Herom Vargas e Tanius Karam, os organizadores do livro.

Referências
FELIPE, Leo. A Fantástica Fábrica. Porto Alegre – RS: Publicatto Editora, 2014.
KESKE, Humberto Ivan; LEHNEN, Lidiani. Na trilha sonora dos pampas: a batida pesada do rock ‘n’ roll a la gaúcho. Rio de Janeiro – RJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), revista Polêmica, v. 11, n. 3, julho/setembro de 2012, pp. 503-523.

************

FAIXAS:

  1. "Um Lugar do Caralho" – 4:58
  2. "As Tortas e as Cucas" – 4:39
  3. "Querida Superhist x Mr. Frog" – 5:40
  4. "Pictures and Paintings" – 3:09
  5. "Eu e Minha Ex" – 5:52
  6. "Walter Victor" – 3:43
  7. "As Outras Que Me Querem" – 2:43
  8. "Sociedades Humanóides Fantásticas" – 6:42
  9. "O Novo Namorado" – 3:12
  10. "Miss Lexotan 6mg Garota" – 4:57
  11. "The Freaking Alice (Hippie Under Groove)" – 5:09
  12. "Essência Interior" – 7:00
  13. "Canção Para Dormir" – 3:13
  14. "A Sétima Efervescência Intergaláctica" – 2:38

*************
OUÇA O DISCO


quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

David Bowie Eternamente

Bowie, imenso caleidoscópio

É difícil mensurar a real dimensão de um artista como David Bowie. E são vários os motivos desta dificuldade: 1. o fato de que ele se encontra em plena atividade criativa, tendo retornado à vida pública com o ótimo álbum "The Next Day", em 2013, após um silêncio voluntário de dez anos; 2. o fato de que se encontra inserido no coração mesmo da cultura do espetáculo e do entretenimento de massas, dispensando certas reservas e certa imunidade crítica das quais poderia lançar mão caso fosse associado às“belas artes”e ao campo mais tradicional das artes instituídas – Bowie, ao contrário, é um legítimo artista pop e, como tal, é um típico produto de consumo –; 3. o fato de que se constituiu artisticamente em função de sua permanente mutabilidade e reinvenção – Bowie, o andrógino; Bowie, o camaleão; Bowie, esperada surpresa, incógnita e esfinge –; 4. o fato de que atravessou, ao longo dos anos, ao longo de cinco décadas de intensa vida artística, praticamente todos os formatos, as modalidades e os nichos midiáticos de nossa contemporaneidade – além da música, o cinema, o teatro, a moda, a dança, a performance e as artes do vídeo. Nem mesmo as artes plásticas lhe escaparam.
Mas, acima de tudo, é muito difícil dimensionar-lhe o real valor, sua real importância, simplesmente porque o amamos. Amamos Bowie e envelhecemos com ele. Não há, portanto, a menor capacidade de avaliá-lo sem que estejamos contaminados por esta paixão, impregnados pela memória afetiva que tecemos juntos. Assim, é muito difícil distanciar-se. Diante dele, é difícil ser comedido e justo.
Em síntese, foi esta a sensação que tive, recentemente, ao visitar a Mostra David Bowie, realizada no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. Opulência e variedade, encanto e maravilhamento são palavras óbvias demais para descrevê-la. Aliás, são termos recorrentes na própria fortuna crítica do cantor inglês, no curso quase completo de sua biografia. Bowie, de fato, parece fadado a nos inebriar e seduzir. Inventividade, delicadeza e elegância não lhe faltam, de modo nenhum. A Mostra dá sólidas evidências disto.
Particularmente, interessei-me por aspectos relativos a seu processo criativo, pelos recursos técnicos empregados em certos álbuns e/ou canções, tais como o Verbasizer, um aplicativo concebido para o embaralhamento randômico de manchetes de jornal, derivando daí a produção dos versos a serem cantados, e o Stylophone, uma espécie de proto-sintetizador empregado em "Space Oditty", por exemplo. Além disso, há um fascínio estranho em observar de perto os rascunhos das canções, as partituras originais, as letras escritas e reescritas à mão, os rabiscos nas margens comuns de uma folha de papel. E o que dizer dos figurinos exatos, vestidos em tantas performances memoráveis? E quanto às botas de salto, os sapatos efetivamente calçados? É como se o corpo do artista estivesse ali presente, imobilizado e oferecido à vista, à visitação. É como se o corpo da obra estivesse sendo examinado por dentro, vasculhado e dissecado.
Enquanto observava, uma questão insistente me vinha à mente: “a quem está endereçada esta exposição”? Ao público leigo ou ao fã incondicional, conhecedor altamente especializado? Estaria dedicada ao admirador médio (como eu)? De início, suspeitei que estivesse dirigida aos dois primeiros. Depois, me convenci de que está direcionada a todos aqueles que se disponham a montar um quebra-cabeças e a encontrarem-se refletidos no imenso caleidoscópio que é a obra de David Bowie.



Vai em Paz, David Bowie
por Paulo Moreira


Quando eu era um adolescente de 12, 13 anos, surgiu nas páginas da revista POP (a única na época) uma figura andrógina, com cabelo, olho pintado e francamente gay. Como todo mundo, fiquei curioso com aquele cara que se colocava como uma figura andrógina naquele mundo pop altamente macho. Aí, começaram a aparecer os discos no Brasil, as músicas no rádio ("Rebel, Rebel", "Ziggy Stardust" e "Life on Mars", que o Cascalho rolava o clipe no Portovisão). Quando lançou o "Young Americans", comprei o LP e quase furei de tanto ouvir. A partir daí, fiquei acompanhando a carreira dele à distância (confesso que com 17 anos, não consegui entender "Low" e "Lodger", apesar de achar o "Heroes" interessante. "Ashes to Ashes" ganhou todo mundo com aquele clipe maluco.
Só voltei a mergulhar no Bowie em 1983 com o incrível "Let's Dance", onde ele pegava o som do Nile Rodgers e subvertia totalmente. Era como se o Chic tivesse enlouquecido e misturado com altas doses de DB e saiu um disco que era pop e experimental ao mesmo tempo. Ouçam "Ricochet" com sua levada "My Favourite Things" do John Coltrane (influência normal para um cara que era saxofonista). Ou "China Girl" que tem toda a cara de Bowie com o Tony Thompson destruindo a bateria e o Carmine Rojas dando um banho no baixo. Ou talvez "Cat People". Todas elas com o Steve Ray Vaughan comendo a guitarra com farofa. Aliás, descoberta para o mundo do sr.David Jones.
Daí pra frente, foram momentos esporádicos ("Loving the Alien" e a versão de "God Only Knows", que eu adoro), mas ele sempre surpreendendo aqui e ali. Há três anos atrás, comprei o "The Next Day" e confesso que achei mais do mesmo. Mas este "Blackstar" é um clássico. Vai em paz, David Bowie.



Alma de Influência Infinita
por Tatiana Viana
(convidada)

Há poucos dias atrás, no dia do aniversário (8 de janeiro) de David Bowie estava eu a comentar sobre a importância de alguns músicos e de suas obras na história de nossas vidas e com certeza muitas pessoas compreendem o que quero dizer.
Cresci ouvindo, assistindo e colecionando o que podia de David Bowie, sempre contemplei de forma apaixonada sua forma camaleônica de ser. Suas músicas habitaram muitos de meus dias e noites e foram fundamentais para instigar em mim o desejo de conhecer e buscar mais sobre a mutabilidade e a constante evolução do som através deste grande mestre que a cada canção e aparição se reinventava me causando sempre a surpresa de a cada vez gostar mais de suas composições, sem entender como suas músicas nunca me cansavam.
Lembro das vezes que fui assisti-lo no cinema mais de uma vez seguida o mesmo filme, minha primeira fita cassete que foi "Ziggy Stardust", depois vieram as VHS e a cada play parecia ver ou ouvir algo novo que surgia através do seu magnetismo impresso em sua marca pessoal.
Um cara tão complexo e genial que sua transcendência não coube nesse mundo.
Bela alma de influência infinita!




A Morte
por Cly Reis


Poucas vezes lamentei tanto a morte de uma figura pública quanto a que ocorreu no último domingo. David Bowie, um dos artistas mais influentes de todos os tempos, que vinha lutando contra um câncer descoberto não há muito tempo, deixou nosso mundo e foi juntar-se a outras lendas que habitam um lugar especial no céu ou seja lá onde for. Sou um tanto pragmático quanto à morte, entendendo-a como parte inevitável da vida e, normalmente, não me sensibilizo excessivamente com os desencarnes, até mesmo de pessoas próximas ou familiares, passando às vezes até por insensível. Se essa 'insensibilidade' é usual até mesmo em familiares, quem dirá a um estranho, uma pessoa que não  tem nada a ver comigo, que vive a milhares de quilômetros de mim, que nunca me deu nada. Assim, minha comoção com artistas costuma ser ainda menor, ainda mais com os de idade mais avançada, cujo ciclo da vida de certa forma já se completou, e mais ainda com os que é sabido que não colaboraram muito em suas vidas para que sua estada neste planeta não fosse mais longa.
Mas não sou uma pedra de gelo!
Lamento muito por artistas novos, muito jovens, de evidente talento que, depois de amostragens iniciais, um ou dois álbuns gravados, um filme apenas, um livro publicado, etc., indicavam que teriam coisas incríveis a fazer, apresentar, nos surpreender e foram levados precocemente. Imagine o que Kurt Cobain estaria fazendo hoje? Chico Science, Amy Winehouse? Também há aqueles que estabelecem uma relação tão próxima conosco que parecemos sentir como se uma parte nossa tivesse sido arrancada. Lembro quando da morte de Renato Russo que preferi, simplesmente, não pensar no assunto. Se eu '"tivesse consciência" que ele estava morto, minha tristeza naquele momento seria incomensurável. E acho que, no fundo, continuo agindo assim sobre Renato Russo até hoje.
Houve exceções destes já mais velhos e que colaboraram para seu fim: Miles Davis já beirava os 70, tinha quase se matado um zilhão de vezes, mas os projetos que vinha realizando nos anos anteriores à sua morte me faziam imaginar onde poderia chegar ainda aquele cara. Esse era daqueles que não poderia ter ido.
Ontem com David Bowie foi um misto das duas sensações, da emocional, que costumo ter poucas vezes, com a egoísta de não querer prescindir da obra daquela criatura no planeta Terra. O motivo que faz com que sua partida seja tão dificilmente aceita se confunde e funde. Sua obra, seu talento, sua capacidade artística, sua imprevisibilidade que o tornam tão imprescindível para mim no cenário musical e das ideias no mundo de hoje, são os mesmos motivos que me moldaram meu apego a esse gênio. Diferentemente de um Renato Russo, quase um amigo conselheiro, meu carinho por David Bowie edificou-se a partir da admiração o que, por mais que também admire muitos outros artistas, não toma essa forma com facilidade. E na segunda pela manhã, quando topei com a notícia na internet eu percebi isso. Não era só mais um astro pop que havia morrido. Eu realmente estava triste por aquilo.
Mas como triste? Que que ele tinha a ver comigo, tava lá do outro lado do oceano, nunca fez nada por mim... Engano! Esse é o tipo do cara que a gente lamenta ter ido embora exatamente porque tem tudo a ver com você. Pode viver no outro lado do mundo mas está sempre pertinho da gente. E pode ter certeza que, com sua música, já fez mais por mim do que muita gente poderia ter feito.
De qualquer forma, se era hora de ir, então vá, David. Vá em paz. Eu, egoísta queria mais. Queria mais de você. Queria que você virasse o mundo de cabeça pra baixo de novo como já fez tantas vezes e como, acho, só você poderia fazer novamente. Outras atitudes revolucionárias, outros discos fundamentais, outras auto-reinvenções, outros sucessos. Mas vá, eu entendo. Você já deixou o suficiente aqui para que nos deleitemos ainda por muito e muito tempo. É justo. Você estava mesmo precisando descansar. Descanse em paz. Você merece. Já nos deu muito.




autorretrato capa álbum "Outside"


David Robert Jones
(David Bowie)
08/01/1947 - 10/01/2016

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Flávio Basso, 1968 - 2015

À memória de Flávio Basso
por Fabrício Silveira
                                    
Flávio Basso, há duas semanas no Panama Studio Pub
foto: Clarissa Daneluz
Ainda posso me lembrar da cor do dia, uma clara manhã de sol estourado no inverno de Porto Alegre. Não era sequer 8h. Flávio Basso estava sentado, sozinho, à mesa de um bar fuleiro na Lima e Silva. Era um daqueles bares que recebem os notívagos radicais, os insones, os madrugadores profissionais e os perdidos da noite anterior. Ele tomava uma xícara de café. Reparei que estava concentradíssimo naquilo que ouvia em seu walkman. Foi a primeira vez que o avistei, enquanto me dirigia, apressado, para algum compromisso na Universidade Federal. Hoje, 20 depois, onde havia o bar, há uma academia de ginástica.

Produziu-se, nos últimos anos, um culto mórbido em torno de Júpiter Maçã – tal como Basso, recém-falecido, tornou-se popular. Vê-lo apresentar-se bêbado, trôpego, quase inconsciente, virou esporte radical de uma certa juventude burguesa, autocentrada, sem capacidade real de empatia. Produziu-se, para alguns, um atrativo bizarro, o gozo regulado de uma desgraça alheia. O fã disfarçando-se de abutre. Pior do que isto, sempre me pareceu, era a condenação moral, a desaprovação de sua suposta “decadência” com base nos valores do “profissionalismo”, dos “bons tempos” ou do “respeito à própria obra”. O fã disfarçado então de crítico hipócrita. O que matou Flávio Basso foi tentar se equilibrar entre estes dois extremos: abutres e hipócritas.

Sempre tive a impressão de que Júpiter nos colocava permanentemente em xeque, com a exuberância de seu talento, com sua imprevisibilidade, seu nonsense desbocado. Era como se estivesse nos cobrando, de algum modo, amor e reconhecimento incondicionais. Com certeza, já me senti constrangido e abalado diante de algumas de suas vexatórias performances ao vivo (assim como também já me senti recompensado e extasiante, em seus momentos de gênio e plenitude). Mas quero crer que, para um artista como ele, estes abalos, estas pequenas decepções – o próprio alcoolismo – eram coisa mundana, eram detalhes miúdos, coisas que vêm e vão. Ele não cabia, de fato, nisto. Isto não falava sobre ele, verdadeiramente.

De resto, a morte irá libertar Flávio Basso do “rock gaúcho”. Ele será celebrado como um dos mais importantes músicos do Brasil. Será saudado como um dos principais representantes da psicodelia nacional.

********
Duas semanas atrás, Júpiter Maçã apresentou-se no Panamá Studio Pub, na Cidade Baixa, perto de onde eu moro. Não poderia deixar de vê-lo, mais uma vez. Ao final do show, disse-lhe que havia sido publicado, no México, há poucos meses, um livro sobre rock e cidades na América Latina. Disse-lhe que eu havia escrito um capítulo, falando justamente sobre o trabalho dele e sobre sua relação com Porto Alegre. Júpiter resmungou alguma coisa, mostrou-se espantado, agradecido e pediu para ver o livro. Disse-lhe que mandaria um exemplar, assim que pudesse.




Nem Flávio, nem Júpiter, nem Apple, nem Maçã

Por andei nesse mundo eu sempre comentei as pessoas que existia sim um Rock de expressão sul americano. Para mim o gênero teve muitas vertentes importantes; a primeira delas o icônico Rock Argentino, aquele de Charly, Espinetta, Nebbia, Vírus, Soda, Sui Generis, Pappo e por ai vai. Depois deles, o rock brasileiro com seus MutantesSecos e Molhados, a turma de Brasília esculpida a la Renato Russo e sua legião. O Barão de Cazuza e Frejat. Os Titãs de Cabeça de Dinossauro, os Paralamas de Hebert, Bi e Barone. Cara! E tantos outros que não caberia aqui.

Mas no sul do Brasil, a 500 km do Uruguai – que também figura com um rock não tão expressivo quanto o argentino, mas de grande amplitude artística –, ali surgiu o Rock Gaúcho (leva acento). O mais original desse país a meu ver. Talvez não o melhor ou mais politizado, mas foi o mais visceral e "sujo" ao estilo punk inglês. Flávio Basso e cia. foram a vanguarda de um movimento que hoje não existe mais. Não, esse movimento não queria tocar rock de protesto ou agradar tanto quem os ouvia. Estes caras queriam abominar a caretice, dizer menstruada em horário nobre de TV, bater uma punhetinha de verão e depois ir todos para um lugar do caralho chutar o gato preto.

Quanto a Flávio Basso, ele já não era mais Flávio, foi Júpiter, era Apple, maçã e tanta coisa que talvez tenha se perdido em seu way of life outsider. Sem ele o rock do sul fica sem pai, até meio sem vida. Não, ele não virou anjo, nem foi um mito na Terra. Ele apenas é e foi o tal do Rock Gaúcho.



Flávio Basso
1968 - 2015



quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

“O Último Poema”, de Mirela Kruel (2015)




O documentário “O Último Poema” (2015), dirigido por Mirela Kruel, encontra na contenção sua beleza e sua força poética. O filme aborda a longa relação epistolar entre a professora gaúcha Helena Maria Balbinot Vicari e o grande poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade. Ambos se corresponderam por mais de vinte anos, sem nunca terem se conhecido pessoalmente. As cartas trocadas registram esta amizade cordial, este feliz encontro. As próprias histórias de vida vão ali se entrelaçando, em meio aos comentários sobre poesia, votos de felicidade e outras generalidades afetivas.
Hoje, é impressionante pensar na natureza desta relação, destacando-se aí, principalmente, sua extensão e sua gratuidade. Como poucos, o filme joga luz sobre a qualidade e o cultivo dos vínculos, sobre solidão e real intimidade. O que se mostra, na tela, é o avesso completo daquilo que encontramos à exaustão em nossas redes sociais, em nosso cotidiano hipermediado, aceleradíssimo e hiperexposto. Uma pergunta, neste cenário, fica no ar: entre as décadas de 1950 e 1960, eram comuns e frequentes tais práticas (tais práticas de interação entre escritor e leitor, entre público e artista)? Drummond, particularmente, era um missivista destacado? Ou surgiu, de fato, ali, um exercício singularíssimo, uma prática espantosa, na sua regularidade, na sua motivação espontânea?
Helena Maria Balbinot Vicari não era a fã chata ou a groupie inconveniente, forçando intimidade, não era o jornalista cultural, catando pauta e confidências publicáveis, não era o aprendiz de poeta, atrás de dicas e lições informais de poesia, também não era o pseudo-poeta pretensamente concorrente, não era a professora primária deslumbrada ou o crítico acadêmico, o resenhista profissional. Não cabia, exatamente, em nenhum destes papéis. Excedia cada um destes perfis. Talvez tivesse mesmo se tornado, para Drummond, o leitor ideal, motivado unicamente pelo produto e pela vivência da poesia, as emoções que guarda e encobre.
O filme de Mirela Kruel dialoga com outras produções recentes: “Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes” (2013), de Bruno Polidoro e Cacá Nazário, dedicado à vida e à obra de Caio Fernando Abreu; “Só Dez por Cento é Mentira” (2009), “desbiografia” do poeta Manoel de Barros, dirigida por Pedro Cezar; e “Pan-Cinema Permanente” (2008), retrato visceral do poeta baiano Waly Salomão, assinado por Carlos Nader. Todos são ótimos documentários poéticos sobre poesia brasileira, moderna e contemporânea.

Mas observá-los em conjunto, reconhecer as afinidades que têm, as características que compartilham, nos permite formular uma suspeita: se, na década de 1960, a música popular se tornou um canal para a poesia brasileira, uma espécie de câmara de amplificação de nossa sensibilidade poética, dando-lhe maior trânsito e visibilidade, como tem argumentado o professor Luiz Augusto Fischer, citando o exemplo muito emblemático de Chico Buarque de Holanda, talvez hoje, por hipótese, o cinema documentário esteja assumindo este legado, esteja cumprindo não só a função de divulgar o trabalho literário de nossos poetas e de produzir os registros históricos que eles merecem, mas, acima de tudo, a função de dar vazão à inquietação poética, tornar-se poesia, num momento em que a canção popular e a vida cultural, de modo geral, no Brasil, definham.

trailer de "O Último Poema"


segunda-feira, 30 de novembro de 2015

“Crash - Estranhos Prazeres”, de David Cronenberg (1996)



Em 1996, David Cronenberg adaptou para o cinema o livro “Crash”, escrito por James G. Ballard, em 1973. O filme chegou a ser proibido em Londres, despertando uma larga discussão, na época, sobre a erotização da era tecnológica e sobre o automóvel como máquina fantasmática, mortífera e libidinal. No filme, o gozo e o prazer sexual são obtidos através de desastres e acidentes de carro. Os personagens se aventuram no trânsito caótico de uma grande cidade, atrás de sensações e prazeres intensos. Como se estivessem buscando “matar o desejo”. Nestas buscas, chegam a reproduzir acidentes automobilísticos fatais, que vitimizaram astros de Hollywood e outras pessoas famosas.
Um automóvel coloca em jogo, de fato, uma explosiva combinação de liberdade, desejo, voyeurismo, anonimato e direito à privacidade. Nesse processo, os próprios hábitos sexuais acabam mesmo reconfigurados. O escritor John Steinbeck chegou a dizer, certa vez, que “a maioria das crianças da América foi concebida em Fords Modelo T...”. Ou seja: para ele, a vertigem da velocidade corresponderia à vertigem do amor.
Noutro livro, Guillermo Giucci desenvolveu uma história cultural do automóvel, como um romance de curiosidades em torno do veículo. É interessante, por exemplo, a expressão “modernidade cinética”, que foi ali formulada. O termo servia para nos referirmos ao período que vai de 1900 até 1940, aproximadamente, quando começam a amadurecer aquelas que seriam algumas das principais características da vida moderna: a velocidade e a mobilidade. No centro desta revolução científica, tecnológica e social estava o automóvel, obviamente. Outro ponto importante do texto de Giucci: haveria uma sexualidade associada ao carro, aos objetos industriais e às substâncias inorgânicas.


Cena final "Crash - Estranhos Prazeres"

****
Assista ao filme: