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terça-feira, 3 de maio de 2016

The Modern Lovers – “The Modern Lovers” (1976)


A capa original de 1976,
só com o logo da banda e a da
reedição em CD, de 1989.
“The Modern Lovers
é a minha banda de rock favorita
 de todos os tempos”.
David Berson,
executivo da Warner

“Bem, algumas pessoas
tentam pegar as meninas/ 
E são chamados de cuzões/ 
Isso nunca aconteceria
com Pablo Picasso”
Jonathan Richman,
da letra de “Pablo Picasso”



Muito tem se falado sobre disco de estreia dos Ramones, o grande marco inicial daquilo que o mundo pop passou a conhecer como punk-rock e que está completando dignos 40 anos. Mas quem se embrenha um pouco mais na cena underground norte-americana sabe que este movimento e sua sonoridade rebelde e anti-establishment – que remetia à simplicidade do rock ‘n’ roll básico dos anos 50 e a culturas pop apreciadas por uma rapaziada contrária ao modo de vida padrão da sociedade – vinha sendo alimentado desde meados dos anos 60. Detroit, Boston, San Francisco e principalmente Nova York concentravam essa galera criativa e crítica que não admitia que o planeta Terra se configurasse daquele jeito que se anunciava: Guerra do Vietnã matando inocentes por nada, crises econômicas mundo afora, ascensão de ditaduras, repressão militar e os ecos de um inacabado 1968.

Uma das bandas fruto dessa efervescência é a The Modern Lovers. Liderados pelo inventivo Jonathan Richman, o grupo de Boston estava, assim como o Ramones, tão de saco cheio com o sistema político e social que seu discurso era, por pura ironia, totalmente apolítico. Nada de afrontamentos políticos ou denúncia das mazelas sociais. A maneira de protestarem era falar sobre aquilo que a sociedade não falava ou considerava coisa de moleque de classe baixa: comer as menininhas do bairro, a falta de grana, se chapar com a droga mais fuleira que tiver, andar de carro em alta velocidade (sem ter carro para isso) e paixões raramente retribuídas. Temas que não eram novidade no mundo jovem mas estavam esquecidos pelos grandes astros que a mídia havia criado. Com o espírito punk do “faça você mesmo”, o Modern Lovers e os tresloucados da cena punk revitalizaram tais questões com muita ironia, deboche e realismo. Nada de carrões, de levar lindas modelos para a cama e superequipamentos para superespetáculos em superestádios. O negócio era curtir um pouco daquela merda de vida que tinham, sonhar em comer a garota gostosa do bairro num motel barato e tocar em garajões fétidos de Nova York – como um em plena East Village, chamado CBGB. Eram aquilo que viviam e pensavam, e tudo isso está encapsulado no essencial “The Modern Lovers”, o qual, assim como o primeiro dos Ramones, também faz quatro décadas de seu lançamento.

A Modern Lovers mandava ver um som curto e grosso, mas com inventividade. Sem grandes habilidades técnicas, compunham um rock básico, vigoroso e pautado na realidade que vivenciavam nas ruas. Riffs magníficos saíam da cabeça do guitarrista e vocalista Richman e seus parceiros de ensaio e de punheta: Ernie Brooks (baixo), Jerry Harrison (teclados) e David Robinson (bateria). A produção do mestre underground John Cale avalizava aquele primeiro trabalho de estúdio da Modern Lovers, cujo título é tão irônico quanto autocrítico, haja vista que boa parte dos temas que abordavam era, justamente, a fragilidade e inadequação sexual e afetiva daqueles jovens dentro da sociedade moderna. Sem grana no bolso e longe de aparentarem os abastados roqueiros do rock progressivo, astros da época, era difícil ser mais do que um arremedo de “amante moderno”.

A nasalada e tristonha voz de Richman anuncia o que vem numa contagem até 6. É “Roadrunner" abrindo o disco, clássico do rock alternativo que a grande banda do punk britânico, o Sex Pistols, gravaria dois anos depois. Riff marcante e de acorde simples, apenas três notas. “Roadrunner, roadrunner/ Going faster miles an hour/ Gonna drive past the Stop 'n' Shop/ With the radio on”, canta Richaman com seu timbre bonito, algo entre o vocal de Joey Ramone e o de outro contemporâneo deles, Richard Hell. Bateria suja, guitarra e baixo e bem audíveis. A sonoridade proposta por Cale junta a secura das garage bands dos anos 60, a irreverência do New York Dolls e a atmosfera proto-punk do Velvet Underground com uma pitada daquilo que se chamaria anos depois de new wave. Isso muito ajudado pelos teclados moog de Harrison, numa influência direta do glam rock, mistura de punk e pop que este ajudaria a levar para outra banda referencial da cena de Nova York a qual formaria um ano depois: o Talking Heads.

Como Joey e Hell, Richman, guitarrista e líder da banda, era mais que um vocalista: era um dos porta-vozes daquela turma. Seus versos muitas vezes reproduziam as angústias e vontades daqueles jovens deslocados que não queriam ser certinhos nem hippies: queriam ser apenas eles mesmos. Com este substrato, Richman é capaz de criar versos verdadeiramente geniais, formando rimas cantaroláveis e cheias de expressividade. “Astral Plane” é um exemplo. Rockzão embalado, fala de um rapaz sozinho em seu quarto, prestes a enlouquecer, pois sente que nunca mais terá a garota que gosta. Seu desespero é tanto que já está aceitando até encontrá-la num outro plano imaterial e, digamos, “não-carnal” (“O plano astral para o escuro da noite/ O plano astral ou eu vou enlouquecer”).

Outro caso é o da clássica “Pablo Picasso”, em que, com criatividade e atrevimento, engendra uma rima de “asshole” (“cuzão”, em inglês) com "Picasso". Dentro da sua classificação estilística, este tipo de rima pode ser considerado como “rima rica”, quando a combinação é formada por vocábulos de classes gramaticais distintas entre si. Além desta, a rima de Richman também se enquadra no que se pode chamar de “rima preciosa”, ou seja, quando se combina em versos palavras de dois idiomas diferentes. Ele altera a pronúncia da palavra estrangeira para rimar com outra na língua vernácula da obra (inglês). Nos versos em questão, o sobrenome do artista plástico espanhol, o substantivo próprio de origem malaguenha "Picasso", é dito com uma leve distorção no seu último fonema, o que faz com que se equipare fonética e sintaticamente a “asshole”, um adjetivo originário da linguagem chula. Além disso, a letra em si é superespirituosa, pois endeusa a figura do autor da Guernica pelo simples fato de ser um nome público, como se por causa disso jamais ele passasse pelo vexame de não conseguir pegar as meninas como eles. Pura inventividade.

Fora a letra, “Pablo Picasso” é um blues ruidoso no melhor estilo Velvet, roupagem que Cale fez questão de dar ao intensificar a distorção das guitarras sobre uma base quase de improviso, a exemplo de "The Gift" e “European Son”. O produtor, inclusive, foi, um ano antes, o primeiro a gravá-la no clássico álbum “Helen of Troy”, apresentando ao mundo do rock aquele jovem criativo chamado Jonathan Richman. Com menos distorção mas de levada empolgante, “Old World”, “Dignified And Old” e “She Cracked” são daquelas gostosas até de poguear. Todas com um cuidado na linha dos teclados, inteligentemente utilizado com diferentes texturas por Cale, o que cria atmosferas próprias para as canções. “She Cracked”, em especial, que fala sobre o ciúme sentido por um rapaz em relação a uma mulher madura e independente, é outra de refrão pegajoso, das de cantar em coro com uma galera: “She cracked, I'm sad, but I won't/ She cracked, I'm hurt, you're right”. O riff é de um minimalismo quase burro: como uma “Waiting for the Man”, apenas uma nota sustenta toda a base.

Já na meio-balada “Hospital”, de Harrison, a figura feminina inatingível a um adolescente pobre do subúrbio está presente de novo: “Às vezes eu não suporto você/ E isso me faz pensar em mim/ Que eu estou envolvido com você/ Mas eu estou apaixonado por este poder que você mostra através de seus olhos”. Novo petardo: “Someone I Care About”, com sua combinação de 4 notas, lembra direto Ramones, mas com um toque mais apurado por conta da produção de estúdio. Reduzindo o ritmo novamente, a balada ”Girl Friend” volta a falar sobre as meninas desejadas mas… sem sucesso. A letra brinca com a sintaxe da palavra em inglês (olha aí Richman mais uma vez se esmerando na poesia) juntando os dois vocábulos (“girlfriend”, namorada) ou separando-os (“girl friend”, garota amiga, justamente com o que ele não se contenta, mas não tem coragem de confessar). Nesta, o teclado soa como piano, dando-lhe um ar ainda mais melancólico.

Mais uma acelerada, “Modern World”, mesmo não sendo das conhecidas, é um exemplo de rock bem feito: pulsação, melodia de voz eficiente, vocal honesto, guitarras rasgando sem precisar de excesso de distorção. E a letra é hilária: o rapaz, querendo convencer a garota a ir para a cama com ele, larga um papo de que aderiu ao “mundo moderno” e à liberdade sexual. “If you'd share the modern world with me/ With me in love with the U.S.A. now/ With me in love with the modern world now/ Put down the cigarette/ And share the modern world with me” (Se você quiser compartilhar o mundo moderno comigo/ Comigo no amor com os EUA agora/ Comigo no amor com o mundo moderno agora/ Largue o cigarro/ E compartilhe comigo o mundo moderno.”)

O álbum deu luzes à geração punk tanto nos Estados Unidos, como para Talking Heads, Blondie e Television, quanto na Inglaterra, como Sex Pistols, The Clash, Jam, Buzzcocks e The Stranglers, bandas nas quais se vê claramente toques da Modern Lovers. Várias outras, inclusive, da leva pós-punk, como The CureGang of FourPolyrock e P.I.L. beberiam também na fonte de Richman & Cia. Se os Ramones elevaram a ideologia do “faça você mesmo” ao showbizz, revolucionando para sempre a música pop, a The Modern Lovers, na mesma época, já dava a mensagem de que, o importante era fazer por si próprio, sim, mas que havia espaço para refinar um pouco aquela tosqueira toda.

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A versão em CD lançada pelo selo Rhino em 1989 pode ser considerada a definitiva deste álbum tão influente. Primeiro, por trazer o remaster das faixas originais do LP, evidenciando o trabalho inteligente de Cale na mesa de som e o vigor sonoro da banda. Segundo, porque traz faixas extras que, ao que se percebe, só não entraram na edição de 1976 por pura falta de espaço no vinil. Estas, aliás, são fruto da parceria do grupo com outro mestre da subversão, Kim Fowley. Ele produz duas das melhores músicas do disco: “I’m Straight”, rock de veia blues em que, hilariamente, um adolescente, fascinado pelo poder que rapaz tem para com as mulheres, tenta reafirmar sua masculinidade dizendo: “Eu sou hétero” (mais uma vez, uma maravilha de rima rica de Richman: “But I'm straight/ and I want to take his place”). Fowley vale-se do expediente de aumentar o microfone do vocal, fazendo com que se captem os mínimos suspiros. Junto, enche o timbre da caixa da bateria, que estronda alta. Guitarra e baixo, em escala média, soam, entretanto, bem audíveis, formando um som orgânico. Alguma semelhança com o estilo de sonoridade dada por Steve Albini ao Pixies ou Nirvana não é mera coincidência.

A outra assinada por Fowley é a também muito boa: “Government Center”, que desfecha-o CD num rock de ares de twist mas que, pela característica da produção (as palmas acompanhando o ritmo, o moog, a marcação no baixo), remete a The Seeds, The SonicsThe Monks e a outras garage bands norte-americanas.
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FAIXAS:
1. Roadrunner - 4:05
2. Astral Plane - 3:00
3. Old World - 4:03
4. Pablo Picasso - 4:21
5. I'm Straight - 4:18
6. Dignified And Old - 2:29
7. She Cracked - 2:56
8. Hospital (Jerry Harrison) - 5:35
9. Someone I Care About - 3:39
10. Girl Friend - 3:54
11. Modern World - 3:43
12. Government Center - 2:03
todas as composições de autoria de Jonathan Richman, exceto indicada.

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OUÇA O DISCO:




segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Captain Beefheart and His Magic Band - "Trout Mask Replica" (1969)



“Um dos mais criativos e corajosos álbuns de todos os tempos, décadas à frente do resto da música rock.
É, acima de tudo, uma colagem de pinturas abstratas, cada uma diferente da outra em intensidade, cor e contraste, mas todas homogêneas em sua ‘abstração’ ”
Piero Scaruffi


Um músico se trancafia em um casarão antigo, só ele e um piano. Ali, compõe 28 peças. Não, não estamos falando de algum pianista de jazz em abstinência de heroína nem de um concertista clássico precisando de isolamento e concentração para criar sua obra-prima. Estamos falando de um disco de rock, tocado com baixo, guitarra, bateria e, solando, clarinetes e saxofones. Tudo sem um acorde sequer de piano. Sim, estamos nos referindo a Don Van Vliet e seu “Trout Mask Replica”, o primoroso terceiro LP da Captain Beefheart and His Magic Band, de 1969. Talvez o trabalho que melhor tenha fundido rock, jazz, blues, folk e erudito, sustenta o status de uma verdadeira “obra de arte”, considerado pelo crítico musical italiano Piero Scaruffi como o melhor álbum de rock de todos os tempos e um dos 10 registros mais importantes da música contemporânea ao lado obras de Shostakovitch, Charles Mingus, Velvet Underground e Ligeti.

Com produção do maestro-maluco Frank Zappa, do qual Van Vliet (vulgo Captain Beefheart) é discípulo, “Trout Mask Replica” é de difícil assimilação, quase indecifrável: atonal, dissonante, polirrítmico, abstrato, desconexo. Lembra ora a música aleatória de John Cage, ora o “passaredo” farfalhante de Messiaen, ora os borrões de um quadro de Jackson Pollock, ora um filme experimental de Derek Jarman. Altamente influenciado pela vanguarda erudita, pelo free-jazz de Ornette Coleman e pelo blues do Mississipi, Van Vliet criou um disco que aponta para infinitas direções que não só musicais, mas também plásticas, cênicas e literárias, haja vista a loucura e a irracionalidade poética que suscita. Ele desmembra o estilo blues, base do rock ‘n roll, desestruturando ritmo, harmonia, tom e melodia, remontando depois as peças, ”algo entre o caos orquestral de Charles Ives e audácia de John Cage”, definiu Scaruffi.

Oblíquas e sem uma linha melódica estável, as músicas de “Trout...” são rocks sem riff. Tudo numa roupagem seca dada pela produção. É assim que começa o álbum, com “Frownlands”: toda descompassada, parecendo estar se desmontando. A voz rouca e rasgada de Van Vliet cospe versos enquanto os sons se debatem, tentando se encontrar em uma harmonia, o que nunca acontece – ou melhor, acontece de forma diferente do que se está acostumado a ouvir no rock. O arranjo, elaborado por Beefheart a quatro mãos com o baterista da banda (!), John French, é tão primoroso que a sonoridade do instrumento que originou as melodias se adéqua perfeitamente à nova instrumentação, dando a impressão de que tudo foi improvisado – e a ponto de tornar o piano dispensável no resultado final. Mas tudo, do início ao fim, está dentro de uma geometria composicional criada pela louca e excêntrica cabeça de Van Vliet, movida à base de muito LSD. O repretório foi composto por ele em apenas oito horas, porém, os ensaios levaram exaustivos meses de isolamento de todos os músicos até a gravação que, de tanta repetição, foi captada praticamente todo de uma vez só.

 Mutáveis e caóticas, as músicas vão se recriando dentro de si próprias através de novas células sonoras. "Moonlight on Vermont", “The Blimp” e “Dachau Blues”, das minhas preferidas, são exemplos claros dessa metalinguagem. A poética dadaísta das letras é outro ponto peculiar, pois não são mais do que meros esboços non-sense, neologismos imbecis (“fast ‘n bulbs”, “semen ‘n syrup ‘n serum”, "hobo chang ba") que servem apenas para apontar para o ouvinte o caminho – errado. Vê-se já no título sem sentido da tribal “Ella Guru”, outra genial, que traz vozes em falsete, síncopes incoerentes, hinos guturais e um riff de baixo hesitante.

 “Hair Pie”, “bakes” 1 e 2, são suítes instrumentais fabulosas, a ver a primeira, um jazz com uma longa introdução de dois sax alto que se retorcem e se entrecruzam um sobre o outro através de dissonâncias, muito ao estilo de Albert Ayler e Anthony Braxton. O blues, elemento base do disco, é tão desestruturado que chega ao ponto de... inexistir! É o caso de “The Dust Blows Forward 'n the Dust Blows Back" e "Orange Claw Hammer", à capela e montadas em estúdio por picotes colados em sequência, em que apenas se supõe o ritmo. Apreciáveis também: a excelente “China Pig”, um blues bruto; “Dali’s Car”, espécie de suíte para duas guitarras; e "When Big Joan Sets Up", constantemente variante dentro de si mesma, como uma pequena sinfonia em 4 atos rápidos.

O disco termina com "Veteran's Day Poppy", que dá a impressão de desfechar, enfim, do modo consonante e agradável da tradição clássica até que, depois de um breve fade out/fade in, a música retorna consonante, mas... peraí! Está numa notação totalmente enviesada, dando a impressão de que está sendo executada ao contrário! Um final magistral para um disco que, bastante influenciador do rock alternativo (Tom Waits, Meat Loaf, Residents, Jah Wobble) e do pós-punk (P.I.L.Gang of Four , Polyrock e Sonic Youth que não me deixam mentir), continua, quase 45 anos de seu lançamento, uma audição desafiadora e instigante. Propositadamente desconfortável, desacomoda positivamente nossos ouvidos já tão saturados da métrica em três tempos da música pop, criticando, em decorrência, toda a sociedade moderna e seus padrões massificadores há muito esgotados.

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 FAIXAS:
1. "Frownland" - 1:41
2. "The Dust Blows Forward 'n the Dust Blows Back" - 1:53
3. "Dachau Blues" - 2:21
4. "Ella Guru" - 2:26
5. "Hair Pie: Bake 1" - 4:58
6. "Moonlight on Vermont" - 3:59
7. "Pachuco Cadaver" - 4:40
8. "Bills Corpse" - 1:48
9. "Sweet Sweet Bulbs" - 2:21
10. "Neon Meate Dream of a Octafish" - 2:25
11. "China Pig" - 4:02
12. "My Human Gets Me Blues" - 2:46
13. "Dali's Car" - 1:26
14. "Hair Pie: Bake 2" - 2:23
15. "Pena" - 2:33
16. "Well" - 2:07
17. "When Big Joan Sets Up" - 5:18
18. "Fallin' Ditch" - 2:08
19. "Sugar 'n Spikes" - 2:30
20. "Ant Man Bee" - 3:57
21. "Orange Claw Hammer" - 3:34
22. "Wild Life" - 3:09
23. "She's Too Much for My Mirror" - 1:40
24. "Hobo Chang Ba" - 2:02
25. "The Blimp (mousetrapreplica)" - 2:04
26. "Steal Softly thru Snow" - 2:18
27. "Old Fart at Play" - 1:51
28. "Veteran's Day Poppy" - 4:31

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Ouça:
Captain Beefheart and His Magic Band Trout Mask Replica



terça-feira, 6 de setembro de 2011

Philip Glass & Robert Wilson - "Einstein on the Beach" (1976)




“’Einstein [on the Beach]’ parece um estudo de sobrecarga sensorial, o que significa ser tudo e nada ao mesmo tempo.”
Tim Page 


Com a vinda do maestro e compositor norte-americano Philip Glass ao Brasil neste mês de setembro, não podia deixar de aproveitar para falar um pouco sobre a inconfundível obra deste revolucionário artista de nosso tempo. Dono de uma música hermética e profundamente instigante que questiona as fronteiras entre arte culta e popular, o ativo Glass vem empilhando ótimos trabalhos desde os anos 70, seja em trilhas para cinema, teatro, ópera, sinfonia, câmara e até música pop. Mas o seu ápice de explosão criativa é a inclassificável e genial “Einstein on the Beach”, de 1976.
Só pelo fato de ter contribuído com a invenção do estilo minimalista para a música Philip Glass já teria seu espaço no Olimpo dos grandes autores da história evolutiva da arte musical. Porém, ele fez mais. Filho da contracultura e admirador de rock, jazz, MPB, entre outros estilos “não-eruditos”, mas permanentemente conectado ao classicismo, Glass criou uma forma única de compor onde, a partir de células sonoras mínimas, gera variações graduais muito bem escritas que vão aos poucos formando uma massa complexa e densa, muitas vezes totalmente diferente daquilo de como começou.
“Einstein on the Beach” é um marco da música do final do século XX. Usando os instrumentos e as vozes de forma cirúrgica, tanto cordas e madeiras tradicionais como sintetizadores próprios da vanguarda, Glass compôs uma obra que não é propriamente uma ópera, nem sinfonia, nem um disco pop. Em quatro atos para orquestra, coro e solistas, “Einstein” é, sim, uma peça extremamente rica que mudou totalmente em forma e linguagem a música para grandes conjuntos. Composto originalmente
para teatro, onde contou com a direção do parceiro Robert Wilson, (que é creditado na capa do disco, embora não tenha contribuição musical efetiva) seu exemplo radical abriu caminho para muito do que se tornou comum hoje em diversas áreas, como teatro, cinema, publicidade, televisão, entre outros.
Glass, à esq. com o parceiro,
Robert Wilson
Como dá para supor, a obra flerta com o nonsense. A frase do título foi extraída de ‘Einstein on the beach on Wall Street’, uma das diversas sentenças sem significado lógico ditas pelo seu “co-autor”, Christopher Knowles, um autista que “canta” em algumas das 20 peças que a perfazem. Glass, confesso admirador do punk rock (aliás, ele foi integrante e produtor de uma excelente banda pós-punk, a Polyrock), usou a voz solo de Knowles salpicando palavras soltas na faixa “’Mr. Bojangles’”, lembrando muito o vocal esganiçado de Johnny Rotten dos Sex Pistols . Contemporâneo ao movimento punk, “Einstein” traz essa verve radical não só neste aspecto como nas próprias estruturas melódicas, que exploram bastante as repetições e a simplicidade composicional, igual aos riffs de guitarra do punk. Em sentido inverso, a influência do estilo de Glass também pode ser percebida fortemente em alguns artistas do rock, como Cocteau Twins, Laurie Anderson e Diamanda Galas.

Apesar do pé no pop, o legal é que a música de Glass nunca se desvincula da tradição erudita. Estão lá, preservados, Bach, Palestrina, Beethoven, Rossini. As melodias de voz (por vezes, o centro do tema, como em “Knee 3” e “Night Train”), ora se valem de modernos mezzo-sopranos e mezzo-barítonos, ora remetem diretamente ao uníssono homofônico do canto gregoriano medievo, como na base coral que sustenta a falação fora de compasso (e de senso) de Knowles em “’Mr. Bojangles’” ou na linda “Knee 4”, cuja letra resume-se a um metalinguístico “dó re mi fa sol”. Há ainda as hipnóticas “Dance 1” e “Building”, em que os teclados eletrônicos conflitam com as vozes e os outros instrumentos;  as delicadas “Entrance” e “Knee 5”; ou a impressionista “Train 1”, que coloca o ouvinte a bordo de um trem de notas metafísicas.
Extenso, “Einstein on the Beach” tem aproximadamente 3 horas e 10 minutos de duração sem interrupção entre as partes, interligadas pelos cinco “knees” (“joelhos” que, literalmente, ligam uma articulação à outra). A obra é, de fato, feita para ser sorvida do início ao fim, pois guarda a unidade temática própria da ópera, como na proposital repetição de motivos em mais de uma faixa. O coro contando números de “Knee 1” e “Knee 2”, que aparece novamente em “’Prematurely Air-Conditioned Supermarket’” e, lá no final, em “Knee 5”, mostram isso claramente.
No teatro, a estrutura musical de “Einstein” está completamente entrelaçada com a ação dos atores e a iluminação. No entanto, como toda boa “ópera”, ela não precisa necessariamente do palco para existir. A forte cena clímax, em “Spaceship”, é um ótimo exemplo: somente em sons, “descreve” o holocausto nuclear: linhas vocais pulsantes, explosão de instrumentos amplificados e notas repetitivas de um coro histérico cantando rápida e freneticamente, num reflexo das tensões fin-de-siècle.
Assim, a peça de Glass sugere uma outra ideia mais abrangente: se em formato “Einstein” subverte a tradição clássica por não contar uma história trágica, elemento básico da ópera, em contrapartida, levanta um sério questionamento: há tragédia maior do que os tempos atuais? Para traduzi-los, só mesmo com uma narrativa sem trama e ruídos musicados que transmitam loucura e ilógica através de sensações extremas. Tudo e nada. Afinal, quer imagem mais surreal do que Albert Einstein tomando sol numa praia em Wall Street após o fim do mundo?
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FAIXAS:
    1. KNEE 1 (8:04)
    2. TRAIN 1 (21:25)
TRIAL 1:
    1. Entrance (5:42)
    2. "Mr. Bojangles" (16:29)
    3. "All Men Are Equal" (4:30)
    4. KNEE 2 (6:07)
    5. DANCE 1 (15:53)
    6. NIGHT TRAIN (20:09)
    7. KNEE 3 (6:30)
TRIAL 2/ PRISON:
    1. "Prematurely Air-Conditioned Supermarket" (12:17)
    2. Ensemble (6:38)
    3. "I Feel The Earth Move" (4:09)
    4. DANCE 2 (19:58)
    5. KNEE 4 (7:05)
    6. BUILDING (10:21)
BED:
    1. Cadenza (1:53)
    2. Prelude (4:23)
    3. Aria (8:12)
    4. SPACESHIP (12:51)
    5. KNEE 5 (8:04)

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Ouça:

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Talking Heads - "Fear of Music (1979)


“Precisa perder o medo da música.”
Arnaldo Antunes



O Talking Heads sempre foi das minhas bandas preferidas. Todas as fases pelas quais o grupo passou são dignas de registro na história da música pop, desde seu primórdio punk até a derradeira fase world music. Aliás, para mim, um preceito para um grupo ser considerado importante (fora algumas exceções) é o de produzir, pelo menos, dois ou três grandes discos. Os Heads têm uns cinco: “Little Creatures” (1985), “Remain in Light” (1980) e “True Stories” (1986) são alguns. Mas antes destes, no finalzinho dos anos 70, David Byrne (guitarras, vocal), Chris Frantz (bateria), Tina Weymouth (baixo) e Jerry Harrison (teclados e guitarra) já tinham concebido sua obra-prima: “Fear of Music”.
Segundo trabalho da trilogia assinada pela banda ao lado do genial produtor inglês Brian Eno, “Fear of Music” veio com o desafio de superar o excelente “More Songs About Buildinds and Food”, de 1978, primeiro da parceria. E conseguiu. Ápice da criatividade de Byrne e Cia., o disco é resultado da releitura apurada e madura do punk rock, cena da qual a turma provinha, e das tendências da época, como a new wave, o reggae, a disco e as influências folclóricas. E tudo basicamente baixo-guitarra-bateria, com incursões de teclados e percussões muito mais para gerar climas ou completar a concepção do arranjo. Ouvindo-se “Fear” hoje é até desanimador ver bandas consideradas “do momento” soarem tão parecidas e, pior, não conseguirem acrescentar nada além do que os Heads ou grupos como Gang of Four e Polyrock já fizeram.
Mas voltando ao disco, a ótima capa, seca, parecendo uma caixa de metal preta com relevos, intui que ali dentro se encontrará um conteúdo corrosivo e desafiador. Como que provocando o ouvinte: ‘quem tem medo de abrir o invólucro’? A banda brasileira Titãs, na época de sua melhor fase, meados dos anos 80, foi uma das que enfrentaram esse temor e se inspiraram neste trabalho dos Talking Heads. Uma de suas músicas, "Medo" , do álbum “Ô Blésq Blom”, de 1989, traz no seu cerne a ideia da quebra dos preconceitos e do enfrentamento das limitações típica do punk, seja na sociedade, na arte ou na política. No cenário internacional, vários outros, como Prince, Deee Lite e Beck, também beberam na fonte do Talking Heads.
Contribui muito para o resultado final o dedo inventivo e autoral de Eno. Assim como fizera com o U2 em “Zooropa” (1996) ou com David Bowie na trilogia ““Low-Heroes-Lodger” (1977-78-79), Eno funciona mais do que como um produtor: além cantar, tocar e co-assinar composições, ele dá cores diferenciadas às músicas na mesa de mixagem, tratando-as especialmente como um microcosmo. Por isso, arrisco-me a também lhe creditar este disco. As técnicas de estúdio que Eno foi acumulando desde seu moderníssimo grupo Roxy Music, no inicio dos anos 70, passando pelos vários discos solo e produções a trabalhos de parceiros parecem ter sido todas colocadas em prática em “Fear”. Isso aparece em truques de mesa de som, afinação diferente de instrumentos ou maneiras criativas de apresentar uma faixa. Um exemplo é “Cities”, que demora a subir o som para começar e é cheia de barulhos esquisitos soltos no seu decorrer, além do vocal quase de garagem, inclusive com propositais falhas na captação do microfone, criando uma atmosfera própria. Em outra, “Mind”, a voz oscilante e esganiçada de Byrne, de repente, se mistura a outros sons. Pequenos detalhes muito bem empregados que constroem um verdadeiro manual de como produzir bem um disco de rock. Tudo muito surpreendente e orgânico.
Neste disco, os Talking Heads assumem de vez a sua postura particular dentro da cena punk. Eles sempre tiveram, de fato, cara de mais comportados do que seus contemporâneos brigões Sex Pistols ou Dead Boys, e suas músicas geralmente fugiam do padrão “1-2-3-4” tosco de um Ramones ou New York Dolls. “Mind”, “Animals” e “Cities” mostram bem isso: ritmação “torta”, melodias em contraponto, frases de guitarras que funcionam como percussão. Uma série de esquisitices que, da maneira como fazem, dá muito certo. Aliás, esta é a forma como eles se mostram criativos: era um grupo limitado tecnicamente, mas cheio de ideias na cabeça e disposto a evoluir musicalmente.
“Fear” começa com a conceitual “I Zimbra”, um pop “africanístico” com “guitarras percussivas” cantado em coro num dialeto exótico. Diferente de tudo que tinham feito até então, “I Zimbra” lança luzes ao que viria no álbum seguinte do conjunto, “Remain in Light”, caracterizado por este tipo de sonoridade world music. “Air” é outra prova da maturidade musical da banda e do acerto do casamento com Brian Eno. A linha de baixo marcada no mesmo compasso da bateria, acompanhada pelo coro feminino e da base minimalista de guitarra, são valorizadas ao máximo pelo produtor. De uma canção simples, Eno adiciona ideias que dimensionam exatamente o que há de melhor na melodia: a construção quebrada, o baixo grave e o vocal solto e brincalhão. A voz de Byrne, aqui, como em algumas outras do disco, ganha um dos “ensinamentos” de Eno assimilados em sua temporada com David Bowie. Nos momentos em que Byrne solta o gogó e o som se expande além da conta no microfone, um outro microfone dentro do estúdio é acionado, captando este “excedente” e dando uma sensação emocionante de explosão da voz.
Uma das melhores de “Fear” é “Memories Can’t Wait”. Não passa de mais um punk rock rude, como os que os Heads faziam nos seus primórdios de CBGB. Mas o ouvido apurado da galera criou, com elementos simples e criativos, uma obra-prima. Ao contrário de outras onde o baixo ou a bateria prevalecem, aqui, o volume desses instrumentos vai lá embaixo para dar lugar às guitarras. Mas não são simples guitarras: efeitos de pedal e de estúdio dão um clima psicodélico e ruidoso à musica, o que é completado pela voz cheia de ecos e alterações de frequência e volume. Matadora!
Outra maravilha é “Electric Guitar”. Nela, todos os sons parecem brigar entre si. Se noutras faixas o baixo e a bateria são amenizados, aqui eles estouram a caixa. Alto, o som distorcido do baixo de Tina dá a impressão de ser um cello. Na bateria, a caixa e os chipôs se estapeiam para ver quem ocupa mais espaço. E o vocal, ora propositalmente estourado, ora visivelmente mal modulado, é um show à parte. Não sei se deu para perceber na descrição, mas o que menos aparece em “Electric Guitar” é, justamente, a guitarra elétrica, que, já devidamente homenageada, restringe-se a uma leve base e a, no máximo, uma frase que dialoga com a voz no refrão. Tudo sob um ruído agudo (uma vibração de pedal da referida guitarra) que vai e volta, sobe e desce, e que se repete no decorrer de toda a música até, no fim, depois de todos os instrumentos se calarem, voltar para desfechar em alto estilo.
Todo grande disco começa ou termina com uma grande música e, no caso de “Fear...”, é no final que está a “cereja do bolo”. “Drugs” é um primor, com muitos méritos, novamente, a Eno. Para quem conhece um pouco de composição musical, dá para perceber que ela foi escrita no violão em cima de alguns acordes básicos. Mas o que foi parar no disco é outra coisa, muito mais rico e complexo, só usando criatividade e técnica. A começar, a melodia é “distribuída” a vários instrumentos, sem ser tocada continuamente por apenas um deles. O baixo pontuado, as batidas soltas de bateria, as várias texturas de teclado, as vozes, as incursões de percussão, os monossílabos de guitarra: todos ajudam a compassar esta espécie de “quebra-cabeças minimalista”. Os Titãs, anos antes de “Ô Blésq Blom” – e por influência dos “antenados” Arnaldo Antunes, ainda integrante da banda, e do produtor do grupo, o ex-Mutantes Liminha –, já tinham se valido dos Heads para conceber outra música: “O Quê?”, do LP "Cabeça Dinossauro" (1986). Igualmente a “Drugs”, “O Quê?” teve como ponto de partida uma base de violão que, na hora do arranjo, foi ganhando outros elementos até se tornar um dançante “funk concretista”. E como em “Fear of Music”, este famoso hit da banda brasileira também desfecha o seu disco com “chave de ouro”. Coisa de álbum clássico.
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Além da trilogia “More Songs-Fear-Remain”, a parceria Byrne-Eno rendeu ainda um quarto trabalho: o instrumental “My Life In The Bush Of Ghost”, de 1981, assinado só pela dupla, que radicaliza a sonoridade étnico-folclórica e os experimentos de estúdio, como samples e colagens. Os dois voltariam a gravar juntos em 2008 o mais pop, porém também muito bom, “Everything That Happens Will Happen Today”.


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FAIXAS:
1.I Zimbra
2.Mind
3.Paper
4.Cities
5.Life During Wartime
6.Memories Can’t Wait
7.Air
8.Heaven
9.Animals
10.Electric Guitar
11.Drugs

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Ouça