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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Love - "Forever Changes" (1967)


"- Mas você disse que me amaria para sempre!
- exclamou a garota.
E o namorado respondeu:
- Bem, para sempre muda."
diálogo de um casal de amigos do vocalista Arthur Lee
que teria originado o nome do álbum


Meu irmão, que é bem mais pesquisador que eu, foi quem me apresentou o Love. Naquela época ele costamava ir atrás das recomendações da seção chamada Discoteca Básica da revista Bizz. Lá destacavam um álbum chamado “Forever Changes", com uma capa bem psicodélica na qual um conjunto de rostos dava forma a algo tipo um coração humano hipercolorido. Como éramos meio duros de grana, meu irmão costumava pagar para gravar numa loja de discos, e assim, numa fita gravada, o “Forever Changes” apareceu pra mim.
Gamei logo de cara! “Que que era aquilo?”. Era ao mesmo tempo, forte, romântico, apaixonado, louco, psicodélico, sofisticado, rock, orquestral. Trazia uma semente de hard rock ao mesmo tempo que dava peso às músicas apenas com violões, tinha solos de metais e bases de cordas e orquestra.
“Alone Again Or”, a primeira, abre o disco de maneira magnífica com um vocal dobrado e um solo de trumpete bem ao estilo tourada madrilenha; a segue outra maravilhosa, "A House is Not a Motel", mais rock, mais cheia de guitarras mesmo, inclusive com um solo bem bacana  antecedido por uma virada de bateria daquelas de guardar na memória; “Andmoreagain”, docemente melódica traz nos seu delicado arranjo uma atmosfera colorida de bucolismo; a sétima faixa, de nome quilométrico é embalada, é poderosa, cheia de força, com seu arranjo complexo misturando o poder das guitarras com naipes de metal espetaculares; "Live and Let Live" inicia bem folk, bem country mas logo passa a alternar para um rock potente e encorpado embasado por violões fortes; e "You Set the Scene" que fecha a obra é outra das minhas favoritas, dosando genialmente entre a pegada e o requinte.
Obra de arte do rock de uma das bandas mais cultuadas e respeitadas no meio musical. Referendados na sua época mesmo por nomes como Neil Young, Jim Morrisson  e Jimmi Hendrix , sendo este último inclusive amigo particular de Arthur Lee, o 'difícil' vocalista e cérebro desta banda espetacular que teve muitos altos e baixos na carreira, muito em virtude d e seu temperamento complicado. Mas infelizmente todo gênio é meio assim, não?
Consta que "Forever Changes" seria uma resposta de Arthur Lee a "Sargent Pepper's..." dos Beatles.
Sabemos quem é mais conhecido mais significativo mais importante e tudo mais, mas não há como se negar que foi uma boa resposta. Ah, isso foi!
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FAIXAS:
1. Alone Again Or
2. A House Is Not A Motel
3. Andmoreagain
4. The Daily Planet
5. Old Man L
6. The Red Telephone
7. Maybe The People Would Be The Times Or Between Clark And Hilldale
8. Live And Let Live
9. The Good Humor Man He Sees Everything Like This
10. Bummer In The Summer
11. You Set The Scene

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Ouça:
Love Forever Changes



Cly Reis

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Gilberto Gil - "Gilberto Gil" (1969)




“Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço
Que a Bahia já me deu régua e compasso
Quem sabe de mim sou eu
Aquele abraço
Pra você que me esqueceu:
aquele abraço.”


Foi tudo meio no susto. Por conta do nefasto AI-5, os militares endureciam no limite máximo a repressão a comunistas, subversivos e a todo mundo que lhes incomodava. E isso incluía – ora por serem comunistas, ora subversivos, ora incomodativos (ora os três) – muitos artistas. Mesmo sem alcance mental muitas vezes para entender o que reprimiam, os milicos achavam melhor, por via das dúvidas, manter quem fosse calado. Foi o que aconteceu com Gilberto Gil  que, em 1969, junto com seu companheiro de Tropicália, Caetano Veloso  foi “convidado” a se retirar do Brasil. O destino foi Londres, onde, ativo e com senso de oportunidade, Gil se tornou mais cosmopolita do que já era. Mas não foi Londres que lhe fez assim. O gênio tropicalista saíra de terras brasileiras com um já vasto repertório que o colocava, já naquela época, entre os grandes criadores da música mundial. E o pouco falado disco produzido por ele a toque de caixa antes de se mandar embora é, visto hoje, ano em que o artista completa 70 anos, um de seus melhores e mais marcantes trabalhos, moderno do início ao fim.
 A começar pelo repertório, tudo foi, de fato, meio no susto. Sem muito tempo para dar critério à escolha das faixas, Gil apanhou o violão e gravou tudo num talagaço só. Registrou 12 delas às vésperas de viajar, desde composições suas a inspiradas regravações, como “17 Léguas e Meia”, de Humberto Teixeira, e “2001”, de Tom Zé e Rita Lee. Nove delas foram escolhidas,  resultando numa playlist magnífica com o que havia de mais pulsante na MPB da época. O violão de Gil, musical e absurdamente rítmico, é simplesmente fumegante: consegue evocar numa coisa só a África, a tradição indígena, a cidade moderna, o rock estrangeiro, a influência barroca, o Brasil rural. “Cérebro Eletrônico”, rock filosófico que abre o disco em alto ritmo (“Cérebro eletrônico nenhum me dá socorro em meu caminho inevitável para a morte”), e “Volks-Volkswagen Blue”, blues eletrificado no melhor estilo Bob Dylan, são exemplos claros de sua batida poderosa e vigor de interpretação.
Mas nem tudo foi tão assim de sobressalto. O produtor Manuel Berembein pegou as masters gravadas por Gil e largou na mão do ensandecido Lanny Gordin, nas guitarras, Wilson das Neves, bateria, Sérgio Barroso, baixo, e do maestro Chiquinho de Moraes nos teclados, o qual também fez as orquestrações. Aí, o “estrago” se completou. Criativos e psicodélicos à altura do autor, eles deram o corpo que faltava para que o álbum não fosse apenas acústico, mas, sim, um marco da fusão do rock com a MPB. Tropicalismo puro. O resultado é uma simbiose perfeita, como se todos tivessem tocando juntos e ainda escolhido o melhor take para cada faixa.
 Muito influenciado por Jimmi Hendrix à época, Gil passou pelas notas de seu violão e seu modo de cantar essa atmosfera rocker para o restante da banda, que eleva volume e distorção a todo o momento. “A Voz do Vivo”, de Caetano, mostra bem isso. Sob um riff super distorcido de Lenny, ruídos espaciais e uma batida funkeada, lembra (ou melhor, antecipa!) a psicodelia do rock inglês dos anos 90. O ritmo e a até o jeito de cantar meio insolente, abafado sob a massa sonora, lembra Primal Scream do "Screamadelica" (1991). Outra que antevê algo que seria aclamado três décadas depois é “Vitrines”, tecnicamente mais deficitária mas parecidíssima em ideia, letra e construção melódica com as “músicas de plástico” de Beck em “Odelay” (1994).
“Futurível” é outra ótima e também bastante vanguarda, com uma letra inteligente inspirada nos autores de ficção científica da época (Orwell, Bradbury) que critica o processo de massificação cultural que robotiza o ser humano (“O mutante é mais feliz/ Porque na nova mutação/ A felicidade é feita de metal”). Finaliza o disco o bate-papo hiperfilosófico entre Gil e o artista plástico Rogério Duarte (autor da capa, por sinal) sobre existência, cultura e infinitude, um mosaico sonoro com cara de “Revolution 9” dos Beatles
Mas a grande joia é justamente o hit do disco, o partido-alto dedicado, não à toa, às três gerações-chave do samba (Dorival CaymmiJoão Gilberto e Caetano Veloso: “Aquele Abraço”. O “até breve” de Gil para os brasileiros era uma mensagem direta e sem medo aos militares, que o expulsavam de sua terra, dedicando uma homenagem ao Rio de Janeiro, símbolo tropical(ista!) de “bossa” e “palhoça”, de “mata” e “mulata”. Alegre e amorosa, mas forte, lúcida e de alto comprometimento pessoal. Gil não manda dizer: diz abertamente e com propriedade. Ao mesmo tempo, manda um abraço para “todo o povo brasileiro”. Um dos maiores sambas e uma das melhores canções da MPB de todos os tempos, é um hino, um manifesto que conseguiu não ser barrado pela censura, tamanha sua força e identificação com o público.
Tudo precisamente instintivo – ou instintivamente preciso, como preferirem. Afinal, mesmo que no susto, não é por acaso que um disco como esse sai como saiu. Não com Gil.

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FAIXAS:
01. Cérebro Eletrônico (Gilberto Gil)
02. Volks-Volkswagem-Blue (Gil)
03. Aquele Abraço (Gil)
04. 17 légua e meia (Humberto Teixeira)
05. A voz do vivo (Caetano Veloso)
06. Vitrines (Gil)
07. 2001 (Rita Lee/Tom Zé)
08. Futurível (Gil)
09. Objeto semi-identificado (Gil/ Rogério Duprat/ Rogério Duarte)

Bonus Tracks da versão em CD:
10. Omão Laô (Gil)
11. Aquele Abraço - versão integral (Gil)
12. Com medo, com Pedro (Gil)
13. Cultura e Civilização (Gil)
14. Queremos Guerra - com Jorge Ben e Caetano Veloso (Ben)

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Ouça:


domingo, 31 de julho de 2011

Coluna dEle #21

Ôpa! Tamo aí!
Vocês podem achar que o marinheiro abandonou o barco mas Eu tô no comando.
O troço parece que tá desandando mas tá tudo sob controle.
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Eu acho que o Meu mundo tá um caos mesmo. Até na Noruega, que nunca faz mal a ninguém, agora Me aparece terrorista!
E esse atirador de Oslo, cara?!?!
Eu fico impressionado com o que umas figuras que Eu fiz conseguem fazer. Nem parece que fui Eu que fiz, entendem?
É que vocês tem que entender que às vezes, aqui na linha de montagem, faltam peças mas a gente tem que mandar aí pra baixo mesmo assim. Aí que uns que outros, de vez em quando, vão aí pra Terra com uns parafusos a menos na cachola.
Bom,... pra falar a verdade, quase sempre faltam peças, mas é que alguns vão com muuuuitos parafusos faltando.
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Por falar em falta de parafusos, chegou aqui em cima a tal da Amy.
Porra, cantava muito a garota, hein! Quero dizer, pra mim ainda canta, né.
Vocês aí de baixo reclamam que Eu trago o pessoal bom cedo aqui pro andar de cima. Bom, em primeiro lugar ela já tava Me pedindo pra subir faz tempo; em segundo lugar, se deixar esse pessoal muito tempo aí no mundo de vocês, começam a fazer merda tipo gravar com a Cristina Aguilera, com o Phil Collins, então é melhor trazer de uma vez; e além do mais, Eu também gosto de coisa boa e aos poucos vou fazendo um 'timaço' aqui em cima: já tão até cobinando de fazer uma jam session, ela, a Ella, a Dinah e a Billie, com o Evans, o Coltrane e o Parker na 'metaleira'.
Putz!
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Ainda a propósito, andei recebendo aqui no Meu e-mail uma piadinha ironizando o fato de cantores ruins não morrerem. Algo tipo, que uma tal de Joelma de uma banda chamada Calypso teria sido encontrada viva em seu apartamento e que isso causava grande dor à música brasileira. Boa, boa ironia!
Não conhecia a tal Calypso e fui ouvir. Nossa!!! Posso lhes garantir que ela vai ficar aí embaixo muito tempo. Essa Eu não quero aqui tão cedo.
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Também vi que já tem gente contando nos dedos os próximos dez anos pra Eu trazer o Justin Bieber pra cá. É por causa desse lance do Jimmi, da Janis, do Kurt, do Jim terem morrido com 27 anos? Lamento decepcioná-los, mas o Clube dos 27 não aceita pessoal da 'categoria' desse pirralho.
Tenho outros planos pra esse garotinho e não incluem trazê-lo tão cedo.
Escândalos, bebedeiras, talvez drogas, homossexualismo. Tenho que lembrar do que reservei pra ele no Livro da Vida.
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Mas mudando de assunto, o pessoal aqui tá todo faceiro porque o time deles ganhou a Libertadores. Particularmente não tenho nada com isso mas não Me responsabilizo por qualquer coisa que eles tenham feito pra ajudar o Santos. Se Eu fiz alguma coisa foi ter dado um pouco mais de bola pr'aquele guri do cabelo esquisito. Podem até achar que é favorecimento dos santos daqui porque antes Eu tinha feito o Pelé jogar lá na Vila e agora esse guri aí, mas podem estar certos que o moicaninho até joga muito mas não tem metade do que Eu instalei no negão.
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Alguém sabe como é que Eu faço pra devolver pro Elano e pro André Santos essas bolas que vieram para aqui em cima?
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Até Eu com a minha idade e com a minha barriga, bato melhor que aqueles caras.
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Dizem que pênalti é tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube. Aqui em cima é assim: nas peladas do pessoal, quando o Margarida, que já tá aqui em cima, aponta a cal, chamam a Mim pra bater.
E é certeiro: forte na cara do goleiro.
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Por falar em Margarida, cara, como tá na moda essa coisa de gay aí embaixo: é gay pra cá, gay pra lá, é casamento gay, é legalização de união no Brasil, é fila pra casar em Nova Iorque, é gay no noticiário, na novela, é passeata...Uff! Não que Eu tenha algo contra, vocês fazem o que bem entenderem. Eu fiz o bigulinzinho pra encaixar na pixulinha, mas quem quiser usar tudo de outra maneira, pode ficar à vontade.
Essa coisa de bater, de matar...ih, isso não tá com nada. Deixa os caras fazerem o que lhes agrada. Cada um, cada um. Cada um sabe do que gosta mais. De minha parte, é como que eu sempre digo: mulher é tão bom, mas tão bom que quem não gosta tem mais é que tomar no c* mesmo.
Pronto, falei!
E não é?
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Bom, depois dessa, acho bom Eu ir andando. Acho que hoje vou ter uma caixa cheia de  e-mais pra responder...
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Reclamações, xingamentos, solidariedade e tudo mais para:
god@voxdei.gov

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Novos Baianos - "Novos Baianos F.C." (1973)





“Eles se achavam na época
melhores jogadores de futebol
do que músicos.” 
Solano Ribeiro



Quem me conhece sabe que a minha banda brasileira favorita veio da Bahia não é o Camisa de Vênus. Claro que são os Novos Baianos. E toda vez que alguém fala neles, pensa direto em "Acabou Chorare", um verdadeiro... clássico da MPB de todos os tempos. Adoro este disco. Mas o meu favorito deles é outro: “Novos Baianos F.C.”, terceiro disco da trupe, lançado um ano depois do “Acabou...”. Pensem bem: depois de fazer um disco como aquele, como seguir em frente? Pois Pepeu, Baby, Paulinho e Moraes e sua gangue resolveram fazer um LP falando das coisas que faziam parte da sua vida cotidiana naquele sítio em Jacarepaguá onde viviam em total harmonia (mais ou menos, né? como ficou claro no filme "Filhos de João - O Admirável Mundo Novo Baiano", de Henrique Dantas).

A brincadeira começa com “Sorrir e Cantar Como Bahia”, música de Luiz Galvão e Moraes Moreira que faz um jogo de palavras com a gravidez de Baby Consuelo e a maternidade do planeta: “Mãe pode ser e ter bebê/ E até pode ser Baby também”. Ela estava permanentemente grávida de Riroca, Zabelê e Nana Shara, suas três meninas que se tornariam o trio SNZ. O futebol do título está presente em “Só Se Não For Brasileiro Nessa Hora”. Como cronista do cotidiano, Galvão consegue mostrar exatamente o que acontecia nas ruas do Brasil, até bem pouco tempo, o joguinho de bola na calçada: “Que a vida que há do menino atrás da bola/ para carro, para tudo/ quando já não há tempo/ para apito, para grito/ E o menino deixa a vida pela bola/ Só se não for brasileiro nessa hora”. O lado nonsense de Galvão, o letrista da banda, aparece em “Cosmos e Damião”, uma verdadeira viagem onomatopaica na voz de Paulinho Boca de Cantor. Olhem que maluquice: “Qui qui qui qui qui não é qui qui qui/ Que bom é bom demais pra ser aqui/ Onde um faz hum e outro hum hum/ Mas que bom, todos hum!/ Como um dia, não ria ?/ Sorria como nós...um dia como esse de Cosmos e Damião/ você pode até dançar com Damião/ Mas quem contrariar a lei do Cosmos/ não vai pagar/ já paga ao contrariar”. Doideira total emoldurada pelas guitarras, bandolins e violões de Pepeu e Moraes, o baixo de Dadi, Jorginho Gomes na bateria mais Paulinho, Baby, Baixinho e Bola nas percussões. Eles fazem a gente cantar estes versos enlouquecidos.

Uma das influências mais marcantes do grupo,  Dorival Caymmi, é reinterpretado e rearranjado em “O Samba da Minha Terra”. Uma mistura de MPB com Jimmi Hendrix, a versão deles valoriza o verso: “Quem não gosta de samba/ Bom sujeito não é/ É ruim da cabeça ou doente do pé”. Esse sim é o verdadeiro roque brasileiro, onde as guitarras convivem harmonicamente com a percussão e não copiam ninguém. Ao ouvir os discos dos Novos Baianos – e esse, em particular –, fico imaginando porque grande parte da gurizada se deixa seduzir pelo “rock brasileiro” dos anos 80. Todas as bandas daquela fase são inspiradas em algum grupo inglês do período. Poderia também dizer copiadas. Enquanto isso, os NB usaram a incrível e inesgotável matriz de ritmos nativos para fazer uma música criativa e inteligente. “Vagabundo não é Fácil” é outro exemplo das letras maluquetes de Galvão numa cama de samba com um surdo bem marcado: “Se eu não tivesse com afta/ até faria uma serenata pra ela/ Que veio cair de morar/ Em cima de minha janela”. Lá pelas tantas, rola uma rima de “Bicarbonato de sódi”o com “pessoas sem ódio”. Hilário! E no final, mais um jogo de palavras: “Ao menos leve uma certeza/ Você me deixa doído/ Mas só não me deixará doido/ Porque isso sou/ Isso eu já sou”. Na sequência, outro sambão daqueles de sair cantando pela rua: “Com Qualquer Dois Mil Réis”. Na voz de Paulinho Boca de Cantor, a música brinca com a figura do malandro carioca: ”E o malandro aqui/ Com Qualquer Dois Mil Réis/ Põe em cima uma sandália de responsa e essa camisa/ de malandro brasileiro/ que me quebra o maior galho”. E o refrão é chicletaço musical: “E esse ano não vai ser/ Igual aquele que passou/ oh oh oh oh oh que passou”.

Depois deste samba balançado, vem a faixa mais “roquenrou” de todo o disco, “Os Pingo da Chuva”, que Baby Consuelo se encarrega de dar aquele molho. Preste a atenção nos comentários da guitarra de Pepeu durante toda a canção, enquanto Baby canta este história pro seu namorado – não por acaso, ele, Pepeu, na época –, dizendo que ele não deve se preocupar com o céu que está “preto e as nuvens que até as sombras assombram”. Ela sabe que “Você tem seus argumentos de querer/ o sol pra bater sua bola/ E a lua pra ver sua mina/ ou só pra ir ali na esquina...Faça como eu que vou como estou/ porque só o que pode acontecer/ É os pingo da chuva me molhar”. E esse rock vira um baião elétrico no final. É aí que eu me refiro. Com tantas possibilidades rítmicas e melódicas, os roqueiros dos anos 80 se contentavam em copiar The SmithsThe Cure, The Police, entre outros. Que desperdício! “Quando Você Chegar” é uma bossa a lá João Gilberto onde Moraes fala de um filho que está chegando e que, aparentemente, iria chamar de Pedro. Os planos devem ter mudado, pois este filho é o guitarrista Davi Moraes, que veio a Porto Alegre em 2013 com ele para um show em homenagem aos 40 anos de “Acabou...”. Lá pelas tantas, esta bossa vira um samba. E a letra é tão boa que vai inteira: “Quando você chegar/ é mesmo que eu estar vendo você/ Sempre brincando de velho/ me chamando de Pedro/ me querendo menino que viu de relance/ Talvez um sorriso em homenagem à Pedro/ Pedro do mundo dum bom dum bom dum bom.../ Fique quieto que tudo sana/ Que a língua portuguesa, a língua da luz/ A lusitana fez de você o primeiro guri/ Meu guri, meu gurizinho/ Água mole em pedra dura, pedra pedra até que Pedro”.

Pra encerrar “Novos Baianos F.C”, duas faixas sem letra. Desde "Acabou Chorare" existia, dentro dos Novos Baianos, o grupo instrumental A Cor do Som, formado por Pepeu, Dadi, Jorginho e os percussionistas. As duas últimas músicas são dedicadas a este embrião de trabalho que iria desembocar no grupo de mesmo nome que gravaria seu primeiro disco em 1977. Na formação de estreia, só Dadi permaneceria, tendo ao seu lado o irmão Mu mais Armandinho e Gustavo. “Alimente” e “Dagmar” são dois exemplos do que seria desenvolvido pela Cor e por Pepeu em seu primeiro trabalho solo, “Geração de Som”, em 1978. Choro, samba, rock, tudo misturado e embalado pra presente. Uma delícia de disco que muita gente não conhece. Em 1978, os Novos Baianos gravam seu último disco, “Farol da Barra”, outro trabalho incrível. E decolam as carreiras solo de Pepeu, Baby, Dadi na Cor do Som. Mas isso, como sempre, é outra história.


vídeo de "Só Se Não For Brasileiro Nessa Hora" - Novos Baianos


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FAIXAS:
1. "Sorrir e cantar como Bahia" (Luiz Galvão/Moraes Moreira) – 3:37
2. "Só se não for Brasileiro Nessa Hora" (Galvão/Moraes) – 3:28
3. "Cosmos e Damião" (Galvão/Moraes) – 4:07
4. "O Samba da minha Terra" (Dorival Caymmi) – 3:29
5. "Vagabundo não é Fácil" (Galvão/Moraes) – 5:06
6. "Com qualquer Dois Mil Réis" (Galvão/Moraes/Pepeu Gomes) – 3:26
7. "Os Pingo da Chuva" (Galvão/Moraes/Pepeu) – 4:10
8. "Quando você Chegar" (Galvão/Moraes) – 3:19
9. "Alimente" (Jorginho Gomes/ Paulinho Gomes) – 4:44
10. "Dagmar" (Moraes) – 2:31

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OUÇA:



domingo, 13 de abril de 2014

John Lee Hooker - "House of the Blues" (1959)



"John Lee Hooker é um daqueles caras
 que sabe o que é ter o blues,
e como mostrá-lo. 
A prova de que ele pode fazer isso
com estilo individual, força dramática e balanço crescente pode ser comprovado nesta coletânea, que deve ser considerada como um dos grandes álbuns de blues dos últimos anos."
nota da contracapa do
LP origianl de 1959


A voz rouca, o estilo quase falado de cantar, a marcação com o pé, um blues ao mesmo tempo primário e sofisticado, todas estas são marcas registradas de John Lee Hooker, uma das maiores lendas do blues e um dos músicos mais influentes de todos os tempos. Em 1959 esse cara lançava seu primeiro álbum, "House of the Blues", na verdade, uma coletânea de gravações avulsas realizadas de 1951 a 1955, com algumas faixas impressionantemente muito bem produzido e mixadas para os recursos da época, o que, de forma alguma, pelo bom aparato técnico, fazia perder a característica bem 'raiz', da música do cantor.
Como cartão de visitas, o disco abre com "Walkin' the Boogie ", um blues elétrico, experimental, que um ouvinte menos avisado poderia tranquilamente confundir com Jimmi Hendrix, e que revela bem essa ambiguidade entreo apro técnico e crueza. Também é exemplo de boa produção, a ótima "It's My Fault" com seus efeitos na voz e na guitarra e acompanhamento de piano ao fundo.
"Union State Blues", com seu solo insistente de guitarra; a belíssima "Sugar Mama" e a ótima "Louise" fazem a linha mais tradicional do cantor, em canções mais básicas, mais cruas, no modelo voz, guitarra, e marcação.
Ainda valem destaque a boa "Rumblin' by Myself" que inicia já com aquele 'mugido' característico de Hooker; o show do violão no blues acústico "Grounfd Hog Blues"; o bles/rock embalado "High Priced Woman"; e o rock'n roll de beira de estrada, quase à Chuck Berry, "Women and Money", que fecha a conta.
Grande disco de blues/rock que sempre tive vontade de ter e que, dia desses, passando pelos usados de uma loja que frenquento, dou de cara. "Ôpa! Só se for agora". Mais um ÁLBUNS FUNDAMENTAIS para a prateleira. Tá lá.
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FAIXAS:

  1. Walkin’ The Boogie
  2. Love Blues
  3. Union Station Blues
  4. It’s My Own Fault
  5. Leave My Wife Alone
  6. Ramblin’ By Myself
  7. Sugar Mama
  8. Down At The Landing
  9. Louise
  10. Ground Hog Blues
  11. High Priced Woman
  12. Women And Money
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domingo, 7 de julho de 2013

The Animals - “Before We Were So Rudely Interrupted” (1977)



"Uma vez que você sentiu o poder da música, e viu pela primeira vez suas mãos serem capazes de tocar os corações e almas de pessoas em todo o mundo, esta magia é algo que você jamais esquece."
Eric Burdon,
da biografia "Don't let me be Misunderstood"


Um dos meus discos favoritos deve ser uma surpresa para muitos dos que me conhecem. Fui apresentado a ele em 1980 pelo meu amigo e colega Luiz Paulo Santos. Chama-se “Before We Were So Rudely Interrupted”, da banda inglesa The Animals e foi gravado em 1977. O grupo surgiu na década de 60 quando o Alan Price Combo ganhou a adesão do vocalista Eric Burdon. Mais um daqueles brancos de alma negra, Burdon deu à banda a voz que faltava naquela mélange de blues, jazz e soul no meio da beatlemania.
Os Animals fizeram muito sucesso com “The House of the Rising Sun”, “We've Got to Get Out of This Place”, “Don't Let Me Be Misunterstood”, entre muitas outras. A primeira ruptura aconteceu quando o baixista Chas Chandler resolveu deixar seu instrumento e ser manager de um artista emergente na Swinging London e que daria muito o que falar: Jimmi Hendrix. Logo depois, os Animals encerraram a primeira parte de sua carreira com Alan Price fazendo trilhas para os filmes de Lindsey Anderson (em especial o maravilhoso “O Lucky Man”) e Burdon indo para a América, onde foi ser vocalista do grupo War. Em 76, os integrantes do grupo resolveram dar uma segunda chance ao azar. Reuniram-se e gravaram este disco com o estúdio móvel dos Stones numa fazenda. O nome já é um achado: “Antes de seremos tão rudemente interrompidos”. O velho humor inglês.
A festa começa com o piano de Alan Price num clima boogie-woogie num clássico de Leiber & Stoller mais Otis chamado “Brother Bill” (The Last Clean Shirt). Um R & B das antigas, a canção permite a Burdon dar seu primeiro de muitos shows durante o disco. O guitarrista Hilton Valentine também faz seu primeiro solo, carregado pelo piano de Price. Uma das melhores versões de “It's All Over Now, Baby Blue” vem em seguida. O clima é soturno com a bateria de John Steel fazendo uma batida seca e as harmonias de Alan Price se juntando às da guitarra de Valentine, enquanto um sintetizador faz a cama. Eric Burdon modula sua voz para encarar os altos e baixos da canção. Nem Dylan teria pensado num arranjo ecumênico como este.
Depois de duas canções dessas, chega a hora de descontrair com “Fire on the Sun”, um rock libidinoso no estilo Little Richard, mas gravado na década de 70 (“Your love is like fire, baby / Fire on the Sun”). Mais uma vez o cérebro musical da banda, Alan Price, comanda as ações. “As The Crow Flies”, composta por Jimmy Reed, volta ao blues com o piano elétrico. O resto da banda faz aquela velha batida blues de Chicago. Pra fechar o lado 1 do LP, uma das melhores músicas de todo o disco: “Please Send Me Someone to Love”. Nela, Eric Burdon mostra toda a sua qualidade como cantor. Talvez nunca em sua carreira ele tenha cantado uma música como essa, cheia de modulações e subidas e descidas de tom numa mesma frase. Alguém poderia dizer que é pirotecnia. Eu diria que ele é um excelente cantor. O narrador pede paz e tranquilidade no mundo, mas se não for pedir muito, mande um amor. “Heaven please send / To allmankind /understanding and peace of mind / but if its not asking too much / please send me someone to love”. Numa cama de órgão, guitarra jazzística, baixo e bateria, o Fender Rhodes de Price brinca, permitindo a Burdon uma performance incrível. 
O antigo Lado 2 começa com uma música de Jimmy Cliff, “Many Rivers to Cross”, que os Animals transformam de um reggae num lamento gospel (o deles, não o nosso). A mensagem é de superação: “Many rivers to cross / But I can't seem to find /my way over”. Mais adiante, o narrador reclama da solidão: “And this loneliness just won't leave me alone / It's such a drag to be on your own”. No final, Burdon rasga seus lamentos como um cantor negro de igreja batista no Sul dos Estados Unidos. “Just Want a Little Bit” inicia enigmática com o piano e passa para um R & B dançante de Little Mama Thornton. Nesta canção, Alan Price relembra seus velhos tempos de pré-beatlemania, quando o som da juventude inglesa era o blues e o Rhythm'n'Blues de grupos com órgão, como o de seu colega Georgie Fame. A única composição de integrantes dos Animals vem na sequência: “Riverside County”, outro blues com escala descendente. O grande compositor Doc Pomus aparece com a clássica “Lonely Avenue”. Os arranjos deste disco brincam todo o tempo com esta “simplicidade” do blues e vão colocando camadas e camadas de pequenos detalhes com vocais, guitarras e teclados, enquanto a batida é constante. O final é engraçado com “The Fool” que diz: “Juntem-se a mim, amigos / ergam suas taças/ e bebam ao bobão /o louco bobão / que mandou seu amor embora”.
Durante todo o disco, Burdon reclamou que a mulher tinha ido embora, que estava numa avenida solitária e tal. Nesta última canção, este arco dos relacionamentos vira do avesso. “Ela encontrou um novo amor / eu digo que ele é o cara de sorte/ Bebam ao bobão / eu mandei meu amor embora”. Um disco de blues e Rhythm'n'blues em plena era disco e de Boston, Eagles e Peter Frampton. Não poderia ter dado certo mesmo. Os Animals saíram em turnê e cinco anos depois tentaram mais uma vez com o disco “Ark” de 1983. Mas os melhores tempos já tinham passado. Eric Burdon continua na ativa e acabou de lançar um trabalho muito festejado pela crítica, “'Til Your River Runs Dry”. Mas essa história vai ser contada daqui há pouco.
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FAIXAS:
1. "Brother Bill (The Last Clean Shirt)" (Jerry Leiber, Mike Stoller, Clyde Otis) - 3:18
2. "It's All Over Now, Baby Blue" (Bob Dylan) - 4:39
3. "Fire on the Sun" (Shaky Jake) - 2:23
4. "As the Crow Flies" (Jimmy Reed) - 3:37
5. "Please Send Me Someone to Love" (Percy Mayfield) - 4:44
6. "Many Rivers to Cross" (Jimmy Cliff) - 4:06
7. "Just a Little Bit" (John Thornton, Ralph Bass, Earl Washington, Piney Brown) - 2:04
8. "Riverside County" (Eric Burdon, Alan Price, Hilton Valentine, Chas Chandler, John Steel) - 3:46
9. "Lonely Avenue" (Doc Pomus) - 5:16
10. "The Fool" (Sanford Clark) - 3:24

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por Paulo Moreira


Paulo Moreira é jornalista e radialista há 32 (!!) anos, apresentador do cultuado Sessão Jazz, da rádio FM Cultura, de Porto Alegre. Adora música e cinema ou cinema e música, a ordem não altera o fator dos produtos. Teve duas filhas (e uma neta) e plantou árvores. Falta escrever um livro. Adora dois locais em extinção no mundo moderno: livrarias e lojas de discos. É um jurássico assumido, pois usa mas não é escravo das novas tecnologias. E nada substitui um bom livro ou um encarte de discos com ficha técnica completa. Adora Porto Alegre, mas, se pudesse, morava no Rio de Janeiro.