Curta no Facebook

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

cotidianas #46 - Música do Diabo



- Oi!
- Bom dia... – e um pequeno silêncio interrogativo com um “em que posso ajudar?” suspenso, no ar.
- Oi, ah, é que... Bom, desculpa lhe incomodar mas eu sou seu vizinho daqui do lado e...
- É, eu sei. Já te vi com tua mãe no elevador – interrompendo o menino que já parecia bem constrangido - Tudo bem?
- Tudo bem. É que, eu queria lhe falar. É o seguinte: eu queria saber qual era aquele som que o senhor tava ouvindo ontem de noite, alto?
- Por quê? Tava incomodando?
- Não, não. A minha mãe não gosta mas eu curto. Bom pra caralho!
- Ontem de noite? Ah, era...Evil Corpse. Quer emprestado?
- Não. Não dá. A nossa religião não permite. A minha mãe diz que é coisa do demônio e tudo mais. Mas se o senhor puder ouvir sempre meio alto, assim, eu consigo ouvir dali de casa. Na área de serviço o som fica até bem claro.
- Tá bom. Eu gosto de ouvir alto mesmo. Que pena que tu não pode ouvir. Ia ser legal te mostrar umas paradas dessas.
- É – disse meio conformado.
- Mas então ta. Valeu. Prazer te conhecer.
- O prazer foi meu. Obrigado, viu.
- Que nada!
Dias depois embarcam juntos no elevador o garoto, sua mãe e o tal vizinho. A mãe olha de soslaio com aquele ar de reprovação para o rapaz de jeans rasgado, bracelete de couro, cabelo comprido e uma camiseta preta com uma enorme caveira cuspindo fogo, e dispara:
- É o senhor que mora no 606?
- Sou eu mesmo.
- O senhor poderia ouvir suas músicas um pouco mais baixo, por favor? – pronuciando este músicas com ênfase e ironia - Incomodam a mim e incomodam ao meu filho. O pobrezinho chega a se esconder na área de serviço pra não ouvir aquele barulho infernal, não é meu filho?
O garoto não responde. Só lança um breve e quase imperceptível olhar de desculpas para o vizinho que apenas lhe responde com uma piscadela de cumplicidade.

Cly Reis

Um comentário: