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domingo, 17 de julho de 2011

Trio 3-63 – Projeto UniMúsica – Salão de Atos da UFRGS – Porto Alegre -RS (14/07/2011)


Olorum no toró: uma homenagem a Moacir Santos


Moacir Santos (1926-2006)
Tem dias que a chuva parece precipitar além do normal. E o último 14 de julho foi assim – pelo menos em Porto Alegre. Choveu 48 horas sem parar. E não era qualquer chuvinha. Era “chuva que Deus mandava”, incessante, bastante. Mas tanta água vinda do céu foi, para os mais atentos, o prenúncio de algo transcendental que aconteceria na noite deste fatídico e molhado dia. Numa homenagem ao maestro pernambucano Moarcir Santos, um dos maiores gênios da música universal dos últimos tempos, o Trio 3-63, dentro do Projeto UniMúsica 30 anos – tempomúsicapensamento, fez um inesquecível show para cerca de 400 destemidos – e abençoados – espectadores no Salão de Atos da UFRGS.
Trio 3-63: apresentação curta porém marcante

Formado pela flautista Andrea Englert, pelo pianista Paulo Braga e pelo percussionista Marcos Suzano, três feras, o Trio 3-63 destilou um show curto mas emocionante do início ao fim, onde predominou a execução perfeita, unindo técnica e alma, e, claro, a reverência a Moacir Santos, instrumentista, arranjador e compositor, autor de obras-primas da MPB, como o célebre álbum “Coisas”, de 1960, e “Opus 3 nº 1”, de 1979. Moacir, que viveu grande parte de sua vida artística nos Estados Unidos, onde é venerado, foi, ao lado de Tom Jobim  e Hermeto Paschoal, o grande mestre da revolução harmônica da música brasileira moderna. Sua estética tem, com um hibridismo impressionante, toques de jazz e erudito misturados aos ritmos essencialmente brasileiros, bebendo no vasto folclore do nordeste (maracatu, coco, roda, xaxado, cantos religiosos), na tradição dos ritmos afro-brasileiros (lundu, jongo, candomblé, samba, marcha, choro, maxixe) e até caribenhos (rumba, habanera, cuban jazz). Tudo sempre com muito bom gosto e perfeição.
Marcos Suzano, fera da percussão
No show, o Trio 3-63 destilou clássicos como “Coisa nº 1”, “Paraíso” e “Outra Coisa”. Porém, fizeram mais do que isso. A começar pela inteligente incursão a obras de outros compositores influenciados e/ou influenciadores de Moacir Santos, como os “Motivos Nordestinos”, do percussionista e compositor Luiz D’Anunciação, e “A Inúbia do Cabocolinho”, do maestro e pesquisador musical Guerra-Peixe, ex-professor de Moacir nos seus primórdios tempos em Pernambuco. Nesta seara, ainda apresentaram a gostosa “Radamés y Pelé”, de Tom Jobim (homenageado que, por sua vez, homenageava, além do craque da bola, outro craque, este dos sons, Radamés Gnatali, grande influenciador da bossa nova e de Moacir), além de uma composição do próprio Paulo Braga, “Farol”, onde claramente o pianista conjuga todas essas referências.




Mas o trio guardaria ainda outras duas surpresas. Primeiro que, a certa altura, o trio passou a quinteto. Primeiramente, com a entrada no palco do multi-instrumentista Lui Coimbra, que tocou violão e cantou a suave e brejeira “A Santinha lá da Serra”, parceria de Moarcir com o poeta Vinícius de Moraes. Depois, ao cello, Lui acompanhou a banda em outra novidade do show: “The beautiful life” e “Love Go Down”, canções inéditas no Brasil resgatadas por Andrea no acervo de Moacir nos EUA.
Ao final do show, junta-se aos integrantes o cantor e percussionista Carlos Negreiros, negro alto, tipo etíope, todo de branco como que uma entidade da umbanda. Com seu bongô e sua bela voz grave, mas de refinado alcance dos agudos, cantou com os quatro “Coisa nº 8 - Navegação”, de charmosa melodia e letra poética (“Depois de tanto palmilhar/ Desvios e bifurcações/ Da proa desta embarcação/ Consigo interpretar, enfim/ A carta de navegação/ Que o mar traçou dentro de mim”), proporcionando o momento mais emocionante do show. Foi também Negreiros quem creditou a Olorum, senhor da criação e dos céus, o milagre de estarmos ali, mesmo com o toró que o próprio orixá fazia cair lá fora. Só podia ser uma mensagem divina, pois fomos, de fato, abençoados nesta noite. Por Olorum e por Moacir Santos, cuja poderosa alma estava lá também, encharcando-se de alegria e beleza como nós todos.



Um comentário:

  1. Se o Daniel deixasse de sair por causa da chuva, perderia este espetáculo maravilhoso, que só pela palinha dos vídeos dá para se ter idéia do que foi. Acredito que a chuva até fez parte do cenário deste belo acontecimento, ou ficou em segundo plano.Iara.

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