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terça-feira, 15 de outubro de 2013

COTIDIANAS nº 249 ESPECIAL DIA DO PROFESSOR - A Berê


Ela era uma lenda!
Praticamente desde o dia que um aluno pisava na Escola Estadual de 1º Grau “Professor Edgar Luiz Schenider”, já ouvia falar daquela figura. Para muitos, o fato de passar para a sétima série, era sinônimo de pesadelo, pois nos dois últimos anos do fundamental daquele educandário as aulas de português eram ministradas pela professora Berenice Coelho Brito, mais conhecida conhecida como Berê.
Berê era uma negra alta, imponente, charmosa, de cabelo afro cortado à NBA e altivez de rainha nagô. Sorriso largo, modos finos, olhar profundo e língua afiada. Dirigia um Fusca azul, apelidado pelos alunos de Trovão-Azul por causa de um seriado de TV da época. Maldade! Ressentimento! Inveja! Sim, inveja porque aquela negra era uma espécie de sensação daquele pequeno ‘coleginho’, como o chamávamos carinhosamente, uma vez que namorava um italiano e aquilo, ali, numa escolinha daquelas era algo como ser uma estrela de cinema. Sim, e ela era uma estrela!
A negra era um pesadelo para os galhofeiros, para os preguiçosos, para os gazeadores de aula. Para começar, saudava sempre os menos pontuais com um irônico “chegaste cedo para a aula de amanhã!”, emoldurado por um sorriso repleto, amplo, cheio de dentes, que deixava o atrasadinho irremediavelmente constrangido. Exigente e preciosista no tocante ao bom português e, em especial, à sua aula, não admitia que conversinhas lhe interrompessem uma explicação, na maioria das vezes calando o inconveniente apenas com um enorme e sarcástico sorriso branco. Bom, quando o sorriso não bastava era obrigada a fazer uma pequena e amigável advertência, mas em não sendo o suficiente, apareciam suas famosas e temidas ‘cópias’. As cópias, aplicadas por essas indisciplinas, por atrasos freqüentes, por reincidência de notas baixas, por não apresentação de lições de casa, consistiam exatamente em reproduções de próprio punho, de algum trecho de livro, de um capítulo, de algo dado em aula, porém a serem feitas num número de vezes que aquele delinquente não esqueceria tão facilmente. O corajoso até podia desafiar e não fazer as cópias, podia repetir a façanha que o fizera ser alvo daquela tarefa, mas a não apresentação das cópias solicitadas implicariam então no dobro da tarefa, e no dobro, e no dobro, e no dobro... Muito severa? Não. Meramente método, vontade de ensinar, de fazer aprender. Ao mesmo tempo que dava uma lição pela indisciplina, dava a lição de português.
Na verdade, diga-se de passagem, era esse o objetivo da Berê: o que queria mesmo era que aprendêssemos. Fazia todo o possível para isso, para botar as coisas nas nossas cabeças utilizando todos os recursos que tinha e os  métodos didáticos disponíveis para cada situação. Leitura, assimilação, insistência, lições de casa, decoreba, repetição, etc. Não importava. O importante era que aquilo entrasse em nossas cabeças. Lembro que uma vez ela propôs um prêmio, que seria surpresa, para quem decorasse as 18 preposições e as falasse, como ela o fazia, extremamente rápido, quase como se fosse uma palavra só. Tanto deu certo seu método, que eu sei as preposições até hoje a ainda hoje as pronuncio no tropel tal como ela nos desafiou na época. Quanto ao prêmio... ela nos enrolou, enrolou e não teve prêmio nenhum. O que importava era que o objetivo, que era que aprendêssemos, estava cumprido. O prêmio já estava sendo dado.
Muitos se revoltavam achando que a mulata os punia. Não era punição. Era além de uma aula de português, uma aula de vida. Responsabilidades, postura, respeito, ética, amor, valores, moral eram todas palavras que estavam intrínsecas em cada ato, em cada aula, em cada palavra da Berê. Aquela mulher primava pela educação. Não só a educação pedagógica, a educação da escola, a do sistema de ensino, mas sim a educação que tanto faz falta hoje para uma geração que parece que não teve limites. No primeiro dia de aula ela ao mesmo tempo que reforçava o mito formado na escola, da professora rígida, ela o desfazia, colocando todos os seus parâmetros e diretrizes e colocando que uma vez respeitados e cumpridos, todos se entenderiam muito bem. E foi o que aconteceu comigo. Sempre a admirei e a respeitei e, por conseguinte, sempre nos entendemos muito bem.
Ela costumava premiar boas notas, bons comportamentos, bons desempenhos com estrelinhas. Sim, estrelinhas! Desenhadas nas provas, no caderno, nos trabalhos. É,... na sétima série, com 14, 15 anos, devo admitir, que aquilo fazia-nos parecer um tanto infantis, ridículos, tolos, de certa forma; mas no fundo, a bem da verdade, deixava-nos orgulhosos pois era, na prática, o maior elogio que aquela mestra podia nos fazer. Talvez todas essas palavras não sejam suficientes para expressar o quanto essa mulher foi importante para mim. Talvez palavras não sejam a melhor maneira. Acho que o mais justo seria com estrelas.
Cinco estrelinhas para você, Berê. 


Cly Reis

2 comentários:

  1. Perfeito texto! Nossa, me levou lá para os anos de Schneider, anos com a Berê, com vocês, amigos queridos. Muitas saudades ❤️

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  2. Perfeito!ahhhh...que saudades do Schneider!

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