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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

cotidianas #414 - ID desconhecido



Toca o celular. Olha para a tela: "ID desconhecido". Mesmo assim, aceita a chamada.
- Mãe! Eles me pegaram! Eles me pegaram, mãe! – disse a voz de um adolescente do outro lado chorando desesperado.
- Sim, filho.
- Me salva, mãe! Por favor, me salva! – aos soluços. – Vou passar pro moço...
- Passa, meu filho.
- Senhora, estamos com seu filho. Não tem negociação com a gente. A senhora tá ouvindo?  - falou com agressividade, enquanto ao fundo ouvia-se o choro do jovem.
- Sim, estou ouvindo.
- É! A gente quer dinheiro, senhora. Dinheiro! A senhora não vai querer que a gente faça mal pro seu filhinho, né?
- Sim.
- “Sim”, o que, senhora? Você não entendeu o que eu falei, porra?!
- Sim, entendi, sim.
- Eu falei que se não der a grana a gente vai matar o seu filh...
- Mata.
- Cumé que é? Senhora, acho que você não ouviu direito.
- Ouvi, sim. Mata.
- Matar... o seu filho?...
- É. Mata.
O sequestrador se afasta do telefone, mas não desliga. É possível ouvi-lo conversando com o comparsa que está com o jovem, dizendo-lhe espantado: “Porra, cara, a mulher tá mandando ‘passar’!” “Quem?”, o outro pergunta. “O filho dela, porra! ‘Passar’ o moleque!”. Depois de um breve zum zum zum de falas incompreensíveis, dá para ouvir com clareza a reação do parceiro: “Que viagem, cara! Será que a gente errou a pessoa?...”
Nova tentativa:
- Senhora: a senhora é mãe desse moleque mesmo?
- Sim.
“Qualé o nome do moleque?”, vira-se e pergunta ao comparsa. “Qual teu nome, filha da puta?”, repete o outro o questionamento, agora ao próprio. Com terror na voz, respondeu o jovem: “É Vinicius...”.
- A senhora então é a mãe do Vinícius? DESSE Vinícius aqui, que a gente pegou saindo daquela escola de playboy na rua Conde? Qual é o TEU nome, senhora?
- Mirtes.
“O nome da tua mãe é Mirtes, moleque?”, apressou-se em estender a interrogação ao garoto, que lhe confirmou com a cabeça.
- Mas é que... – ficando sem entender o bandido.
“Mãe, não deixa eles me matar!”, grita ao fundo o jovem, com a boca propositalmente destapada para que se escutasse do outro lado da linha. Nisso, o comparsa, até então responsável por ficar com o sequestrado, o passa para o colega. “Me dá isso daqui!”, ordenou impacientemente e já pegando o celular. “Só pode ser caô...”, sussurrou antes de começar a falar com ela.
- Ô, dona Mirtes, tu tá loucona? Quer que eu mêta bala e espalhe os miolos desse moleque, quer?
- Que saco... – deixou escapar ela já impaciente com aquilo.
- Como é, senhora?
– Olha, eu já dei minha opinião. Faz o que você achar melhor, que eu tenho mais o que fazer.
Estupefato, silenciou alguns segundos sem saber o que dizer. Disse:
- Tia, tu é uma puta de uma vadia, viu? Minha mãe nunca ia fazer uma coisa dessas comigo.
- Devia ter feito.
- ...
Retoma-se:
- Cumé que é!?... Dá, me dá o moleque aqui de novo! – ordenando ao outro. – Fala com a tua mãe e diz que a gente quer o dinheiro e é agora! Fala, porra!
- Mãe! O que tá acontecendo, mãe?! Vem me pegar, por favor! Dá o dinheiro pra eles! Eu tô com medo! Eles disseram que iam cortar a minha orelha e dar pro cachorro comer se não der o que eles querem! Mãe, me ajuda, me ajuda...
- Te vira.
- O... que... mãe?... – perguntou incrédulo o filho, engasgando-se com o choro, o qual até parou repentinamente dada a surpresa.
- Te vira.
- Mas, mãe?...
Silêncio.
- E aí, vai querer o moleque de volta ou não, tia? – ironizou o sequestrador, assumindo o fone novamente, mas já era tarde demais, pois ela havia desligado.
Fazendo sinal de discordância com a cabeça, Mirtes pôs o celular no modo “Silencioso” antes de guardá-lo na bolsa e jogá-la para o banco de trás. Ainda puta da cara, engatou a primeira marcha e disse a si mesma:
- Mania essa de que mãe tem que resolver tudo.

Virou à esquerda rumo à academia, para a qual já estava atrasada.



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