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segunda-feira, 14 de março de 2016

cotidianas #423 - O Caso do Rodo



O policial, acostumado a ver diariamente as barbaridades dos crimes cometidos pela cidade, não conseguiu ficar incólume àquele. Que coisa mais agressiva! E incomum. Uma senhora de idade, que regula com sua avó, matar o próprio marido depois de décadas de casamento... e com um cabo de vassoura? Tentando conter o abalo que aquilo lhe causou, dirigiu-se à viatura para avisar pelo rádio o delegado:
- Alô, viatura M-2466 no local do crime, inspetor Rocha falando. Na escuta?
- Na escuta, inspetor. Delegado Freitas falando. Qual a ocorrência?
- Delegado, a coisa foi feia aqui, viu?
- É mesmo, inspetor?
- Olha, delegado: pelos relatos que temos de vizinhos, uma senhora, 77 anos, conhecida por d. Lídia, estava com o marido em casa até que, de repente, pegou o cabo de uma vassoura, melhor: de um rodo, esses de limpeza doméstica, e começou a espancar a vítima, ele, 82 anos, identificado como sr. Arlindo. Desferiu golpes na cabeça, na altura do osso parietal e frontal. Vários golpes. Tanto que o instrumento se rachou, partindo-se em dois e formando fissuras afiadas em suas pontas.
- E a vítima não reagiu, inspetor Rocha?
- Parece que nem teve tempo de reagir, delegado. Quando viu, já havia levado os primeiros golpes e não pode mais se defender.
- Prossiga com o relato, inspetor. Na escuta.
- Sim, delegado. E não é, então, que a delinquente, não satisfeita em deixar a vítima ensanguentada, já desfigurada de tantos golpes e suplicando que parasse ainda usou o instrumento contundente de forma perfurante usando as pontas afiadas do cabo de madeira quebrado para lhe perfurar as duas órbitas?
- Que fúria dessa mulher, hein, inspetor?
- Realmente impressionante, delegado Freitas. Nunca tinha visto uma coisa dessas em anos de ocorrência policial.
- E se conseguiu levantar o que motivou o crime?
- O senhor sabe, né, delegado? Vamos abrir inquérito, aquela coisa toda. Mas se sabe que foi por causa de uma faxina.
- Como assim, inspetor?
- Pois é, delegado. Um vizinho de muitos anos, que conhece bem os dois, nos relatou que, na hora do incidente, a delinquente estava limpando o piso da casa, quando o seu então marido, como de costume, pelo que dizem, veio e inadvertidamente pisou a superfície onde ela havia recém passado o rodo com o pano úmido.
- Esse foi o motivo do crime, inspetor? Só isso: por que o infeliz do velho pisou onde a velha tinha limpado?
- Diz esse vizinho que essa era uma briga antiga do casal, delegado. Ela passava pano úmido no chão e vinha ele pisotear onde ela tinha acabado de limpar. Saía marcando as pegadas por toda a casa. Foi isso por mais de 50 anos, todos os dias. Quando não, duas vezes: um ocorrido no turno da manhã e outro no turno da tarde. Ao que se vê, foram tantas e tantas vezes até que ela um dia...
- Não suportou mais. Pode ser. Pois, então, como está a situação agora, inspetor?
- Ah! Nossos homens já estão todos aqui. A perícia e o IML também estão no local. Vamos capturar a delinquente e conduzi-la à delegacia para prestar depoimento.
- Sim, inspetor. Claro.
- Sim, sim, delegado. Vamos fazer, vamos fazer.
- Inspetor... na escuta? Então... vocês estão indo proceder a prisão agora, imagino?
- Na escuta. Sim, delegado! Vamos em seguida. Só estamos aguardando o piso secar mais um pouquinho.


argumento de Tiago Ritter

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