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quinta-feira, 7 de junho de 2018

cotidianas #570 - O Hino


para Nílson Araújo



A Juventus era um time de bairro diferenciado. Desde sempre primou por ter fardamentos completos, recusando-se a usar "uniforme palhacinho", como eles mesmos chamavam. Nada de calções de uma cor e meião de outra, uma camisa sem número e outra numerada com esparadrapo ou coisas do tipo. Se num primeiro momento os resultados não vinham e os membros fundadores penavam com derrotas e humilhações, a organização que apresentavam foi chamariz para que garotos mais talentosos se aproximassem e se juntassem aos originais, fazendo daquele timezinho uma esquadra quase imbatível na sua região.
Além de uniformes completos e variados, a Juventus tinha redes próprias, kit de massagem, arquivos de estatísticas e festa de confraternização e premiação todo final de ano com troféus, medalhas e tudo mais. Se alguns não eram tão habilidosos com a bola nos pés, davam sua contribuição de outra maneira e por sorte, a Juventus tinha entre seus integrantes alguns talentos em outras áreas que não a do futebol, que contribuíam ainda mais para sua diferenciação. Um de seus jogadores, por exemplo, mais talentoso graficamente, idealizava uniformes e produzira um moderno e original escudo para o clube. Outro, o Nílson, com dotes musicais elevadíssimos, orgulhoso por ter sido um dos fundadores e de fazer parte daquele projeto, propunha-se a compor para a Juventus um hino. Sim, um hino. Que time de bairro tinha um hino? Os outros podiam comprar novos uniformes, ter redes em suas traves, usar um escudo na altura do peito, mas um hino nunca teriam.
O hino seria apresentado, então, numa das festas de fim de ano e reinava uma certa expectativa em torno do acontecimento. E eis que chega o dia da comemoração! Nílson trouxe o hino numa fita cassete que ele mesmo gravara em casa com uma programação de teclado eletrônico. Pausa na festa, toca-fitas, expectativa e... play!
O hino era lindo! Exaltava a grandeza da Juventus, seu brio, suas vitórias, mas não sem deixar de lembrar das dificuldades do início. Era um verdadeiro hino.

"Somos Juventus de coração
Sentimentos que nunca vão terminar
Garra força luta e união
Pra certamente nesta vida triunfar"

Aí vinha o refrão:
"Juventus, para sempre
Vamos com raça lhe defender
Juventus para sempre
É o orgulho de quem vive pra vencer

Desde os tempos do antigo "Barroso"
A humildade e a devoção não vão sumir
Ser Juventus traduz a alegria
De uma equipe que igual não vai surgir

E vinha  novamente o refrão:
"Juventus, para sempre
Vamos com raça lhe defender
Juventus para sempre
É o orgulho de quem vive pra vencer"

E repetia, para enchê-los ainda mais de orgulho:
"É o orgulho de quem vive pra vencer
É o orgulho de quem vive pra vencer."

Todos ficaram emocionados, sem sombra de dúvida mas, sabe como é, homem além de não gostar de demonstrar emoções tem sempre aquele lado irreverente e talvez para disfarçar os sentimentos, um deles chamou atenção para algo que aparecia no refrão, quase por trás da voz. O que era aquilo? Um latido? "Juventus (AU,AU...) para sempre/ Vamos com raça te defender...".
Era uma gravação caseira. O Bolinha, o cachorro do Nílson resolvera de dar seu ar da graça exatamente no refrão da obra do seu dono. Resultado: o latido acabou, por assim dizer, incorporado ao hino. Desde aquele dia, o inspirado refrão criado pelo compositor do time, teve inexoravelmente acrescentado à sua letra o "au, au" do Bolinha, que era cantado, sim, com ufania a cada título ou feito importante, mas a partir de então sempre tendo acrescentado aquele indesejável ruído que viria a tornar-se, de certa forma, oficial.
"Juventus (AU, AU!) para sempre..."



Cly Reis

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