Esta comparação denota o quanto o cinema argentino soube encontrar o seu lugar na indústria internacional. “Argentina, 1985” traz as qualidades e o hibridismo que caracterizam a produção audiovisual recente dos hermanos. Baseado em fatos reais, o filme conta a história dos promotores públicos Julio Strassera (o lendário Ricardo Darín) e Luís Moreno Ocampo (Juan Pedro Lanzani, ótimo no papel) e sua jovem equipe, que tomam a inédita missão de processar os militares da ditadura argentina. Sob forte pressão política, pública e militar, a dupla encabeçou uma longa pesquisa antes de começar a julgar os cabeças do regime argentino naquele que é conhecido como Julgamento das Juntas. O processo todo ouviu 850 testemunhas e durou cerca de 530 horas de audiência, vindo a resolver-se no fatídico ano que denomina o título.
Impressiona a capacidade do cinema argentino de saber contar
histórias de forma equilibrada e sem pesar demasiadamente para o superficial ou
para o denso. Isso coloca a obra no difícil limiar entre o cinema de arte e o
filme popular, química facilmente identificada em outros títulos argentinos
como “Família Rodante”, “Um Conto Chinês” e “Medianeiras”. No longa de Santiago
Mitre, há sempre porções bem conjugadas de drama, humor, romance e registro
histórico-documental. Neste ponto, a reconstituição de cenas, principalmente as de tribunal, são capazes de fazer reviver o passado. Além disso, o roteiro vale-se do recurso da construção de
narrativas “paralelas” (o pretensamente perigoso namoro da filha Strassera) e a
complementaridade de perfis entre os personagens, o que transmite uma percepção
de coesão ao espectador.
Recuperando a história: acima, foto do julgamento original; abaixo, a reconstituição do filme |
Há de se ressaltar também aquele que é a cara e o coração do novo cinema argentino: Ricardo Darín. Em mais um exímio papel, ele interpreta Strassera com a habilidade cênica a que o público já se acostumou. Resultado este, porém, nada fácil de se encontrar, visto que perscruta a alma do personagem. O público sabe o que isso quer dizer, basta lembrar de seu protagonismo em filmes como “Neve Negra”, “A Odisseia dos Tontos”, “Koblic”, “Truman” e nos já citados “O Segredo dos Seus Olhos” e “Relatos Selvagens”. A entrega de Darín é tocante, pois capaz de transmitir as inseguranças, as mudanças e os conflitos deste funcionário público tão essencial para a história recente da Argentina, humanizando-o para o espectador. Mais do que humanizá-lo, é um trabalho de recriação e materialização de um personagem que supera o simples cargo de um promotor. É. sim, um símbolo da democracia, da justiça e de resistência.
Darín em mais uma atuação de pura entrega |
Tudo indica que a Argentina levará mais uma vez a estatueta
para casa. A se medir pelo grande adversário, o alemão “Nada de Novo no Front”
(o qual também concorre a Melhor Filme, pelo qual pode ganhar), a obra de Mitre tem tudo para deixar
este e os outros para trás. Assim como deixou o belo “Marte Um”, que por melhor
que seja, evidencia o quanto não o Brasil, mas a Argentina achou o caminho para
um cinema representativo da América Latina.
trailer de "Argentina, 1985"
Daniel Rodrigues
Muito bom,só faltou ressaltar a ditadura venezuelana.
ResponderExcluirQuando tiver um filme, relevante, sobre a ditadura venezuelana, a gente fala. Se for pertinente)
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