Tenho que admitir que, por enquanto, não assisti a muitos ainda, mas hoje em dia com a facilidade dos streamings, a oportunidade está dada para quem quiser, a partir de agora, maratonar os filmes até 12 de março, quando serão conhecidos os vencedores.
"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", lidera as indicações com 11, seguido por "Os Banshees de Inisherin" e pela produção alemã "Nada de novo no Front", com 9, esta disputando, inclusive, por melhor filme e melhor filme internacional. "Elvis", da brilhante atuação de Austin Butler, aparece com 8, "Os Fabelmans", de Steven Spielberg, com 7, e o badalado "Top Gun: Maverick", com 6, e destaque também para o vencedor da Palma de Ouro do ano passado, "Triângulo da Tristeza", indicado a melhor filme, além de outras duas categorias.
Particularmente, me chamou atenção a indicação de "Top Gun: Maverick", para melhor filme, a meu juízo um gloriosa porcaria; as indicação de "Batman", com 3; e a não indicação da animação "Pinóquio" de Guillermo del Toro para a categoria principal de melhor filme, o que não foi exatamente uma surpresa, mas era uma expectativa tal a qualidade do filme. Quanto ao mais indicado "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" , embora já tenha aparecido aqui no ClyBlog, na opinião do nosso parceiro Vagner Rodrigues, de minha parte não posso fazer juízo, por enquanto, mas fico com a impressão positiva pelo que foi descrito na resenha.
Mas chega de papo. Fiquem com a lista dos indicados:
Melhor Filme
Nada de Novo no Front
Avatar: O Caminho da Água
Os Banshees de Inisherin
Elvis
Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo
Os Fabelmans
Tár
Top Gun: Maverick
Triângulo de Tristeza
Women Talking
Melhor Ator
Austin Butler (Elvis)
Colin Farrell (Os Banshees de Inisherin)
Brendan Fraser (A Baleia)
Paul Mescal (Aftersun)
Bill Nighy (Living)
Melhor Atriz
Cate Blanchett (Tár)
Ana de Armas (Blonde)
Andrea Riseborough (To Leslie)
Michelle Williams (Os Fabelmans)
Michelle Yeoh (Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo)
Melhor Atriz Coadjuvante
Angela Bassett (Pantera Negra: Wakanda Para Sempre)
Hong Chau (A Baleia)
Kerry Condon (Os Banshees de Inisherin)
Jamie Lee Curtis (Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo)
Stephanie Hsu (Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo)
Melhor Ator Coadjuvante
Brendan Gleeson (Os Banshees de Inisherin)
Brian Tyree Henry (Causeway)
Judd Hirsch (Os Fabelmans)
Barry Keoghan (Os Banshees de Inisherin)
Ke Huy Quan (Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo)
Melhor Direção
Martin McDonagh (Os Banshees de Inisherin)
Daniel Kwan e Daniel Scheinert (Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo)
Steven Spielberg (Os Fabelmans)
Todd Reid (Tár)
Ruben Ostlund (Triângulo de Tristeza)
Melhor Animação
Pinóquio por Guillermo del Toro
Marcel the Shell with Shoes On
Gato de Botas 2
A Fera do Mar
Red: Crescer é uma Fera
Melhor Curta de Animação
The Boy, The Mole, The Fox and the Horse
The Flying Sailor
Ice Merchants
My Year of Dicks
An Ostrich Told Me The World is Fake and I Think I Believed It
Melhor Roteiro Original
Os Banshees de Inisherin
Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo
Os Fabelmans
Tár
Triângulo de Tristeza
Melhor Roteiro Adaptado
Nada de Novo no Front
Glass Onion: Um Mistério Knives Out
Living
Top Gun: Maverick
Women Talking
Melhor Curta em Live-Action
An Irish Goodbye
Ivalu
Le Pupille
Night Ride
The Red Suitcase
Melhor Design de Produção
Nada de Novo no Front
Avatar: O Caminho da Água
Babilônia
Elvis
Os Fabelmans
Melhor Figurino
Babilônia
Pantera Negra: Wakanda Para Sempre
Elvis
Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo
Sra. Harris vai a Paris
Melhor Documentário
All That Breathes
All the Beauty and the Bloodshed
Fire of Love
A House Made of Splinters
Navalny
Melhor Documentário em Curta-Metragem
The Elephant Whisperers
Haulout
How Do You Measure a Year?
The Martha Mitchell Effect
Stranger at the Gate
Melhor Som
Nada de Novo no Front
Avatar: O Caminho da Água
Batman
Elvis
Top Gun: Maverick
Melhor Direção de Fotografia
Nada de Novo no Front
Bardo
Elvis
Empire of Light
Tár
Melhor Edição
Os Banshees de Inisherin
Elvis
Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo
Tár
Top Gun: Maverick
Melhores Efeitos Visuais
Nada de Novo no Front
Avatar: O Caminho da Água
Batman
Pantera Negra: Wakanda Para Sempre
Top Gun: Maverick
Melhor Maquiagem e Cabelo
Nada de Novo no Front
Batman
Pantera Negra: Wakanda Para Sempre
Elvis
A Baleia
Melhor Filme Internacional
Nada de Novo no Front (Alemanha)
Argentina, 1985 (Argentina)
Close (Bélgica)
EO (Polônia)
The Quiet Girl (Irlanda)
Melhor Trilha Sonora Original
Nada de Novo no Front
Babilônia
Os Banshees de Inisherin
Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo
Os Fabelmans
Melhor Canção Original
Diane Warren – “Applause” (Tell It Like a Woman)
Lady Gaga – “Hold My Hand” (Top Gun: Maverick)
Rihanna – “Lift Me Up” (Pantera Negra: Wakanda Para Sempre)
M.M. Keeravaani e Chadrabose – “Naatu Naatu” (RRR)
Ryan Lott, David Byrne, Mitski – “This Is a Life” (Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo)
Michelle Yeoh, a primeira asiática a ganhar o Oscar de melhor atriz.
Você pode até não ter gostado de "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo", pode ter achado tudo aquilo uma loucurada sem fundamento, mas não tem como negar que poucas vezes se viu algo parecido. Drama, comédia, aventura, uma montagem alucinante, uma história dentro da outra, várias histórias dentro de uma, universo, multiverso, personagens que não são aquilo que parecem, outros que são vários ao mesmo tempo... Até por tudo isso, pelo ineditismo, pela originalidade, pela ousadia, acho que a Academia não tinha como ignorar o fenômeno que estamos presenciando. O filme dos "Daniels", Kwan e Scheinert, levou 7 das onze estatuetas que disputou na noite de ontem, na cerimônia do Oscar, em Los Angeles e entrou para a galeria dos grandes vencedores, daqueles que além de fazer quantidade, levam os prêmios mais significativos, aqueles que atestam a majestade da obra, melhor filme e diretor. A produção alemã "Nada de novo no front" foi outro destaque da noite, levando 4 prêmios, incluindo filme internacional. "A Baleia" ficou com dois, um deles para a excepcional atuação de Brendan Fraser, batendo o também impressionante Elvis de Austin Butler. De resto, os prêmios ficaram bem distribuídos. O ótimo "Pinóquio", de Guillermo Del Toro, com muita justiça, levou o prêmio de melhor animação; os badalados "Avatar" e "Top Gun: Maverick", ganharam um prêmio técnico, cada um e o novo "Pantera Negra" levou o de melhor figurino.
"Tudo em todo lugar ao mesmo tempo", dominou também os prêmios de atuação, o que não chega a ser uma surpresa para mim, embora minhas preferências, nos três casos, melhor ator e atriz coadjuvantes e atriz, fosse diferente das escolhidas, especialmente no último caso, na qual considerava a atuação de Cate Blanchett, por "Tár" absolutamente incrível e superior, embora não veja nenhum absurdo no reconhecimento da Academia pela ótima e versátil performance de Michelle Yeoh.
No mais, emocionantes discursos da própria Yeaoh, valorizando a mulher e desfazendo tabus e mitos sobre a idade; de seu parceiro de filme Ke Huy Quan, vencedor como coadjuvante; da figurinista de "Pantera Negra", Ruth E. Carter, enfatizando o valor da mulher negra; do emocionado Brendan Fraser, cuja carreira parecia ter ido pelo ralo até, de repente, ressurgir com um papel dessa magnitude; e ainda da esposa do ativista russo Alexei Navalny, que encontra-se preso por sua luta contra o regime de Vladimir Putin, retratado no documentário "Navalny", vencedor em sua categoria.
Quer conhecer também todos os outros vencedores? Dá uma olhada, então, aí.
Segue abaixo a lista com todos os ganhadores do Oscar 2023:
- Melhor Animação: Pinóquio
- Melhor Ator Coadjuvante: Ke Huy Quan - Tudo em todo lugar ao mesmo tempo
- Melhor Atriz Coadjuvante: Jamie Lee Curtis - Tudo em todo lugar ao mesmo tempo
- Melhor Documentário: Navalny
- Melhor Curta-metragem: The Irish Goodbye
- Melhor Fotografia: Nada de novo no front
- Melhor Cabelo e Maquiagem: A Baleia
- Melhor Figurino: Pantera Negra: Wakanda Forever
- Melhor Filme Internacional: Nada de novo no front
- Melhor Documentário em Curta-metragem: Como cuidar de um bebê elefante
- Melhor Curta-metragem de Animação: O menino, a toupeira, a raposa e o cavalo
- Melhor Direção de Arte: Nada de novo no front
- Melhor Trilha Sonora Original: Nada de novo no front
- Melhores Efeitos Visuais: Avatar, O Caminho da Água
- Melhor Roteiro Original: Tudo em todo lugar ao mesmo tempo
- Melhor Roteiro Adaptado: Entre Mulheres
- Melhor Canção Original: Naatu Naatu - RRR
- Melhor Som: Top Gun: Maverick
- Melhor Montagem: Tudo em todo lugar ao mesmo tempo
- Melhor Direção: Daniel Kwan e Daniel Scheinert - Tudo em todo lugar ao mesmo tempo
- Melhor Ator: Brendan Fraser - A Baleia
- Melhor Atriz: Michelle Yeoh - Tudo em todo lugar ao mesmo tempo
O título do filme já antecipa o que temos em pouco mais de duas horas.
"Nada de novo no front", produção da Netflix, com nove indicações ao Oscar, incluindo melhor filme e melhor filme internacional, na minha opinião, é apenas mais um filme de Primeira Guerra Mundial. Bem feitinho, bem acabado, bem desenvolvido, ok, mas sinceramente, já vi coisas melhores acerca do assunto e muito mais impactantes visual e dramaticamente. "Lawrence da Arábia", de David Lean, e todo seu deslumbre cinematográfico; "Glória Feita de Sangue", de Kubrick, com toda sua questão ética e humana; o recente "1917", de Sam Mendes, com sua corajosa proposta de filmagem contínua. Todos, para mim, mais impactantes que o novo "Nada de Novo no Front", refilmagem do clássico de 1930, de Lewis Milestone.
Não me entendam mal: o filme não é ruim. Boa direção, bela fotografia, tem toda a questão humana do "roubo" da juventude, do desperdício de vidas promissoras, enquanto velhos barrigudos com bigodes retorcidos decidem a vida desses jovens como se fossem peças de um joguinho de tabuleiro, mas parece que não tem nada muito além disso, e isso a gente vê em um monte de filmes de guerra.
Na história, um grupo de jovens idealistas, alista-se no exército alemão com a expectativa de heroísmos, glórias e honras à pátria mas, assim que pisam no campo de batalha percebem que a realidade não seria o jardim de infância que imaginaram. Expostos a inúteis e suicidas missões de ataque, tudo que os garotos encontram pelo caminho é, simplesmente, barbárie, crueldade, mutilações, fome, frio, dor e morte, em meio às trincheiras e os campos gelados no norte da França. Paralelamente aos combates, burocratas e militares, devidamente protegidos e abrigados em suas mansões ou instalações especiais, decidem, sem pressa e com indiferença sobre um possível cessar-fogo, ao redor de suas mesas fartas e bem servidas.
Retrato típico do que representa uma guerra, ainda nos dias de hoje, mas muito mais naquela época em que os combates se davam diretamente, no corpo a corpo e em campo aberto: velhos generais em gabinetes entregando jovens à morte, em nome de soberania, territórios, orgulho, religião, ou seja lá o que for. Enquanto via o filme, e ainda agora, lembro muito da letra de "A Canção do Senhor da Guerra", de Renato Russo muito precisa na descrição dessa situação: "Existe alguém que está contando com você/ pra lutar em seu lugar já que nessa guerra / não é ele quem vai morrer/ E quando longe de casa/ ferido e com frio o inimigo você espera/ ele estará com outros velhos/ inventando novos jogos de guerra". E não é isso mesmo?
"Nada de novo no front" pode sair da cerimônia do Oscar, no dia 12 de março, consagrado e com um caminhão de estatuetas, mas não vai mudar muito minha impressão sobre ele... Um bom filme, legal, terror da guerra, beleza, mas... para mim, deixa aquela impressão de "já vi esse filme antes". Sem nenhuma novidade no Oscar.
No alto, à esquerda, o jovem Paul, entusiasmado por ingressar no exército ao lado, a belíssima fotografia numa das cenas de combate; abaixo, dois dos momentos mais intensos e chocantes do filme: os tanques avançando sobre as trincheiras e os soldados franceses usando lança-chamas contra o que os blindados não conseguiram amassar.
“Marte Um” é um dos melhores filmes brasileiros do século
XXI e um dos melhores do cinema nacional. Mas por que abrir falando deste
filme e não de “Argentina, 1985”? Pelo fato de que, mais uma vez, o Brasil não é
representado no Oscar. O filme de Gabriel Martins era o candidato brasileiro a
concorrer à estatueta, o que não se confirmou mais uma vez como vem ocorrendo
há 25 anos, desde “Central do Brasil”, em 1998. E por que a comparação entre os
países? Porque, embora “Marte Um” tenha sido preterido a títulos de outros quatro países que não só a Argentina, é inevitável a comparação entre o cinema feito no
Brasil e na terra de Gardel, vizinhos e afins em uma série de aspectos. O fato
é que este último vem, há aproximadamente duas décadas, se sobrepondo
de tal maneira ao primeiro – inclusive no próprio Oscar, com a indiscutível
vitória de “O Segredo dos Seus Olhos”, em 2004, e a indicação de “Relatos Selvagens”, em 2015 – que chega a eclipsar um grande filme como “Marte Um”.
Esta comparação denota o quanto o cinema argentino soube
encontrar o seu lugar na indústria internacional. “Argentina, 1985” traz as
qualidades e o hibridismo que caracterizam a produção audiovisual recente dos
hermanos. Baseado em fatos reais, o filme conta a história dos promotores
públicos Julio Strassera (o lendário Ricardo Darín) e Luís Moreno Ocampo (Juan
Pedro Lanzani, ótimo no papel) e sua jovem equipe, que tomam a inédita missão
de processar os militares da ditadura argentina. Sob forte pressão política,
pública e militar, a dupla encabeçou uma longa pesquisa antes de começar a julgar
os cabeças do regime argentino naquele que é conhecido como
Julgamento das Juntas. O processo todo ouviu 850 testemunhas e durou cerca de 530 horas de audiência, vindo a resolver-se no fatídico ano que denomina o título.
Impressiona a capacidade do cinema argentino de saber contar
histórias de forma equilibrada e sem pesar demasiadamente para o superficial ou
para o denso. Isso coloca a obra no difícil limiar entre o cinema de arte e o
filme popular, química facilmente identificada em outros títulos argentinos
como “Família Rodante”, “Um Conto Chinês” e “Medianeiras”. No longa de Santiago
Mitre, há sempre porções bem conjugadas de drama, humor, romance e registro
histórico-documental. Neste ponto, a reconstituição de cenas, principalmente as de tribunal, são capazes de fazer reviver o passado. Além disso, o roteiro vale-se do recurso da construção de
narrativas “paralelas” (o pretensamente perigoso namoro da filha Strassera) e a
complementaridade de perfis entre os personagens, o que transmite uma percepção
de coesão ao espectador.
Recuperando a história: acima, foto do julgamento original; abaixo, a reconstituição do filme
Há de se ressaltar também aquele que é a cara e o coração do
novo cinema argentino: Ricardo Darín. Em mais um exímio papel, ele interpreta Strassera
com a habilidade cênica a que o público já se acostumou. Resultado este, porém,
nada fácil de se encontrar, visto que perscruta a alma do personagem. O público sabe o que isso quer dizer, basta lembrar de seu protagonismo em
filmes como “Neve Negra”, “A Odisseia dos Tontos”, “Koblic”, “Truman” e nos já
citados “O Segredo dos Seus Olhos” e “Relatos Selvagens”. A entrega de Darín é
tocante, pois capaz de transmitir as inseguranças, as mudanças e os conflitos
deste funcionário público tão essencial para a história recente da Argentina,
humanizando-o para o espectador. Mais do que humanizá-lo, é um trabalho de
recriação e materialização de um personagem que supera o simples cargo de um promotor. É. sim, um símbolo da democracia, da justiça e de resistência.
Darín em mais uma atuação de pura entrega
Afora estes aspectos técnicos comumente impecáveis no cinema
da Argentina, este também cumpre outra função fundamental, visto que espelha
questões culturais e sociológicas que muito servem de exemplo para a América
Latina (incluso Brasil). A porta aberta pelo corajoso e também oscarizado “A
História Oficial”, de 1985, denota a consciência de um povo latino-americano
que não foge ao compromisso cívico de mexer nas próprias feridas. A sangrenta ditadura que acometeu o país é talvez a principal delas. No momento em que
vizinhos como o Brasil saem de um período de trevas pelo conflito permanente
entre o comando de um ditador e um regime democrático, bem como a ebulição
política recente de países como o Chile, Peru, Nicarágua e Bolívia por motivos semelhantes,
que é a sombra fétida do totalitarismo, filmes como “Argentina, 1985” têm muito
a ensinar.
Tudo indica que a Argentina levará mais uma vez a estatueta
para casa. A se medir pelo grande adversário, o alemão “Nada de Novo no Front”
(o qual também concorre a Melhor Filme, pelo qual pode ganhar), a obra de Mitre tem tudo para deixar
este e os outros para trás. Assim como deixou o belo “Marte Um”, que por melhor
que seja, evidencia o quanto não o Brasil, mas a Argentina achou o caminho para
um cinema representativo da América Latina.
Clint Eastwood tem baseado sua carreira como realizador na busca e identificação do herói americano. Ou do anti-herói. Desde o começo de sua carreira, no seriado “Rawhide” ou nos gloriosos spaghetti-westerns de Sérgio Leone, Clint se interessa pela figura mítica que, em tempos idos, salvava o mundo de suas mazelas. Assim aconteceu com “Dirty Harry”, o vigilante que fazia a justiça pelas próprias mãos. Só que poucos notaram que Harry Callahan era um policial. Portanto, autorizado pela sociedade para fazê-lo. Seus cowboys – o pistoleiro sem nome de “High Plains Drifter” ou “Josey Wales, o fora -da-lei” - reforçavam este mito, destruído depois pelo próprio Clint em “O Cavaleiro Solitário” onde interpretava um pregador e, especialmente em “Os Imperdoáveis”, onde o personagem Will Munny era um pistoleiro aposentado. Mesmo nos filmes em que não protagoniza, como “Um Mundo Perfeito”, “Sobre Meninos e Lobos” e “Invictus”, a figura do herói aparece, mesmo que combalida. Por outro lado, em filmes como “Bird”, “A Conquista da Honra” e “J.Edgar”, o herói é falho, humano, cheio de defeitos, como o Walt Kowalski de “Gran Torino”, um ex-combatente de guerra que odeia seus vizinhos descendentes de coreanos, mas que passa a vê-los com outros olhos, diante de uma ameaça maior. Se antigamente Eastwood acreditava no poder do herói, a partir de um determinado momento, começa a analisar as causas desta mitologia ufanista reforçada em inúmeros filmes vindos de Hollywood.
Bradley Cooper como um herói de guerra
cheio de conflitos internos
Seu filme mais recente, “Sniper Americano” segue esta trilha. Chris Kyle, interpretado com sensibilidade por Bradley Cooper, é um jovem americano fixado no mito do cowboy e do culto às armas, além de uma postura masculina, incentivada por seu pai. Aos 30 anos, depois de ver o ataque às Torres Gêmeas, Kyle se alista e se transforma num sniper, atirador de elite, que consegue o status de “ter matado mais de 160 pessoas” no Iraque. Através de flashbacks, o diretor procura explicar as motivações de um jovem americano em servir à pátria, mesmo que isso seja prejudicial à sua vida civil e, especialmente, seu casamento. Os dramas de consciência de Chris Kyle são muito bem colocados na primeira missão que vemos. Uma criança carrega uma granada em direção às tropas americanas e o sniper tem de decidir se mata ou não o jovem. Este conflito irá se repetir durante todo o filme, mesmo que Kyle sempre tenha consigo a certeza de servir a pátria. O interessante é que este é o mesmo Clint Eastwood que fez “O Destemido Senhor da Guerra”, onde usava a ficção para defender a invasão americana em Granada no ano de 1983. Apesar de seu passado republicano, o diretor parece ter enxergado além da visão maniqueísta de mocinhos e bandidos. Ele conduz com habilidade as cenas de combate, alternando-as com a vida cotidiana de Kyle com sua esposa (Sienna Miller) e seus filhos. Depois de um grande tempo para se readaptar à vida em sociedade, espantando seus fantasmas, Kyle chega ao final do filme aparentemente pronto para enfrentar o dia-a-dia. Uma análise mais simplista poderia dizer que “Sniper Americano” é um filme ufanista. Clint Eastwood usa todo seu arsenal narrativo – aprendido certamente com o seu mestre Don Siegel – e impede o discurso final. Aos 85 anos a serem completados em maio, podemos exagerar e dizer que Clint Eastwood chegou em sua maturidade criativa. Grande e poderoso filme. ************************************* Consigo Mesmo Sob a Mira porDaniel Rodrigues
Bradley muito bem no papel do sniper Chris Kyle
Há anos acompanho direto nas salas de cinema cada estreia de Clint
Eastwood, um mestre por trás das câmeras que, como ator, foi dirigido por
grandes cineastas (Leone, Siegel, De Sica, Cimino) e aprendeu muito bem com
eles. Meu acompanhamento tão de perto de sua obra não é à toa, pois, mesmo já dirigindo
desde os anos 70, foi desde os 80 que Eastwood se estabeleceu como um dos
maiores de sua arte no cinema atual. Não só pela capacidade de contar bem uma
história, com classe e sensibilidade, mas por sua abordagem invariavelmente
consciente e pessoal dos temas, muitas vezes revelando mazelas de sua própria
sociedade, a dos Estados Unidos.
Pois mais uma vez o velho Eastwood, no auge de seus 84 anos, toca em
feridas mal curadas de seu povo. E que ferida. O ótimo “Sniper Americano”, produção concorrente ao Oscar de Melhor Filme e
mais 5 estatuetas (ator, roteiro adaptado, edição, edição de som e mixagem de
som), não apenas traz um assunto espinhoso como, para além disso, atinge o
talvez mais maléfico problema dos norte-americanos para com o mundo e consigo
mesmos: a cultura bélica e armamentícia. Adaptação do livro “American Sniper:
The Autobiography of the Most Lethal Sniper in U.S. Militar History”, conta a
história real de Chris Kyle (Bradley Cooper, muito bem no papel), um atirador
de elite das forças especiais da marinha americana que, durante cerca de dez
anos de operação militar no Iraque, matou mais de 150 pessoas, tendo recebido
diversas condecorações por sua atuação. Um sucesso tão funesto como este não
poderia, entretanto, ter saído impune na forma de ver de Eastwood. As marcas
são perceptíveis quando o soldado retoma a “vida normal” ao retornar da guerra.
Ele não sai do front, nem quando não está fisicamente nele. A objetividade
cega, pueril e insensível de Chris o mutila psicologicamente tanto quanto seus
ex-colegas que perderem partes do corpo físico. Ele é incapaz de amar a esposa,
de sensibilizar-se e nem de se considerar a “Lenda” como o chamam: sua sina é apenas
“defender seu território” a qualquer preço.
Até aí, outros filmes também mostraram os traumas de guerra e as
dificuldades sociais de ex-combatentes das várias que os EUA já se enfiaram, de
“Sob o Domínio do Mal”, de 1962 (Coréia) e “Taxi Driver”, de 1976 (Vietnã), a “A
Volta dos Bravos”, de 2006, (Iraque) para ficar em apenas três guerras e três
títulos. Ocorre que, desta vez, é Eastwood quem volta suas lentes para o
problema, e isso é de uma dimensão muito maior no atual cinema de Hollywood. Com
um olhar sem hipocrisia – embora ele não esconda seu patriotismo –, Eastwood vai
mais fundo no entendimento psicológico da questão. Não é só a guerra e seus
problemas posteriores: o nascedouro é essencial de ser compreendido. Ao contar
a biografia de Chris até chegar ao exército, o cineasta deixa claro o quanto
está incutida nas raízes do norte-americano o mito às armas e ao combate. Caubói
fracassado que atirava em animais desde criança para brincar de mira, o
personagem se transforma (após assistir pela TV sobre um atentado terrorista à
Embaixada dos EUA no Iraque e, principalmente, os ataques do 11 de Setembro), em
um militar combativo e sedento por justiça. Suas fragilidades e frustrações são,
assim, camufladas pelo uniforme e até ganham status de qualidade, uma vez que
se transfiguram em capacidade de combater com competência e assertividade.
Com este substrato, Eastwood nos dá uma aula de condução narrativa. Além
das construções psicológicas precisas das personagens, os flashbacks da
infância de Chris, quando ele aprende em casa com o pai a lei de Talião, e o
presente, antes de ir para a guerra ou entre uma operação e outra, se
indistinguem. Igualmente, as cenas que intercalam rapidamente entre a brutal
preparação na SEAL e início de sua relação com a esposa até o casamento dão bem
a ideia de que este pensamento bélico faz para do dia a dia. Mais que isso: de
que nada é superior a tal. Se Chris é elevado a herói por seus feitos, como
cidadão ele é totalmente deslocado, sem capacidade de interagir e viver com
felicidade. A visão de Eastwood transparece até na fotografia, que muda apenas
quando a história se passa no Oriente Médio. Nos Estados Unidos, seja passado
ou presente, a luz, a coloração e a textura são as mesmas, pois tudo faz parte
de um único nefasto e contínuo ideário selvagem ao mesmo tempo assassino e
suicida.
Por falar em fotografia, a do craque Tom Stern (de clássicos como
“Beleza Americana” e “Cão Branco” e das parcerias com Eastwood em vários filmes
como “Dirty Harry na Lista Negra”, “Bird” e “Os Imperdoáveis”), é brilhante. Principalmente nas excelentes
cenas de batalha, as quais não se restringem somente ao PV do ângulo privilegiado
do atirador, mas também de campo, com travellings,
câmera na mão e panorâmicas muito bem executadas. O conceito fotográfico lembra
bastante o de outras referenciais realizações sobre o tema das guerras promovidas
pelos EUA contra países islâmicos: “Guerra ao Terror” (Bigelow, 2008), também Iraque, e “O Grande Herói” (Berg, 2014), no Afeganistão. Ponto alto e de total diferenciação
em “Sniper”, no entanto, é a sequência da tempestade de areia, justo no momento
em que se travava um tiroteio entre a tropa americana e os soldados de Bin
Laden. Nesta, Stern consegue um resultado interessantíssimo, pois totalmente
inteligível para o espectador mesmo numa fotografia em que se desenham apenas
vultos escurecidos sobre uma textura granulada marrom esverdeada.
Tudo isso é mérito de Clint Eastwood, certo? Os norte-americanos não
acham bem assim. Como se sabe, a Academia do Oscar acompanha em muito o
sistema, haja vista as preferências, vícios e injustiças históricas que já se promoveram
na premiação. Neste caso, “Sniper Americano” concorre e é dos favoritos, mas não
aquele que o fez chegar a esse patamar. Estranho, né? Nem tanto, pois talvez
Eastwood, com sua clareza e olhar sem concessões (como já fizera muito bem em
“Gran Torino”, “Sobre Meninos e Lobos”, principalmente), talvez tenha ido um
pouco longe na densa análise do ser do norte-americano. A característica do
belicismo e do mito ao caubói está no cerne da sociedade, e expô-la de maneira
tão real – ou seja, não escondendo que há consequências para este tipo de
atitude – é vexatório na mentalidade auto-heroica e competitiva daquele país. Afinal,
isso justifica uma série de atos e políticas que sustentam o poderia dos EUA.
Além do mais, o “gelo” que a Academia dá a Eastwood, como já fizera com
os igualmente opiniáticos e figurões Spielberg, Copolla e Scorsese, também é
uma maneira de dizer: “Velho, nós te exaltamos
e nos orgulhamos do teu talento, mas tu já ganhaste duas estatuetas (“Os
Imperdoáveis” e “Menina de Ouro”, 1992 e 2004, respectivamente), então: baixa a
bola”.
Espero sinceramente que pelo menos o Melhor Filme venha para “Sniper
Americano”, o mais hollywoodiano dos postulantes junto com “Selma” e “A Teoria
de Tudo”. Embora não tenha visto todos, parece-me que "Birdman", "Whiplash", "O Grande Hotel Budapeste" e "Boyhood" (que tem o agravante de já ter levado o
também yankee Globo de Ouro), os
outros concorrentes nesta categoria distanciam-se mais do “cinemão”, o que dá
vantagem ao filme de Eastwood. Ainda
mais considerando que, depois de uma fase de necessária renovação em que, no
início dos anos 2000, a Academia premiou como Melhor Filme produções de linha
alternativa, como “Crash” e "Quem Quer Ser Um Milionário?", a mesma voltou a um
julgamento mais tradicional nos últimos anos. Tenho certeza de que, se ganhar,
Eastwood subirá ao palco do Dolby Theatre, em Los Angeles, com aquele sorriso
simpático e sábio no rosto de quem se sentirá indiretamente vencedor também
como diretor.
Todo mundo tem mãe e, como não podia deixar de ser, no cinema, todo personagem tem mãe. Muitas vezes elas não são mencionadas, não aparecem, são secundárias, não tem sequer relação com a história, mas sabemos que elas existem. Contudo, em outros casos, elas são tão essenciais ou têm participação tão destacada na trama que é impossível não lembrar delas. o ClyBlog destaca algumas dessas mães aqui. Sei que cometeremos injustiças, vai faltar uma que outra, alguém vai dizer que essa ou aquela não podia faltar, mas procuramos fazer uma lista interessante e heterogênea em características, estilos, época, nacionalidade, ambiente, gênero cinematográfico, etc.
Então, vamos à lista:
*(Cuidado! Pode conter spoilers)
************
Ela, inatingível, pairando sobre tudo.
1. "O Espelho", de Andrey Tarkovski (1975) - Para
mim, desde que vi pela primeira vez, "O Espelho", filme semiautobiográfico
do diretor russo Andrei Tarkovski, representa uma obra sobre mães. No filme
Maria (Margarita Terekova), uma mãe abandonada pelo marido, voluntário para o exército, vive com
seus dois filhos em uma propriedade campestre e ali acompanhamos parte do
cotidiano desse núcleo familiar corajosamente conduzido por uma mulher. Filme
cheio de simbologias e metáforas, embora traga elementos como infância,
saudade, nostalgia e seja passível de diversas interpretações, para mim, é a
maternidade o elemento que mais chama atenção e emociona. O olhar e as imagens
sempre poéticas de Tarkovski mostram aquela mulher como uma espécie de entidade
superior, uma criatura inabalável, altiva, incólume, impenetrável, mesmo com o
mundo desabando à sua volta. A cena de sonho em que ela flutua, elevada da
cama, confere a ela ares de divindade, de magia, de alguém com um poder
inexplicável que talvez até ela mesmo desconheça. E, na maioria das vezes, não
é bem assim que são nossas mães?
2. "Psicose", de Alfred Hitchcock (1960) - Esse é o caso de uma mãe que
é fundamental para a trama mas, na verdade, não está presente fisicamente
o tempo inteiro durante o filme. Hitchcock, genial como era, até nos deixa com
a pulga atrás da orelha num primeiro momento, sugerindo alguma farsa ou
assombração, uma vez que nos tornando conhecedores do fato que a mãe do dono do
motel, Norman Bates, está morta, faz aparecer um vulto feminino na janela da
casa, nos deixa ouvir uma bronca de voz feminina envelhecida no filho Norman e,
por fim mostra-nos uma senhora de cabelos brancos e coque esfaqueando a cliente
loura no chuveiro, numa das cenas mais clássicas do cinema. "Como
assim?", pergunta-se o espectador de primeira viagem. Acho que não
vou dar *spoiler porque a essas alturas, mesmo quem não viu, está
cansado de saber que é o próprio Norman que, perturbado e esquizofrênico assume
o papel da mãe, vestindo-se como ela e punindo quem quer que seja que venha a
despertar algum tipo de desejo no reprimido Norman.
É incrível mas uma das mães mais célebres do cinema, não está
verdadeiramente no filme. Loucura!
"Psicose" e sua famosa cena do chuveiro.
3. "O Bebê de Rosemary", de Roman Polanski (1968) - Rosemary (Mia Farrow) é uma
futura mãe que pressente uma ameaça ao filho que ainda está em sua
barriga, vinda de seus vizinhos, um casal de velhotes estranhos e enxeridos e,
por incrível que pareça, de seu próprio marido. Tudo começa quando se mudam
para o novo apartamento, conhecem os vizinhos e não muito tempo depois, o
esposo, um ator pouco valorizado, ganha um papel importante em um filme em
virtude da morte do ator que interpretaria o papel. O marido passa agir
estranhamente, os velhos passam a estar constante e inconscientemente presentes
em sua casa e sua vida e até mesmo administram à grávida uma estranha dieta à
base de algumas ervas de origem e efeitos duvidosos. Aos poucos Rosemary,
fragilizada física e emocionalmente, começa a desconfiar estar sendo
vítima de alguma espécie de seita para a qual o bebê que leva dentro de si,
provavelmente, virá a ser elemento chave.
Paranoia, imaginação, ansiedade, fantasia, reflexo de sua fraqueza física,
estresse da gravidez? Exagero ou não, essa mãe vai brigar até o último instante
para proteger seu filho de algo que, na verdade, nem ela sabe bem ao certo do
que se trata mas que, pelo que vai se apresentando a ela, parece algo muito,
muito maligno.
4. "Sexta-Feira Muito Louca", de Mark Walters (2003)
- Quantas vezes já não ouvimos que só estando no lugar da outra pessoa para
saber como ela se sente, não? Pois é, "Sexta-Feira Muito Louca"
promove essa possibilidade justamente em uma relação de uma mãe e uma filha.
Relação difícil, intolerância, falta de compreensão mútua... Só mesmo uma troca
de corpos para fazer com que cada uma perceba as dificuldades da vida da outra.
E nessa confusão quem sai ganhando é o espectador com situações muito
divertidas, com Jamie Lee Curtis fazendo uma adolescente no corpo de uma
"coroa", e da maluquete Lindsay Lohan curtindo uma de senhora
responsável presa num corpo de garota de colégio. Mamãe vai entender, ou talvez
lembrar, que existe pressão por notas, coleguinhas implicantes e insuportáveis,
professores chatos, paqueras, necessidade de privacidade, tempo para lazer,
etc. e talvez, a partir de tudo isso, se remodelar; e a filhota vai perceber
que ser mãe, ter obrigações, preocupações, casa, trabalho, e, principalmente
filhos aborrecentes, não é tarefa para qualquer uma.
Mães e filhas e suas histórias.
5. “Clube da Felicidade e da Sorte”, de Wayne Wang (1993) – Filme emocionante sobre mulheres que foram filhas, se tornaram mães e viram as filhas se tornarem mães.
Quatro chinesas com histórias diferentes em seu país de origem, vão parar nos Estados Unidos e lá constroem famílias, se conhecem e tornam-se grandes amigas. Muitos anos depois, após a morte de uma delas, Suyuan, é revelado à sua filha June, que as filhas gêmeas que a mãe tivera na China e que abandonara bebês durante a guerra em circunstâncias pouco esclarecidas, às quais todos acreditavam não terem sobrevivido, estavam, sim, vivas e dispostas a conhecê-la. Então, a festa de despedida de June, que embarcará para a China para conhecer as irmãs, serve de pano de fundo para conhecermos as histórias de vida de cada uma delas, de suas dificuldades na China, das particularidades das relações com suas próprias filhas quando crianças, e dos problemas da vida adulta destas como mulheres.
Traumas, reminiscências, roupa-suja, desabafos, remorsos, sacrifícios, esqueletos dentro do armário são trazidos à tona em momentos chave do filme de modo a preencher lacunas em aberto e colocar as coisas nos seus devidos lugares e apenas reafirmar aquilo que todos sabemos: que ela pode ter todos os defeito que tiver, mas que não existe ninguém como a mãe da gente.
6. "Dançando no Escuro", de Lars Von Trier (2000) - Tudo o que Selma queria era guardar um dinheirinho para fazer a cirurgia de olhos de seu filho para que ele não acabasse como ela, quase sem enxergar nada, uma vez que herdara dela a doença progressiva de perda de visão. Mas um vizinho, um policial proprietário do terreno onde ela vive num trailer com o filho, descobre sobre o dinheiro e rouba as economias da pobre coitada que, além de tudo, acabara de ser demitida da fábrica onde trabalhava. Tentando recuperar seu dinheiro, Selma acaba matando o vizinho e é presa por isso. Uma história dura, dramática, pesada, é verdade. Mas a vida de Selma, de certa forma, é embalada e seus momentos difíceis amenizada pela música. Amante dos musicais cinematográficos, Selma foge mentalmente de sua realidade imaginando estar em cenas de filmes musicais onde tudo à sua volta suscita sons e canções, desde as máquinas da metalúrgica onde trabalha ou mesmo passos, enquanto é levada pelos guardas na cadeia.
Filme do sempre controverso Lars Von Trier, com atuação brilhante da cantora Björk, no papel da protagonista, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes.
Eis uma mãe que deu cada centavo de seu trabalho e fez tudo que estava a seu alcance pelo bem do filho. Até as últimas consequências.
"Dançando no Escuro", 107 passos
A maluca mãe de Carrie, disposta tudo para
que a filha continue pura.
7. "Carrie, A Estranha", de Brian De Palma (1976) -
Não tem como falar em mães no cinema e não lembrar da maluca, crente e
super-protetora mãe de Carrie White. Fanática religiosa, Margareth mantém a filha
afastada e alienada em relação ao mundo que a rodeia, expondo a jovem a constrangimentos diários como, por exemplo, o do início do filme em que se desespera
por ter menstruado e é ridicularizada pelas outras meninas no vestiário da
escola. Ah, mas não é uma boa ideia zoar com uma garota como Carrie com poderes
psicocinéticos que se manifestam especialmente quando ela se altera emocionalmente,
e essa galera que adora tocar um terror nos outros, vai entender isso da forma
mais dolorosa possível.
Uma das garotas do bullying no vestiário, verdadeiramente arrependida
e na boa intenção de se redimir com Carrie, convence o namorado, os gostosão da
escola, a convidá-la para o baile, de modo que a esquisitinha se enturme, socialize.
A mãe, brilhantemente vivida por Piper Laurie, tenta evitar de todas as maneiras
que a filha vá, utilizando-se de seus argumentos religiosos, chantagens
psicológicas e sua por fim de sua autoridade de mãe, mas Carrie, decidida a
viver pelo menos um dia de sua vida, começa a mostrar seus poderes em casa,
contra a própria mãe e termina de fazê-lo na festa, onde vítima de um trote de
muito mau gosto, do restante da turminha da pesada, proporciona um banho de
sangue em uma das cenas mais marcantes da história do cinema.
A velha podia ser louca, mas não dá pra dizer que ela não
avisou.
Sarah Connor não vai permitir que robô nenhum
se meta com seu filho.
8. "O Exterminador do Futuro II – O Julgamento Final", de James Cameron
(1991) - Tá certo que no início, lá no primeiro filme, por mais que tivesse
sido informada por um carinha do futuro que seria a mãe de um líder da
resistência humana numa guerra contra as máquinas, Sarah Connor estava mais
interessada era em salvar a própria pele do que de um bebê que, a bem da verdade,
ela nem tinha certeza se viria a existir mesmo. Mas a partir do momento que se
convenceu, da pior forma possível, depois de ter sido perseguida por um
ciborgue sanguinário e impiedoso, de que o papo de apocalipse das máquinas era
quente, foi determinada em ter a criança e, no pouco tempo em que teve com ele
antes de ser internada num hospital psiquiátrico, em treiná-lo e prepará-lo
para cumprir seu destino no front dos humanos contra as máquinas.
Durante todo o tempo em que esteve mantida no manicômio penitenciário por ter
destruído uma fábrica de eletrônicos e alegar que o fizera porque um robô
exterminador teria vindo do futuro para matá-la e a seu filho, Sarah (Linda Hamilton) sempre
ficou pensando numa maneira de sair dali para proteger o filho. A desconfiança que
o garoto tem, posteriormente no filme, quando a resgata do hospício, de que a
mãe está mais preocupada com a humanidade do que com ele, não demora para se
desfazer diante de toda o amor com que ela o protege.
Ela é fria é pragmática, objetiva, dura, durona, mas não poderia ser de outra
maneira quando se sabe que seu filho, além de já ser naturalmente importante
somente por ser seu filho, pode ser a salvação da humanidade.
9. "Leonera", de Pablo Trapero (2008) - Circunstância estranhas... Um
homem morto, outro ferido, uma mulher inconsciente. Um dos dois seria o
assassino? Teria sido uma quarta pessoa? Por que não ela não lembra de nada?
Teria sido drogada? Ou não quer lembrar? O fato é que nesse mistério todo, a
garota é quem vai parar na cadeia, só que grávida como se encontra, é enviada a
uma instituição onde é permitido que as internas tenham lá seus bebês e depois
permaneçam com as crianças no presídio, até os 4 anos de idade. Revoltada com a
gravidez, relutante e resistente em ter o filho, num primeiro instante, Julia
Zarate (Martina Gusmán), aos poucos vai sendo conquistada pelo seu pequeno rebento e seu
instinto e amor de mãe acabam prevalecendo, fazendo dela uma mãe atenciosa e
carinhosa, mesmo dentro daquele ambiente prisional.
O lugar, mesmo com as características tradicionais de uma instituição carcerária, em
muitos momentos acaba parecendo uma creche e a presença das crianças acaba
iluminando um pouco o lugar e garantindo-lhe, de certa forma, sempre um rasgo
de alegria e esperança.
Só que em meio às situações corriqueiras de um presídio, envolvimentos íntimos,
desavenças com outras internas, visitas do advogado, audiências de apelação,
Julia vê-se às voltas com as investidas de sua mãe para levar o neto dali
daquele ambiente que considera pouco apropriado para a criação de uma criança.
Sob pretexto de tratar um resfriado do menino, a avó consegue convencer a mãe a
tirá-lo de lá, em princípio, apenas para uma consulta médica, com a promessa de
levá-lo de volta. Só que isso não acontece e aí Julia vai fazer de tudo para
ter seu filho de volta.
Filme de uma mãe que até hesita um pouco no ofício divino que lhe é concedido
mas que a partir do momento que se sente mãe, não vai deixar que ninguém tire
isso dela. Uma leoa que protege sua cria a qualquer custo.
10. Kill Bill – vol.2”, de Quentin Tarantino (2004) – No final
do volume 1 é revelado, apenas para o espectador, que a criança que a noiva
baleada na cabeça num massacre numa igrejinha de interior, sobrevivera à chacina. Recuperada
de um coma de quatro anos, a mãe, uma assassina treinada que não perdera seus
instintos mortais, depois de se vingar de parte do grupo
que tentara matá-la, vai agora em busca do líder e ex-amante, Bill. O tempo inteiro, a grande
motivação da vingança de Beatrix Kiddo (Uma Thurman), também conhecida como a Mamba Negra, é
o fato de terem-lhe tirado seu bebê, tanto que a primeira coisa que faz quanto
desperta do coma, sem noção de quanto tempo estivera ali, é levar a mão à
barriga e perceber que não tem mais ali a criança. Aquela é a vingança de uma mãe.
Cada um que sucumbe a ela paga pelo fato de terem lhe tirado a oportunidade de poder
ter um filho, estar perto da criança, curtir cada momento. Ah, todos terão que
pagar por isso! O que ela não contava é que, às portas de seu confronto final,
ao encontrar Bill, encontraria também uma graciosa menina, doce, dengosinha e com
carinha de anjo. Ah, amigos, ela desaba! A determinação com que ela adentra a
vila onde habita o algoz, de arma em punho, pronta para aniquilar o homem que
lhe causara tanto sofrimento e privação, é completamente desestruturada assim
que vê a menina.
Ele, cavelheiresco como é, apesar de seu ofício, permite a
elas algumas horas juntas antes do inevitável duelo final entre os dois, que
serão os momentos mais gostosos e bem aproveitados por aquela mãe. Horas que
valerão por anos, até porque, ela não sabe o que acontecerá assim que sair
daquele quarto e colocar sua espada Hatori Hanzo em ação contra a de seu oponente,
o tão perseguido, Bill.
11. “Volver”, de Pedro Almodóvar (2003) - Almodóvar gosta de destacar mulheres em seus filmes e não raro, trata especificamente de mães, como acontece, por exemplo em "Julieta" (2016), "A Flor do Meu Segredo" (1995) e, é claro, "Tudo Sobre Minha Mãe" (1999). Mas não vamos cair na obviedade de destacar o filme que explicitamente dedica, já no título, sua temática às mães e sim um outro do qual gosto muito e que traz as questões das relações entre mães e filhas de uma maneira mais leve, mesmo contendo elementos dramáticos, polêmicos e sombrios. "Volver" é uma espécie de comédia surrealista onde uma mãe, Irene, brilhantemente interpretada por Carmen Maura, "retorna dos mortos" para alguns acertos, alguns ajustes, uma reconciliação com suas filhas, especialmente com Raimunda, vivida por Penélope Cruz, com quem nunca tivera, em vida, uma relação muito boa. Raimunda, diante da novidade da misteriosa volta da mãe, ainda vê-se às voltas com o assassinato cometido por sua filha adolescente Paula,que matara o padrasto que tentara abusar sexualmente dela. A não ser pelos relatos de Raimunda, não sabemos como era a mãe quando viva, mas o que sabemos é que a Irene "fantasma" é um personagem adorável que dá um brilho todo especial ao filme de Almodóvar. Um filme delicioso com uma mãe que vai nos mostrando, e às filhas, que tudo o que sempre fez, foi protegê-las, assim como a filha Raimunda faz agora em relação à sua pequena Paula. Aquele instinto que passa de mãe para filha.
12. "Indochina", de Régis Wargnier (1992) - Eliane (Catherine Deneuve), dona de uma vasta extensão de seringais na Indochina francesa e mãe adotiva de uma garota indochinesa, se apaixona e tem um romance com um oficial francês da Marinha, Jean-Baptiste, mas o rapaz também cai nas graças da filha Camille em um incidente na rua onde o militar salva sua vida. Em parte por ciúmes, em parte para protegê-la do cenário efervescente pela libertação da colônia, Eliane, rica e influente consegue fazer com que transfiram o oficial para os quintos-dos-infernos, numa ilha, literalmente, lá na cochinchina, de modo que fique longe da filha, imaginando assim que a jovem desista dele e, por fim, o esqueça. Só que aquela mãe não contava que o amor da menina pelo oficial fosse muito maior do que ela imaginava. A menina atravessa o país atrás do seu amor e, agora sem a proteção de sua posição social, como uma indochinesa comum e misturada a seu povo, conhece a relidade local, se afeiçoa à sua gente ele e se solidariza com sua luta pela independência.
A busca e Camille por Jean-Baptiste é comovente e tem momentos verdadeiramente lindos, mas em paralelo a isso, a mãe, verdadeiramente amorosa apesar do ato egoísta, desesperada, não mede esforços para encontrar a menina e move mundos e fundos para tê-la de volta. Mas aí já é tarde, a pequena e frágil Camille já virou uma revolucionária procurada e praticamente uma lenda em seu país.
O fato de ter afastado a filha da pessoa que ela amava pode parecer desqualificar Eliane no quadro das grandes mães. É verdade, ela foi um tanto egoísta, autoritária, até insensível. Mas não se engane, leitor. É o tipo do caso da mãe que acha que está fazendo o melhor para o filho, mesmo que isso tenha que custar algum sacrifício o qual, neste caso específico, era para ambas. A gente até fica com uma raivinha dela durante o filme mas na cena do reencontro das duas é de morrer de pena daquela mãe.
mostrando que mãe adotiva é tão mãe quanto qualquer outra.
"Indochina" - trailer
Uma das mortes clássicas de "Sexta-Feira 13".
Jason aprendeu direitinho com a mamãe.
13. “Sexta-Feira 13”, de Sean S. Cunnigham (1980) – Quando pensamos em “Sexta-Feira 13”, a primeira lembrança que nos vem à mente é o assassino psicopata da máscara de hóquei, Jason Voorhees, mas pouca gente lembra que quem mata no primeiro filme da franquia (* alerta de spoiler) é a mãe de Jason. Sim! Pamela Voorhees traumatizada e perturbada pela morte do filho, afogado por negligência dos monitores do acampamento de Crystal Lake, responsabiliza, de um modo geral, a todos os jovens cheios de vida e resolve que deve se vingar de todos aqueles que venham a acampar no lugar onde o filho morreu. E a mamãe capricha! É um banho de sangue com algumas cenas das mais clássicas do terror slasher como, por exemplo, a que Kevin Bacon, estreando, novinho ainda, tem a garganta atravessada por uma faca, deitado na cama. Caso em que o filho aprendeu direitinho os ensinamentos da mãe pois, dali em diante, nas sequências da franquia, é Jason quem assume o facão e mostra-se extremamente competente em sua tarefa.
Quem assistiu a “Sexta-Feira 13 – parte 1”, jamais vai esquecer a frase, dita com aquela vozinha fininha, imitando a de uma criança, sempre antecedendo mais uma atrocidade: “Mata ele, mamãe!”.
14. "A Troca", de Clint Eastwood (2009) - Agora, imagina se seu filho desaparece, você denuncia o fato às autoridades e depois de algum tempo eles vem pra você com uma outra criança e querem que você engula e aceite aquilo. Cara, é exatamente o que acontece em "A Troca", filme dirigido por Clint Eastwood e estrelado por Angelina Jolie, e o pior é que a coisa toda é baseada num fato real ocorrido em Los Angeles na década de 20.
Aquela mãe insiste, Christine Collins, reafirma que não é o mesmo menino que sumira, tenta provar de todas as maneiras, com os professores, com exames médicos, com fotos, mas a polícia não só tenta lhe impor que é o garoto que ela procura como a acusa de insanidade mental por não reconhecer o próprio filho.
Uma história angustiante em que ficamos cada vez mais envolvidos e torcendo por aquela mãe. Mas infelizmente, amigos, tenho que revelar que a situação só piora.
Caso de uma mulher que não desiste do filho, não desiste da verdade, mas que, mãe solteira, vê-se impotente e cada vez mais sufocada pelas autoridades, pelo machismo e pela conjuntura social de sua época.
15. "Mãe!", de Darren Aronofsky (2017) - Essa é a mãe de todos nós. Salvo outras possíveis interpretações, a Mãe, interpretada por Jennifer Lawrence no filme de Darren Aronofsky, representa mãe natureza, a vida. E tudo o que aquela mãe mais quer é viver em paz e preservar sua casa, que é, na verdade, a nossa casa. A casa em questão, uma propriedade retirada em reformas, é onde ela vive com Ele, um escritor em crise criativa, vivido por Javier Barden, que, vaidoso e inconsequente, permite visitas inconvenientes que cada vez mais vão tumultuando a vida e o lar dos dois. Primeiro são um homem e uma mulher, convidados por Ele (Adão e Eva); depois uma multidão mal-educada que chega para o funeral de um dos filhos do homem e da mulher, morto pelo irmão (Caim e Abel), e com seu mau comportamento, mesmo diante de todas as advertências, acabam causando um enorme vazamento (Dilúvio) e a ira da dona da casa; e por fim, quando ela já está grávida, os convidados que chegam para celebrar a nova obra do escritor que finalmente rompera seu bloqueio criativo e que assim que ela tem o bebê, em meio à sua noite de consagração, exibido, faz questão de levar e entregar seu filho, recém nascido à turba de insensatos que..., (* alerta de spoiler) literalmente, o devoram (Jesus Cristo).
Um filme complexo, para o qual cabem diversas outras interpretações ou variações, mas que não deixa dúvida quanto a uma coisa: o zelo que uma mãe tem pelo seu lar e pelos seus.
À parte as reflexões religiosas, com "Mãe!" você vai entender melhor o desespero da sua mãe quando chegava em casa e via aquele lugar de cabeça pra baixo.
Alguns outros filmes com mães marcantes que merecem destaque e poderiam perfeitamente estar na nossa lista:"O Óleo de Lorenzo", de George Miller (1992); "Mamãe Faz Cem Anos", de Carlos Saura (1979); "Mommy", de Xavier Dolan (2014); "Minha Mãe é Uma Peça", de André Pellenz (2013); "Tudo Sobre Minha Mãe", de Pedro Almodóvar (1999); "Mom", de Ravi Udyawar (2017); "Que Horas Ela Volta?", de Anna Muylaert (2015); "O Quarto de Jack", de Lenny Abrahamson (2016); "Precisamos Falar Sobre Kevin", de Lynne Ramsay (2012), "Juno", de Jason Reitman (2008); "Zuzu Angel", de Sérgio Rezende (2006)