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segunda-feira, 18 de julho de 2022

Lee Morgan - "Lee-Way" (1961)

 

"Todos ficavam espantados: tinha um garoto que tocava como um veterano e tinha grandes ideias. Ninguém restava dúvida 
de que ele seria uma estrela." 
Charli Persip, baterista da orquestra de Dizzie Gillespie

Mais de uma vez já falamos aqui sobre a trágica morte de Lee Morgan, dada a narrativa novelesca que envolve o crime (foi alvejado pela própria esposa, Helen) como, principalmente, pela prematuridade da perda deste grande talento da história do jazz. Contudo, não há o que lamentar. Nos pouco menos de 34 anos que viveu e dos 15 em que produziu, desde seu surgimento através da orquestra de Dizzie Gillespie e da banda Art Blakey, na segunda metade dos anos 50, até sua partida, que completa 50 anos em 2022, o trompetista edificou uma das mais notáveis obras da discografia jazz moderna. Com o aval e a qualidade técnica do selo Blue Note, Morgan deu a largada na carreira solo em 1956 e só parou no fatídico 19 de fevereiro de 1971. 

Embalado, ele começava os anos 60, seus mais produtivos, com mais de 10 discos entre próprios e em participações protagonistas. Tanto que, no primeiro ano daquela década, não tardou a vir primeira obra-prima: “Lee-Way”, gravado em 1960 e lançado um ano depois. Acompanhado de um supertime que contava com Jackie McLean, no sax alto; Bobby Timmons, ao piano; Paul Chambers, baixo; e o professor Blakey na bateria, Morgan explora todas as vertentes que o influenciaram e compunham o cenário do jazz da época. Hard bop, cool, modal e be-bop e até uma passadinha pela vanguarda: tudo com absoluta fluidez e, às vezes, simultaneamente. É o que se vê na brilhante faixa de abertura, "These Are Soulful Days". Obra de um front man maduro, apesar dos apenas 22 de idade à época, seu arranjo não apenas se constitui desses vários estilos como, principalmente, é possível vê-los hibridizando-se naturalmente. O ouvinte começa escutando um blues elegante, suingado, mas sem perceber, dentro do próprio riff, já está submerso num clima melancólico de cool jazz, quase sensual. Repete-se o chorus e, ao invés de seguir na mesma linha, o compasso cai para um ritmo marchado, dando uma pitada de avant-garde.

E quem começa solando? Morgan? Não: Chambers. Craque do baixo, o homem que já havia entrado para os anais do jazz ao tocar em “Kind of Blue”, de Miles Davis, um ano antes, desfila um estiloso solo. O qual, aliás, grosso modo ele não termina, visto que mantém seu suingue por debaixo do improviso seguinte. De Morgan agora? Não: de Timmons. Mais um lindo solo carregado de alma blueser aproveitando as escalas de Lá e Si. Quem pensa que agora será a vez do band leader, está enganado. Parceiro generoso, Morgan concede a McLean o espaço para uma contribuição carregada de sentimento para, finalmente, entrar em campo. Que improviso com desenvoltura e graça!

"These...” mostra que Morgam sempre soube muito bem abrir um disco, pegando pelo ouvido quem escuta já de pronto. O que se veria em “The Sidewinder” e “Serach for the New Land”, iniciadas com suas memoráveis faixas-título, ou em “The Gigolo”, com outra célebre, “Yes I Can, No You Can't”. Depois, em tese, o trajeto é mais facilitado, certo? Não é esta a escolha do “caminho de Lee”. Em clima de trilha de filme policial, "The Lion and the Wolff" tem no piano um martelado em notas graves extremamente soul e na bateria sincopada de Blakey a base para outro tema excepcional de “Lee-Way”. Morgan, se se conteve na abertura para dar evidência a seus companheiros de banda, aqui é ele quem domina, solando com avidez por 2 min 30’. Mas todos têm espaço. E quando se diz “todos”, é o grupo inteiro, mesmo. Depois de TImmons, Chambers ensaia seu solo e passa a bola para o mestre Blakey dar um show com as baquetas em seu estilo de tocar carregado de africanidade. Mais um hard-bop exemplar.

Mais longo número do disco, com pouco mais de 12 min, a animada "Midtown Blues" traz novamente o blues, literalmente, para o centro das atenções. Outro riff contagiante, outro show de interpretações, outra mostra de sinergia de toda a banda. De autoria de McLean, é Morgan, no entanto, quem dá o sopro inicial em um improviso que joga luz sobre os velhos mestres do Mississipi. O saxofonista é quem entra em seguida com a autoridade de criador que conhece os atalhos. Com justiça, aliás, McLean é o que mais se demora performando, preenchendo quase 5 min da música, que traduz em sons a dinâmica agitada da região central nova-iorquina. Timmons também não deixa por menos ao piano, entregando notas ligeiras e agudas. Fica a Chambers a incumbência de fazer a última parte antes do chorus finalizar com a energia lá em cima.

Se a elegância sempre foi uma marca de Morgan, já o era assim nesta fase inicial de carreira, a se ver por "Nakatini Suite". O riff talvez engane, pois o desenrolar da música revela um ritmo intenso, exigindo habilidade e ligeireza dos músicos. Depois de Morgan e Timmons, é Blakey novamente quem “apavora” em inebriantes rolos na caixa, surdo e tom-tom tomados de técnica e habilidade, em que dá para perceber sua desenvoltura no chimbal e a forma como segura a baqueta, movimentada pelo pulso e não pelo bíceps como fazem clássicos bateristas igual a ele.

Neste ano em que se completam cinco décadas sem o enfant terrible do jazz, nada melhor do que, ao invés de lembrar de sua morte, fazer o raciocínio contrário: lembrar da aurora de Lee Morgan. “Lee-Way” é para muitos a mais bem-acabada de suas obras do começo da carreira e, quiçá, de toda a marcante discografia do músico. O álbum que deu o caminho que ele seguiria marcando com seus passos firmes e intrépidos enquanto esteve sobre o planeta blue.

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FAIXAS:
1. "These Are Soulful Days" (Calvin Massey) - 9:25
2. "The Lion and the Wolff" (Morgan) - 9:40
3. "Midtown Blues" (McLean) - 12:09
4. "Nakatini Suite" (Massey) - 8:09

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Daniel Rodrigues

domingo, 17 de julho de 2022

quinta-feira, 14 de julho de 2022

"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", de Daniel Kwan e Daniel Scheinert (2022)

 


VENCEDOR DO OSCAR
MELHOR FILME
MELHOR DIREÇÃO
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
MELHOR MONTAGEM
MELHOR ATRIZ
MELHOR ATOR COADJUVANTE
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Sabe aquele filme que te faz entrar numa viagem tão boa, mas tão boa, que demora para sair dela? É o que acontece ao assistir “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”. Você fica dias com o filme na cabeça.

Michelle Yeoh interpreta Evelyn Wang, uma cansada mulher chinesa-americana que luta para se manter. As coisas ficam estranhas quando ela descobre que é a chave para salvar o multiverso, e que pode acessar o conhecimento e os talentos de todos os seus vários "eus" através dos infinitos universos.

Não sei por onde pode posso começar os elogios a esta obra, então vamos para um roteiro, que teria tudo para ser uma grande confusão, mas por conta dos seus diálogos perfeitamente escritos, tudo fica perfeitsmente amarrado sem deixar pontas soltas. O que falar dos figurinos, principalmente da personagem Joy Wang (Stephanie Hsu)? Gostei de muito de como roteiro trabalha as habilidades de cada versão da protagonista. Todas são bem diferentes, com diferentes habilidades, e, no entanto, são muito bem aproveitadas funcionando muito bem em tela (até mesmo a versão pedra). 

Temos atuações memoráveis que com certeza, capazes de alavancar a carreira de alguns atores, e até mesmo da já consagrada Michelle Yeoh, que só justifica o por quê de todo hype em cima dela. Mas também merecem destaque Joy Wang, que sempre que está em cena mostra força, cativa, tem humor, tem drama, e para o esquecido Ke Huy Quan (Waymond Wang), que faz a gente se perguntar onde esse cara estava esse tempo todo? Por favor mais filmes com ele! 

De resto, as cenas de luta são muito bem coreografadas e não dá pra deixar de elogiar a competente direção dos “The Daniels” que se mostram cada vez mais ousados e seguros de si

Uma forma única de abortar uma história tão complexa faz desse filme realmente um destaque. Apenas  lendo sinopse ou olhando trailers, talvez não se tenha a rela noção do que realmente o filme é. Tem que se jogar nele. “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, assim como viaja pelo multiverso, consegue viajar por temas e você pode ver com um olhar referente a relação mãe e filha, pai e filho, a relação de um casal e suas crises, e por aí vai. 

O longa é um show muito bem conduzindo, apesar grande número de informações que é jogado para o espectador. Por incrível que pareça, você não fica perdido e a edição muito dinâmica, acelera e freia nos momentos certos. “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” é a confusão mais organizada que você vai assistir nos últimos tempos.

Esse trio é muito bom. E não importa a versão do trio.



por Vagner Rodrigues


quarta-feira, 13 de julho de 2022

Música da Cabeça - Programa #275

 

Tá certo: não vamos competir com as lindas imagens espaciais do telescópio James Webb divulgadas esta semana. Mas que a gente pode aproveitar essa beleza pra anunciar nosso programa de hoje, pode. Neste Dia do Rock, vai ter além de Morcheeba, Nervosa, U2 o jazz muito rocker de Herbie Hancock  e mais. Além disso, Cabeça dos Outros rodando o saudoso Belchior. O  MDC entra às 21h, na estelar Rádio Elétrica. Produção, apresentação e fotos em alta definição: Daniel Rodrigues.



Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/